Cada um dos dois presidentes fica com o registo histórico que merece. A História é a História. O resto é conversa.
31 dezembro 2022
AS TATUAGENS
Tel Aviv 1992. As irmãs Esther, Leah e Rivka Greenwald são fotografadas pela filha da última (Vardi Kahana) exibindo as tatuagens sequenciais - A-7760, A-7761, A-7762 - que receberam à entrada do campo de concentração de Auschwitz em 1944. A fotografia tem 30 anos, mas aquilo que a fotografia denuncia é intemporal.
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OH P´RA ELE, FRANCISCO LOUÇÃ, À PORTA DA CAPELA DO RATO, TODO REPUBLICANO E LAICO…
31 de Dezembro de 1972. Um grupo de católicos progressistas reúne-se na Capela do Rato para realizar uma acção que decidiram baptizar de Vigília pela Paz. Em Setembro de 2009, por ocasião da campanha eleitoral para as legislativas, e num debate frente a frente entre Francisco Louçã pelo Bloco de Esquerda (um dos participantes na referida vigília) e José Sócrates pelo Partido Socialista, Francisco Louçã teve oportunidade de pregar uma mentira grande, gorda, grosseira, a respeito da sua relação com a religião. O que foi motivo para publicar o poste abaixo, comprovando o óbvio: que Louçã é, sempre foi, intelectualmente desonesto, o que não é despropositado recordar a pretexto deste episódio de que se cumprem hoje 50 anos.
«Se a memória não me tiver enganado no rigor das palavras, ontem (8 de Setembro de 2009) ouvi Francisco Louçã dizer no frente-a-frente com Sócrates que fora socialista laico e republicano toda a vida… Ora então vejamo-lo a exibir todo o seu laicismo republicano no canto superior esquerdo da fotografia acima, que foi tirada à porta da Capela do Rato, integrado num grupo de pessoas que na altura se designavam por católicos progressistas, grupo esse que se notabilizou por se ter instalado na dita Capela na passagem do ano de 1972 para 1973 para ali realizarem uma acção que decidiram baptizar de Vigília pela Paz.
Como os vigilantes costumam passar as vigílias a orar, já de há muito que tinha a curiosidade de perguntar ao Louçã de hoje, houvesse oportunidade, quais as orações que ele teria rezado durante tal vigília… O Padre-Nosso? O Ave-Maria? O Salve-Rainha? Será que ainda se lembra de alguma?... Claro que, depois desta tirada dele de ontem, a curiosidade ter-se-á tornado mais premente que nunca, embora confesse que a maneira como imagino que ele tenha passado o tempo na vigília na Capela possa ter sido muito mais variada do que pensaria originalmente: estaria a assobiar a Carmagnole? A trautear o Ça Ira? A cantar a Internacional?...
Como os vigilantes costumam passar as vigílias a orar, já de há muito que tinha a curiosidade de perguntar ao Louçã de hoje, houvesse oportunidade, quais as orações que ele teria rezado durante tal vigília… O Padre-Nosso? O Ave-Maria? O Salve-Rainha? Será que ainda se lembra de alguma?... Claro que, depois desta tirada dele de ontem, a curiosidade ter-se-á tornado mais premente que nunca, embora confesse que a maneira como imagino que ele tenha passado o tempo na vigília na Capela possa ter sido muito mais variada do que pensaria originalmente: estaria a assobiar a Carmagnole? A trautear o Ça Ira? A cantar a Internacional?...
O pudor não é republicano nem laico, é só pudor, mas convém que Francisco Louçã demonstre que o tem, pode não ser desde sempre, apenas durante estes dias que correm…»
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30 dezembro 2022
...EU TINHA UM MICROFONE...
Para quem se celebrizou a proclamar que tinha dois amores, o crepúsculo da carreira de Marco Paulo notabiliza-se por já nem um microfone conseguir ter. Perdeu-o em plena emissão em directo, quando quis exibir pela enésima vez aquela sua habilidade de o atirar de uma mão para a outra. Este instantâneo acima é do artista a correr atrás do microfone que lhe caiu em plena actuação, apesar da sua voz estridente continuar a soar por artes do «play-back» e enquanto a intérprete de linguagem gestual espeta o seu indicador como se o estivesse a enfiar «algures». Para mim, arrisca-se a ser uma das imagens televisivas do ano 2022.
A GUERRA CIVIL DO PS
Nada mais apropriado para a cobertura do caso Alexandra Reis do que a associação de duas imagens: à esquerda, o despacho da Lusa, porta voz governamental e socialista, anunciando ontem à tarde aquilo que seriam os seus desejos - que o escândalo se encerrasse com a demissão de Pedro Nuno Santos; à direita, a capa matinal de hoje do Correio da Manhã mostrando que aquilo que o «PS diz» à Lusa não se escreve. O escândalo continua hoje e o artigo torna público o que ontem se tornou um segredo de polichinelo: que a mulher de Fernando Medina terá sido uma das intervenientes próximas ao processo da indemnização excepcional que foi concedida a Alexandra Reis. Aparentemente, o primeiro-ministro está muito longe de ter proferido uma decisão salomónica, aceite pela facção derrotada. Regista-se o esforço de, de dentro desta última, ter-se seleccionado o ministro Duarte Cordeiro para dizer coisas e acalmar as suas hostes. Só que, se António Costa parece já não ter grande autoridade sobre o partido, Duarte Cordeiro nunca a teve sobre a sua facção, e, a encerrar-se por agora e nestes termos, o caso Alexandra Reis saldar-se-á com uma indulgência inaceitável para com Fernando Medina, reconhecido à boca pequena como o sonso que finge que não sabia aquilo que se sabe que ele sabia. Não sei se lhe perdoarão. Por muita absoluta que seja a sua maioria, o PS parece estar mergulhado numa guerra civil.
29 dezembro 2022
A QUINTA GRANDE DIFERENÇA, A QUE JOÃO MIGUEL TAVARES NÃO TERÁ CORAGEM DE ASSUMIR
Nesta passagem do artigo de opinião de João Miguel Tavares há ainda uma quinta grande diferença entre 2022 e 2004, uma diferença que me parece tão provável não lhe ter ocorrido, como será provável que ele não tenha coragem de a assumir, considerando a sua imagem de marca do seu discurso anti-socrático. E essa diferença é que em 2004, antes de sabermos o que sabemos hoje a respeito de José Sócrates, 5) ele parecia uma alternativa admissível aos disparates do primeiro-ministro em exercício. Mas agora, dezoito anos passados, por culpa desse mesmo José Sócrates, e também de Pedro Passos Coelho, a atitude deixou de ser a que era, essa disposição não desconfiada de como os portugueses acolhem as alternativas políticas. Esse temor à mudança já se exprimiu nas urnas no princípio deste ano com uma maioria parlamentar absoluta conferida ao PS. E é preciso que agora haja um desespero tremendo - tremendo mesmo! - para que seja levada a sério a hipótese de criar condições para que Luís Montenegro, que nunca fez parte de qualquer governo(!), venha a chefiar um, assim do pé para a mão.
COMO SE FAZ POR CONSERTAR (EM PARTE) O DESASTRE DA BAÍA DOS PORCOS, A INVASÃO FALHADA DE CUBA
29 de Dezembro de 1962. O presidente Kennedy e a esposa Jacqueline participam numa cerimónia de acolhimento aos cubanos que haviam participado na frustrada operação da Baía dos Porcos em Abril de 1961. Os 1.113 participantes que haviam sobrevivido ao cativeiro de 20 meses nas prisões cubanas tinham sido libertados muito recentemente contra doações substanciais (53 milhões de dólares) de alimentação e medicamentos a Cuba. A cerimónia teve lugar num estádio de Miami, que era a capital da comunidade exilada cubana. Numa cerimónia cuidadosamente encenada, em que o presidente não se queria envolver directamente, foi a sua esposa que proferiu um discurso num castelhano esforçado, mas estropiado:
«É uma honra para mim estar hoje entre um grupo dos homens mais valentes do mundo (aplausos) e de participar na alegria dos membros das suas famílias que por tanto tempo viveram esperançadas, rogaram e esperaram (mais aplausos). Sinto-me orgulhosa pelo meu filho tenha conhecido os seus oficiais (aplausos). Ele é demasiado novo para se dar conta do que aconteceu, mas terei ocasião a história da vossa valentia (aplausos). Espero e desejo que ele venha a ser um homem com, pelo menos, a metade da valentia que mostraram... (aplausos) ...que mostraram os membros da brigada 2506. Boa sorte. »
Era um discurso simpático de escutar, granjeava a Kennedy uma certa simpatia por interposta pessoa, mas não o comprometia pessoalmente no que fora um fiasco, para o qual, percebe-se hoje, fora praticamente empurrado pela CIA.
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MOMENTOS FATAIS
29 de Dezembro de 2012. A câmara de uma viatura que circulava numa das vias rápidas à volta do aeroporto moscovita de Vnukovo capta parcialmente as imagens do desastre que acaba de se registar na pista à sua direita com um Tupolev Tu-204 que acabou de falhar a aterragem. O automóvel que leva a câmara e o que o precede são bombardeados com os destroços do avião. São imagens de uma fatalidade inevitável: os ocupantes dos automóveis quase nada poderiam fazer para os evitar, aos destroços.
28 dezembro 2022
A OCUPAÇÃO DA EMBAIXADA ISRAELITA NA TAILÂNDIA
28 de Dezembro de 1972. Com o destaque de primeira página que a imagem acima documenta, «quatro guerrilheiros árabes (palestinianos), armados de metralhadoras ligeiras» haviam ocupado «a embaixada israelita em Bangkok, capital da Tailândia» mantendo «como reféns quatro ou cinco diplomatas judeus». Mesmo dispensando o resto dos detalhes, tratava-se de um daqueles acontecimentos que, para o jornalismo puro e duro, prometia grandes cachas jornalísticas. Palestinianos a sequestrar israelitas?! Bastava pensar no que acontecera em Munique apenas há três meses! E contudo, guardado para o dia seguinte estava um desfecho tão surpreendente quanto pacífico. Por iniciativa do embaixador egípcio na Tailândia, que persuadiu os sequestradores palestinianos a desistirem das suas reivindicações enquanto lhes prometia um salvo conduto até ao Cairo, o evento veio a terminar pacificamente no dia seguinte. A surpresa era tanto maior quando, à época, israelitas e egípcios eram inimigos acérrimos. E, num último retoque de inesperado, antes da partida dos palestinianos, os quatro homens armados e cinco diplomatas jantaram juntos dentro da embaixada! Como não morreu ninguém, hoje já ninguém se lembra disto, ao contrário do que aconteceu em Munique. Embora não o confessem, os jornalistas gostam é de sangue porque as histórias com um final feliz nunca dão boas notícias.
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27 dezembro 2022
...O TRUQUE DE FINGIR QUE NÃO É NADA COM ELES...
Gostaria de lembrar que, nesta história da indemnização concedida à actual secretária de Estado do Tesouro, o expediente adoptado pelos dois ministros (Medina e Santos) não é novo: já em Abril deste ano a ministra dos Assuntos Parlamentares havia utilizado precisamente o mesmo truque para deflectir o escândalo dos refugiados ucranianos que estavam a ser acolhidos por russos em Setúbal. Os assessores são os mesmos e o spin também... Só que em vez da TAP, o destinatário para as perguntas (a respeito das responsabilidades de que Ana Catarina Mendes se queria descartar) era o Comissariado para as Migrações... O expediente é, não só primário, como transparente da intenção de procurar transferir a culpa para outros... Mas parece vingar no ecossistema especial em que se transformou o governo de António Costa. Tal como Fernando Medina e Pedro Nuno Santos, também Ana Catarina Mendes (os três da foto acima) sabe como medrar naquele ambiente malsão em que a regra é evitar assumir responsabilidades políticas (à imagem do que faz o primeiro ministro). Em contrapartida, Marta Temido, que se esqueceu de fazer uma cena perguntando a Graça Freitas e à Direcção Geral de Saúde porque é que as urgências de ginecologia dos hospitais fechavam, essa já abandonou o governo...
O CONTRABANDO DE OURO PARA FRANÇA
27 de Dezembro de 1952. Uma notícia originária de Lille, cidade do Norte da França, fronteiriça com a Bélgica, dá conta de um episódio de contrabando de ouro, uma actividade então muito lucrativa, e que, como se depreende da notícia, merecedora de correr riscos. Torna-se contudo incompreensível passados 70 anos, com a criação da CEE (hoje União Europeia), depois de décadas do desaparecimento das barreiras alfandegárias entre países europeus. Porém, à época, a importância da actividade era tal que é precisamente um episódio de contrabando de ouro que serve de começo da primeira aventura de Lefranc, «A Grande Ameaça», que foi publicada originalmente em 1952.
26 dezembro 2022
A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DE CASAMANSA
26 de Dezembro de 1982. O Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC), um movimento independentista daquela região do Senegal (mapa acima), organiza uma marcha pacífica em Ziguinchor (capital regional) em direcção ao palácio do governador. Aí chegados, os manifestantes decidem substituir a bandeira senegalesa ali hasteada pela do movimento. A repressão das autoridades senegalesas envolveu uma dura intervenção policial, a que se seguiu a detenção dos dirigentes conhecidos do MFDC, incluindo o líder, o padre Diamacoune Senghor. A data passou a ser considerada o início da fase de rebelião armada pela independência de Casamansa, uma luta que tem prosseguido nestes 40 anos desde aí, com fases mais violentas e de enfrentamento armado entre rebeldes separatistas e o exército senegalês, e outras fases mais disputadas às mesas das negociações políticas: assinaram-se cessares-fogo em 1991, 2001, 2004, mas a questão de encontrar uma solução política pacífica para aquela região do Senegal persiste.
As lutas secessionistas dentro dos países africanos são um daqueles assuntos incómodos de que pouco se fala na comunicação social. Fala-se pouco porque o assunto não nos interessa, aos europeus. E fala-se pouco porque os europeus podem ser considerados a causa original de quase todos esses conflitos, quanto traçaram as fronteiras das colónias africanas na Conferência de Berlim em 1884 sem considerações pelas afinidades étnicas e a(lguma)s circunstâncias históricas que recomendariam outras soluções. Neste caso concreto de Casamansa, a história da presença formal e informal de portugueses e cabo-verdianos naquela região desde o século XV recomendaria que o território tivesse sido atribuído à esfera portuguesa como prolongamento da sua colónia da Guiné (hoje Guiné Bissau). Mas foi o interesse francês que prevaleceu e a região a sul da Gâmbia (atribuída, por sua vez, aos britânicos) acabou por lhes ser atribuída, sobrepondo-se às ambições portugueses. O irónico de toda esta história é que já os portugueses haviam abandonado as suas pretensões coloniais e África há uns anos (o que aconteceu em 1975), quando esta espécie de herança lusitana vem a ser brandida pelos independentistas da MFDC para a sua luta política e a sua guerrilha. Assim é desde há 40 anos, com a diplomacia portuguesa a fazer os melhores esforços para explicar que o assunto não tem nada a ver connosco...
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25 dezembro 2022
UMA FRIA NOITE DE DEZEMBRO NA PRAÇA DOS RESTAURADORES
Há um qualquer coisa nesta fotografia - serão os reflexos de luz emitidos pelo asfalto e pelos carros estacionados? - que transmite aos olhos do observador o frio desagradável da noite, um frio que até entra - metaforicamente - pelos ossos de quem a vê. A hora está afixada no reclame luminoso: 22" 18". O dia é mais difícil de precisar, mas o filme que se vê em exibição no cinema Condes - Homens na Arena - esteve em cartaz naquele cinema entre os dias 12 e 26 de Dezembro de 1952.
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BOAS FESTAS (em serviços mínimos)
Embora haja que reconhecer que cada qual colocará o empenho que lhe apetece nos votos de boas festas que formula e endereça aos outros, ele haverá episódios em que, apenas pela leitura, e por tão secos, nos perpassa uma fundada dúvida da sinceridade natalícia como os devemos acolher. É assim como enfeitar a árvore de Natal, mas só com um esforço mínimo, sem alçar os braços.
O NATAL DO BURLÃO E O NATAL DO BURLADO
As duas notícias acima são de 24 de Dezembro de 2012, chegadas mesmo a tempo para estragar o Natal de Nicolau Santos (à direita). A sua nota pública, em que admitia o erro (acima ao centro), explica o caso: Artur Baptista da Silva «falava em nome da ONU», Nicolau Santos gostou do que ele disse numa conferência que ele dera no Grémio Literário, fizera-lhe uma entrevista que fora publicada no Expresso e o sucesso da entrevista fora tão grande que acabara mesmo por ser convidado para aparecer na SIC (abaixo), um aparecimento que seria a validação para o grande público do extremo interesse das ideias do senhor e que o tornaria alvo de disputa entre órgãos de comunicação rivais a partir daí. Só que Artur Baptista da Silva não passava de um mitómano com um passado criminal, como depois se veio a descobrir, já ele fora lançado para o estrelato mediático. E, aquilo que fora uma descoberta jornalística de Nicolau Santos, acabou desabando-lhe em cima como protagonista de um tremendo gozo, entremeado de acusações de incompetência, já que a concorrência - que se havia apressado a seguir-lhe na peugada nas entrevistas ao «funcionário da ONU» que dizia coisas tão interessantes - se apressou em descartar das responsabilidades de não ter, também ela, verificado a legitimidade de quem tão bem assim falava, desculpando-se que admitira que tal já fora feito antes (pelo Expresso). Enfim, Nicolau Santos era o burro do presépio, uma situação que me condoeu e que levou até a enviar-lhe uma mensagem de simpatia, quiçá espírito da quadra. Gosto de pensar, pela resposta que recebi, que algum ânimo lhe deu. Anos depois, numa outra troca de mensagens com Nicolau Santos, apercebi-me que a referência ao nome Artur Baptista da Silva ainda lhe causava azia no estômago, o que será porventura compreensível. De toda a maneira, este «faux pas» natalício de há dez anos, não terá interferido sobremaneira na sua carreira, que o viu ascender, dali por seis anos, em 2018, a presidir à agência Lusa.
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24 dezembro 2022
A ÁRVORE DE NATAL QUE NÃO DEIXA «PEGADA ECOLÓGICA»...
Este Natal estou muito contente, pois devo ter escolhido, finalmente, uma fotografia de uma árvore de Natal que parece ser à prova de todas as críticas ambientalistas. Ou, se calhar, não...
«PORQUE É QUE AS ESPECIALIDADES TRADICIONAIS DA EUROPA PODEM NÃO SER AQUILO QUE PARECEM»
«Passear pelas ruas estreitas de Praga dá fome. E que melhor maneira de encerrar um passeio turístico do que com uma típica iguaria local? Que tal um “trdelník”? Vire-se para onde se virar na capital checa hoje em dia e é provável que esteja a ver uma barraca que vende esse doce de nome impronunciável. Conceba-a como uma massa dinamarquesa cruzada com frango assado: a massa doce é enrolada num espeto de metal e é teatralmente girada lentamente sobre o carvão brilhante até dourar, e depois mergulhada numa mistura de nozes e açúcar. A “velha especialidade boémia” que nos é assim anunciada pelo vendedor aquece as mãos em um desses passeios de inverno, enquanto no verão pode ser usado como invólucro de sorvete. De qualquer maneira, por alguns minutos saborosos, podemo-nos imaginar um burguês de uma Praga medieval, deliciando-nos de boca doce enquanto passeamos pela Ponte Carlos. Dobrou chut!»
Na verdade, e como o próprio autor do artigo se encarrega de explicar, tudo o que aparece acima é uma grande treta. E neste caso até eu próprio me sinto em condições de confirmar: quando visitei Praga no Outono de 2003 não me deparei com nenhum «trdelník». Como o colunista da The Economist explica nos parágrafos seguintes, o tal de trdelník é uma tradição de Praga que não tem mais de uma década. E, além disso, nem sequer é originário de Praga. E depois segue-se um desfiar de artigos tradicionais da gastronomia europeia que tem histórias muito mais recentes do que aquilo que se poderia pensar, como a ciabatta, o pão italiano que tem apenas 40 anos. Foi inventado em 1982 para rivalizar com a baguete francesa. Ou as cervejas belgas de forte teor alcoólico - duplo, triplo, quádruplo - que se explicam porque as tabernas naquele país foram, desde 1919, proibidas de vender aguardentes. Daí puxarem pela cerveja. Ou o fondue suíço, um prato aparentemente ancestral, mas popularizado apenas a partir da década de 1930, quando a quebra do comércio mundial e das exportações de queijo suíço, obrigou os produtores suíços a promover o consumo doméstico dos seus stocks. E o artigo menciona ainda mais dois ou três exemplos - como o creme irlandês (Bailey's) que, inventado em 1973, é dado como «mais novo do que Liam Gallagher» (dos Oasis). Mas a minha nota vai para uma especialidade portuguesa que lá não aparece e que encaixa perfeitamente nestas descobertas gastronómicas do século XX: a francesinha. Aqui, como acontece com o trdelník inicial, também tenho uma perspectiva pessoal da história: por muito que lhe queiram conferir uma antiguidade de 70 anos, a popularização da sandes só começou de há uns 25 anos para cá.
O ASSASSINATO DO ALMIRANTE DARLAN
24 de Dezembro de 1942. O vídeo de propaganda da época, apesar do primarismo que os costumava caracterizar, nem sequer tenta disfarçar o incómodo que representava para os comandantes aliados (identificam-se nas imagens os Generais note-americanos Dwight D. Eisenhower e Mark W. Clark) a pessoa do Almirante Darlan que, tendo sido a segunda figura da hierarquia da França de Vichy, se transferira para os aliados por ocasião dos desembarques aliados no Norte de África, que haviam tido lugar mês e meio antes. Concorria para denegrir a imagem do homem que viera de Vichy, agora com o título da «Alto-Comissário de França em África» uma ampla coligação que envolvia os liberais americanos, os gaullistas e os comunistas franceses e quase todos os britânicos, que apresentavam o almirante como a negação viva dos ideais pelo qual a coligação dos Aliados se dizia bater. Pelas 15 horas de há 80 anos, apresenta-se um jovem no Palácio de Verão em Argel que deseja ver Darlan por uma questão urgente, explica. Deixam-no esperar no salão de espera. Passado uns momentos, quando Darlan regressa do almoço, o jovem dispara três tiros à queima-roupa. Apesar de se tratar de uma pistola de calibre 6,35 mm e de apenas dois dos três tiros o terem atingido, o Almirante Darlan morre passadas duas horas no Hospital de Argel para onde foi levado de imediato. O assassino chamava-se Fernand Bonnier de La Chapelle, tinha apenas 20 anos e descobriu-se ter simpatias monárquicas. Mas a investigação sobre até onde iria a conspiração foi cortada cerce com um julgamento sumário de tribunal marcial em pleno dia de Natal que durou apenas esse dia, tomando por boa a confissão do réu de que não tivera cúmplices: «não é necessário sermos muitos para abater um traidor». A sentença - fuzilamento - foi executada logo pela madrugada do dia imediatamente seguinte, 26 de Dezembro de 1942. Todos gostamos de uma justiça expedita mas quando ela é assim tão expedita é caso para se desencadearem as maiores especulações...
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23 dezembro 2022
BOAS FESTAS!!!
Capa da revista Tintin de há cinquenta anos. Uma década depois já a revista havia desaparecido mas, por aqueles dias, preenchia-me a existência e parecia-me eterna.
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O ÚLTIMO A SAIR QUE APAGUE A LUZ
Há precisamente quarenta anos o actual presidente da República aparecia enredado numa daquelas situações políticas que ele tinha a reputação de adorar congeminar... para os outros. Como se pode ler acima, Marcelo tinha-se demitido do cargo de ministro para os Assuntos Parlamentares no princípio daquele mês de Dezembro de 1982, mas o primeiro-ministro Francisco Balsemão embrulhara a sua saída do cargo numa teia de formalismos burocráticos, que haviam feito que Marcelo tivesse perdido o impacto do seu gesto, quando o governo de que se demitira se demitiu colectivamente por sua vez passado pouco mais do que uma semana. E a situação é noticiada com uma certa nota de divertimento. Se há coisa que não passou desde há quarenta anos é que se nota um certo gozo colectivo quando é Marcelo a ser vítima das partidas políticas que tanto gosta de pregar aos outros.
NATAL 1972
Para os nostálgicos das mesmas nostalgias que as minhas, uma pequena panorâmica - a preto e branco, como se impõe - de como eram as iluminações de Natal da baixa pombalina nesta mesma quadra de há cinquenta anos.
22 dezembro 2022
PONHAM, AO MENOS, UM TOSTÃO NA VOSSA INDIGNAÇÃO...!!!
Aqui há coisa de uma semana e meia, circulou pelo Mundo um pequeno episódio ocorrido no parlamento da Nova Zelândia em que, no período de perguntas à primeira-ministra (Jacinda Ardern), esta se deixou descair (ainda com o microfone ligado), com um comentário desdenhoso («arrogant prick») em relação ao deputado que acabara de a questionar. Às vezes acontece - aprecie-se um outro exemplo em Londres ainda há quatro anos e há quatro primeiros ministros atrás!... Regressando à Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que é tratada como uma espécie de querubim da comunicação social mundial, lá pediu desculpa publicamente ao visado e o episódio estaria agora encerrado não fora o último remate em módulo de humor: por ideia do insultado foi emitido e emoldurado um certificado oficial da acta da sessão parlamentar do insulto, acta que foi assinada pelos dois (na foto abaixo). E o certificado acabou por ser leiloado numa sessão de angariação de fundos para financiar as investigações para o tratamento do cancro da próstata*. Foi arrematado por NZ$ 100 000 (o equivalente a € 59 000), conforme se pode ler na notícia do Diário de Notícias de hoje. Aparentemente um bom destino para um insulto. E houve quem se dispusesse a pôr dinheiro na questão.
O clima e o desfecho benemérito que acabámos de descrever, pode ser apresentado em contraste com o insulto de um outro primeiro-ministro, num país nos antípodas do de Jacinda Ardern. Foi António Costa (pois claro!) que, também há coisa de uma semana, deu uma entrevista em que, aí já voluntariamente e sabendo que o microfone estava ligado, deu voz a uma opinião muito desagradada e também muito desagradável a respeito, não de um, mas dos membros em geral da oposição liberal («queques que guincham»). Seguiu-se a indignação institucional (abaixo, João Cotrim de Figueiredo e o Observador), mas sem que o primeiro-ministro português, nesse caso, apresentasse quaisquer desculpas. E é aqui que se vê a diferença entre aquilo que se pode aprender vindo do exterior, e as manifestações exuberantes mas inconsequentes da nossa sociedade civil e redes sociais, já que estes últimos não dão um tostão para tanta indignação! Que tal os «queques», mais o seu empreendedorismo liberal, tomarem a iniciativa de promoverem um leilão de chamuças hiperpicantes, cuja receita reverta para as vítimas das recentes cheias em Lisboa? Tanto mais que o próprio primeiro-ministro reclama ter sido uma dessas vítimas...
* Parece-me ter havido uma subtil ironia na escolha da causa. O cancro da próstata é uma maleita exclusivamente masculina. E o insulto escolhido por Jacinda Ardern (prick - literalmente, pénis) conteria também uma acusação implícita de machismo, aqui confrontada com o financiamento de uma doença que ataca exclusivamente os homens.
UM VERDADEIRO FURO JORNALÍSTICO EM VÉSPERAS DE NATAL
22 de Dezembro de 1947. O Diário de Lisboa concede um espaço da sua primeira página à notícia que se «admitiria que já» houvesse «aviões capazes de velocidades supersónicas». Contudo, no desenvolvimento da notícia, no que hoje se comprova ter sido uma manobra de desinformação, um coronel americano que era o comandante de uma base aérea californiana chamada Muroc (que o leitor português não faria a mínima ideia onde ficava*...), desmentia a notícia... sem verdadeiramente a desmentir, assegurando que «teria» tido «conhecimento do facto se ele tivesse ocorrido». «Parecia-lhe uma outra história semelhante à dos discos voadores». Na verdade, esse primeiro voo supersónico tivera mesmo lugar a 14 de Outubro daquele ano, e o aparelho que o realizara, um Bell X-1, conduzido pelo piloto de ensaios Chuck Yeager, descolara precisamente da base aérea comandada pelo coronel Gilkey**, que agora fazia figura de ingénuo. Mas a admissão oficial que o voo supersónico tivera lugar só se virá a verificar daí por quase seis meses, em Junho de 1948. Quando hoje se vê o documentário oficial sobre o feito do voo de Chuck Yeager (abaixo), nem nos apercebemos que se tratou de uma proeza inicialmente clandestina, por causa das vicissitudes da competição científica da Guerra Fria.
* Nem aparentemente o jornalista que, por duas vezes, escreveu o nome incorrectamente: Nuroc.
** E não Gilkie como o jornalista escreveu.
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21 dezembro 2022
«SALÁRIOS EM PORTUGAL EM DÉCIMO LUGAR A CONTAR DO FIM»
Depois de anteontem me ter aqui referido a avaliações, indicadores e gráficos publicados internacionalmente, que não teremos oportunidade de ver traduzidos em português, porque dão uma boa imagem de Portugal, agora observemos outros que já não dão uma boa imagem de Portugal e que são (naturalmente...) traduzidos, mas que, ainda assim, são tratados pela nossa comunicação social para dar uma imagem ainda pior de Portugal. A explicação preliminar para o exemplo mais recente que escolhi é esta: o Eurostat divulgou um novo indicador - o salário médio anual praticado em cada país da União Europeia. O salário português aparece em 17º lugar entre os 26 países da União (€ 19 300). Mas os cabeçalhos a que temos direito são do género: «Salário médio em Portugal é o décimo mais baixo da União Europeia». E, para realçar como somos miseráveis, aprecie-se a maneira como se distorce o gráfico de barras como é publicado originalmente no Eurostat (o que aparece imediatamente abaixo), substituindo-o por outros muito mais esticados nas colunas das ordenadas, para português gostar, para que se realce a amplitude das assimetrias europeias e sobretudo do nosso atraso em relação à Europa... É este discurso que a comunicação social acha que o seu consumidor quer, e é esse que lhe serve, o do queixume e do nosso atraso.
O problema põe-se àqueles que não se satisfazem apenas com esta narrativa e este jogo visual. E que queiram ver para além da lamúria, mais metodicamente, a que valores correspondem os outros países da União. E aquilo que se descobre pode não ser compatível com outras histórias e outros gráficos de onde Portugal - surpresa! - também não se sai bem em comparação com o resto da Europa. Tomemos o caso do Expresso, onde esta notícia foi escrita pela jornalista Rita Robalo Rosa sob o título «Portugal pagou o 10º salário mais baixo da Europa em 2021» (abaixo, à esquerda). Só que quem for assim mais curioso, pode descobrir que, no gráfico, a Roménia aparece 7 lugares abaixo de Portugal, em antepenúltimo lugar (€ 13 000). E como é que se consegue compatibilizar essa colocação da Roménia com uma outra notícia desse mesmo Expresso, publicada ainda não há um mês pela jornalista Joana Nunes Mateus, anunciando que «Roménia ultrapassa Portugal no PIB per capita em 2024»? Os romenos vão enriquecer à bruta em 3 anos, de 2021 para 2024? Ou ninguém percebe de economia naquele jornal? Naquele... e nos outros. Ou, mais provavelmente, nada disto é para levar a sério?...
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Política
A COMEMORAÇÃO DA PRIMEIRA DÉCADA DEPOIS DO FIM DO MUNDO
21 de Dezembro de 2012 foi o último dia contemplado pelo calendário maia, circunstância que levou uns patuscos, cheios de imaginação, a antecipar que essa seria a data do fim do mundo. E para dar um cunho ainda mais disparatado a tudo isso, um alargado grupo de empreendedores dispôs-se a facturar à custa da credulidade alheia. Há precisamente dez anos, veio o dia, e o Mundo cá continua.
Mas, sendo o fim do mundo, não é o fim desta história, pois percebeu-se que o processo possui as suas virtudes, já que há sempre no auditório quem não aprenda com a experiência e se disponha a assustar-se novamente se o alarmismo for muito convincente. Vejam-se os exemplos abaixo a anunciar um novo colapso financeiro de Portugal em 2015, 2016, 2017... E continuam por aí, à solta...
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A ASSINATURA DO TRATADO INTER-ALEMÃO
21 de Dezembro de 1972. Tem lugar em Berlim-Leste a assinatura de um denominado «Tratado Fundamental» que passará a regular as relações entre os dois países que passaram a formar a Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial. Na sua língua nativa o tratado tem o título completo de «Vertrag über die Grundlagen der Beziehungen zwischen der Bundesrepublik Deutschland und der Deutschen Demokratischen Republik», locução que foi simpaticamente abreviada pelos próprios para «Der Grundlagenvertrag». Simplificando a explicação sobre aquilo que foi então assinado, por este tratado as Alemanhas Ocidental e Oriental reconheciam-se mutuamente como estados soberanos, abrindo cada um na outra Alemanha uma «missão permanente» (embaixada). Até então, e recorde-se que já então se haviam passado 27 anos e meio depois do fim da Segunda Guerra Mundial e 23 anos do fim das ocupações pelos Aliados, os dois lados da Alemanha haviam tido que tratar dos seus problemas comuns fingindo que não se conheciam de lado nenhum.
20 dezembro 2022
O MASSACRE DE TURIM
O Massacre de Turim consistiu numa série de onze assassinatos perpetrados em represália a dois iniciais que foram cometidos entre 18 e 20 de Dezembro de 1922 em Turim, pelas milícias fascistas, comandadas pelo dirigente local Piero Brandimarte. Tudo começara Domingo, 17 de Dezembro, à noite, quando, numa confrontação entre comunistas e fascistas a que o álcool muito deveria, dois militantes fascistas foram mortos a tiro. Os dois agressores comunistas também ficaram feridos mas esconderam-se. Nos três dias imediatamente seguintes, as milícias fascistas da cidade, em superioridade numérica e perante a completa passividade policial, procederam a um contra ofensiva sobre os militantes comunistas, anarquistas e socialistas de Turim, da qual resultaram onze mortos, para além de 26 feridos. Aquilo que mais terá impressionado os observadores, como se depreende da notícia então publicada, foi a impunidade como as milícias operaram e não foram sancionadas, cobertas por Cesare de Vecchi, um dos quadrúnviros do fascismo italiano, cujo feudo era precisamente a cidade de Turim. A Lei sob o fascismo não era igual para todos.
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«DA CHINA COM ÓDIO! BRUCE LEE, A FACE DA VINGANÇA» aka OS CLONES DE BRUCE LEE
20 de Dezembro de 1982. Dando uma vista de olhos aos filmes em cartaz em Lisboa, deparamo-nos com esta preciosidade, já em terceira semana de exibição no cinema Odéon, para um género de cinéfilo que não era propriamente muito sofisticado, mas que era, reconhecidamente, muito fiel aos filmes de karaté (de artes marciais, designação usada por aqueles que já se consideravam intelectuais, leitores - da capa - dos "cahiers du cinéma"). O reverenciado mestre dessas artes marciais, Bruce Lee, já morrera quase há dez anos, mas a exploração do filão dos filmes do género que estivessem, de alguma forma, associados ao seu nome prosseguia, até nada dali restar. Este é um dos últimos, quando o expediente chegara aos confins do ridículo, mas quando, mesmo assim, ainda mobilizava o fundo do tacho dos apreciadores do género - uma terceira semana de exibição era um bom indicador de que as assistências estariam a ser boas, talvez por causa do (subsídio de) Natal. Sem querer desvendar muito o enredo (para obrigar o leitor a ver o video abaixo...), a intriga envolve um conjunto de clones do Bruce Lee, cujos actores são conhecidos pelos imaginativos pseudónimos (acima) de Dragon Lee, Bruce Le e Bruce Lai! Mas, melhor que eu, deixo a palavra mais abaixo, a um comentador que escreveu a sua apreciação na página do Imdb do filme, já que acredito que ele sim, tenha visto o filme todo!... Há quarenta anos, e embora não pensássemos imediatamente nele como inspirador do espírito da quadra, era capaz de ser um excelente filme de Natal!
Aqui está mais um na longa lista de filmes a explorar a figura de Bruce Lee, que surgiram após a morte prematura daquele grande homem.
Bem, antes de tudo, há que conceder aos criadores que o enredo do filme é completamente ridículo (ou seja: é espectacular!)! Há, no entanto, apenas um pequeno problema básico: os três clones da estrela das artes marciais, não se lhe assemelham; nem entre eles, o que é ainda mais alarmante!!!) Ainda assim, não vamos relevar esses factores hmmm. inconsequentes; em vez disso, vamo-nos deleitar com a série interminável de combates, lutas e pancadaria em geral no meio de um visual com a moda dos anos setenta (incluindo enormes óculos de sol e medalhões ao peito) e ainda com a presença dos sempiternos favoritos dos filmes B do género: Bruce Le, Dragon Lee e Bruce Lai.
Também digno de nota, há algumas cenas reconhecidamente patuscas, incluindo uma sequência totalmente despropositada com um grupo de garotas nuas na praia e, noutro conjunto de cenas, um bando de guerreiros gordinhos de bronze que simplesmente não conseguem entender que mascar plantas venenosas não é bom para a boa saúde!!!
Apesar dos predicados mencionados acima, há que admitir que o filme é bastante trivial na sua execução e que os inúmeros combates - que representam, naturalmente, a maior parte do tempo de duração do filme - acabam por se tornar um tanto cansativas ao fim de algum tempo. No entanto, como disse acima, o crédito é devido pela pura estupidez do enredo, que acaba por tornar o filme numa espécie de clássico!
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19 dezembro 2022
OS VENCEDORES IMPROVÁVEIS DE 2022
Este artigo foi publicado ontem na revista The Economist. Dele recuperei para ilustração e para além da apresentação, o parágrafo que considero mais significativo e o quadro explicativo que acompanha o artigo. No parágrafo que seleccionei, pode ler-se que «Pela primeira vez desde há algum tempo, a animação económica desenrola-se no Mediterrâneo. Em primeiro lugar na nossa (deles) lista está a Grécia. Outros países que se afundaram no princípio da década de 2010, como Portugal e Espanha, também aparecem bem classificados. Mas não são as únicas surpresas agradáveis. Apesar do caos político, Israel sai-se bem. Entretanto, apesar da estabilidade política, a Alemanha sai-se mal. E dois países bálticos, a Estónia e a Letónia, que tanto receberam elogios pelas suas reformas atempadas na década de 2010, aparecem no fim da lista.»
O que me motivou a publicar uma síntese do artigo aqui no Herdeiro de Aécio, destacando-o, é que, ao contrário do que acontece com tantos outros artigos da The Economist que se referem a Portugal, creio que este não irá receber grande atenção na comunicação social portuguesa. Pelo lado governamental, o artigo não contém nada que se possa fazer spin em prol da actividade do primeiro-ministro: a economia portuguesa está a sair-se bem (comparativamente) e é (apenas) isso. E, pelo lado daquela oposição que nos habituámos a ver a invocar estes elementos de autoridade vindos do exterior, como isto são notícias boas para os portugueses, não serve para nada; pior, dão-se notas positivas a países proscritos como a Grécia e há notas negativas a países bem sucedidos como a Estónia. Ora, o que tanto a oposição como a informação quer, é dar-nos notícias negativas, por sermos ultrapassados pela Roménia, mesmo que isso seja mentira.
Já há muito que eu havia deixado de aceitar, sem inspecção da fonte, aquilo que aparece na comunicação social portuguesa referenciado como vindo do estrangeiro. Vezes demais é deturpado. Mas, mais grave que isso, a verdade é que, para uma boa informação, temos que ser nós a ir ao estrangeiro à procura dessas referências, pois, como desconfio que será este caso, há muitos episódios que nos escapam por omissão.
«CROCS»: A FAZER OS HUMANOS PASSAREM POR IDOTAS DESDE HÁ VINTE ANOS
Estando o ano de 2022 a chegar ao fim, ele há efemérides de que se completaram este ano o vigésimo aniversário sem que eu consiga datar esse aniversário com precisão. É o caso destas estúpidas sandálias chamadas crocs, uma aberração a que eu já há quinze anos dediquei um apreciador texto depreciativo. Parafraseando um outro ditado popular português o que é feio tem muita força.
18 dezembro 2022
A ESTREIA MUNDIAL DE «ANIKI-BOBÓ»
18 de Dezembro de 1942. Dia da estreia do filme Aniki-Bobó no cinema Éden em Lisboa. A edição desse dia do Diário de Lisboa publica uma entrevista com o «novo realizador» Manuel de Oliveira. A crítica do dia seguinte concede um acolhimento simpático, mas tépido, ao filme. Mas tem a delicadeza de omitir a pateada como o filme fora acolhido, vindo de um público que estava habituado a outros estilos cinematográficos. E eu, estando muito longe de patear, também confesso que nunca fui um grande apreciador do filme.
À CONVERSA COM UM «ROBOT»
Foi uma revelação para mim a crónica deste fim de semana de José Pacheco Pereira no Público (acima). Contém duas passagens (realçadas a itálico e por mim transcritas abaixo) em que o autor transcreve as respostas que terá recebido, produzidas pela Inteligência Artificial de um site que indica. As respostas, como se pode comprovar, são assustadoramente impressionantes, parecem humanas. Tenho até um amigo que opina usando este mesmo género de banalidades, mas que, infelizmente, tem menos jeito para escrever do que esta máquina e que, na improbabilidade de ter lido esta crónica, é capaz de ficar complexado. Mesmo sem saber que parcela de mérito posso atribuir ao pensador e qual a atribuir ao tradutor, estes parágrafos equivalem-se, na sua capacidade de recapitular o óbvio que já se sabe, de não acrescentar nada de novo e de não responder ao que verdadeiramente queremos saber, a um bom comunicado da presidência do conselho de ministros...
Por sinal, foi ao lembrar-me dessa (in)utilidade política - a dos comunicados da presidência do conselho de ministros... - de juntar palavras sem qualquer conteúdo que interesse aos destinatários, que me lembrei do quanto estes parágrafos acima são parecidíssimos com as intervenções de Ana Catarina Mendes no programa televisivo O Princípio da Incerteza, um programa que é estrelado (desde o início, vai para 30 anos) pelo próprio José Pacheco Pereira. Ou será que a José Pacheco Pereira não lhe ocorreu a flagrante semelhança de estilos entre a máquina e a personificação da máquina (partidária), protagonizada pela sua antiga colega de programa? Só ele pode responder, mas a questão é interessante no sentido de diferenciar entre a Inteligência Artificial e a inteligência natural (esta última sem maiúsculas), quando a segunda, mais do que recapitulações metódicas do que é sabido, às vezes produz associações improváveis e inesperadas entre temas que não estavam originalmente em cima da mesa...
UMA NOTÍCIA QUE NÃO NOTICIA NADA EM 1922... E OUTRA QUE (NÃO) FAZ O MESMO EM 2022
Esta notícia acima tem precisamente cem anos e mostra como as manhas do jornalismo são centenárias: esta notícia não noticia rigorosamente nada, limita-se a dar ressonância a um boato que correria por aí. Nem o «ex-presidente da República», o tal que estava «descontente com a atitude dos governos» é nomeado pelo nome (o leitor da época saberia de quem se trataria: Bernardino Machado...). Nem houve sequer a iniciativa de o entrevistar*, já que se anteciparia que o seu desmentido pudesse estragar tudo o que já fora escrito até aí. E, no entanto, o autor da fofoca (...não passa disso) tem o topete de a terminar com uma lição de moral para «quem julgue que um partido se organiza à porta fechada».
Em contraste, esta outra notícia tem apenas três dias, e confere ao nosso país um esquisitismo muito particular nas características do «vírus que causa a covid 19». Eu, em conjunto com 99,99% dos leitores do Diário de Notícias, estar-nos-emos cagando para os particularismos da «prevalência da sublinhagem BQ.1 da variante Ómicron» do dito vírus. A pergunta que nos domina será: Isso é grave? Aparentemente, aquilo que se sabe até agora é que «os dados actuais não sugerem que existam diferenças substanciais na severidade da doença.» Se isto não é um exemplo cuspido de alarmismo gratuito sem qualquer valor informativo, então o que é que o será?
* Em defesa do rigor e da verdade, há que acrescentar que o jornal veio a entrevistar Bernardino Machado na semana seguinte, como se comprova abaixo. Mas em defesa do mesmo rigor e da mesma verdade, especifique-se que a entrevista foi muito cordata, sobretudo porque o jornalista não colocou qualquer questão difícil, nomeadamente explorando este assunto do alegado patrocínio de Bernardino Machado à formação de novos partidos... Bernardino Machado, raposa velha da política portuguesa (tinha 71 anos), sabia como comprar as simpatias destes jornalistas. Nesta entrevista, desfaz-se em proclamações de que se afastou definitivamente da política activa, mas voltará a candidatar-se ao cargo de presidente da República para o qual será eleito em 1925. Muitas décadas antes de Santana Lopes, também ele andava por aí...
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17 dezembro 2022
AINDA O MASSACRE DE WIRIAMU
A minha evocação dos 50 anos do massacre de Wiriamu acabou sendo atropelada pela concorrência de vários jornais. É nestas circunstâncias que eu me lembro de uma simpática frase proferida por Carlos Magno, quando ele era presidente da ERC há seis anos: (o chamado) «jornalismo do cidadão é uma treta». Foi dessa imbecilidade que eu me lembrei ontem quando, a respeito precisamente da evocação do massacre de Wiriamu, vi os jornais a tentar explorar o assunto para além das trivialidades do costume, no caso muito bem representadas por mais umas coisas, expectáveis, que o presidente Marcelo disse, como se pode ler no Público (Marcelo diz que "é tempo de assumirmos Wiriyamu"). Continuando a ler esse mesmo jornal, o editorial do director é outro truísmo perfeitamente antecipável: «Meio século depois, Wiriyamu foi assumido». Mas há um artigo especialmente dedicado ao tema, da autoria de um jornalista da casa (António Rodrigues). «O que se faz com o reconhecimento oficial de Wiriyamu 50 anos depois do massacre?» Um artigo mediano: explica o que aconteceu. E para satisfação daqueles, como eu, que já sabem o que aconteceu?... Os dois artigos que me pareceram mais interessantes e aprofundados a respeito do tema, não sendo do estilo «jornalismo do cidadão» acima verberado por Carlos Magno, não têm nada a ver com o «jornalismo do jornalista» que, implicitamente e por contraponto, deveriam servir de padrão de qualidade na opinião do então presidente da ERC. O artigo de Pedro Aires Oliveira (que, para além de cidadão, é historiador), faz um interessante spin ao tema e recentra-o na pessoa do padre Hastings, aquele que conseguiu a proeza de, mais de sete meses depois do massacre, trazer o assunto para a primeira página da capa do influente jornal inglês The Times precisamente nas vésperas da visita de Marcelo Caetano ao Reino Unido, afundando-a do ponto de vista de relações públicas. Da sua leitura vem-se a descobrir o quão interessante era a pessoa do padre e qual era a sua agenda, que isto de pessoas impolutas de um lado e vilões do outro é só para os enredos das histórias infantis. Também muito interessante é um outro artigo resultado de uma entrevista ao coronel Matos Gomes (que, para além de cidadão, foi militar e é escritor), só que neste caso a minha reacção vai para a surpresa da atitude desculpabilizadora que é assumida por Matos Gomes em relação aos autores do massacre. As «tensões no sistema» poderão servir de elemento atenuante no julgamento dos factos, mas a verdade nua e crua é que os elementos da 6ª companhia de comandos mataram pelo menos centena e meia de aldeões desarmados sem que se compreenda uma razão para tal. A solidariedade pode passar por uma virtude simpática - Matos Gomes é um comando tal como os autores do massacre, prestou serviço em Moçambique, poderá conhecer alguns dos envolvidos pessoalmente - mas ele há ocasiões, e esta é uma delas, em que esperamos outra lucidez das pessoas. Em resumo, e para voltar ao princípio da conversa e às frases de Carlos Magno sobre jornalismo, experimentem deixar de noticiar as coisas que Marcelo diz e de publicar editoriais de director que nada acrescentam, e não se surpreendam que ninguém mostre sentir falta disso...
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