Esta notícia acima tem precisamente cem anos e mostra como as manhas do jornalismo são centenárias: esta notícia não noticia rigorosamente nada, limita-se a dar ressonância a um boato que correria por aí. Nem o «ex-presidente da República», o tal que estava «descontente com a atitude dos governos» é nomeado pelo nome (o leitor da época saberia de quem se trataria: Bernardino Machado...). Nem houve sequer a iniciativa de o entrevistar*, já que se anteciparia que o seu desmentido pudesse estragar tudo o que já fora escrito até aí. E, no entanto, o autor da fofoca (...não passa disso) tem o topete de a terminar com uma lição de moral para «quem julgue que um partido se organiza à porta fechada».
Em contraste, esta outra notícia tem apenas três dias, e confere ao nosso país um esquisitismo muito particular nas características do «vírus que causa a covid 19». Eu, em conjunto com 99,99% dos leitores do Diário de Notícias, estar-nos-emos cagando para os particularismos da «prevalência da sublinhagem BQ.1 da variante Ómicron» do dito vírus. A pergunta que nos domina será: Isso é grave? Aparentemente, aquilo que se sabe até agora é que «os dados actuais não sugerem que existam diferenças substanciais na severidade da doença.» Se isto não é um exemplo cuspido de alarmismo gratuito sem qualquer valor informativo, então o que é que o será?
* Em defesa do rigor e da verdade, há que acrescentar que o jornal veio a entrevistar Bernardino Machado na semana seguinte, como se comprova abaixo. Mas em defesa do mesmo rigor e da mesma verdade, especifique-se que a entrevista foi muito cordata, sobretudo porque o jornalista não colocou qualquer questão difícil, nomeadamente explorando este assunto do alegado patrocínio de Bernardino Machado à formação de novos partidos... Bernardino Machado, raposa velha da política portuguesa (tinha 71 anos), sabia como comprar as simpatias destes jornalistas. Nesta entrevista, desfaz-se em proclamações de que se afastou definitivamente da política activa, mas voltará a candidatar-se ao cargo de presidente da República para o qual será eleito em 1925. Muitas décadas antes de Santana Lopes, também ele andava por aí...
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