30 novembro 2021

AQUILO QUE NOS UNE E AQUILO QUE NOS SEPARA

«Tenho dificuldade, porém, em perceber a opção dos militantes. Aliás, não consigo compreender ou explicar.»
A frase inicial recolhia-a de uma página social de um militante do PSD, que é, acessoriamente, um «digital influencer» involuntário. E que, pelo que acima confessa, permanece perplexo pela escolha feita pelos militantes do seu partido no passado Sábado. Não me ofereço para lhe explicar, porque não sei se o conseguiria, ou até se ele estaria deveras interessado nessa tentativa de explicação, mas confesso que, ao contrário dele, eu gostei do resultado e da vitória de Rui Rio. E o desfecho da eleição não me intriga nem me inquieta. Como aconteceria se fosse o inverso, embora aí não me dispusesse a votar proximamente no partido. Mas permitam-me pôr esse problema de desfechos eleitorais imprevisíveis na perspectiva devida, comparando-o com dois outros casos que, esses sim, me inquietaram mais recentemente:
a) aqui, no caso do PSD, tratou-se de uma mera questão de (quase) 19.000 versus um pouco mais de 17.000 votos e eu até perceberia que a retórica pomposa de Paulo Rangel pudesse arrebatar mais votos;
b) muito mais incompreensível para mim (e muito mais significativo) foi o desfecho do referendo do Brexit em Junho de 2016, quando 17 milhões de britânicos preferiram sair da União Europeia em relação a 16 milhões que teriam preferido ficar. Ao fim e ao cabo tratava-se de uma questão de vantagens económicas de que os britânicos prescindiram;
c) mas o suprasumo da minha incapacidade de entender eleitores vai direitinho para os 63 milhões de americanos que optaram por Donald Trump de Novembro de 2016, que, ainda por cima, cresceram para 74 milhões em Novembro do ano passado. Para mim, votar num cretino chapado como Donald Trump é do domínio do surrealismo. Aí sim, «tenho dificuldade em perceber a opinião de milhões de americanos».

AS FALÊNCIAS QUE A DESVALORIZAÇÃO ACELERADA DO MARCO ORIGINAVA

30 de Novembro de 1921. O meu primeiro comentário, antes de apreciar o conteúdo desta notícia de há cem anos, vai para a forma, nomeadamente para a ignorância do jornalista do Diário de Lisboa que a traduziu do francês, ao dar a notícia como originária de Génova, na Suíça, quando o quereria dizer seria Genebra (Genève, no francês original), que era então, e continua a ser, o grande centro financeiro da Suíça francófona. Concordante com essa ignorância e provavelmente para lá das suas capacidades de dedução, logo na primeira linha do artigo, o mesmo jornalista não soube traduzir a cidade de Bâle (em francês, Basel no alemão local) para o nome em português: Basileia. Dois parágrafos mais abaixo, o mesmo erro para uma cidade belga, designada por Anvers (à francesa), mas conhecida em português por Antuérpia.
Ultrapassando todas estas ignorâncias ´(de palmatória!), o que a notícia nos conta é que a situação se afigurava difícil para todas aquelas instituições bancárias e para-bancárias europeias que operavam nos mercados cambiais. A culpa era do contínuo deslize do marco alemão face às restantes moedas. Como aqui neste blogue já se deu conta, a Alemanha vencida fora sancionada com um elevado montante de indemnizações, e a resistência passiva das autoridades alemãs traduzia-se numa desvalorização contínua e acentuada da sua moeda face às divisas dos países com quem tradicionalmente comerciava. Só que isso pagava-se. No comércio interno os alemães viviam com uma inflação cada vez mais alta, enquanto que no comércio externo era fortemente perturbado por câmbios cada vez mais instáveis: em Abril de 1919 um dólar americano valia 12 marcos alemães; no fim deste mês de Novembro de 1921, decorridos um pouco mais de dois anos e meio, o dólar passara a valer 263 marcos, ou seja 22 vezes mais! A verdade era que os operadores não estavam nada habituados a tal volatilidade de câmbios, e as operações mais arriscadas, quando corriam mal, pagavam-se seriamente: em falências! Ainda não se falava em inflação, mas os preços na Alemanha haviam subido quase 60% desde Janeiro de 1921.

E contudo, suprema ironia, desconhecido dos leitores deste jornal e, sobretudo, dos alemães em geral, o futuro ainda se viria a revelar ainda pior, verdadeiramente aterrador. No Outono de 1923, ou seja, dali por dois anos, e como aqui também já contei, o dólar viria a alcançar o valor de 4.200.000.000.000 marcos! A sociedade alemã regrediu para o nível da troca directa de bens, porque o papel moeda perdera completamente a sua função.

29 novembro 2021

O DIA DA MACACADA ESPACIAL

29 de Novembro de 1961. Comecemos pela evidência: os Estados Unidos estavam substancialmente atrasados na Corrida Espacial. Depois do choque que fora o lançamento do primeiro satélite artificial em Outubro de 1957, os soviéticos haviam voltado a ferrar um aguilhão no orgulho norte-americano com o lançamento do primeiro cosmonauta para o espaço em Abril de 1961. A recuperação desse atraso não estava para breve e o que a propaganda dos Estados Unidos podia fazer no entretanto era inventar umas pretensas proezas. Há precisamente sessenta anos era dia para um desses números: anunciava-se «a colocação em órbita de um chimpanzé astronauta». Para a comunicação social americana era um dia em cheio, a cobrir toda aquela macacada. O foguetão que transportou o macaco, a cápsula onde ia o macaco, o regresso à Terra do macaco, e as imagens do macaco propriamente dito, a fazer - naturalmente... - algumas macacadas. Tudo isto, explicava-se, porque a NASA não queria pôr em risco a vida dos astronautas. Era verdade, mas era apenas uma semi-verdade que sugeria, sem o dizer, que os soviéticos talvez não tivessem procedido assim. Se calhar, os americanos estariam atrasados porque eram metódicos e prudentes. Porém, tudo isto era propaganda e os soviéticos também não haviam sido imprudentes. Os círculos bem informados (a CIA) sabiam que os primeiros ensaios soviéticos de envio e recuperação de animais para o espaço (no caso, cães), o equivalente da proeza americana, haviam tido lugar mais de um ano antes, em Agosto de 1960. O que os soviéticos não haviam feito era grande alarde desses voos preparatórios, ao contrário do que os americanos se viam agora obrigados a fazer...

28 novembro 2021

AS VICISSITUDES POLÍTICAS NOTICIAM-SE NA ALTURA, MAS A HISTÓRIA DO PSD ESCREVE-SE DEPOIS

Aquilo que ontem aconteceu nas eleições internas do PSD fez-me recordar o desfecho de um episódio semelhante naquele mesmo partido, só que com 43 anos. Em princípios de Junho de 1978, também uma maioria esmagadora de dirigentes social-democratas produzira um documento que recolhera uma ampla maioria entre os órgãos dirigentes do partido. O documento recebera o nome de baptismo de «Opções Inadiáveis» parecia recolher o apoio da grande maioria dos notáveis do partido, inclusive a maioria do seu grupo parlamentar (42 em 73 deputados), como a comunicação social da época destacava (abaixo). Eu lembro-me bem de como, ao fazer o elenco dos nomes dos que haviam votado com Sá Carneiro, realizar que a lista se estendia para pouco mais do que os nomes do (então) casal Roseta (Pedro e Helena). As outras figuras estavam todas do outro lado, como por todo o lado (comunicação social) não se deixava de enfatizar. E depois, dali a algumas semanas, realizou-se o VI Congresso do PSD (1 e 2 de Julho de 1978) e desapareceram todos aqueles notáveis que durante quatro anos nos haviam explicado que eram a força do PSD. Que o partido tinha muitos quadros e tinha muitos barões e baronetes com muita influência local. Ou, se calhar, não. Ou, se calhar, isso era completamente irrelevante. Não se sabia então, mas dali por ano e meio o PSD coligado na AD iria ganhar as eleições intercalares de Dezembro de 1979 sem o concurso visível da maioria dos subscritores das «Opções Inadiáveis».
O que acabou de ocorrer com as directas do PSD parece-me decalcado da primeira fase do que aconteceu há 43 anos, em Junho e Julho de 1978. Como acontecera com Sá Carneiro, a comunicação social - agora predominante do outro lado do espectro político - também tomou Rui Rio de ponta, não disfarçando o seu favoritismo pelo seu rival. Acumulavam-se as participações dos novos notáveis do PSD que o apoiavam. E depois é o que se está a ver. Uma derrota de todos esses interesses e de todas essas opiniões. Claro que a vitória não foi esmagadora; claro que quem chama a atenção para isso não se importaria que a vitória fosse tangencial, desde que tivesse sido para o seu lado. Mas a questão do próximo congresso do PSD (XXXIX, como o tempo passa...) parece arrumada. Há dois argumentos que vi surgirem nesta "ressaca de cacholas" que são particularmente divertidos: a) a que a vitória de Rui Rio reforçou a sua liderança do PSD, como se Paulo Rangel tivesse forçado a realização destas eleições para lhe fazer um favor e não para o desalojar; b) que as características desta vitória, por cima dos quadros do partido, é capaz de se traduzir numa falta de quadros para a equipa dirigente de Rio, como se não bastasse o "cheirinho a poder" para fazer surgir novos quadros. Outros argumentos que li nem sequer são divertidos: são só parvos. Mas é engraçado perceber por estes paralelos, e também por questões de feitio, que Rui Rio é, em certos aspectos, o dirigente do PSD que mais se assemelhará a Francisco Sá Carneiro. Sá Carneiro que é endeusado por muitos dos militantes que ontem saíram derrotados. Esta analogia é até evidente. Mas a obtusidade política é poderosíssima.

NINGUÉM CONSEGUE INTIMIDAR UM PINGUIM VERDADEIRAMENTE DETERMINADO!

A fotografia - dedicada - é de Thomas D. Mangelsen.

27 novembro 2021

A HISTÓRIA QUE IRIA TER O DESFECHO CONTRÁRIO AO DA NOTÍCIA E OUTRAS CONVERSAS DE CONVERSAS DE PRESIDENTES DA REPÚBLICA COM FORAGIDOS À JUSTIÇA

27 de Novembro de 1981. A notícia dava conta das turbulências por que atravessava o Partido Socialista Italiano (PSI). Naquele país eclodira (mais) um escândalo, associado à exposição dos membros de uma loja maçónica denominada P-2. As investigações desenvolvidas nos meses seguintes haviam levado à identificação de cerca de um milhar de influentes espalhados por toda a sociedade italiana: na política, na justiça, na administração pública, na banca, nas forças armadas, na comunicação social. A infiltração fora detectada em todo o lado, e a questão que a notícia destaca foi a insatisfação como uma ala contestatária do PSI acolheu as reacções e as explicações dadas pelos responsáveis máximos do partido - nomeadamente o secretário-geral Bettino Craxi - aos envolvimentos individuais e colectivos do partido com o escândalo. Particularmente embaraçosa era uma confissão de um dos implicados directos (Roberto Calvi) que o PSI fora directamente financiado em 21 milhões de dólares em troca de favores. Contudo, como se depreende da notícia, no curto prazo, Craxi venceria o braço de ferro, expulsando os contestatários. Mais do que isso: no médio prazo Craxi ainda se veria recompensado com a promoção ao cargo de primeiro-ministro de Itália(!), em resultado dos equilíbrios periclitantes da política italiana (Agosto de 1983- Abril de 1987). Por consequência, Craxi seria mais um daqueles proeminentes amis, (conjuntamente como francês Mitterrand ou com o alemão Brandt), com que Mário Soares enchia a boca quando evocava a sua rede de conexões socialistas europeias. Mas a sorte de Craxi terminou com a queda do Muro de Berlim e a obrigatoriedade da Itália se confrontar com a enorme rede de corrupção que infiltrava toda a sua sociedade, necessidade que, durante décadas, apenas fora sustida pelo medo dos comunistas (PCI) tomarem o poder. A essa operação de limpeza deu-se o nome - apropriado - de «Mãos Limpas» (Mani pulite). Onze anos depois da publicação da notícia acima, na infindável lista de nomes de implicados que surgiram das investigações (e onde constavam 4 antigos primeiros-ministros!) aparecia o de Bettino Craxi. Mas o mais interessante em toda esta extensa história é que Craxi, quando veio a ser condenado em 1994, fez precisamente aquilo que João Rendeiro acabou de fazer: fugiu para o estrangeiro. A esse respeito, ver Marcelo Rebelo de Sousa a conversar, ainda que indirectamente, com João Rendeiro, não terá constituído um dos momentos mais altos da nobreza que se deseja da função presidencial. Quanto a Craxi, esse sabe-se para onde foi, refugiou-se na Tunísia, onde aliás veio a falecer em 2000. Quanto à referência supra a Mário Soares, torna-se pertinente porque, quando era presidente da República em 1995, e por ocasião de uma visita presidencial à Tunísia, fez questão de se encontrar com o foragido à justiça italiana, um episódio polémico (vale a pena ver quem votou o voto de protesto apresentado pelo PSD - governo), episódio esse que, os 26 anos entretanto transcorridos, nos dão a perspectiva bastante evidente que as preocupações com a exibição de um certo respeito pela ética não terão sido os pontos mais fortes do legado de Mário Soares. Antes de Marcelo, já a presidência da República portuguesa e os foragidos à justiça tinham tido episódios não muito dignificantes.

O DERRUBE DA COLUNA DA VITÓRIA DE BERLIM?

27 de Novembro de 1946. Discutia-se em Berlim uma proposta francesa para que a Coluna da Vitória (Siegessäule) fosse derrubada. O monumento, fora originalmente encomendado para celebrar a vitória prussiana na Guerra Dano-Prussiana (1864) mas, quando foi finalmente erigido e inaugurado em 1873, já a Prússia se sagrara vencedora de duas guerras posteriores: a Austro-Prussiana (1866) e a Franco-Prussiana (1870-71). Apropriadamente, o monumento acabou tornando-se numa evocação das vitórias prussianas em todas as três guerras, num agradecimento implícito a tempos particularmente benignos em que os grandes conflitos europeus pareciam poder eclodir e terminar no espaço de alguns meses (as guerras do século XX iriam ser muito diferentes...). Terminada a Segunda Guerra Mundial há pouco mais de ano e meio, os franceses mostravam-se aqui particularmente vingativos com esta sua proposta para que o monumento fosse derrubado, embora a expressão empregue seja um eufemismo: retirar. Ou pior do que isso. A verdade é que, das quatro potências vencedoras (União Soviética, Estados Unidos, Reino Unido e França) só a França tivera a sua capital ocupada pelos alemães e, nos quatro anos que eles haviam lá passado (1940-44), não consta que tivesse passado pela cabeça às autoridades ocupantes alemãs, retirar o Arco do Triunfo parisiense do sítio onde estava... Como se deduz pela fotografia, a ideia dos franceses acabou por não ir, felizmente, para diante. 

26 novembro 2021

TEMPOS EM QUE OS OPERADORES PRIVADOS NÃO ERAM TÃO MELHORES QUE OS PÚBLICOS, COMO O SÃO HOJE...

26 de Novembro de 1971. Na página 2 do jornal deparamo-nos com as queixas de dois utentes aos serviços de camionagem da empresa Eduardo Jorge, que na época era a responsável pelas ligações entre a capital e a Amadora, uma das cidades periféricas cuja população estava a crescer exponencialmente por aqueles anos. Nesta sempiterna controvérsia ideológica entre a qualidade dos serviços públicos e dos privados, é engraçado regressar a estes tempos pré-nacionalização do transporte rodoviário, para nos recordarmos quanto tanto uns como outros podem ser maus. Normalmente é a observação que leva as pessoas a criticar concretamente o funcionamento de uns e/ou outros, mas é a ideologia que está por detrás dos argumentos genéricos que se apresentam em prol de uns ou de outros.

25 novembro 2021

ATÉ UM DEFICIENTE TEM AS SUAS NECESSIDADES, NÃO É?...

Confesso: estou a tentar sintonizar-me com a corrente de tolerância indulgente que me parece dominar a sociedade portuguesa nos dias que correm. Temos um canal de televisão que inaugura a sua emissão com uma entrevista destacada a um escroque que anda foragido à justiça portuguesa. Uma entrevista naturalmente simpática, senão o homem - o escroque - não se prestaria àquilo.Temos também um presidente da República que conversa, ainda que indirectamente, com esse escroque diante das câmaras, como que o admoestando, que essas coisas que ele - o escroque - queria também não são assim, têm que se fazer com tempo. No mesmo dia aparece uma outra notícia (a que se deu muito menos importância) que dava conta de um conjunto de mandados (33!) aplicados a vários responsáveis ligados à transacção de passes de jogadores do FC Porto. Neste caso, e porque se aplica o princípio da presunção de inocência, ainda não se trata de escroques, mas de pessoas do mundo do futebol, uma classe que, como explicou o primeiro-ministro noutro contexto, não se confunde com exigências de ética para as restantes actividades. É impressionado por essa tolerância indulgente que me apetece adicionar uma legenda à fotografia supra, admitindo que até mesmo um deficiente de cadeira de rodas tem os seus momentos em que lhe apetece fazer uma mija, não será?! E o que será um aldrabãozito destes comparado com um João Rendeiro ou com um Pinto da Costa?...

24 novembro 2021

O PIRATA DO AR QUE ESCOLHEU O PSEUDÓNIMO DE DAN COOPER

24 de Novembro de 1971. Tem lugar um dos mais enigmáticos sequestros de um avião comercial. Um dos passageiros de um voo doméstico norte-americano entre as cidades de Portland e Seattle (um voo de 50 minutos), sequestra (muito discretamente) o aparelho em que viajava - um Boeing 727 da Northwest como o da fotografia acima - entregando uma nota escrita a uma hospedeira comunicando-lhe que transportava consigo uma bomba. As suas exigências eram a entrega de 200 mil dólares em dinheiro, 4 para-quedas e que o avião fosse reabastecido para descolar de novo quando aterrasse para receber aquilo que exigira em Seattle. Depois de o receber libertou os passageiros e foi apenas com a tripulação mínima que o Boeing 727 tornou a descolar, por volta das oito da noite, num voo em direcção ao México mas a uma velocidade e altitude mínimas, especificadas pelo sequestrador, que as investigações entretanto realizadas haviam revelado que comprara o bilhete de avião dando o nome de Dan Cooper. Cerca de uma meia hora depois do Boeing 727 ter descolado e quando se dirigia em direcção ao Sul, os pilotos aperceberam-se que a escada central traseira do avião fora accionada (assinalada acima pela seta) e que Dan Cooper saltara de para-quedas com o dinheiro do resgate. Sabia-se vagamente o local onde o fez, mas a área do sul do estado de Washington era demasiado extensa e remota para poder ser esquadrinhada com eficácia.
Não se soube mais nada do sequestrador, embora o FBI argumente que uma razão provável para tal é que Dan Cooper possa não ter sobrevivido ao seu salto nocturno. Na verdade, saltos de para-quedas de um avião a reacção e ainda para mais de noite são exercícios muito arriscados. As habilidades de saltar de um Boeing 727 com o para-quedas a saltar com avanço ficariam reservadas para o futuro e para os filmes de Arnold Schwarzenegger... (abaixo) Todavia, e por outro lado, a argumentação do FBI não pode deixar de ser considerada parcial, pois não ficaria bem ao FBI admitir que Dan Cooper fora um daqueles fora-da-lei sofisticados que superara o sistema. Para todos os efeitos, o FBI anunciou ter desistido do caso em 2016
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A ERA DOS «AMERICANOS MARAVILHA» NO BASQUETEBOL PORTUGUÊS

24 de Novembro de 1971. O Diário de Lisboa dava conta do jogo de apresentação do novo reforço da equipa de basquetebol do FC Porto, um negro norte-americano de 22 anos, não impressionantemente alto (1,85), de seu nome Dale Dover. Estreara-se e, como se lê na crónica, fora um espectáculo: é verdade que não defendia, mas marcara praticamente metade (41 em 84) dos pontos da sua equipa! O FC Porto virá a ser o campeão nacional da modalidade nessa época (1971-72) mas, sobretudo, a qualidade de Dale Dover estabelecera um novo padrão de exigência para as contratações de norte-americanos para o basquetebol doméstico: não era só serem grandes como acontecera até aí (com mais de 2 metros de preferência!), tinham de encestar mas de duas dúzias de pontos por jogo, no mínimo!

23 novembro 2021

A GUERRA DAS ONDAS CURTAS

23 de Novembro de 1941. A Segunda Guerra Mundial travava-se em inúmeras frentes e uma delas era a página 2 do Diário de Lisboa onde a publicidade às emissões de rádio de onda curta de Berlim ombreavam com as de Londres. Repare-se nalgum contraste entre ambas, a alemã parecia ser mais extensa, o anúncio até era maior, a britânica combatia-a com a veracidade dos conteúdos («...e o mundo acredita»). Indispensável para participar neste combate era possuir um aparelho como o que se exibe abaixo. Aquele visor do canto superior direito está repleto de designações de cidades europeias que, na minha infância e em casa dos meus avós, onde havia uma coisa destas que se iluminava e funcionava, sempre me deixaram intrigado, porque na década de 60 as cidades já haviam desaparecido e aquelas denominações acabam por não significar nada.

22 novembro 2021

OS MOMENTOS MENOS HERÓICOS DAS VIDAS DOS EXILADOS POLÍTICOS

21, 22, 23 de Novembro de 1961. Há sessenta anos a comunicação social portuguesa acompanhava, sem comentários, um folhetim que se desenrolava em terras brasileiras, mais concretamente no Rio de Janeiro. O folhetim desencadeara-se por causa da chegada àquele país de Henrique Galvão, que se tornara, por assim dizer, internacionalmente famoso depois de capitanear o assalto ao paquete Santa Maria em Janeiro daquele ano, quase precisamente dez meses antes. Recorde-se que o sequestro do navio terminara num porto brasileiro (Recife), com um pedido de asilo político feito ao governo brasileiro por Henrique Galvão e pelo restante comando. Um pedido que fora aceite. Aparentemente Henrique Galvão fora à sua vida e a opinião pública portuguesa havia-se desinteressado do assunto. Agora ficara a saber que Galvão pretendera regressar ao mesmo Brasil e a vontade das autoridades brasileiras aparentemente mudara. Há quem trate do acontecimento de uma forma mais arrebatada, há quem o trate de uma forma mais técnica, eu aqui tento apenas enfatizar a perspectiva do leitor do Diário de Lisboa daquela altura, que se interrogaria sobre as causas subjacentes à mudança de atitude das autoridades brasileiras. O que é paradoxal é que estes momentos complicados e menos heróicos das vidas dos exilados políticos, a que os portugueses tinham tido acesso, apesar da censura, como que desapareceram das narrativas depois do 25 de Abril.

21 novembro 2021

A NOSSA CIVILIZAÇÃO EUROPEIA E AS OUTRAS, ALGUMAS PARECIDAS COM A NOSSA

Confesso que é perante desfechos legais do género do que acabou de acontecer nos Estados Unidos, com a absolvição de um vigilante que fora capturado depois de matar duas pessoas e ferir uma terceira a tiro, que se me cria a certeza que o discurso da civilização ocidental (compartilhada pela Europa e pela América) é um logro. É um logro com intuitos políticos muito louváveis, os de cimentar a coesão da NATO, mas a rota da evolução dos valores civilizacionais dos dois lados do Atlântico afigura-se cada vez mais estruturalmente divergente desde 1945, com os norte-americanos, sem capacidade de absorver as novas minorias e de finalmente promover as antigas, estas cada vez mais exigentes nas suas reivindicações, a retornarem - ou a permanecerem agarrados? - a uma lógica de plantação esclavagista. A lei pode ser a lei, mas a política é mais importante que ela. E aqui, a percepção política que ninguém (de boa fé) conseguirá desmentir é que, se a turba que rodeou o atirador agora absolvido, o tivesse massacrado à pancada nos momentos que se seguiram a ele ter cometido os homicídios, teriam sido outros a comparecer em tribunal e, porque seriam provavelmente negros e mesmo que invocassem a mesma argumentação da auto-defesa, teriam sido muito provavelmente condenados. Mas, melhor do que eu e sem estas grandes explicações, o Washington Post, publica este cartoon abaixo (Ed Hall) em que a legenda diz tudo: - Liga para a polícia, está ali um gajo com um aspecto muito suspeito... (A imagem da esquerda é a de um adolescente morto em 2012 na Florida por um outro vigilante quando carregava consigo um iced-tea e um pacote de skittles; a da direita é, obviamente, a do réu recém absolvido e o interessante são as expressões de ambos)
Convém adiantar que nós, na Europa, perdemos a noção do quão escabroso chegam a ser os duplos critérios da justiça norte-americana, caso os episódios envolvam um negro ou um branco. Há milhares de exemplos, mas um dos que vi recentemente evocado, foi o de um cliente (negro!) de um Walmart que transportava uma (falsa) arma de BB, que até estava à venda nessa própria loja e que ele retirara de um expositor. Enquanto isso, e como se comprova pelas imagens de segurança, ele falava ao telemóvel. Houve um cliente (branco!) que chamou a polícia. Esta chegou, de arma em riste, e deu um tiro no sujeito. Matou-o. Esclareça-se que isto aconteceu no Ohio, um estado onde não existem quaisquer restrições legais à forma como os cidadãos exibem as armas que tragam consigo... Apesar disso e mesmo tendo tido como desfecho um homicídio, os dois polícias não chegaram sequer a ser acusados. Mas, do ponto de vista pecuniário, a família do homem assassinado recebeu 1,7 milhões de dólares. É uma evolução da lógica de plantação esclavagista: quando alguém matava um escravo, não se condenava o autor do acto, embora houvesse que se indemnizar o proprietário. Continua a impunidade mas evoluiu-se um pouco: agora já se indemniza a família. O problema é quando são os escravos a matar os outros: aí não há contemplação.

20 novembro 2021

A CHEGADA À MADEIRA DO EX-IMPERADOR CARLOS DE HABSBURGO

20 de Novembro de 1921. Chegada ao Funchal de Carlos e Zita, que haviam sido os últimos imperadores do Império Austro-Húngaro de 1916 a 1918. Depois do fim da Grande Guerra em Novembro de 1918 e da dissolução do Império, o antigo monarca ainda realizara duas tentativas (em Março e Outubro de 1921) de se reentronizar como Carlos IV, rei da Hungria (este país permanecera uma monarquia, embora desprovida de monarca). Considerado incorrigível e perigoso para o status quo que se formara na Europa Central em consequência dos vários acordos firmados depois do fim da Grande Guerra, as potências - reencenando vagamente aquilo que acontecera mais de cem anos antes com Napoleão - decidiram também exilar este antigo imperador. Só que foram mais benignos desta vez e, em vez de uma longínqua ilha de Santa Helena no Atlântico Sul, contentaram-se em destiná-los, Carlos e a esposa Zita que o acompanhava, à nossa aprazível ilha da Madeira no Atlântico Norte. Faço notar que, apesar do protagonismo assumido, ainda que involuntariamente, por Portugal na questão do exílio do imperador, a cobertura noticiosa dos jornais nacionais é escassa. Tudo o que se pode ler nas edições de uma semana do Diário de Lisboa é a pequena nota que acima se insere, oriunda de Gibraltar, por onde passara o navio que transportava os monarcas. Refira-se aliás, coisa que a notícia não faz, que o navio que os transporta, o HMS Cardiff é um austero cruzador da Royal Navy. Aliás, é a sua imagem que abre o filme que abaixo insiro, cobrindo a chegada e algumas cerimónias protocolares com a chegada dos monarcas à Madeira, há precisamente cem anos. Percebe-se que, apesar de não noticiado cá pelo continente, aquilo foi um acontecimento memorável no Funchal. Carlos haveria de morrer com uma pneumonia no seu exílio madeirense apenas quatro meses depois, aos 34 anos.

19 novembro 2021

«VAE VICTORIBUS!»

A expressão mais conhecida (e citada) é «Vae Victis!» mas, consultando a composição desta lista de devedores que aparecia no Diário de Lisboa de 19 de Novembro de 1921, extraía-se a conclusão de que também não fora grande coisa ter vencido a Primeira Guerra Mundial e que «coitados dos vencedores!» Se «os números falavam» (como se escrevia no antetítulo), teria convido ao jornalista tê-los ajudado, aos números, a explicarem-se: dos mais de dez mil milhões de dólares de créditos que os Estados Unidos dispunham sobre o estrangeiro em 1921, 90% da dívida pertencia a três grandes países vencedores da Grande Guerra: o Reino Unido (41%), a França (33%) e a Itália (16%). E, se a França estava à espera que fosse a Alemanha a compensá-la com indemnizações de guerra, o Reino Unido, para além disso, aguardava por sua vez que os outros países vencedores lhe pagassem aquilo que lhe deviam a si. Portugal, por exemplo, tinha a virtude de não aparecer nesta lista para com os Estados Unidos, mas aparecia noutra: a dos devedores ao Reino Unido, com cerca de 23 milhões de libras (109 milhões de dólares ao câmbio da época).

AS ELEIÇÕES ROMENAS DE 1946

A 19 de Novembro de 1946 realizavam-se as primeiras eleições gerais na Roménia depois da Segunda Guerra Mundial. No dia seguinte já se podia constatar que as eleições haviam sido ganhas pela coligação governamental - a Frente Nacional Democrática, que estava completamente dominada pelos comunistas e que os dois artigos do Diário de Lisboa nem chega a nomear pelo nome, nem a explicar a composição, nem quem a dirigia. Mas a dimensão da vitória era tal - «70 a 71%» na altura da redacção do artigo - que nem teriam sido precisos os «protestos da oposição» para se concluir estar na presença de uma probabilíssima fraude eleitoral. Pobres romenos: em cinco anos haviam passado de plebiscitos ganhos com 99,99% dos votos para eleições legislativas ganhas com 69,80% dos votos, sem os benefícios de uma transitória eleição democrática burguesa, para que se soubesse, ao menos, o que colectivamente poderiam pensar.

18 novembro 2021

«AS POMBAS» SOVIÉTICAS

Com uma chamada de primeira página (acima, à esquerda), o Diário de Lisboa de 18 de Novembro de 1981 dava uma notoriedade desmesurada à anunciada intenção soviética de reduzir os seus gastos com a defesa. Esmiuçando o conteúdo da notícia nas páginas centrais, descobria-se que a anunciada redução era apenas uma redução relativa. Gastar-se-ia o mesmo do que no ano anterior, só que, como a economia soviética iria crescer, o argumento era que se gastaria proporcionalmente menos com a defesa. Porém, e pondo a propaganda de parte, como a economia soviética vivia então os anos da (hoje conhecida como) estagnação brejneviana, as projecções de crescimento optimistas que eram anunciadas pelos responsáveis políticos raramente se concretizavam. Conclusão: uma aposta razoável era de que tudo iria ficar na mesma. Era a aposta segura naqueles anos em que o país era dirigido por uma gerontocracia.

OS DOIS SEIXAS E AS RESPECTIVAS DEIXAS

Os fãs, como eu, da comédia portuguesa «O Pai Tirano», recordam certamente a figura, ainda que secundária, do Seixas, representada naquele filme pelo actor Seixas Pereira. O Seixas é um consciencioso empregado dos armazéns Grandella, ao mesmo tempo que é um aplicado amador teatral. Mas não será suficientemente aplicado para que, certa vez, durante um ensaio, não fosse criticado pelo encenador (Vasco Santana) por não saber já de cor a deixa com que devia irromper ao ouvir a palavra «Antão». A advertência de Mestre Santana tornou-se-me um dos ex-libris daquele filme: «Ai que o senhor Seixas não sabe as deixas!» Mas isso era o Seixas de 1941. O Seixas de 2021, o embaixador Seixas da Costa, que nos habituámos a que apareça nas mais variadas circunstâncias, pois ele é - ou foi - administrador da Jerónimo Martins, da EDP Renováveis, da Mota-Engil, membro do conselho geral independente da RTP e para além disso, comentador e conferencista assíduo em tudo o que é banja com pretensões, o embaixador Seixas da Costa, escrevia, é que me parece representar o mais completo contraste com o outro Seixas. Acima vêmo-lo num novo papel, no novo canal CNN Portugal. O outro senhor Seixas não sabia as deixas, mas este senhor Seixas não só sabe as deixas, sabe-as até bem demais!

17 novembro 2021

O ANÚNCIO PRÉVIO DE NEHRU

É muito interessante esta discreta notícia que aparecia no canto da última página da edição do Diário de Lisboa de há sessenta anos. Em visita ao México, e numa conferência de imprensa concedida na capital homónima, o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru referiu-se ao problema dos enclaves portugueses na Índia.
«O problema de Goa - disse - não se encontra ainda resolvido, embora já tenham decorrido catorze anos desde que a Índia recuperou a sua independência. E, contudo, seria fácil para a Índia apoderar-se de Goa em três dias. Não o fizemos, mas se a pressão popular se tornar intolerável e se não houver outro meio de resolver o problema, é possível que encaremos a intervenção armada».
Como lhe perguntassem se essa eventual acção militar contra Goa desencadearia uma reacção da NATO, Nehru respondeu: «A organização atlântica não foi criada para proteger o colonialismo, uma atitude diferente da NATO custar-lhe-ia o ódio e o ressentimento de toda a Ásia».
O homem de Estado indiano recordou que o problema dos enclaves territoriais tinha sido levantado com a libertação da Índia. A França tinha compreendido a situação, mas Portugal nem sequer quis discutir o assunto.
A passagem da entrevista adivinhava-se preparada de antemão e o recado de Nova Deli era muito claro. E Lisboa acolhia-o, impotente, apesar da retórica oficial que por cá grassava. Depois da eclosão da guerra em Angola, os meios militares locais haviam sido ainda mais reduzidos, passando as veleidades de resistência a uma qualquer operação militar indiana de quiméricas a absurdas. Hoje sabe-se que as declarações de Nehru eram um completo understatement: não seria precisa nenhuma «pressão popular intolerável», porque os planos de operações para a tal invasão militar já haviam sido estabelecidos e até as unidades intervenientes já haviam seleccionadas. Por curiosidade, acrescente-se que a anexação virá a ter lugar precisamente um mês depois da publicação desta premonitória notícia, como na data respectiva se evocará. O único pormenor em falha é que não demorará três dias: demorará dois (de 17 a 19 de Dezembro).

16 novembro 2021

...E AINDA MILHARES DE ANIMAIS FEROZES, ACTORES E PESSOAS!

Eu aprecio particularmente a apresentação deste trailer abaixo do famoso filme «Um dia no Circo» (At the Circus - 1939). Depois de começar por se apresentar como um «Congresso Colossal de Coisas e Loisas» e um «Espectáculo Maravilhoso de Alegria e Música», o destaque da apresentação vai todo para os três Irmãos Marx - Groucho! Chico! Harpo! - mas transita rapidamente para uma referência despachada à participação de «milhares de animais ferozes, actores e pessoas!». Precisamente por essa ordem - recorde-se que até mesmo o PAN dá precedência às pessoas sobre os animais, embora ele seja omisso quanto à importância atribuível nessa sequência aos actores... É uma hierarquização que me faz lembrar a que a comunicação social está a dar ao actual momento político. Dispenso-me de explicar quem serão os «Irmãos Marx» da actual conjuntura (embora seja difícil associarmos alguém ao Harpo - o irmão que não fala...), mas os «animais ferozes e actores» são todos aqueles comentadores políticos que, ao redor das estrelas, animam o espectáculo (de circo). Naturalmente, para completar a analogia, as «pessoas» serão o menos importante, vêm no fim - só são precisas no dia 30 de Janeiro. São precisas para votar. 

DUAS NOTAS SOBRE NOTÍCIAS DE PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL DE HÁ CINQUENTA ANOS

16 de Novembro de 1971. Quando se olha para o destaque da primeira página do jornal desse dia é que se pode perceber o quanto certas «crises» têm uma previsível regularidade sazonal. A notícia começa com o parágrafo: A gripe «A-2 Hong Kong» alastra pela Europa, sobretudo pelos países de Leste, onde já provocou vítimas. Só depois é que seguem as explicações para que não houvesse ainda (e vale a pena destacar o uso da palavra ainda) motivo para alarme. Este é também o típico jornalismo: para captar a sua atenção, assustam-se os leitores, pretendendo que se está a fazer precisamente o contrário. Outro tópico, completamente distinto, é aquele que aparece no canto inferior direito da mesma primeira página: o anúncio para essa noite de mais uma «conversa em família» do presidente do Conselho Marcello Caetano. Nesta conversa falar-se-ia das reformas aplicadas a vários sectores do Estado, nomeadamente no sistema de Previdência Social, na Administração Pública, na Educação Nacional e no ministério das Comunicações. O processo banalizara-se (houvera uma no mês anterior e virá a haver outra em Dezembro) e perdera a aura da novidade em contraste com o ensimesmamento do período de Salazar. E os problemas do regime não se resolviam por se tornar mais fluída a comunicação entre os dirigentes e o povo. Naquela mesma edição e numa página interior que cobria os trabalhos da Assembleia Nacional (p. 9) podia ler-se «que o deputado Sá Carneiro apresentara um projecto de lei sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 3/71». Era uma daquelas reacções esdrúxulas de Sá Carneiro, já que a Lei nº 3/71 era a própria revisão constitucional! Era uma iniciativa que estaria evidentemente condenada ao fracasso, mas podíamos vê-la como a sua resposta à descompostura pública que Marcello Caetano pregara, numa outra «conversa em família» a 23 de Julho, às propostas de revisão constitucional que Sá Carneiro e a ala liberal haviam apresentado. Com a clarividência da distância de cinquenta anos, o problema de fundo de Marcello Caetano não seria o da sua relação com as pessoas ou o da sua impopularidade. O problema de fundo era a erosão de quadros de qualidade da nova geração que se dispusessem a manter o regime, como recentemente assinalei aqui, de resto, com o caso de João Salgueiro.

15 novembro 2021

ELEIÇÃO MUITO AGITADA NUMA FREGUESIA MINHOTA

15 de Novembro de 1971. Quem diria que, ainda antes do 25 de Abril, se poderia assistir a episódios de eleições «muito agitadas», ainda por cima, para órgãos autárquicos, como era o caso de uma Junta de Freguesia? Convém explicar que a freguesia de Moure era uma das minúsculas incontáveis freguesias que constituíam o concelho de Barcelos. Eram 86 freguesias em 1971 e esta freguesia (típica) de Moure contava então com 717 habitantes(!). O problema (que se percebe mais pelas entrelinhas da notícia do que pelo que dela consta) terá sido que não terão aparecido pessoas confiáveis para encabeçar a Junta, o que teria atrasado o processo eleitoral (que decorrera em 17 de Outubro para o resto do país). Como tal, as autoridades terão recorrido a forasteiros o que, como é tradicional, foi condição suficiente para provocar o embrião de motim que a notícia do Diário de Lisboa descreve. Repare-se como uma notícia destas tinha que ser bem redigida: «os manifestantes tiveram que ser dispersos...», mas dispensando-se a menção a quem os persuadira a dispersar (provavelmente a GNR). E, como remata a notícia, a eleição lá prosseguiu com aqueles que «lá foram pôr o seu votozinho na urna...». Investiguei, mas lamento confessar que não consegui saber quantos é que haviam sido os que depois haviam votado naquela tal lista única, a única informação que fica por esclarecer de todo o incidente, já que, no bom velhos estilo das eleições sob o Estado Novo, nunca havia surpresa quanto ao vencedor. Em contrapartida posso elucidar que nas eleições de 26 de Setembro passado ganhou ali uma lista do PSD/CDS com 433 votos, seguida da do PS com 163. Sem agitações, ao que consta, embora a freguesia se tenha tornado numa pujante urbe de 920 habitantes (censo de 2021).

14 novembro 2021

O AFUNDAMENTO DO PORTA AVIÕES BRITÂNICO HMS ARK ROYAL

14 de Novembro de 1941. Afundamento do porta aviões Ark Royal no mar Mediterrâneo, 56 km a oriente da base britânica de Gibraltar. O grande navio, que regressava de uma missão em que fora expedir mais aviões para a defesa da ilha de Malta, havia sido torpedeado no dia anterior, 13 de Novembro, por um torpedo de sorte do submarino alemão U-81. O HMS Ark Royal era o terceiro porta aviões da Royal Navy afundado pela Kriegsmarine no decurso da Segunda Guerra Mundial (e recorde-se que, nessa altura, tanto os Estados Unidos como o Japão, ainda não haviam entrado na guerra). Mas o caso notável deste afundamento é que se tratou de uma importante perda... material. Dos 1.487 homens que constituíam a guarnição do navio apenas um morreu, e logo na explosão do torpedo que o atingira. Os restantes foram todos evacuados antes do navio se afundar e, naquele jeito único dos britânicos de transformarem as derrotas em vitórias morais, a guarnição evacuada foi exibida com uma boa disposição algo forçada para o jornal das actualidades cinematográficas (abaixo).

13 novembro 2021

É SEMPRE BOM SABER QUE...

...«os católicos podem comer carne de baleia à sexta-feira». O esclarecimento, publicado há setenta anos e emanado por «uma autoridade» da cidade do Vaticano, clarificava de vez uma controvérsia suscitada pelo arcebispo de Viena que «determinara que a carne daquele mamífero marítimo constituiria "carne" tal como a compreenderia os regulamentos de abstinência da Igreja». Ora isto, esquecendo um pouco o aspecto teológico da questão e enfatizando o gastronómico, aconteceu muitos anos antes do Gordon Ramsay se arrogar o desplante de definir o que era uma bifana (semelhante com o que acontecera antes com a paella de Jamie Oliver...). Naqueles idos de 13 de Novembro de 1951, não seria um rústico de um alemão, por muito arcebispo que fosse, que teria o direito de se pronunciar ex-cathedra sobre as subtilezas do que se pode ou não comer, e quando. Agora, sobre o modo como confeccionar carne de baleia, creio ser útil adicionar esta outra pequena história.

12 novembro 2021

MASSACRE DE SANTA CRUZ

12 de Novembro de 1991. Massacre do cemitério de Santa Cruz em Díli, Timor Leste. Por causa do seu conteúdo, as imagens então recolhidas não podem ser partilhadas e só podem ser reproduzidas no canal YouTube. É um daqueles temas que irá ser desenvolvido certamente na comunicação social convencional.

11 novembro 2021

QUEM ANDA A TRAMAR OS MEUS DOIS AMIGOS?

No filme «Quem tramou Roger Rabbit?» (1988) há uma cena muito significativa, em que o protagonista - um coelho de desenho animado - se esconde do seu perseguidor, mas onde acaba descoberto por não conseguir resistir às provocações sucessivas do toque da sequência incompleta do «shave and a haircut». Dá pena ver o pobre do Roger Rabbit a não conseguir resistir aos seus instintos mais entranhados. Ora, eu tenho dois amigos que, por razões obviamente diferentes das de Roger Rabbit, imagino que, para preservar a sua coerência passada e por esta altura, se estarão a confrontar com aquela mesma angústia e a resistir a um apelo que é maior do que eles. E antecipo que irão sucumbir, como acontece acima com o coelho, mas não deixo de imaginar a situação por que passam com a mesma simpatia e o mesmo divertimento.

A MEMORÁVEL SESSÃO DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE PARIS DE QUE SE PERDEU A MEMÓRIA

O Diário de Lisboa de 11 de Novembro de 1921 dava o destaque que a imagem documenta a uma sessão da Academia das Ciências de Paris que é classificada repetidamente de «memorável». O orador da dita sessão, que tivera lugar a 24 de Outubro de 1921, fora o matemático Paul Painlevé (1863-1933). Sem nunca ter granjeado a popularidade entre os leigos que foi alcançada por Albert Einstein, Painlevé foi, ainda assim, uma personalidade científica assaz interessante. Para além da sua actividade como matemático teórico, foi um político: deputado desde 1910 até à sua morte em 1933, sobraçou várias pastas ministeriais (Guerra, Finanças, Instrução Pública) e foi mesmo primeiro-ministro por duas vezes, em 1917 e 1925. Portanto, Paul Painlevé não se assemelhava em nada àquela imagem idealizada dos cientistas teóricos sonhadores, modestos e discretos. Uma apresentação sua na Academia das Ciências era um momento científico mas também social e político. Mas sintetizar a sua apresentação à Academia numa «negação da lógica da fórmula do grande sábio Einstein» era um completo disparate e não por culpa do orador. Como é tradicional, quando o assunto é exigente, o jornalista é ignorante, e quando um jornalista não percebe nada do assunto sobre o qual escreve, normalmente não o assume, não pergunta, inventa, obrigando-se a condimentar a história para lhe conferir interesse ao leitor: «Por fim Painlevé nega a lógica intrínseca das fórmulas de Einstein». Para quem queira saber o detalhe do que se tratou, a apresentação de Painlevé versava sobre uma proposta sua para a solução de um caso particular - o dos buracos negros - das equações de campo de Einstein. Pelo que se percebe pelo teor da página inicial da comunicação (abaixo), ela não teve nada do teor confrontacional que se depreende da notícia: Painlevé contra Einstein. Quanto à teoria da Paul Painlevé, que ficou conhecida pela designação de coordenadas Gullstrand-Painlevé (e que hoje é considerada redundante), não se tornou nada memorável. A Ciência e o jornalismo sempre conviveram muito mal.

10 novembro 2021

AINDA (E SEMPRE) A OPINIÃO PÚBLICA E A OPINIÃO PUBLICADA

Originário do Reino Unido (o que lhe confere um outro grau de distanciamento para o apreciarmos em toda a sua distorção), deparo-me com este exemplo da discrepância entre a variedade da opinião pública e a sintonia concertada da opinião publicada. A história conta-se brevemente: em comentário  no The Times à passagem da activista Greta Thunberg pela cimeira de Glasgow, o comentador televisivo Jeremy Clarkson deixa-lhe a sugestão que ela «experimente ir protestar para a praça Tiananmen» em Pequim (já que, recorde-se, a China não compareceu na cimeira). E na reacção há pelo menos dois outros jornais britânicos - Independent e Evening Standard - que noticiam as repercussões sociais negativas que o comentário de Clarkson tivera, embora dando destaque a outra passagem do texto em que este se refere à activista sueca sugerindo que o que ela mereceria seria aquilo que se poderia traduzir à portuguesa por «o rabinho lavado com água de malvas». Os artigos do Independent e do Evening Standard têm a mesma estrutura: dão destaque e citam comentários das redes sociais em que unanimemente se critica a expressão («smacked bottom») escolhida pelo comentador britânico. O paradoxal é que este episódio chegou ao meu conhecimento também por comentários das redes sociais, só que, na sua maioria, por comentários precisamente de sentido inverso (até li um do João Marques de Almeida!...), pessoas que, acredito, compartilharão com Clarkson uma certa saturação crítica quanto à irrazoabilidade como a jovem activista sueca tem vindo a ser produzida mediaticamente. Só mesmo a opinião publicada prevalecente é que nos quer fazer convencer que Greta Thunberg é uma figura assim tão respeitada e consensual. É que, por falar em rabos, não foi Jeremy Clarkson que começou a referir-se a eles, foi Greta Thunberg ao proclamar que (os organizadores da cimeira) bem «podiam enfiar a sua (deles) crise climática pelo cu acima». Ou, por outras palavras, ela é que pôs o cu a jeito, não é?

O ENCONTRO ENTRE HENRY STANLEY E DAVID LIVINGSTONE

10 de Novembro de 1871. Terá sido neste dia que se deu o encontro entre Henry Stanley e David Livingstone numa povoação que se situa actualmente na Tanzânia ocidental, próximo do Lago Tanganica. O episódio, que inclui a famosa introdução de Stanley - Doutor Livingstone, presumo? - é muito citado, parodiado (acima), mas, por detrás de toda essa popularidade promovida, torna-se difícil explicar as razões para tal notoriedade. Mesmo não se dispondo de fontes muito completas sobre essas viagens, os exploradores europeus - muitos deles portugueses - já se haviam aventurado e fixado no interior de África muitas décadas, senão mesmo séculos antes. Ironicamente, a região onde se dá o encontro virá a ser atribuída à Alemanha, quando da repartição de África. Este pormenor da história de África nem chega sequer a estar mal contado. Para mim, a popularidade do episódio representa apenas o triunfo do jornalismo: Stanley fora enviado à procura de Livingstone financiado por um jornal americano, o New York Herald e é a reprodução nos países de língua inglesa das suas crónicas que acabou por conferir popularidade à ocasião.

09 novembro 2021

«THE DIRTY TEN»

Depois da descoberta desta rede de contrabando só há uma solução para que os dez implicados salvem a reputação dos comandos: é constituírem-se num grupo de combate vocacionado para missões suicidas sob o comando de Lee Marvin, ao jeito do enredo do filme «The Dirty Dozen» (um comando de doze cadastrados militares que realiza uma operação suicida na França ocupada pelos alemães). Ou então não, que as fantasias da propaganda aqui são capazes de se revelarem contraproducentes...

O PLEBISCITO NA ROMÉNIA

9 de Novembro de 1941. Dá-se início a um plebiscito na Roménia. A Roménia, recorde-se, era naquela época um dos países aliados da Alemanha, e que participava com ela na invasão da Rússia. Sendo uma monarquia (onde a autoridade do rei Miguel era apenas simbólica), era ao mesmo e à semelhança de Itália, também uma ditadura de cariz fascista, corporizada num homem forte, aqui denominado conducator, e que se chamava Ion Antonescu. Todo um preâmbulo que explica porque é que não se esperavam surpresas quanto ao desfecho do plebiscito que, aliás, já era o segundo a ter lugar na Roménia nesse ano. O que tivera lugar em Março concluíra-se com uma robusta maioria de 99,90% entre os três milhões de votantes. Mas também convirá explicar como se processava a votação: o eleitor tinha que se pronunciar oralmente: sim ou não, sendo o silêncio contabilizado como um sim. Sendo assim, há que louvar a coragem dos 3.000 romenos (0,001 x 3.000.000) que haviam ousado dizer não. Agora neste outro plebiscito que estava a decorrer há precisamente oitenta anos, as notícias que chegavam a Portugal (acima), apesar de nem sequer explicarem o que é que estava em questão (na verdade, tratava-se de uma manobra política para tentar neutralizar a contestação popular às restrições impostas pela guerra), o que o Diário de Lisboa publicava enfatizava era apenas o carácter esmagador como os romenos se mostravam favoráveis ao que se lhes era perguntado, numa votação que no primeiro dia e em quase um milhão de votantes, apenas havia suscitado 17 dissonâncias! No final dos quatro dias de votação, contabilizar-se-ão apenas 68 discordantes em quase 3,5 milhões de romenos (99,99%!). Pensando nos quase 3.000 que em Março ainda se haviam comportado assim, uma de duas: ou tinham mudado de opinião, ou havia-lhes acontecido alguma coisa...

08 novembro 2021

«STARWAY TO HEAVEN»

8 de Novembro de 1971. Lançamento do quarto álbum dos Led Zeppelin que não tem título. E, por não o ter, costuma ser designado por Led Zeppelin IV. O álbum incluía a opus magnum da banda, «Starway to Heaven» já anteriormente usado por mim para algumas paródias ao sentido e extensão (8 minutos!) da canção. Nesta outra paródia, que recupero por causa deste cinquentenário do lançamento do álbum, a fotografia pareceu-me muito apropriada.
A fotografia data de 1949. O local é Roma. E há nela uma sugestão de religiosidade que é maior do que a mera presença do sacerdote em trajes clássicos que sobe paulatinamente a escadaria. O autor é Herbert List. Quanto à canção dos Led Zeppelin, essa só aparecerá 22 anos depois. Dura quase tanto tempo quanto aquele que imaginamos que o padre demorará a chegar ao cimo da escadaria, que o céu, sempre o pregaram, não fica ali ao virar da esquina, muito pelo contrário, é preciso penar para o alcançar.

07 novembro 2021

O BLOGUE A QUE PARECE QUE ACONTECEU NÃO SEI BEM O QUÊ

«Oh meus amigos, aquilo que aconteceu foi muito simples, meu amigo. O que aconteceu é que, certo dia (28 de Outubro passado), cheguei aqui, ao blogue, e fui logo confrontado com uma determinada situação. (O blogue estava desformatado: as informações que constavam da coluna lateral haviam passado para o fundo do blogue e vice versa; para mais, não se conseguiam accionar as ligações de hipertexto, os vídeos, ou mesmo aceder às caixas de comentários). Claro que eu fui ver se alguma coisa se alterara na configuração do blogue. Mas não. Tudo estava na mesma. Fui verificar à net se alguém se andava a queixar mais recentemente do mesmo problema. Mas também não. E depois de muito contornar todos aqueles modelos de contacto pré-formatados mandei uma mensagem explicando o que acontecera e pedindo assistência. E depois o que aconteceu é que, um belo dia (7 de Novembro, ou seja dez dias depois...) e sem que ninguém tivesse entrado em contacto comigo, aquilo que fora estragado aparece recomposto. Não sei se os senhores que fazem a manutenção do blogger estão à espera que agradeça, mas, oh meus amigos, eu acho que, por norma, ninguém tem que agradecer que os outros corrijam as asneiras que os outros fizeram. Pelo contrário: aceitam-se pedidos de desculpa.»

PS - Comparando este meu discurso com a arte de António Lobo Xavier de falar sem dizer rigorosamente nada, é que se percebe a virtude de ele andar há tantos anos a virar frangos naquele programa de televisão.

A TRADICIONAL DESISTÊNCIA DOS CANDIDATOS DA OPOSIÇÃO

7 de Novembro de 1961. Desde Novembro de 1945, em que, para que, literalmente, os ingleses vissem, as eleições legislativas abertas haviam sido organizadas pela primeira vez, que um ritual coreografado se repetia todos os quatro anos: a oposição ao regime aproveitava a época da campanha para se mostrar, enquanto as autoridades lhes arranjavam, aos membros dessa oposição, os maiores escolhos. Chegados à proximidade da data, os candidatos oposicionistas desistiam, queixando-se das condições e para não legitimar com a sua presença uma escolha onde não se podia verdadeiramente escolher. E mais uma vez assim era, há precisamente sessenta anos.