É muito interessante esta discreta notícia que aparecia no canto da última página da edição do Diário de Lisboa de há sessenta anos. Em visita ao México, e numa conferência de imprensa concedida na capital homónima, o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru referiu-se ao problema dos enclaves portugueses na Índia.
«O problema de Goa - disse - não se encontra ainda resolvido, embora já tenham decorrido catorze anos desde que a Índia recuperou a sua independência. E, contudo, seria fácil para a Índia apoderar-se de Goa em três dias. Não o fizemos, mas se a pressão popular se tornar intolerável e se não houver outro meio de resolver o problema, é possível que encaremos a intervenção armada».
Como lhe perguntassem se essa eventual acção militar contra Goa desencadearia uma reacção da NATO, Nehru respondeu: «A organização atlântica não foi criada para proteger o colonialismo, uma atitude diferente da NATO custar-lhe-ia o ódio e o ressentimento de toda a Ásia».
O homem de Estado indiano recordou que o problema dos enclaves territoriais tinha sido levantado com a libertação da Índia. A França tinha compreendido a situação, mas Portugal nem sequer quis discutir o assunto.
A passagem da entrevista adivinhava-se preparada de antemão e o recado de Nova Deli era muito claro. E Lisboa acolhia-o, impotente, apesar da retórica oficial que por cá grassava. Depois da eclosão da guerra em Angola, os meios militares locais haviam sido ainda mais reduzidos, passando as veleidades de resistência a uma qualquer operação militar indiana de quiméricas a absurdas. Hoje sabe-se que as declarações de Nehru eram um completo understatement: não seria precisa nenhuma «pressão popular intolerável», porque os planos de operações para a tal invasão militar já haviam sido estabelecidos e até as unidades intervenientes já haviam seleccionadas. Por curiosidade, acrescente-se que a anexação virá a ter lugar precisamente um mês depois da publicação desta premonitória notícia, como na data respectiva se evocará. O único pormenor em falha é que não demorará três dias: demorará dois (de 17 a 19 de Dezembro).
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