
Contudo, para efeitos de preservação da imagem política interna, a expressão
Rendição Incondicional, que
fora criada em Casablanca lá continuava e, sobretudo, a ameaça associada a uma resposta insatisfatória era inequívoca:
A alternativa que se coloca ao Japão é a sua destruição imediata e completa. As primeiras fracturas no governo imperial nipónico começaram com a resposta a dar a esta
Proclamação aliada. O Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Shigenori Togo, foi o primeiro a notar e a querer aproveitar as subtilezas de linguagem da nota aliada.
Do
outro lado, destacava-se o Ministro da Guerra,
Korechika Anami, que dava à nota uma outra interpretação: a de que os Aliados estariam hesitantes em arcar com os custos materiais e humanos que representaria uma invasão (que nunca fora concretizada) do arquipélago japonês. Nessa interpretação, que se revelou maioritária, o tempo estaria a funcionar a favor do Japão, pelo menos enquanto se aguardava o resultado de uma audiência que o Embaixador japonês em Moscovo solicitara para um enviado especial do seu governo, o ex-Primeiro-Ministro
Fumimaro Konoye.
A resposta japonesa à Proclamação, emitida em 29 de Julho, tornou-se um daqueles casos flagrantes de um choque cultural entre ocidentais e a nipónicos: enquanto os segundos pretendiam amenizar a indelicadeza da rejeição e escolheram utilizar na sua resposta uma expressão que se traduziria em inglês para
ignorar, os primeiros
encaixaram (e mal) essa
ignorância pelos padrões sociais ocidentais, ou seja como uma manifestação de sobranceria… A fase seguinte do
diálogo teve lugar às 08H15 (hora local) do
dia 6 de Agosto de 1945, na cidade japonesa de Hiroxima…

Além do desaparecimento total da cidade, as informações que chegavam dos Estados Unidos superavam as investigações que as autoridades nipónicas tinham montado para descobrir o que acontecera - previamente, houvera até uma Comissão de Físicos, presidida pelo próprio
Príncipe Takamatsu, irmão do Imperador, que
negara a possibilidade do aparecimento de uma arma nuclear ainda durante o conflito… As cúpulas estavam a perder o controlo dos acontecimentos: os pressupostos que levavam a crer que o tempo funcionaria em favor do Japão tinham desaparecido.
Dois dias se haviam passado depois de Hiroxima e em Moscovo,
Molotov dispunha-se a receber finalmente o Embaixador japonês! Mas afinal foi apenas para lhe entregar
a Declaração de Guerra da União Soviética ao Japão… No dia seguinte, 9 de Agosto, é a vez da cidade de Nagasáqui ser bombardeada por uma outra bomba atómica. Depois de três explosões (
Alamogordo, Hiroxima e Nagasáqui), o arsenal nuclear norte-americano encontrava-se momentaneamente vazio, mas os japoneses desconheciam-no. Tornava-se urgente reavaliar a situação.
Nada faltou do formalismo japonês ao Conselho Supremo que teve lugar nessa abafada noite de Agosto de 1945. Os seus dois membros civis compareceram de fraque: o Ministro dos Negócios Estrangeiros Shigenori Togo e
Hiranuma Kiichiro, ex-Primeiro-Ministro e excepcionalmente convocado pelo
Imperador Hirohito como presidente do seu Conselho Privado. Os outros membros presentes estavam todos fardados, a começar pelo Imperador, e continuando pelo veterano Primeiro-Ministro
Kantaro Suzuki de 77 anos, um Almirante que fora o Chefe de Estado-Maior da Armada entre 1925 e 1929.

Os outros
uniformes eram os Ministros da Guerra (Korechika Anami) e da Marinha (
Mitsumasa Yonai) e os Chefes de Estado-Maior do Exército (
Yoshijiro Umezu) e da Armada (
Soemu Toyoda). Destes, apenas Yonai partilhava a opinião dos do parágrafo anterior e se inclinava para a aceitação das condições da
Proclamação de Potsdam. As posições apresentaram-se tão extremadas que o Imperador Hirohito se viu forçado a intervir directamente, em vez de ser o presidente do seu Conselho Privado a exprimir a sua opinião como mandaria o protocolo.
A mensagem enviada pelos canais diplomáticos aos Aliados no dia seguinte é uma aceitação dos princípios da
Proclamação, contendo apenas uma reserva:
… a dita Proclamação não comportará nenhuma exigência que prejudique as prorrogativas de Sua Majestade o Imperador como poder soberano. A resposta aliada foi cautelosa, embora mostrasse uma total falha de subtileza tendo em atenção o espírito japonês:
A partir da capitulação, a autoridade do Imperador ficará subordinada à do Comandante-Chefe das forças aliadas. Os adeptos da luta até ao fim reconquistaram adeptos.
Um deles foi Hiranuma Kiichiro, que, num novo Conselho Supremo realizado no dia 14 de Agosto, considerou que a subordinação da autoridade imperial a uma outra, alheia e estrangeira, era inaceitável. Mas a presença do presidente do seu Conselho Privado estava a tornar-se supérflua, porque o Imperador e quem o estava agora a aconselhar, rompido por uma vez o protocolo, parecia estar determinado a ir até ao fim. Por sua decisão, todos os membros do Conselho Supremo foram instruídos a assinar a aceitação dos princípios da
Proclamação de Potsdam.

E, pela primeira vez, o Imperador dirigiu-se ao seu povo pela rádio. E quando este,
intoxicado pela propaganda, pensaria que ele iria fazer um apelo à luta a todo o transe, descobriu – apesar das dificuldades de compreender quem se exprimia de uma forma tão formal, arcaica e erudita... – que afinal a sua vontade era que a luta terminasse e que se aceite a derrota. Depois, a História está cheia de relatos de suicídios rituais de quem não quis aceitar aquela decisão. Mas note-se que, dos três membros do Conselho Supremo que assinaram contrariados (Anami, Umezu e Toyoda), apenas Anami se suicidou…