28 novembro 2008

O LEGO

Creio que quase todos os habitantes dos países desenvolvidos conhecerão o Lego. É um jogo de origem dinamarquesa que está este ano a festejar os seus 50 anos! O conceito é bastante elementar: o jogo é composto por um conjunto de peças individuais de plástico, em formas estandardizadas e normalmente em cores muito garridas, que se podem encaixar umas nas outras, fixando-se com uma força intermédia.
Esse é o segredo do sucesso do Lego: essa força intermédia permite que as construções feitas com aquelas peças tenham uma robustez razoável mas, ao mesmo tempo, permitem que a construção possa ser desfeita facilmente e, aproveitando as mesmas peças, se faça uma outra construção. De um jogo podem-se criar uma infinidade de brinquedos, dependendo da imaginação do utilizador.
Mas o Lego também é uma história de sucesso empresarial tendo, nos últimos 50 anos, feito uma evolução muito bem sucedida da Dinamarca para o Mundo em que se foi sempre adaptando ao gosto das novas gerações de consumidores. Nesse aspecto, através da evolução dos produtos da Lego podemos ver também, como num espelho, a forma como nas nossas sociedades tem evoluído o tratamento que damos às crianças.
Notem-se as construções desta caixa do princípio dos anos 60 que aparece aqui em cima e note-se a rusticidade dos pormenores das construções, nomeadamente o avião empunhado pelo rapazinho. É o Lego do meu tempo*, em que, havendo uma variedade de peças limitada, era preciso ser-se muito imaginativo e a sofisticação da construção, como é o caso do avião abaixo, nos indicava, com algum rigor, qual seria a idade do construtor...
Havia contudo uma pressão natural entre os consumidores para que a Lego fabricasse peças que possibilitassem construções que fossem cada vez mais rigorosas e de acordo com os originais. Continuando nos aviões, no final da década de 60 as réplicas como a do Caravelle que aparece abaixo, apesar de ainda rústicas, contêm peças já desenhadas com um formato próprio para asas de avião moderno.
Mais do que isso, as caixas vinham agora acompanhadas com manuais explicativos para a montagem – quem não quisesse usar a imaginação podia não o fazer. Mas o Lego deixava de ser exclusivamente o Lego criativo original para se poder vir a tornar também numa espécie de modelismo feito com peças de plástico que se encaixam… Depois, em meados da década de 70, quebrou-se um outro tabu importante.
Até então o objecto da brincadeira fora a própria construção, fosse ela uma casa ou um navio. O efeito de escala pertencia à imaginação do construtor: a mesma quantidade de peças que servira para construir um enorme arranha-céus numa escala 1/1000 podia servir depois para construir uma pistola numa escala 1/1. Com a introdução dos bonecos (acima), a Lego assumiu uma escala indicativa, ajustada ao tamanho deles.
Quando voltei ao contacto com o Lego foi já no estatuto de pai e ele passara por todas aquelas transformações. Para o meu filho, o processo meticuloso (e complexo…) de construção do barco de piratas acima nada tinha de interessante: o resultado final era-lhe oferecido numa enorme fotografia na caixa da embalagem! Enquanto o pai montava, o que ele queria mesmo era brincar com os piratas… e depois com o barco.
Hoje em dia, fazem-se coisas maravilhosas com Lego, compare-se o avião acima com os iniciais. Mas aquilo já não é propriamente um jogo, é um ramo especializado do modelismo. Não sei se desde a geração do meu filho terá havido muitas crianças que tenham brincado verdadeiramente com o Lego – podem ter brincado, mas foi sobretudo com adereços feitos de Lego, o que é uma coisa completamente diferente…
As crianças de todas as gerações têm tendência para ser imaginativas e, de uma forma ou outra, arranjam sempre maneira de exercitar a imaginação. E, claro, entre qualquer coisa que esteja pronta e outra que tome tempo a consumir, preferem a primeira. Esta evolução que aqui descrevi do Lego diz muito mais sobre o que aconteceu aos valores das sociedades que nos rodeiam do que propriamente sobre as crianças...

* O Lego teve um apreciável êxito em Portugal. De acordo com a Cronologia do Lego que consta da Wikipedia, a sucursal portuguesa da Lego foi fundada em 1973, apenas um ano depois da norte-americana, um ano antes da espanhola e 11 anos antes da brasileira…

6 comentários:

  1. Brilhante síntese da interpretação do conceito de formação! (Bildung, está-se mesmo a ver)!

    :)))))))))))

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  2. Brilhante!
    No Louisiana Museum of Modern Art, perto de Copenhaga, existe uma sala com milhares de Legos, onde as crianças mergulham na imaginação e no fascinio e os adultos contemplam embevecidos.
    Não dispenso essa visita.

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  3. Havia, cá por casa, alguém que tinha uma gaveta enorme, cheia de peças Lego.
    O ruído característico da busca da peça desejada soava por toda a casa, deixando os nervos em franja aos progenitores e aos irmãos.
    A substituição do brinquedo não acabou com o ruído: passou de plástico a metálico e as porcas e parafusos, "arrumados" em gavetas, foram o princípio de um trabalho diferente, que ambos conhecemos!

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  4. Em 1980 fiz uma viagem de trabalho
    à Dinamarca,tendo apanhado um avião
    de Copenhaga para Billung,onde fiquei num hotel junto da Legolândia,parque temático que
    merece uma visita.Existiam réplicas
    de monumentos mundiais feitos com
    aquelas pedras e o bilhete de
    entrada era oferecido pelo hotel.

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  5. Cheguei a fazer, com o meu irmão e um amigo, casas com passagens secretas. As peças tinham as formas básicas e, por isso, podíamos construir o que quiséssemos. Agora, as peças só têm um único lugar e uma única função.
    Mas mesmo assim, é sempre Lego!

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  6. Há aqui comentários elogiosos pela análise que desenvolvi no poste - que eu muito agradeço.

    Mas há também comentários cúmplices de quem também se divertiu com o Lego.

    Finalmente há comentários de admiração pelo aspecto artístico de que as obras em Lego se podem revestir.

    O Lego, pelos vistos, é um tópico infindável.

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