28 fevereiro 2010

TV NOSTALGIA – 48

Voltando a usar a distinção da entrada anterior de TV Nostalgia entre as séries britânicas que são de humor popular e as que são de humor sofisticado, uma das do segundo género foi The Goodies (acima), aparecida em Portugal em 1976. Os Goodies eram uma espécie de reedição com menos qualidade mas com audiências semelhantes da que havia sido a (hoje) série de culto Monty Python’s Flying Circus.
Depois da série terminada, com os autores de Monty Phyton vivia-se um ambiente semelhante ao vivido à volta dos Beatles depois da sua separação: nostalgia pelo conjunto, expectativa e algumas decepções com o aparecimento dos seus trabalhos a solo. Entre estes, contaram-se Fawlty Towers de John Cleese (acima) e Rutland Weekend Television de Eric Idle (abaixo), ambas transmitidas pela RTP na década de 70.

27 fevereiro 2010

ТОВАРИЩ СТАЛИН СМОТРИТ НА ТЕБЯ

Embora o título deste poste (trata-se da versão em russo e no alfabeto cirílico da frase O Camarada Estaline está a vigiar-te) seja uma excelente legenda para esta fotografia imediatamente acima, há um paradoxo histórico na sua associação. É que, se por um lado, a fotografia data das eleições para os sovietes de 1937 – e o eleitor é um famoso cientista de então, chamado Otto Schmidt¹ – a legenda inspira-se na famosa frase Big Brother is Watching You da novela Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de George Orwell que só veio a ser publicada doze anos depois disso, em 1949.
Contudo, o paradoxo não deixa de tornar totalmente pertinente a associação. George Orwell fez naquele livro uma denúncia das práticas dos totalitarismos sem cuidar da sua aparência retórica, do que resulta uma associação evidente da prática do fascismo com a do comunismo, para grande irritação destes últimos. E um dos aspectos caricatos dessa espécie de disputa ideológica gira à volta do formato do bigode do Big Brother, já que Orwell disse que ele o possuía, mas sem nunca o descrever. Há versões do bigode farfalhudo (à Estaline) ou curto (à Hitler), mas os mais preocupados com a neutralidade, acabaram por lho rapar...
¹ Apesar da sonoridade do nome, Otto Yulyevich Schmidt (1891-1956) era russo e é desnecessário dizer que nas eleições não havia outras opções para além da lista única...

26 fevereiro 2010

UMA HISTÓRIA DE METROPOLITANOS

Consultando uma tabela de 1970 (colocada no fim), com a localização e com a extensão das linhas de Metropolitano então existentes, fica-se a saber que havia então pouco mais de uma trintena de cidades no mundo que as possuía. Actualmente, 40 anos passados, esse número terá quintuplicado (172), embora o prestígio de os possuir no seu sistema de transportes urbanos tenha feito com que algumas cidades classificassem como Metropolitanos sistemas de transporte colectivo que não passam de eléctricos rápidos (como abaixo).
Na origem, os verdadeiros Metropolitanos foram concebidos para serem muito mais do isso. Era fundamental que tivessem uma rede de circulação própria, quer ela fosse subterrânea (abaixo, uma fase da construção do Metro de Paris) ou então sobreelevada (mais abaixo, o Metro de Chicago) para que assim se aliviasse a circulação à superfície nos centros das grandes metrópoles que começaram a constituir-se durante o Século XIX. Porém, a ideia, para ter sido bem sucedida, teve entretanto que resolver alguns problemas práticos...
Uma solução foi a descoberta da tracção eléctrica (anos 1890), pois o fumo das máquinas a vapor, experimentado originalmente no Metro de Londres em 1863, tornava as viagens nos túneis incómodas. Outra foi a descoberta de novos métodos de engenharia de escavação e consolidação que permitiam construir estruturas em cimento nos terrenos instáveis e arenosos, mesmo sob o leito de rios. Com isso, a partir da última década do Século, criou-se uma disputa entre as grandes cidades, para ver quem tinha ou não teria rede de Metro.
É por causa dessa lógica de prestígio e concorrência que, entre as linhas mais antigas do Mundo, se contam as de Londres (1863) e Glasgow (1897), Paris (1900), Berlim (1902), Chicago (1892), Boston (1901), Nova Iorque (1904) e Filadélfia (1907), mas também Budapeste (1896) e Viena (1900), porque não nos podemos esquecer da sua condição de capitais-gémeas do Império Austro-Húngaro! Ao chegar-se aos primórdios da Primeira Guerra Mundial (1914), esse elenco mantinha-se, com poucos acrescentos: Buenos Aires, Hamburgo.
Entre os casos dos Metros construídos no período de entre guerras, em que continuavam a gozar do estatuto de realizações de prestígio (Japão, Espanha, Grécia), há que destacar o caso do de Moscovo (acima), em que essa intenção terá sido a mais acentuada de sempre. Não a repetindo, terminada a Segunda Guerra Mundial, houve novas redes de Metro que foram surgindo noutras cidades do mundo desenvolvido, incluindo Lisboa (abaixo, em 1959), e associando sempre esse aparecimento a um conceito de modernidade…
Na tabela de 1970, Lisboa aparecia então num honroso 26º lugar. Actualmente baixou para um bastante mais modesto 68º lugar. Neste 40 anos, metade dos nomes das 30 cidades com maiores redes de Metropolitano foram substituídos, e mais de metade das recém-chegadas à nova lista são cidades asiáticas: chinesas, sul-coreanas ou indianas. Sendo um reflexo do crescimento demográfico e da prosperidade económica não constitui surpresa que, também neste caso dos Metros, se assista a esta reclassificação em prol da Ásia…

25 fevereiro 2010

A CRISE POLÍTICA DESENCADEADA PELA OPERAÇÃO VENTO NORTE

Só mesmo maduros que se interessem pelos detalhes da Segunda Guerra Mundial é que já terão ouvido falar da Operação Vento Norte (Nordwind), a última Ofensiva dos alemães na Frente Ocidental que teve lugar em Janeiro de 1945. O local foi a Alsácia e o objectivo era a reconquista de Estrasburgo, a sua capital. Desencadeada com um frio intenso e sob a cobertura de um tempo nublado para impedir os Aliados de exercerem a sua superioridade aérea esmagadora, a ofensiva acabou por vir a fracassar.

Entretanto conseguira criar uma crise política entre os Aliados… Que se passara? Mesmo sem se ser especialista, com a ajuda dos três mapas abaixo, fica-se a perceber como o desenvolvimento da ofensiva da Nordwind estava a deixar a cidade de Estrasburgo (que aparece assinalada nos 3 mapas) numa situação exposta, ameaçada nos dois flancos pelas posições alemãs e passível de ser cercada. Qualquer manual de ciência militar recomendaria que se evacuasse a posição e foi isso mesmo que o General Eisenhower queria fazer.
O problema é que a posição a evacuar era uma cidade que se chamava Estrasburgo... Conquistada por Luís XIV para a França em 1681, perdida em 1871, recuperada em 1919, de novo perdida em 1940, as unidades militares francesas praticamente haviam acabado de chegar para a libertar: 23 de Novembro de 1944. Era impossível que o poder político francês aceitasse a decisão sem a contestar. O facto daquele poder ser à época protagonizado por uma pessoa como Charles de Gaulle deu ao episódio um retoque especial.

Antes da reunião, já de Gaulle telegrafara para Roosevelt e Churchill informando-os que não aceitaria o abandono da Alsácia e que ordenara às tropas francesas que tomassem à sua responsabilidade a defesa de Estrasburgo. Porém, o local da reunião é esclarecedor sobre as relações de poder entre os dois protagonistas: foi no gabinete de Eisenhower no SHAEF, então instalado em Versalhes. Tendo deixado memórias distintas da forma como decorreu a reunião os dois são unânimes quanto à violência do embate.
Para Eisenhower, a situação era clara do ponto de vista militar e, desse ponto de vista, a sua decisão era completamente inatacável. A isso adicionou que, para a precariedade da situação, contribuía a incapacidade das unidades do exército francês em conseguir eliminar a bolsa de Colmar de onde os alemães continuavam a ameaçar Estrasburgo pelo Sul, a que não seria estranho o facto dos franceses manterem essas unidades com os seus efectivos incompletos, ao contrário do que haviam prometido.

A esta descompostura do norte-americano deu de Gaulle uma réplica tipicamente francesa, reafirmando a sua disposição de defender Estrasburgo por tropas francesas, mesmo que fosse a custo de as fazer abandonar a cadeia de comando dos Aliados (Eisenhower). Os ânimos já estavam exaltados e este último não deixou de fazer notar ironicamente ao seu interlocutor que, sendo assim, as tropas francesas deixariam de receber reabastecimentos (alimentos, munições e combustível) o que as tornaria rapidamente inúteis.
Era demais para de Gaulle: – Em retaliação, a França, no seu furor, retiraria aos Aliados a utilização das suas redes de comunicações e de caminhos-de-ferro, elementos essenciais para a continuação das suas operações! A ameaça não deixava de ser patética depois de quatro anos de ocupação alemã quando o furor gaulês não conseguira fazer grande coisa para impedir a utilização que os ocupantes germânicos haviam feito daquelas duas redes, mas Eisenhower, mais do que um general, era sobretudo um gestor de equilíbrios.

Afinal Estrasburgo não chegou a ser evacuada nesse Inverno de 1945... Este episódio, que não passa de uma nota de rodapé da grandiosa epopeia que foi a Segunda Guerra Mundial, tornou-se porém num bom exemplo de como há circunstâncias excepcionais em que a potência hegemónica numa grande coligação (era então o papel dos Estados Unidos no SHAEF, que incluía também britânicos, canadianos, franceses, polacos, etc.) tem de tomar em consideração os interesses que os seus aliados consideram fundamentais…

24 fevereiro 2010

TV NOSTALGIA – 47

Uma maneira simplificada de referenciar as duas grandes escolas de humor da televisão britânica é associando-as às duas séries de sucesso de Rowan Atkinson: por um lado há a série sofisticada Blackadder, aparecida da década de 80 e por outro lado a série popular Mr. Bean (acima) aparecida na década seguinte, filão que continua a ser explorado, por se ter revelado muito mais rentável.

Pois Some Mothers Do 'Ave 'Em (acima), será assim uma espécie de antepassada dos anos 70 de Mr. Bean, em que os efeitos cómicos assentavam também nos disparates histriónicos da personagem principal da série, que se chamava Frank Spencer, que foi aliás, e se não estiver enganado, o título que a RTP deu a série quando cá passou. A cena do vídeo abaixo sintetiza qual era o estilo da série…

DUAS ESTRELAS CADENTES NA REVOLUÇÃO

Recentemente, a propósito de uma polémica interna do PSD, houve a oportunidade de ouvir Alberto João Jardim recuperar uma expressão que já não ouvia há bastante tempo: Sá-Carneiristadizia ele que o seu PSD-Madeira era Sá-Carneirista. Ora ser-se Sá-Carneirista na actualidade não quer dizer nada… Sá Carneiro sobreviveu 6 anos e 7 meses à Revolução do 25 de Abril e terá deixado um certo cunho no estilo de actuação do Partido que fundou (PSD) e o seu nome perdura hoje na toponímia do Aeroporto do Porto ou na sua antiga Praça Velásquez, ou então na do Areeiro em Lisboa. Pouco mais.
Poderá ser uma surpresa se nos pusermos a fazer contas equivalentes à duração da participação de Lenine após a Revolução Russa. Entre Fevereiro de 1917 e Janeiro de 1924, data da morte do icónico dirigente revolucionário russo, mediaram também 6 anos e 11 meses. Só que, quanto à toponímia associada a Lenine, o aeroporto mais as duas praças Sá Carneiro são completamente esmagados: logo em cidades, para além de Leninegrado (a antiga São Petersburgo, que fora a sede da Revolução), baptizaram-se cinco Leninabad, cinco Leninsk, duas Leninogorsk, duas Leninskoye, duas Leninski, etc.
Não sendo a mais épica, aquela que se veio a revelar a mais importante fotografia de Lenine para o futuro político da União Soviética, data de 1922 durante uma fase da sua convalescença passada na cidade de Gorky e nela aparece Lenine acompanhado de Estaline numa pose que o segundo fez depois interpretar como uma cumplicidade que endossava a sua competência à sucessão. Não era bem assim… Lenine fora visitado nessa mesma altura por muitos outros dirigentes bolchevistas como foi o caso de Kamenev, na fotografia abaixo, um rival que Estaline veio a mandar executar anos mais tarde (1936).
Porém naquela fase final da vida, as capacidades de Lenine estavam a degradar-se de forma acelerada quando sofreu 3 AVCs (acidentes vasculares cerebrais, tromboses) quase encadeadas que o incapacitaram progressivamente: em Maio de 1922, em Dezembro de 1922 e em Março de 1923. Nesta última fotografia abaixo, tirada já no Verão de 1923, em que Lenine parece alucinado já ele não conseguia falar… e a ascensão de Estaline já estava praticamente assegurada. No regime que despontava, as concepções teóricas podiam ser atribuídas ao russo, mas a sua implementação no concreto iriam ficar inteiramente por conta do georgiano...

23 fevereiro 2010

LIBERTAD

Uma canção com este título só podia ser dedicada a alguém como José Pacheco Pereira que tanto se tem preocupado sobre as ameaças que ultimamente pesam sobre a nossa liberdade em Portugal, comparando-a com a que se usufruia na União Soviética de Brejnev. Espero que a interpretação e a escolha de uma intérprete que criou a imagem por usar os seus óculos em palco caia bem num intelectual como ele e possa superar a eventual aversão criada pelo facto de Nana Mouskouri ter sido uma militante destacada do PASOK (socialistas gregos)…
A par disso e por falar em gregos, note-se a coincidência da canção ser uma associação do agora famoso acrónimo PIGS¹ (o original): é dedicada a um português, cantada por uma grega em língua espanhola com uma melodia que foi roubada a uma ópera de Verdi, um italiano.

Cuando cantas yo canto con tu libertad
Cuando lloras también lloro tu pena
Cuando tiemblas yo rezo por tu libertad
En la dicha o el llanto yo te amo
Recordar días sin luz de tu miseria
Mi país olvidó por un tiempo quién eras
Cuando cantas yo canto con tu libertad
Cuando tu estás ausente yo espero

Eres tu religión o quizas realidad
Una idea revolucionaria
Creo yo que eres tu la única verdad
La nobleza de nuestra humanidad

Por salvarte se puede luchar
Esperarte sin desfallecer
Cuando cantas yo canto con tu libertad
En la dicha o el llanto yo te amo
La canción de esperanza es tu nombre y tu voz
Y la historia nos lleva hacia tu eternidad
Libertad Libertad
¹ Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain).

O ESTILO…

Ontem, a meio da entrevista a José Sócrates no seu novo programa Sinais de Fogo, ouvi Miguel Sousa Tavares dizer …a divida consolidada do Estado já está praticamente nos 100% do PIB… (pode ouvir-se acima, aos 27:30). Ou aquele praticamente tem uma elasticidade como as de Vasco Pulido Valente, o que parece ser improvável dada a pública amizade que os liga, ou então Miguel Sousa Tavares estava a fazer confusão – que não se esclareceu¹ – entre dívida pública, dívida do Estado e dívida externa.
E torna-se quase ternurento quanto se pode ler hoje, nas apreciações a respeito daquela reaparição de Miguel Sousa Tavares na televisão, a opinião que A ideia de que não domina os assuntos, é uma imagem de marca do MST desde sempre. É também um estilo... Talvez seja, mas por aquilo que tenho vindo a observar aqui e ali entre os seus colegas de profissão, esse estilo de mostrar não perceber grande coisa do assunto de que está a tratar não lhe conferirá uma grande individualidade distintiva entre a classe…¹ É evidentíssimo que, se aquela mesma confusão tivesse sido feita por José Sócrates, o erro teria tido todo um outro tratamento jornalístico… Nesta notícia recente e não muito pró-governamental do i pode ler-se que a dívida pública representou 76,6% do PIB em 2009, o número que José Sócrates engoliu para a entrevista e que refere posteriormente.

22 fevereiro 2010

DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA À «REFORMA AGRÁRIA» DOS COMUNISTAS EM PORTUGAL

Não há nenhuma fonte evangélica que nos relate o que terá acontecido a Maria, mãe de Jesus Cristo, depois dos acontecimentos que levaram à crucificação do filho. Em 1950, depois de já terem decorrido cerca de 1900 anos sobre eles, o Papa Pio XII resolveu o problema sem grandes receios de vir a ser desmentido: A imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.
Foi assim que o proclamou Pio XII na sua Constituição Apostólica Munificentissimus Deus. E quem ousaria desmentir o velho Eugénio que as coisas não se haviam passado precisamente assim, que a velhota não se esfumara por aí acima, qual fumo de lareira numa chaminé, quando quem pensasse em temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la, à versão, incorria na indignação de Deus omnipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo?
Retocar a História sempre foi uma tarefa fascinante. Tomemos o exemplo da Reforma Agrária, que é um assunto que vai perdendo relevância¹ entre nós enquanto envelhece – já se passaram 35 anos! Mesmo assim foi um problema que se pôs com 50 anos de atraso em relação à Europa, confira-se com o mapa acima do período entre guerras (1919 a 1939), onde se marcaram as Reformas Agrárias então implementadas e fracassadas nos países da Europa de Leste.
Fruto do nosso atraso social, os comunistas apropriaram-se da expressão em 1974 e tornaram-na sinónima da colectivização da terra, o que é completamente diferente da redistribuição das terras pelos camponeses que as não têm. Nos dois casos, trata-se da expropriação de terras de latifundiários mas, a partir daí, tornam-se duas coisas distintíssimas. Prova disso, depois de 1945, a Polónia e os países bálticos tiveram uma nova Reforma Agrária, desta vez à soviética.
Foi esse tipo de concentração em kolkhozes (em Portugal eles chamaram-se UCP – unidades colectivas de produção) que permitiu aos comunistas exercer o seu controle político nas áreas rurais do Sul do país a partir de 1975, num estilo idêntico ao caciquismo que eles criticavam aos seus adversários no resto do país. Não será por as figurantes aparecerem de punhos cerrados que a fotografia abaixo deixa de ser um retrato perfeito de um Portugal atrasado e manipulado...
A aprovação da Lei da Reforma Agrária, em Julho de 1977, foi a concretização de regras legais para um processo que fosse alternativo ao modelo soviético e que os comunistas não puderam aceitar pacificamente já que lhes iria atacar as bases do seu poder regional. Simbólico do jogo semântico acima mencionado, a Reforma Agrária que foi aprovada pelo Parlamento sempre foi designado pelos comunistas como Lei Barreto (abaixo), por contraponto à deles, a verdadeira.
Retocando a história, tem piada assistir agora a um Jerónimo de Sousa falando de cátedra, como o fazia Pio XII, nas comemorações dos 35 anos da Reforma Agrária e aproveitando para proclamar como dogma de fé que ela terá sido não só uma epopeia, como um caso de sucesso. E quem temerariamente opor-se a contrariá-lo, não incorrerá na indignação de Deus omnipotente, nem da de Pedro ou da de Paulo, mas poderá ser a dos tradicionais camaradas patrulheiros da blogosfera
¹ A agricultura já representa menos de 4% do PIB.

21 fevereiro 2010

A MÚSICA QUE SALVOU O PLANETA TERRA


Em ambiente de evocar músicas e interpretações horrorosas, não sei quantos ainda se lembrarão como a música do vídeo acima salvou a Humanidade de uma inexorável extinção à mão dos marcianos em Mars Attacks!

Salvou-se a Humanidade da extinção mas, num registo mais sóbrio, se a canção fosse mesmo inspirada num apelo amoroso dos índios, conforme o seu título indica (Indian Love Call), então há muito que os índios estariam extintos por falta de procriação…

20 fevereiro 2010

A ASCENSÃO DO DINHEIRO

Este poste não pretende ser uma recensão do livro acima, mas uma reflexão provocada pelo seu título e conteúdo. Uma parte da história que Niall Ferguson nos conta neste livro é a de como o sector financeiro se tem vindo a complexificar ao longo da História, com o aumento da sofisticação da actividade bancária propriamente dita, à criação das Bolsas de Mercadorias, de Títulos e de Futuros. Um aspecto, porém, parece-me que não ficará claro para o leitor depois de ler aquelas 350 páginas: será que, de acordo com Ferguson, o Dinheiro é apenas um meio ou será um fim?

São raras as pessoas leigas que tenho encontrado que mostrem dominar com segurança a distinção entre aquilo que é da esfera do económico e o que é financeiro. A expressão económico-financeira, mais o seu hífen, foi inventada precisamente para desenrascar quem não tem a certeza de qual se trata… Porém, também são raras as pessoas que têm dúvidas quando a definir o que consideram riqueza: não será directamente o dinheiro, que apenas servirá para dar uma medida da sua grandeza, mas antes o bem-estar proporcionado pelos bens e serviços que forem comprados com ele.

Nessa perspectiva concreta, parece não haver dúvidas para o cidadão comum sobre qual será a importância relativa das duas e as pessoas esperam que haja uma associação entre a economia e as finanças. Mais, esperam que a função do aparelho financeiro seja a de estimular o aparelho económico numa relação recíproca dinâmica. Só que, com esta Ascensão do Dinheiro, estamos a construir uma sociedade em que as coisas não se passam bem assim… A globalização fez com que se tornasse fácil ao sector financeiro arranjar dinheiro, que não fosse o gerado pelo sector económico com o qual trabalha...

Assim se criam enormes défices externos e assim se dispensa a necessidade que o destino desse dinheiro vindo do exterior seja o crescimento económico interno. É um fenómeno que estamos a assistir em países como os Estados Unidos ou como... Portugal. E o efeito político perverso é que se assiste à convivência de sectores financeiros pujantes com sectores económicos decrépitos. Obama poderá estar a sublimar esse problema no valor do bónus recebidos pelos banqueiros, mas a questão não será bem essa, porque se trata de todo um sector (financeiro) que parece estar dissociado do resto da sociedade…

Em Portugal, para dar um exemplo nosso, os lucros do primeiro semestre de 2009 dos nossos cinco maiores bancos (BES, BPI, CGD, Millenium e Santander) dariam para pagar a pronto o famoso par de submarinos do Dr. Portas… É perante paradoxos como estes que antecipo que haverá provavelmente cada vez menos dificuldades políticas em que, a começar pelos Estados Unidos, se comecem a sobretributar os lucros do sector financeiro. O que será um fim para esta fase da Ascensão do Dinheiro. É que, embora Ferguson não o diga expressamente, o dinheiro é apenas um meio

O fim, esse, como em todas as sociedades humanas, é sempre o poder. Esse é que é o factor decisivo. Aliás, se o dinheiro fosse mais do que um meio, e apenas para exemplo, então quando nos referíssemos às elites do III Reich e aos Julgamentos de Nuremberga, todos saberíamos quem havia sido Hjalmar Schacht (abaixo, ao lado de Hitler) e poucos são os que ouviram falar dele…

19 fevereiro 2010

O NOSSO AMOR É VERDE

Tenho por ponto de honra inserir de quando em vez no blogue alguns dos vídeos mais agressivos que a TV nos pôde mostrar a coberto do pretexto traiçoeiro que nos estava a entreter – tipicamente, um com a Clara Pinto Correia a dançar... Mas tenho de ter o fair-play de reconhecer quando alguém também consegue um grande feito nesse campo das evocações atrozes. A autora do feito, não é demais enaltecê-la, foi a Donagata com a inserção de uma prodigiosa e inesquecível interpretação de Natália de Andrade intitulada O Nosso Amor é Verde (acima), que eu aqui também insiro, não só para divulgação mas também para comparação da sua classe com aquela que é reputada o maior vulto internacional de sempre, uma cantora norte-americana chamada Florence Foster Jenkins (abaixo).
Natália de Andrade pode ser recordada mais uma vez num daqueles incontornáveis programas das tardes de Domingo do Júlio Isidro (que também a lançou – como a todos os cançonetistas nacionais nascidos depois de 1889, de resto…) onde ela comparecia, muito composta e devidamente acompanhada ao piano para interpretar peças musicais como a que podemos ouvir abaixo, enquanto a audiência, que fora devidamente advertida que aquilo se tratava de bel canto, uma arte respeitável e séria, cerrava a boca e abafava as gargalhadas, proeza não despicienda essa de provocar uma audiência televisiva típica, dado que se trata de um ser compassivo – até aplaude as piadas do Fernando Mendes! – e que possui um QI colectivo apenas marginalmente superior ao de uma capoeira de galinhas…
E porque este blogue não pode deixar de ter um certo sentido de responsabilidade e pedagogia eis o mesmo trecho musical mas agora cantado por Maria Callas. Depois de ouvir a Natália de Andrade tem o mesmo efeito de uma boa aguardente de peras: ajuda à digestão...

O CASO LAVON

Trata-se de um caso de espionagem, envolvendo Israel e o Egipto, passado um pouco antes da Guerra do Suez de 1956 e que foi baptizado com o nome do bode expiatório, o Ministro da Defesa israelita daquele momento que se chamava Pinhas Lavon (abaixo). Embora a inocência de Lavon não fosse a que os seus olhos de carneiro mal morto na fotografia indiciam, actualmente não restam dúvidas que a Operação (baptizada Susana) pela qual ele teve que se responsabilizar publicamente, havia sido aprovada colectivamente pelo aparelho de segurança israelita.
Deve ser por isso que nas fotografias que costumam ilustrar o Caso Lavon, normalmente o protagonista aparece acompanhado de notórios falcões da política israelita como Golda Meir (abaixo) ou Moshe Dayan (mais abaixo). Quanto à Operação Susana propriamente dita, foi um clamoroso fiasco dos renomados serviços de informações israelitas. A ideia original era criar um conjunto de incidentes que perturbassem significativamente as relações entre as duas potências anglo-saxónicas (Estados Unidos e Reino Unido) e o Egipto, então dirigido por Nasser.
Os instrumentos foram judeus de origem egípcia que tinham sido encarregados de criar esse clima de instabilidade através de atentados bombistas contra interesses ocidentais no país e que pudessem ser depois assacados a grupos extremistas egípcios. Com tanto azar (para Israel) que a Operação fora infectada por um agente duplo que a terá denunciado aos egípcios. Estes últimos levantaram toda a rede e organizaram um daqueles julgamentos-espectáculo perante o embaraço de Israel que viu assim toda a sua tortuosa intenção ser denunciada...
Duas consequências desagradáveis para Israel foram a percepção da parte dos países ocidentais que os Israelitas, apesar do capital de simpatia por terem sido vítimas recentes do nazismo, não mereciam confiança e a percepção nos países muçulmanos que as suas comunidades judaicas, de antiguidade milenar, não passavam de quintas colunas de Israel, o que teve efeitos trágicos para elas. Aquilo é que foi um fiasco embaraçoso. Suportar as acusações de assassinato de um dirigente do Hamas num hotel do Dubai, isso é apenas uma trivialidade…

18 fevereiro 2010

NO MESMO IDIOMA…

Em Astérix e os Godos, os nossos dois heróis capturam um godo para o interrogar sem saber que ele era intérprete. Mas o interrogatório parece-lhes impossível porque o interrogado, apesar de perceber perfeitamente o que Astérix lhe estava a perguntar, fez-se passar por desentendido. E a resposta dele (Está bem, deixa!) parece-me uma excelente metáfora da maioria dos nossos melhores diálogos políticos. Trata-se duma prática sem fronteiras, e por muito que Paulo Gorjão o desafie, não será porque a disputa Aguiar Branco/Passos Coelho/Paulo Rangel se trava dentro do partido deles que José Pacheco Pereira irá dar mostras de qualquer imparcialidade: – Está bem, deixa! Qual dinamite cerebral, qual carapuça! Só se der um espirro e se distrair...

SOBRE A NOSSA TOLERÂNCIA NACIONAL À MENTIRA

Ao contrário do que Marcelo Rebelo de Sousa anda a dizer, não nos é nada difícil manter um mentiroso como primeiro-ministro. Se for só por ser mentiroso, e equivalendo um primeiro-ministro em notoriedade nesta nossa sociedade hiper-mediatizada a um comentador televisivo de primeira grandeza, também não temos tido qualquer dificuldade em mantê-lo em alta a ele, Marcelo, apesar dos episódios da Vichyssoise ou daquela famosa promessa de não se dispor a dirigir o PSD nem que Cristo descesse à Terra… Mais! Com tudo isso e apesar disso, nós até o tornámos popular como uma espécie de ícone nacional da patranha, como se vê naquele famoso vídeo dos Gato Fedorento.
Por outro lado, descobre-se que a nossa tolerância colectiva à aldrabice nem sequer poderá estar associada à afabilidade aparente do mentiroso. É verdade que Marcelo é muito mais simpático do que Sócrates, mas, em contrapartida, não será a simpatia, bem pelo contrário, que explicará a nossa aceitação acrítica e aclamatória das consecutivas aldrabices escritas por Vasco Pulido Valente, que se tornou num dos nossos colunistas de jornal mais populares. O factor decisivo para a condenação social de um mentiroso será qualquer coisa que não saberei caracterizar mas que sei identificar: por exemplo, com Clara Pinto Correia e as suas explicações para o plágio que não a salvaram do ostracismo.

Muito recentemente, no princípio desta semana, li aqui na blogosfera uma explicação que, pela sua inverosimilhança, parecia, pelo canhestrismo, decalcada da da Clara Pinto Correia¹. E depois, na imprensa e nos blogues, vim a descobrir que o autor de tal explicação, Carlos Santos de seu nome, fora apanhado num enredado de denúncias despropositadas, desproporcionadas e com falta de rigor. Para ele, intuitivamente, antecipo um tratamento severo de mentiroso à Clara Pinto Correia. Mas se ele quiser trilhar o mesmo caminho da antecessora, espero, dada a sua ânsia de protagonismo, que ao menos saiba dançar e que haja alguém que lhe saiba tirar fotografias de jeito no momento da ejaculação
¹ É apenas curiosidade mas a explicação para um poste de Carlos Santos que fora publicado num blogue apenas por engano, quando o devia ter sido noutro blogue e por isso fora apagado no blogue inicial para ser republicado no blogue apropriado (por sinal, foi depois apagado nos dois sítios…), assemelha-se imenso àquela explicação do copy paste errado que fizera com que a tradução do artigo da New Yorker que fora feito por Clara Pinto Correia acabasse, por engano, por ter ido parar à disquete que continha o seu verdadeiro artigo, apagando-o… CONFUSO? É DE PROPÓSITO... HÁ QUEM PENSE QUE AS EXPLICAÇÕES COMPLICADAS CONSEGUEM DISFARÇAR UMA TRAPAÇA.

17 fevereiro 2010

PUBLICIDADE EM VÍDEOS E MÚSICAS

Poderá parecer blague, mas o mundo do anúncio publicitário parece ter-se ensimesmado de uma tal forma que não são raros os casos de filmes promocionais excelentes (sinónimo de orçamentos exorbitantes…) cujo impacto depois percebido no aumento das vendas do produto promovido nem chega para os pagar….
Entre os artigos mais associados a esse género de anúncios célebres de televisão contam-se os de perfumaria. E os dois (memoráveis) que escolhi colocar aqui neste poste também me deixam na dúvida se, sendo célebres, terão cumprido ao menos a missão original para que deviam ter sido concebidos: aumentar as vendas…
No vídeo inicial, dará para imaginar quanto terá sido o custo do aluguer de um porta-aviões e de um submarino da Marinha de Guerra francesa e neste último anúncio imediatamente acima, há que estimar a quanto terão montado os custos da reconstrução de uma réplica no Brasil da fachada do Carlton, o famoso Hotel monegasco
Porém, apesar dos orçamentos, se os observarmos com atenção o efeito mais poderoso de um vídeo publicitário até pode ser apenas sua banda sonora, como creio que se reconhece pela Pavane de Fauré, no Loulou de Cacharel, ou a Dança dos Cavaleiros do bailado Romeu e Julieta de Prokofiev, no Egoiste da Chanel

ONE SMALL STEP…

O vídeo acima dispensará apresentações. Mas não dispensará recordar quão simbólico foi o feito. Os dois astronautas (Neil Armstrong e Edwin Aldrin) da Apollo 11 estiveram na Lua por menos de 24 horas (21 horas e 31 minutos), das quais só passaram 2 horas e 36 minutos em passeio no exterior. Foi por isso que não se afastaram muito…
O mapa acima, retirado de um site da NASA, sobrepõe as deambulações de Armstrong e Aldrin às das demarcações de um campo de futebol para que nos apercebamos melhor como eles não fugiram para longe. Simbólico de um fosso que separa os Estados Unidos do resto do mundo, o mapa original da NASA usa um campo de basebol como referência…

16 fevereiro 2010

MÚSICA DE CARNAVAL – 2


Ao contrário das máscaras das acompanhantes na anterior, esta música de Carnaval tem mais a ver com a vocação histriónica de Tom Jones.

REVIVER O PASSADO…

Já aqui a usei mas esta composição fotográfica, apesar dos seus 30 anos, mantém-se mais actual do que nunca, pela analogia com as repetidas falhas de carácter de José Sócrates que nos têm sido ultimamente reveladas. Em 1980, também Sá Carneiro estava envolvido numa fraude, num Watergate (à esquerda, numa investigação do jornal comunista o diário) por causa de uma dívida à banca de (salvo erro) 38.000 contos, que era uma quantia enorme para a época; Sá Carneiro também estava envolvido num escândalo por viver maritalmente com Snu Abecassis (ao centro) apesar de não estar divorciado da sua primeira mulher; e também Sá Carneiro não tinha condições políticas de governar porque os trabalhadores (a CGTP...) se opunham às políticas de direita (à direita) do seu governo reaccionário
Ontem, quando vi Octávio Teixeira (acima) na SIC Notícias repetir um discurso parecido a respeito de José Sócrates, afirmando que Sócrates perdeu toda a credibilidade e a legitimidade democrática, nem estranhei. Os comunistas são iguais a sempre, não aprenderam nada. Nem sobre democracia, de que empregam a palavra, mas não percebem o conceito; nem sobre legitimidade política, lembre-se a obtusidade com que sempre endossaram os regimes que se esfarelaram por si sós em 1989; nem sobre credibilidade, face aos contrastes entre o que eles diziam haver no Leste e as realidades que se vieram a revelar depois daquele ano que lhes foi fatídico. Só que a coerência, nem sempre sendo uma virtude, neste caso pesa favoravelmente em Octávio Teixeira quando em comparação com o seu colega de programa…
Do outro lado da bancada no programa, alternando com ele, estava um concordante Ângelo Correia que, à época dessas tentativas de assassinato de carácter de Sá Carneiro, era já um dos baronetes do PSD, depois tornado Ministro da Administração Interna. Decerto Ângelo Correia considerará que há enormes diferenças de um caso para o outro… Mas a forma como agora se recorda a campanha de há 30 anos, culminando com uma explicação de Sá Carneiro pela televisão acompanhado dos ministros que teria acabado com todo o barulho, não passa de um descarado revisionismo histórico, que se destina a branquear atitudes então assumidas que agora não cairiam bem dado o desfecho dos acontecimentos… Na verdade, a campanha manteve-se até à morte de Sá Carneiro… a prová-lo, as anedotas macabras a respeito de Camarate.

15 fevereiro 2010

SOBRE AQUILO QUE ALEXANDRE RELVAS POSSA PENSAR

Há quase 30 anos atrás, fiquei com muito boa impressão de Alexandre Relvas. Como Assistente, e ao contrário de alguns dos seus colegas da altura (estou-me a lembrar, nomeadamente, de António de Sousa) era pessoa para entremear as suas explicações teóricas falando de casos concretos mas também dos fiascos que, muitas vezes, se escondiam por detrás da doutrina… Mas, por muito interessante que pessoalmente ele seja, e apesar de ser uma das poucas pessoas (conjuntamente com Rui Rio) que, se viesse a dirigir o PSD, me faria olhar para o partido de outra maneira, não me parece pessoa para já ter adquirido nele um peso baronial que as suas opiniões mereçam o relevo jornalístico que lhe está a ser dado

De facto, num partido que nunca foi muito dado a pensadores e num país não muito dado a destacar quem pensa, não conferirá estatuto de senioridade presidir ao Instituto Francisco Sá Carneiro como acontece com Relvas. A não ser que se suponha que ele não tem opiniões e/ou que as opiniões que ele exprima sejam as expressões camufladas das opiniões de outrem que as não pode exprimir... Se for isso e se for isso, ou seja, se Alexandre Relvas falar por Cavaco Silva e se este não desejar que o clã que está por detrás de Pedro Passos Coelho domine o PSD quando apela à fusão das duas candidaturas adversárias, então, com a recusa de Rangel, também deste lado vamos ter muita animação política nos próximos tempos…

14 fevereiro 2010

MÚSICA DE CARNAVAL – 1

É que as acompanhantes de Robert Palmer estão todas mascaradas…

O PASSADO E O PRESENTE

Este até podia ser apenas mais um daqueles postes evocativos do passado da televisão. Porém, dado que estamos a viver estes tempos de tremendismo, em que quem se pretende passar por autoridade no que afirma devia ter mais juízo e memória, pode ser que a exibição de uma sucessão de apresentadores dos Telejornais da RTP, cada um de sua década, possa ser pretexto para reduzir, para quem ainda se lembrar deles, a questão actual às suas devidas proporções.
Quem tiver idade e memória para se lembrar do nome dos locutores (Gomes Ferreira – anos 60 – Adriano Cerqueira – anos 70 – Henrique Garcia – anos 80 – e José Rodrigues dos Santos – anos 90), também se lembrará como o condicionamento da informação pelo poder político foi uma constante na televisão ao longo de todos esses decénios. É que é preciso ter idade e memória para lembrar o que era a censura prévia a sério, e não a confundir com decisões judiciais.
É preciso continuar a tê-las para recordar o PREC e como foi um assalto, esse verdadeiro, para controlar todo o aparelho informativo do país, quando a única informação livre disponível passou a ser apenas a da imprensa privada. E é preciso tê-las ainda, à mistura com um certo sentido de humor, para constatar a enorme ironia que uma das grandes vítimas do momento, José Eduardo Moniz, foi também o algoz na informação da RTP, durante o período do cavaquismo

13 fevereiro 2010

O ESPIÃO CHAMPANHE

Regressando ao pretexto das aventuras de James Bond, uma das raras ocasiões em que a realidade do mundo da espionagem teve algumas semelhanças com o mundo glamoroso inventado por Ian Fleming, terá sido com a história do Espião Champanhe. Wolfgang Lotz nasceu em 1921 na Alemanha, filho de uma mãe de ascendência judia e de um pai gentio. O casal separou-se e, com a chegada dos nazis ao poder em 1933, Wolfgang e a mãe, apesar de serem um judeus muito pouco observantes (adiante se perceberá porquê…) emigraram para a Palestina, instalando-se em Telavive.
Durante a Segunda Guerra Mundial e devido aos seus profundos conhecimentos de alemão, Lotz foi incorporado e colocado no Cairo, que era então o Quartel-General do VIII Exército britânico, onde trabalhou nos Serviços de Informações Militares do Exército, lidando especialmente com os prisioneiros alemães do Afrika Korps. Saiu da Guerra dominando quatro idiomas (o alemão, o hebraico, o inglês e o árabe na sua versão egípcia) e não é de estranhar que os israelitas o tivessem aproveitado nessa mesma especialidade quando se deu a independência de Israel em 1948.
Foi já depois da Guerra do Sinai de 1956 quando Lotz já tinha 35 anos e se tornara num respeitável cidadão israelita, casado e com um filho e com o nome hebraico de Ze'ev Gur-Arie que se lembraram dele como membro central para uma mega-operação de espionagem no Egipto, que era então dirigido pelo vociferante Gamal Abdel Nasser, e que se constituía como uma permanente ameaça para Israel. Para tal, seria precisa a impecável aparência ariana de Lotz, e um extenso período de residência na Alemanha para tornar a adquirir a nacionalidade alemã e construir uma lenda.
A lenda, a história forjada para dar cobertura a Lotz, fazia dele um antigo oficial do Afrika Korps e um antigo membro do partido nazi que depois do fim da Guerra tivera de fugir para a Austrália onde enriquecera com a criação de cavalos e que se decidira agora a mudar para o Cairo onde fundaria um muito selecto clube de equitação, o que seria meio caminho andado para cultivar a elite egípcia, especialmente a sua elite militar. E como Bond, também Lotz era romanticamente muito instável e em 1961, já com 40 anos e de surpresa, apaixonou-se por uma alemã com quem casou, tornando-se bígamo
Mesmo assim, deixaram-no continuar com a operação, desde que ele contasse à noiva – um bom punhado de anos mais nova – que ele espiava para um país da NATO. De certa forma, o facto de agora se trata de um casal de espiões deu uma maior consistência à sua actuação como um casal bon-vivant despendendo dinheiro a rodos – especialmente em garrafas de champanhe, daí a alcunha... – para ganhar o reconhecimento da alta sociedade cairota, especialmente das altas patentes do exército egípcio que lhe poderiam facultar as informações e o acesso aos locais que tanto interessavam a Israel.
Wolfgang Lotz terá sido desmascarado acidental e paradoxalmente em 1965, por ocasião de uma verificação de segurança entre a comunidade de refugiados alemães ex-nazis que, por ódio aos judeus, trabalhavam para o Egipto. Terá tentado convencer os captores, por causa da mãe ser laica e não o ter circuncidado enquanto criança, que era um genuíno alemão ex-nazi, mas que agira chantageado pelos israelitas. Era uma história engraçada, mas os egípcios não tardaram a descobrir a verdade e Lotz foi condenado a prisão perpétua enquanto Waltraud, a sua mulher, foi condenada a 3 anos de prisão.
O casal foi libertado em 1968, por ocasião de uma troca de prisioneiros que haviam sido feitos durante a Guerra dos Seis Dias de 1967. Instalaram-se em Israel até à morte prematura de Waltraud em 1973. Ao contrário de muitas outras, esta história tornou-se um instrumento de propaganda dos sucessos da espionagem israelita, talvez por não ter tido o final tradicional daquelas histórias: a execução do espião quando é descoberto, como foi o caso contemporâneo de Eli Cohen, na Síria. Wolfgang Lotz, que se tornou novamente um judeu da diáspora depois de 1973, veio a falecer em 1993 na pátria que o vira nascer, a Alemanha.