29 fevereiro 2020

A DEMOCRACIA PODE SER FODIDA

Esta é a capa de hoje da The EconomistPesadelo Americano. Mas o desenho, sendo muito inventivo, é falso. Os norte-americanos estão muito longe de ser aquele paciente atemorizado que se protege debaixo da almofada. Isso é o que os ideólogos por detrás da revista nos querem fazer crer. Se os dois candidatos presidenciais das eleições de Novembro próximo forem Bernie Sanders e Donald Trump (como a imagem sugere), a selecção terá resultado de processos democráticos, amplamente participados, de triagem dentro das duas grandes formações partidárias do sistema político norte-americano. Com eleitores activos e empenhados, não intimidados como o desenho sugere. Se o prolongado processo funcionou desde sempre, para grande orgulho da nação americana, e agora ele está a incomodar, preocupar e mesmo assustar o establishment (aqui protagonizado ironicamente por uma revista liberal, mas britânica - a The Economist), então é porque as causas para este output menos aceitável serão outras. Por detrás das selecções e das eleições radicais de protagonistas também radicais, o que se afigura mais plausível é que exista uma profunda insatisfação generalizada com a sociedade que se instituiu, resultante dos paradigmas (indisputados depois do fim da Guerra Fria) do liberalismo. O boneco da América devia estar levantado e com uns olhos irritados em vez de assustados, nestes tempos em que as vozes do povo, mesmo quando expressas em liberdade nas urnas, parecem ser um incómodo para quem se arroga o direito de deter o poder. Sobretudo porque essas vozes são quase sempre do contra. Em 2016 contra Hillary, elegendo Trump e agora em 2020, precisamente pela mesma lógica, antecipa-se um cenário em que, contra Trump, ser-se do contra é o mais poderoso argumento para eleger Sanders. Mas, insisto, os norte-americanos são colectivamente, os agentes dessa perspectiva política, não as suas vítimas, como o desenho acima pretende subtil e perniciosamente sugerir.


Nota: vale a pena ler o curioso artigo aparecido no princípio deste mês na revista Político (inglês), que postula que não existe essa coisa denominada por voto dos indecisos, pelo menos a indecisão de ir votar num ou no outro candidato. No que pode haver indecisão é entre as pessoas irem votar ou não. E um dos motores mais eficazes para motivar as pessoas a votar é o facto de detestarem o outro. Ao ler isto, dei-me a especular o quanto se poderia dever a este fenómeno o sucesso eleitoral inicial de José Sócrates. Em Fevereiro de 2005, creio que os portugueses não o conheceriam assim tão bem para lhe terem dado a maioria parlamentar que alcançou (era líder do PS há apenas cinco meses); agora o que os portugueses pensavam conhecer muito bem era a incompetência do seu rival Pedro Santana Lopes. Até foram votar mais 300 mil pessoas que nas duas eleições legislativas anteriores...  

CEM ANOS QUE SE PASSARAM E NÃO RESTA NADA

29 de Fevereiro de 1920. A Assembleia Nacional checoslovaca aprova a Constituição do novo país. A Checoslováquia irá ter uma história acidentada. Desaparecerá como país uma primeira vez em 1939, invadido, dividido e transformado num satélite alemão. Reaparecerá (aparentemente) autónomo em 1945. Tornar-se-á um país comunista e, submetido a essa realidade, adoptará depois mais duas constituições, uma em 1948 e outra em 1960. Em 1968, o país esteve nas bocas do mundo e por más razões, invadido pela Rússia. Com a queda do comunismo, o país dividiu-se em 1993. Uma lição da fragilidade da História: passaram-se cem anos e das esperanças que adivinhamos a estes senhores da fotografia acima, não resta nada.

28 fevereiro 2020

TRATAMENTO POR «ATACADO» DOS SUSPEITOS DO CORONAVÍRUS

Depois de terem compreendido que se haviam tornado ridículos pelos excessos noticiosos, os órgãos de comunicação social fizeram uma inflexão no formato como noticiam o aparecimento de mais casos suspeitos de coronavírus. Deixaram de trabalhar a retalho para passarem a ser grossistas, tratando o assunto da despistagem dos suspeitos por infecção por atacado. Como se depreende pelo título da notícia acima passou a haver sempre uma dúzia, dúzia e meia «à espera de análises», mesmo que com isso se perca a emoção da espera e o frenesim do desfecho: foi desta que apareceu o primeiro caso em Portugal! Não, não foi... Esse caso irá aparecer mas, por esta vez, tem a sua piada que a comunicação social tenha sido vítima de si mesma e dos próprios ritmos noticiosos que ela impõe para captar a atenção do público. A mesma notícia quando repetida no mesmo formato por mais de três dias ou sai de agenda ou torna-se objecto de chacota. Ou então tem que ser reformulada num design menos dramático, como aconteceu neste caso.

POR DETRÁS DO TÍTULO GARRAFAL COM A PALAVRA REFORMA AGRÁRIA

28 de Fevereiro de 1970. A realização de um colóquio no Instituto Superior de Agronomia tornava-se pretexto para que o Diário de Lisboa, navegando as correntes permissivas do marcelismo, destacasse em primeira página e em letras garrafais a expressão mais ou menos proibida de Reforma Agrária. O que se escrevia sobre o mencionado colóquio, sobretudo se aclarado pelo que hoje sabemos sobre os intervenientes, é digno de ser analisado, cinquenta anos depois. A mesa dos trabalhos era, como previsível, dominada por pessoas de esquerda. «A sessão, organizada pela Associação de Estudantes, foi presidida pelo professor Henrique de Barros» (que virá a ser deputado constituinte, eleito pelo PS e presidente da Assembleia Constituinte de 1975 a 1976), os dois conferencistas eram «o eng.º Carlos Silva, chefe do Departamento de Sociologia do Centro de Estudos de Economia Agrária, e o eng.º Blasco Hugo Fernandes, publicista.» (sobre o primeiro não encontrei referências on-line, mas sobre o segundo, o 25 de Abril virá a confirmá-lo como um poputchik* na órbita do PCP) A acrescer, «foi lido, por um membro da Associação, o texto de um autor cujo nome não foi divulgado». (prometia...)

A abrir a sessão, Henrique de Barros declarou «Pertenço ao número de professores que acreditam na utilidade das Associações de Estudantes, desde que sejam representativas.» O jornalista considerou a intervenção seguinte, do eng.º Carlos Silva, «burilada e extensa», lida «em tom monocórdico». A do eng.º Blasco Hugo Fernandes «recordou as noções de "modo de produção", "forças produtivas" e "relações de produção"». (ou seja, embora o jornalista não o tivesse escrito, a típica langue de bois marxista-leninista...) Mas estas terão sido apenas as actuações da primeira parte, antes da banda principal ir tocar. «A comunicação do autor anónimo tomou como ponto de partida a denúncia do conceito do desenvolvimento corrente em sociedades capitalistas.» E o jornalista que cobriu o colóquio chegou ao ponto de citar o anónimo em discurso directo: «É preciso eliminar qualquer ideia de reforma agrária que sirva a todos. Uma reforma serve sempre os interesses de uma classe.» E prosseguia num apanhado histórico de «várias experiências de reforma agrária - da hitleriana (?) e da mussoliniana (??) à cubana e à da República Democrática da Coreia (!!!)»**.  Depois «abordou o actual estado das relações (e das tensões) sociais no campo português.» E regressando ao discurso directo: «Em 59-61 apenas 25% do rendimento do sector agrícola foi afectado a salários: actualmente o rendimento do trabalhador agrícola é equivalente a 5,2 contos por ano». (e é este último número que é recuperado para o título da contracapa - acima, do lado direito - o que é notável se levarmos em conta que, se alguém o quisesse cientificamente contestar, o responsável pelo seu cálculo fora... um anónimo)

Mas o espectáculo não acabara. «Após as intervenções da mesa um grupo de estudantes pediu a palavra para, em tom antidiscursivo, contestar as comunicações apresentadas pelos eng.º Carlos Silva e Blasco Hugo. O prof. Henrique de Barros tentou moderar-lhes o ímpeto e o eng.º Blasco Hugo Fernandes designou-os por "jograis". Depois do incidente, o colóquio prosseguiu tal como tivera início, com pouco dinamismo e com muito formalismo». Ou seja, e se me é permitida a interpretação, a malta estava lá para fazer choldra e nem o gajo do PCP (ou sobretudo ele...) escapava. A esta distância percebe-se que a Associação de Estudante aproveitara e malbaratara a ocasião para um confronto ideológico entre a esquerda mais clássica e a extrema esquerda urbana maoista que então despontava. A propósito de maoismo, hoje sabemos - então não se sabia - que aqueles mesmos anos de 1959-61, citados na comunicação do anónimo, haviam sido a época de uma grande reforma nos campos na China... e de uma grande fome na China. São as ironias que estas evocações revelam...
* também designados pela expressão compagnon de route: individuo cujas simpatias políticas são consonantes com as do partido comunista, embora não seja militante.
** Os pontos de interrogação (?) servem para comentar o que não existiu, as reformas agrárias na Alemanha nazi e na Itália fascista; os pontos de exclamação (!) para comentar o que, existindo, nunca teve importância alguma, como sejam as reformas agrárias nas terras da dinastia dos Kim, a Coreia do Norte.

27 fevereiro 2020

AGORA QUE JÁ NINGUÉM QUER FALAR MAIS DE VASCO PULIDO VALENTE

É que vale a pena rematar o assunto. A opinião mais equilibrada a seu respeito que li foi esta acima, assinada por João Miguel Tavares, aparecida no Público. Esclareça-se, em parêntesis, que por detrás desta minha escolha não li muitas outras opiniões, já que a esmagadora maioria das que fui encontrando foram por mim eliminadas preconceituosamente, logo pela leitura dos títulos. Mas, mesmo sobre esta opinião que elegi, de um universo que não primará pela objectividade, discordo dela logo pelo conteúdo das primeiras frases do primeiro parágrafo. Parece consensual que Vasco Pulido Valente escrevia muito bem. Mas é muito importante conjugar isso com a constatação de que Vasco Pulido Valente não se dedicou à ficção. E podia tê-lo feito. Se se tivesse dedicado à ficção, então o que aconteceria no castelo de Hogwarts do Vasco (e ele escreve muito melhor que J.K. Rowling), não tinha sido contestável por aqueles que o lêem. E acredito que ele poderia ter sido um aclamado romancista. Mas não foi. Acontece que aquilo que o tornou conhecido do grande público foi por escrever a respeito de tópicos de não ficção (que por vezes ele transformava em ficção, mas não nos precipitemos...). Ora, quando se está a escrever a sério e sobre assuntos sérios, e em discordância frontal com aquilo que João Miguel Tavares acima nos tenta convencer, a incoerência dos argumentos e a imprecisão das análises é um detalhe principal. Pelo menos tão principal quanto a habilidade artística como o texto é redigido.
Tomemos para comparação, as competições da patinagem no gelo, onde os patinadores são classificados simultaneamente com uma nota artística e com uma nota técnica. A classificação resulta do somatório das duas. Que sentido faria, como João Miguel Tavares pretende acima defender, que apreciemos um patinador apenas pela extrema graciosidade como ele se movimenta ao som da música (nota artística), enquanto nos procuramos esquecer que ele passou uma boa parte da sua actuação sentado, com o cu no gelo?... Isso não faz qualquer sentido. A não ser que (e aqui perder-se-á em parte o sentido da analogia) a figura do patinador (Vasco Pulido Valente) dispusesse de um tal ascendente sobre os seus leitores/admiradores, que estes não se sentissem competentes para o avaliar nos vastos campos do saber sobre os quais ele discorre - ou seja, ele tanto podia patinar sentado, de gatas ou em pé que o público, ignorante para apreciar o seu desempenho, batia palmas à mesma. Ou seja, para a imagem promovida de Vasco Pulido Valente, não era importante saber que assuntos ele verdadeiramente dominava, o que era importante era que as imagem que o promoviam mostrassem que ele lera muito, às vezes o mesmo livro duas vezes para o perceber melhor... (nisso bem melhor que eu, pelo menos, que só o havia lido uma vez) Contudo, é bom que nos entendamos quanto ao que está em causa: é muito difícil ao leitor comum competir no campo dos conhecimentos adquiridos com alguém que é um intelectual, comprovadamente inteligente e com uma vida inteira de estudo por detrás de si. Normalmente, numa maioria de tópicos, uma pessoa com esse perfil sabe muito mais do que a maioria. Só que, e em contraste, também é verdade que Vasco Pulido Valente era daqueles que se atrevia a escrever sobre tudo: do cocó à bomba atómica. E por isso expunha-se. E, falando pela minha experiência, sempre que o apanhei a escrever sobre assuntos em que ele se expunha e eu me sentia confortável, o resultado era fatal: as suas opiniões eram um chorrilho de asneiras, quando não mesmo invenções completas. Não tenho competência para o aferir no caso do que terá ou não feito Paiva Couceiro (aí o Vasco Pulido Valente pode inventar à vontade), mas no caso da invenção de uma entidade política mítica da Antiguidade chamada Germânia, isso tenho!  
Vasco podia permitir-se isso porque a nossa cultura local, como ele de resto enfatizava, não dá valor à qualidade e ao rigor, à substância em vez da aparência. Por isso, e voltando ao texto inicial e a João Miguel Tavares, não. Não se trata de um «detalhe secundário». Para esconder as insuficiências disseminadas, pretender-se-á é que passe por um detalhe secundário. Mas concordo com quase tudo o resto do que João Miguel Tavares escreveu, nomeadamente a passagem em que ele considera quanto Vasco Correia Guedes «influenciou uma geração inteira de colunistas, sobretudo à direita». Influência em quase tudo, na autoconfiança como se opina sobre tudo e também na forma como se aceita a superficialidade e a falta de rigor no tratamento de assuntos que não deveriam ser assim tratados. 

UNS PALAVRÕES EM PALCO PARA PROMOVER A BANDA

27 de Fevereiro de 1970. Os Jefferson Airplane são multados em US$ 1.000 por terem usado linguagem grosseira (palavrões) durante uma actuação da banda em Oklahoma City. A sanção corresponde a € 6.120 aos valores actuais e convém esclarecer que quaisquer protagonistas de um certo estilo de rock naquela época tinham que se destacar pela sua marginalidade: daí por uma semana, por exemplo, será Janis Joplin a ser multada em US$ 200 precisamente pelo mesmo motivo, por ocasião de uma actuação sua em Tampa na Florida (menos palavrões, ou palavrões menos fortes ou na Florida é mais normal praguejar...). Como se percebe pelo vídeo acima desses mesmos Jefferson Airplane, que foi recolhido em finais de Junho desse mesmo ano de 1970, os artistas nem sempre pareciam estar nas melhores condições para conseguir dar o melhor deles mesmos quando das suas actuações ao vivo, por isso estes palavrões e respectivas sanções eram até gestos promocionais bastante interessantes em alternativa à qualidade dos espectáculos.

26 fevereiro 2020

ATÉ PARECE UMA VERGONHA!

A comunicação social parece ter entrado em perfeito delírio na maneira como tem vindo a noticiar a (não) progressão do coronavírus em Portugal. Atente-se à redacção dada à notícia acima, e constate-se como há um tom de frustração na maneira como se reporta que o 17º caso suspeito em Portugal é negativo. O ênfase que a comunicação social tem dado a cada caso suspeito acaba por ter um efeito contraproducente: os sucessivos negativos tornaram o processo num motivo de gozo... O que parece que seria bom - pelo menos do ponto de vista noticioso, ao analisar-se os subtítulos acima - seria registar umas centenas de infectados como em Itália ou uma ou outra vítima mortal, como em França. A Suíça, a Áustria, a Croácia já anunciaram os seus primeiros casos e Portugal: nada! Até nestas coisas somos um país atrasado! Ironia à parte - ironia que irá perpassar pelos comentários que se irão necessariamente ouvir quando aparecer finalmente o primeiro caso positivo em Portugal... - se tanto se fala da dissociação da classe política em relação ao que se passa no resto da sociedade, o que é que poderemos dizer desta atitude acéfala da classe jornalística quando, na ânsia de ser a primeira a noticiar, parece esquecer-se de todo do lado humano da epidemia? Não é bom a epidemia ainda não ter cá chegado?  (Pelos vistos, e no caso mais concreto do Observador, não é. Nada bom Enquanto eu escrevia este texto, eles publicaram outro, noticiando (abaixo) o 18º caso suspeito...) Imagine-se a horda sequiosa de leitores do Observador, patriotas ansiosos que Portugal tenha finalmente o seu doente infectado!

A FALÊNCIA DO BARINGS BANK

26 de Fevereiro de 1995. Declaração da falência do Barings Bank. Este estabelecimento bancário, sediado em Londres, não sendo um dos maiores, era, contudo, uma das mais antigas e das mais respeitáveis instituições financeiras da city londrina. Fora fundada em 1762. E subitamente registava perdas de £ 827 milhões (ou seja, € 1.630 milhões a valores actualizados de 2020, divisa que iremos usar daqui para diante). Melhor: a causa para tal colapso podia atribuir-se a uma e uma só pessoa, o jovem de aspecto jovial da fotografia mais abaixo, que, aos 28 anos, trabalhava desde há 3 na sucursal do Barings em Singapura, de onde o deitara abaixo. Chamava-se Nick Leeson. Especulando com futuros Leeson fora o autor de algumas operações arriscadas que provavelmente o haviam tornado numa das estrelas da instituição - no ano anterior o Barings reportara lucros brutos equivalentes a quase € 400 milhões e Nick Leeson recebera um bónus de € 250.000 em cima do seu ordenado anual bruto de € 100.000. E depois tudo começara a correr mal. Nick Leeson antecipou o que aconteceria e desapareceu, deixando uma nota escrita a dizer que lamentava. E há vinte e cinco anos o Barings ia ao fundo. Com ele, 1.200 trabalhadores. A Leeson apanharam-no no aeroporto de Frankfurt uma semana depois. Foi extraditado para Singapura, onde foi julgado e condenado a seis anos e meio de prisão. Não chegou a cumprir a pena por inteiro porque em 1999 lhe foi diagnosticado um cancro no cólon que foi operado e que serviu de pretexto à sua libertação. Continua por aí, vive na Irlanda, é famoso, dá conferências. Escreveram-se alguns relatórios mas nunca vieram a público os nomes daqueles que deviam ter tomado conta do que Leeson andava a fazer e não o fizeram. Já aqui havia falado de Nick Leeson e de outros como ele. De então para cá, inventou-se uma nova palavra para se justificar o quanto se está atento a coarctar episódios como este: governança. Mas, no concreto e  neste mundo onde se aposta com (muito) dinheiro, creio que poucos serão os que se disporão a investir algum no cenário de que, nos próximos dez anos, não aparecerá um outro caso semelhante ao do Barings, algures numa das praças financeiras deste Mundo... 

25 fevereiro 2020

O GOLPE DOS SARGENTOS


25 de Fevereiro de 1980. Mesmo no caso (muito provável) que os leitores deste poste não percebam quase nada do que o militar no video acima está a dizer (está a falar em holandês), é provável que, se forem veteranos, reconheçam nas imagens aquela atitude típica dos militares que acabaram de dar um golpe de Estado e o anunciam solenemente à nação pela rádio e televisão. O golpe de Estado teve lugar há precisamente quarenta anos e no Suriname, um pequeno país da América do Sul (tinha então cerca de meio milhão de habitantes), antiga colónia da Holanda e que se tornara independente há pouco mais de quatro anos (cá em Portugal nem chegámos a dar muito bem pela cerimónia, porque andávamos por cá entretidos com as nossas tentativas de golpes de Estado: é que a independência do Suriname teve lugar em 25 de Novembro de 1975...). Nesse mesmo clima de coincidências, importa dizer que, se o 25 de Abril em Portugal ficou associado em 1974 aos capitães, o golpe de Abril de 1967 na Grécia foi protagonizado pelos coronéis, e ao (fracassado) golpe de Abril de 1961 na Argélia se deu o nome de putsch dos generais, este do Suriname, provavelmente por causa da pequenez e irrelevância do país envolvido, ficou para a história com o nome de golpe dos sargentos. Foram 16 e todos com divisas, os protagonistas da acção militar que derrubou o governo. As notícias da altura (abaixo) eram omissas quanto ao grau de violência e consequências de que se revestira essa acção militar. Mas não deixa de ser interessante a displicência como se noticiava a derrube de um regime cujas estruturas democráticas (pelo menos, formalmente) se haviam ido inspirar na antiga potência colonial. Ou seja, e para o Diário de Lisboa que publicava a notícia abaixo, se o golpe de Estado tivesse sido patrocinado por generais num qualquer outro país latino-americano, certamente teria sido um arrancar de vestes indignado contra as ditaduras militares, qual novo Pinochet; mas como havia sido patrocinado por sargentos, baixas patentes implicitamente de uma certa ressonância castrista, aí o militarismo até podia vir a revelar-se uma coisa interessante, esqueça-se lá essa coisa da legalidade democrática. Desconhecido no dia do golpe, o mesmo iria revelar a figura dp Fidel Castro local (ou então o Hugo Chávez, embora antes do Hugo Chávez), um sargento que tinha então 34 anos chamado Dési Bouterse. Mas essa é toda uma outra história. Mas, sempre que se fala  do Suriname, recordo-me daquela ideia peregrina de alguns brasileiros, que reclamam da sua herança lusitana, e que clamam que, caso tivessem sido colonizados pelos holandeses, hoje seriam um outro país, muito mais desenvolvido. Quando confrontados com os factos, os brasileiros que encontrei a defender esta ideia peregrina nem sabem onde fica o Suriname (...faz fronteira com o Brasil), nem que o país constitui um exemplo concreto sul-americano daquilo em que consistiu a excelência do colonialismo holandês, e de como aquilo que defendem é um disparate: o actual pib per capita do Suriname é apenas 60% do brasileiro...

24 fevereiro 2020

OS RACIONAMENTOS E A FALTA DE CARNE

24 de Fevereiro de 1945 (mas também nos outros dias...). Há 75 anos e com a Segunda Guerra Mundial em curso, as dificuldades de abastecimento eram, não apenas uma das prioridades, como também um dos assuntos que mais despertavam a atenção dos lisboetas. Nestes exemplos recuperados de páginas interiores do Diário de Lisboa, mostra-se um acompanhamento rigoroso à quantidade de animais abatidos diariamente no matadouro municipal («7 rezes bovinas, 2 vitelas e 400 carneiros» ou «11 bois, 19 vitelas e 800 carneiros») , num zelo que só se comparará nos dias que correm à publicação dos números do sorteio do euromilhões. Tanta era a atenção dada ao assunto que a aparição na paisagem urbana de uma manada assim mais compostinha com animais para abate, mesmo que de aspecto escanzelado, podia ser um bom tema para uma fotografia. Melhor: havia mesmo um acompanhamento posterior quanto ao destino das carcaças desmanchadas: para onde teriam ido «as pernas, as costelas, os lombos e as barrigas» dos porcos cujas cabeças (e apenas as cabeças) haviam chegado aos talhos naquele dia?... Isto é que é verdadeiro jornalismo de investigação.
Olhem se os nossos actuais jornalistas tivessem investigado os critérios de atribuição dos casos no Tribunal da Relação de Lisboa com o mesmo zelo como estes seus antecessores andaram à procura das fêveras daqueles porcos... Se tivesse sido assim, o juiz Rangel não tinha tido sorte nenhuma, suponho. 

23 fevereiro 2020

A TURQUIA DECLARA GUERRA À ALEMANHA

Ainda 23 de Fevereiro de 1945. A Turquia declara guerra à Alemanha. Mas em Londres, o governo britânico tem o imenso prazer de acolher a declaração turca com o desprezo que o comunicado acima, emitido naquele mesmo dia, deixa transparecer: agora é tarde, já não tem interesse nenhum.

E EU QUE GOSTAVA TANTO DE DIZER MAL DELE...

Uma visita às páginas on-line do Observador, e tantas são as evocações a propósito da morte de Vasco Pulido Valente que parece que estamos a ver uma réplica (em azul-claro) da edição especial (a vermelho) do Avante que foi publicada na ocasião da morte de Álvaro Cunhal. É uma daquelas analogias que é, ao mesmo tempo, contrastante, e em que os admiradores dos dois defuntos se detestarão ver comparados. Mas, embora não seja o Vasco a escrevê-lo, faz todo o sentido. Aquilo que se costuma designar por culto de personalidade tem destas coisas: é ecléctico e não existe apenas quando gostamos de o arremessar aos outros...
E, não por coincidência, assisto agora a todas estas manifestações de pesar pela morte de Vasco Pulido Valente com a mesma sensação de alheamento e distanciação que me lembro ter tido com Cunhal em 2005. Os encómios e as proclamações a que o Observador tanta ressonância agora dá resvalam na mesma indiferença que senti pelas manifestações dos comunistas. Sempre considerei que ambos gozavam de famas imerecidas e que essas famas só se sustentavam por patrulhas activas de admiradores (cortesãos) que se encarregavam de confrontar as vozes críticas. Que eram muitas, as vozes, assim como eram muitas as razões pelas quais eram criticados. E eram merecidas, sobretudo.
No caso concreto actual de Vasco Pulido Valente, as suas aparições assemelhavam-se a um produto de marketing, com as indispensáveis fotografias com resmas de livros por detrás. Quanto ao que escrevia, elogiando-se-lhe o estilo, faltava-lhe a consistência, cometia erros de palmatória para arranjar argumentos em prol das opiniões que defendia, quando não mentia mesmo, descaradamente, para obter efeito. Tantas vezes o fiz tema de postes neste blogue que desconfio que vou sentir a sua falta. Numa dessas críticas, tratou os cortesãos de Cunhal por «patetas», não sei é se teve o distanciamento para perceber que os cortesãos que agora o elogiam no Observador são da mesma estirpe. Caridosamente, admitamos que sim.
Não resisto a acabar este texto com dois dos últimos exemplos de lucidez política de Vasco Pulido Valente. Que teriam enterrado a reputação de qualquer mortal. Mas Vasco é um imortal, embora de uma academia muito própria. Nem Ricardo Araújo Pereira conseguiu enterrar a sua reputação. Ele, que costumava ser tão mau para os seus compatriotas, mas que sempre dispôs de um grupo muito selecto e petulante entre eles que sempre o protegeu e o teve em alta consideração. O problema, agora que morreu, é a consideração que merecem os que o tiveram, e quererão manter, suponho, nessa alta consideração...

O IÇAR DA BANDEIRA EM IWO JIMA

23 de Fevereiro de 1945 foi o dia em que foi tirada uma das fotografias mais célebres da Segunda Guerra Mundial, o içar da bandeira em Iwo Jima. A fotografia foi tirada uns escassos quatro dias após o desembarque norte-americano e ainda se combatia violentamente por toda a ilha quando a cena foi captada. A intenção de alçar desde logo a bandeira no ponto mais elevado da ilha, o monte Suribachi, era psicológica, procurando intimidar os defensores japoneses e reduzir a sua resistência. Nisso, o gesto não foi mesmo nada bem sucedido: a resistência só terminou mais de um mês depois, a ilha só foi dada como segura a 26 de Março e à custa do sacrifício de 99% da guarnição. A fotografia porém, tornou-se o ex-líbris da América vitoriosa na Guerra do Pacífico.

22 fevereiro 2020

TEMA DE «A SUMMER PLACE»

22 de Fevereiro de 1960. O tema de «A Summer Place», interpretado pela orquestra de Percy Faith, torna-se o disco mais vendido da semana nos Estados Unidos, uma posição que irá ocupar durante as nove semanas seguintes. A canção, sucesso de há 60 anos nesta versão exclusivamente orquestral e que faz parte da banda sonora de um filme homónimo hoje esquecido, é uma daquelas músicas que ainda agora se ouve, se reconhece, embora não se saiba muito bem de onde.

21 fevereiro 2020

OS AMIGOS DE SEREM «AMIGOS»

Faleceu Joaquim Pina Moura. Há dias falecera Álvaro Barreto. Mas falemos mais do primeiro. Nestas ocasiões, há as notas de pesar da presidência da República e do governo (caso seja caso disso) e está convencionado que simultaneamente surge um circuito de declarações daqueles que são (ou foram) considerados politicamente próximos do falecido, manifestando os protestos da maior amizade por quem acabou de partir - os eufemismos e a omissão dos seus aspectos mais controversos são exigências da etiqueta do ambiente. Assim como os exageros, muitas vezes toscos e outros tantas inverosímeis; o defunto fora, frequentemente, um grande amigo. Eu, que tinha só suspeitas que todas aquelas proclamações de amizade eram falsas, tive ocasião, há uns tempos, de o comprovar em pleno quando do falecimento de uma figura pública que me era bastante próxima, e que eu descobri via televisão, rádio e jornais, ter, depois de morto, amigos e pessoas que o conheciam muito bem a quem eu nunca o ouvira fazer em vida a mínima referência. Em lugar de destaque nessa cenografia dos grandes amigos, gostaria de destacar Jorge Coelho, cujo extensíssimo leque de pessoas que ele assim qualifica faz parte do anedotário nacional: é o caso agora do falecimento do amigo Pina Moura, como fora o caso anteriormente do falecimento do amigo Almeida Santos em 2016, como havia sido o caso - e esse felizmente ainda está vivo - da visita ao grande amigo que estava alojado no estabelecimento prisional de Évora: José Sócrates em 2014. Mas, desta vez, aprofundemos a crítica a este expediente para além do tradicional bombo da festa que é a figura semi-caricatural de Jorge Coelho. Escolhamos um outro amigo de ser amigo, o embaixador Seixas da Costa, que também é um amigo professo de Pina Moura, conforme confessou à rádio do Observador. «Morreu-me um amigo», começa ele por escrever no seu blogue. O que é pena é que, como se percebe pela leitura do penúltimo parágrafo daquele texto, «há já quase uma década» que os amigos não se falavam... E isto será até a versão benigna da intimidade dos dois amigos, Pina Moura e Seixas da Costa. Todos teremos conhecido na nossa vida pessoas com essas características, pessoas com quem privámos mais intimamente numa certa fase da vida mas de quem depois nos apartámos, sem que qualquer das partes se esforçasse por manter o contacto posteriormente. Designar por amizade o que subsiste numa relação dessas é um daqueles descaramentos que uns têm... e outros não. O que os primeiros não costumam estar habituados é a ouvir a opinião crítica dos segundos quanto aos seus exageros. Caso aqui do embaixador, que é apenas menos ridículo que Jorge Coelho.

20 fevereiro 2020

O RETORNO DE DOM SEBASTIÃO É UM MITO MAS ISTO SÃO ALGUNS MITOS CRIADOS PELO PRÓPRIO DOM SEBASTIÃO

Foi interessante este episódico regresso à ribalta de Pedro Passos Coelho, por ocasião do lançamento de um livro de Carlos Moedas. E foi ainda mais interessante por ele ter vindo expor uma ânsia que se pode classificar de sebastiânica pelo antigo primeiro-ministro, vinda de sensibilidades da direita de que se estaria naturalmente à espera (Observador e até mesmo o Negócios), mas mesmo doutras (como o Expresso) que descobrimos agora se sentirem orfãs com a presença de Rui Rio à frente dos destinos do PSD. Este último parece ter mesmo um jeito natural para que toda a comunicação social implique consigo. É um aspecto em que Carlos Moedas, o autor do livro, homenageado da cerimónia e potencial concorrente futuro à frente do PSD lhe leva completamente a palma. O antigo comissário europeu parece-me o exemplo acabado do português videirinho que se dá bem com todos - sobretudo com os jornalistas! - e que não quer chatices com ninguém. Ele há até simpatias que as circunstâncias tornam incómodas, como o apreço que o clã dos Espírito Santo lhe dedicava, e que terá levado a que o clã «o tivesse posto a funcionar» por ocasião de uma das várias enrascadas que precederam o colapso do banco. Não foi bonito ouvir os Espírito Santo a tratar Moedas como um empregado, mas a gente, felizmente, esquece-se destas tristes figuras. E a ocasião também era de dizer bem de Carlos Moedas e foi isso que Pedro Passos Coelho fez, embora com nuances. Nunca é simpático saber-se que se foi escolhido para um cargo como segunda escolha, que a verdadeira escolha era mesmo Maria Luís Albuquerque, mas a oportunidade era demasiado boa para não assestar nos flancos que a exposição mediática de António Costa vai oferecendo. A história evocada por Passos Coelho, de que o PS se opusera fortemente à escolha de Carlos Moedas para comissário europeu aparece reproduzida no Expresso e no Observador num formato inabitualmente rigoroso, porque até documentado com links para artigos da época. É engraçado como os jornalistas que terão encontrado os artigos, especialmente o do Observador, não se depararam com este outro abaixo, da mesma altura e no seu próprio jornal, em que se escreve precisamente o contrário daquilo que Passos Coelho defende que terá acontecido: PS não se vai opor à indicação de Moedas para a Comissão Europeia. Ultrapassando qualquer maldosa insinuação que alguém terá dado aos jornalistas o trabalho já feito da pesquisa dos artigos que sustentam a tese do ex-primeiro-ministro, avente-se a hipótese também que os comentários recuperados seriam mais para levar à conta da coreografia política do momento do que propriamente uma intenção substantiva do PS em opor-se à nomeação de Carlos Moedas.
A fotografia acima, feita há seis meses, poderá representar, como Pedro Passos Coelho pretende, uma incoerência de António Costa em relação à opinião que ele emitira cinco anos em relação a Carlos Moedas. Mas reconheça-se que nesses anos, Carlos Moedas, com a sua atitude de videirinho, forjara com o actual primeiro-ministro uma cumplicidade táctica que este só tinha que agradecer. Deve ter sido porque Pedro Passos Coelho já se retirara da política activa, que ele não se lembrou que ainda há um ano o comissário Carlos Moedas fora nomeado «mandatário nacional social-democrata para as eleições europeias». Um mandato de oposição aos socialistas que ele, Carlos Moedas, desempenhou com um empenho q.b.: a duas semanas das eleições (que o PSD iria perder com fragor), ainda podíamos ouvir o comissário europeu a comentar elogiosamente António Costa, a propósito de um artigo aparecido poucos dias antes no Financial Times que o dava, a Costa, como favorito para um cargo europeu. Portanto, à despedida, a relação entre António Costa e Carlos Moedas, mesmo não sendo a cordialidade que a fotografia acima tentará transmitir, estará muito longe da animosidade que Passos Coelho terá querido estabelecer. O que nos leva a um outro assunto a que ele deu destaque e que eu, por acaso, aqui já havia abordado na altura própria no Herdeiro de Aécio. Trata-se da questão do pelouro na Comissão Europeia que é atribuído ao comissário apontado por Portugal. Como se lê mais acima, é opinião de Passos Coelho de que a pasta que foi atribuída à actual comissária, Elisa Ferreira, é a «última coisa que interessa». Não vou querelar a opinião, como já aqui havia escrito, desconfio que, apesar do exagero (ele há pelouros piores!*), ele até terá razão, numa época em que os países mais poderosos da União mandaram a coesão de férias. Mas o que Passos Coelho não diz, e só deixa subentendido, é que se terá tratado de uma despromoção, porque, com ele a negociar, a pasta de Carlos Moedas, a da Investigação, Ciência e Inovação, era muito importante. O que Pedro Passos Coelho não chegou a explicar foi porque, apesar de ter tido tanta importância..., a pasta foi extinta nesta nova Comissão presidida por Ursula van der Leyen.

* O comissário grego tem o pelouro da Protecção do Modo de Vida Europeu (seja lá o que isso for...).

TEMPOS CHEIOS DE CONTRADIÇÕES, ATÉ MESMO - OU SOBRETUDO... - PARA UM COMUNISTA DISCIPLINADO

20 de Fevereiro de 1940. Maurice Thorez, o secretário-geral do Partido Comunista Francês é despojado da nacionalidade francesa pelos deputados da Assembleia Nacional. Os 22 meses que vão mediar entre Agosto de 1939 e Junho de 1941 vão ser um dos períodos mais críticos e complicados para todos os militantes comunistas disciplinados, como se orgulhava ser Maurice Thorez. Finais de Agosto de 1939 é a data da assinatura do Pacto entre Hitler e Staline a que se segue, logo de seguida, a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Os comunistas passam a ser vistos no Ocidente com as maiores suspeitas, como cúmplices dos nazis e em França o partido vê-se ilegalizado em finais de Setembro de 1939. As instruções que lhe chegam de Moscovo, mandam Thorez desertar (como todos os franceses, ele fora mobilizado), o que ele faz em princípios de Outubro, refugiando-se na União Soviética. O gesto ir-lhe-ia custar, em finais de Novembro de 1939, uma condenação a seis anos de prisão por «deserção em tempo de guerra». Seguir-se-ia, três meses depois, esta sanção, que é obviamente mais simbólica do que prática. Mas que queria expressar claramente que não se podia contar com os comunistas para lutar contra o expansionismo nazi. Entre o patriotismo e a ideologia haviam feito a sua escolha. Por estes dias de há oitenta anos e então depois da invasão da Finlândia, a imagem do comunismo, dos comunistas e da sua pátria soviética junto das opiniões públicas ocidentais andava totalmente pelas ruas da amargura.

19 fevereiro 2020

AS FINANÇAS... DOS OUTROS

É uma pena que países que tomamos por referência (como será neste caso concreto, o exemplo dos Estados Unidos) não estejam tão desenvolvidos quanto Portugal para possuírem, também eles, uma figura mediática como Teodora Cardoso, o Conselho de Finanças Públicas, os comentários técnicos sempre avinagrados (quando não despeitados) da sua presidente e um jornal como o Observador para promover regalado tudo isso (acima). Nos Estados Unidos, aquele que poderemos considerar um órgão que se assemelhará ao nosso Conselho de Finanças Públicas, o Congressional Budget Office, acabou de publicar o seu relatório com as perspectivas de evolução do défice federal norte-americano. O documento é extenso mas o gráfico abaixo sintetizará a principal conclusão: caso não se faça nada, antecipa-se um decénio (2020-30) em que os défices nos Estados Unidos rondarão os 5% do PIB (assinalado abaixo a vermelho). E, quase será desnecessário dizê-lo, esse défice tem vindo a aumentar durante estes três últimos anos da administração Trump: 3,5% (2017), 3,9% (2018) e 4,7% (2019). É o que diz o sentido descendente da setinha cor-de-laranja do gráfico. Claro que, durante a campanha de 2016, Donald Trump prometera precisamente o contrário: reduzir o défice. Aliás, ele até prometera gerar superavites elevados que eliminariam toda a dívida pública federal em oito anos! Claro que, quem percebesse o mínimo do assunto, levava-o à conta de uma palhaçada e, de resto, o que é que Donald Trump não prometeu nessa altura? A chatice, especialmente para os americanos, é que eles próprios depois elegeram o palhaço...
O que nos traz de volta ao assunto principal deste poste, o escrutínio que a opinião publicada nos Estados Unidos vem fazendo ao cumprimento das promessas do tal palhaço, Donald Trump, nomeadamente quanto a este caso concreto de (in)disciplina orçamental. Publicado o mês passado, o relatório e o assunto estiveram muito longe de constituir o principal filme em cartaz. Fará falta aos Estados Unidos a existência no Congressional Budget Office de uma figura ranzinza como a nossa estimada Teodora Cardoso. E faz falta, também e sobretudo, de um órgão de comunicação social como o Observador, que se disponibilize para ser o amplificador de todas e quaisquer críticas que ela faça à actuação do executivo - executivo que, no caso da América, é a administração Trump. Este último bem se pode queixar de Nancy Pelosi e dos media do país dele, mas isso é porque ele não conhece Teodora Cardoso, nem o escrutínio rigoroso do nosso mais famoso jornal on-line...

GRANDIOSO CARTEL NO JORNAL DA NOITE, O MANO A MANO QUE NINGUÉM QUER PERDER!

Quando a TVI anuncia um debate no telejornal como se se tratasse de um cartaz tauromáquico ou de um torneio de boxe (repare-se no punho fechado de André Ventura) então é porque, naquele canal, já se confunde o espaço da informação com o conceito de tv sport e está tudo dito. A ideia parece-me ser a de apresentar o homem da casa (Miguel Sousa Tavares) contra o campeão de audiências da rival CMTV.

18 fevereiro 2020

...ATÉ VIVI DOIS ANOS EM ANGOLA...

Eu não assisto aos programas dos paineleiros do futebol mas há ocasiões, como esta, em que agradeço a quem o faz e depois nos faz uma síntese do que de melhor lá se disse, como aconteceu aqui com Joana Marques a propósito do episódio Marega. Joana Marques é uma daquelas preciosidades do comentário nacional. Felizmente para nós ainda não se tornou assim tão famosa quanto o Ricardo Araújo Pereira. Quando chegam aí, têm tendência para se estragar.

VOCÊ AINDA SE LEMBRA QUANDO A HISTÓRIA DO BES ERA «SEM CUSTOS PARA OS CONTRIBUINTES»?

Pois... A notícia de hoje é que parece que são precisos mais mil milhões. E como já se sabe que o Fundo de Resolução não tem fundos, avançam os gajos do costume. Esclareço que o que me parece deplorável não é isto ter que ser assim: vendo o que já escrevi sobre o assunto, já me apercebi que estes pedidos ocorrem com uma regularidade impressionante e, curiosamente, também por esta altura (este poste de 17 de Fevereiro de 2018), como se tapar os buracos que se vão descobrindo no BES se tratasse de um concorrente do Carnaval de Loulé ou da Mealhada. Politicamente e desde que a resolução do BES começou, estiveram lá os outros (as garantias solenes acima são dessa altura e são as piores mentiras de toda a história), vieram estes, há sempre fitas a fingir que o dinheiro não pinga, que vai ser racionado, que é a última vez, até nos contaram que o assunto já fora arrumado! E é sempre mentira. Não com a veemência desabrida da Joacine, mas talvez com a sobriedade poética de João Pedro Pais. É mentira mas quando se aborda este assunto, o tradicional facciosismo leva a que a maioria das pessoas culpe mais um dos lados e seja mais indulgente para com o outro. Contudo, os cinco anos e meio e os mais de cinco mil milhões de euros de injecções que ele já leva constitui um dos exemplos mais deploráveis da falta de transparência e de honestidade dos governantes - todos os governantes! - em relação aos governados.

17 fevereiro 2020

PORQUE É QUE ESTES GAJOS TÊM TODOS A MESMA CARA DE PARVO?

Uma das notícias do dia em Inglaterra evolve à volta de um assessor de Boris Johnson, auto-crismado de o «super-prognosticador». A crise surgiu por causa de alguns comentários racistas que produziu no passado o que desagradará a alguns insiders do partido. Mas, num momento Teresa Guilherme, acrescentemos que isso agora não interessa nada: nem o que ele disse, nem como ele se chama, nem queiramos sequer antecipar o desfecho da crise, que só interessará aos ingleses. Concentremo-nos na superficialidade das aparências e constatemos, pela fotografia acima, como este tipo de criaturas parecem ter todos a mesma cara de parvos, graças a Deus! Deve ser a marca expressiva do auto-convencimento, comparemos com este outro exemplar abaixo, português, que eu descobri por causa do penúltimo congresso do PSD, onde perpassam os mesmos traços de idiotia satisfeita consigo própria. Também aqui não nos interessará o nome, apenas o género das declarações (confiram-se abaixo). E a informação adicional, plena de significado e de sarcasmo, que o visado emprestou brilhantemente a sua pessoa e o seu intelecto ao CDS no último acto eleitoral (foi o sexto candidato pelo círculo de Lisboa), associando a sua magnificência à hecatombe do partido do Uber. Se o gajo não tivesse aquela cara, não sabia tão bem humilhá-lo assim.

A AMÉRICA SOZINHA

Esta capa da revista Time já tem dois anos. E, no curto video abaixo, o secretario de Estado americano Mike Pompeo aplica-se a enfatizar, ainda bem recentemente, em Munique, quanto «a morte da aliança transatlântica é um exagero grosseiro, que o Ocidente está a ganhar, e que nós estamos a ganhar colectivamente, que o estamos a fazer em conjunto». Bem podiam os americanos ter espalhado previamente uns entusiastas pela sala para servirem de estopins para a espectável salva de palmas que deveria acolher esta empenhada profissão de fé na Aliança Atlântica. Mas não: o que as imagens mostram é que discurso foi acolhido com um circunspecto silêncio, bem simbólico da actualidade internacional. Para a audiência presente, o discurso não os tinha por destinatários, antes o patrão de Pompeo. Mesmo não tendo sido Donald Trump a desencadear a dissociação cada vez mais acentuada entre os objectivos estratégicos dos americanos e os dos seus aliados da NATO, deve-se-lhe a ele este novo manual de (falta de) etiqueta e de más maneiras em cimeiras internacionais. Em graus necessariamente distintos, discordar publicamente deles e ser-se grosso para com os americanos é algo que parece repercutir-se bem entre as opiniões públicas e publicadas domésticas de muitos países europeus.

AS PAMELAS ANDERSON DOS ANOS VINTE

A série da TV Baywatch já não foi do meu tempo mas a analogia impõe-se: fatos de banho, figuração e o resto...

16 fevereiro 2020

IRLANDA: NÃO, NÃO TERÁ SIDO A ECONOMIA, ESTÚPIDO.

(frase que alegadamente terá ajudado Bill Clinton a vencer as eleições presidenciais americanas de 1992)
A entoação como a Euronews noticia acima os resultados saídos das eleições irlandesas, que tiveram lugar a 8 de Fevereiro passado, não consegue esconder o desagrado de Bruxelas (de quem o canal é uma espécie de porta voz oficioso). Em primeiro lugar porque Bruxelas não gosta de desfechos nebulosos e este é precisamente um deles, com os três partidos mais votados acumulando ⅔ dos lugares do parlamento e o restante ⅓ polvilhado entre quatro outras formações políticas e ainda um número nada despiciendo de independentes (são 12% dos deputados); e em segundo lugar, porque a formação que veio a reconhecida como vencedora em votos, o Sinn Féin, é um partido que, por causa do seu passado de associação com o IRA, não goza de muita popularidade no Berlaymont. Todavia, a complexidade da situação política saída das eleições não consegue esconder que os resultados foram uma derrota para os dois partidos tradicionalmente predominantes da política irlandesa. Tanto o Fine Gael, no governo, quanto o Fianna Fáil, na oposição, perderam votos e deputados. E contudo, e isto é que é o que importa frisar neste poste: não deviam... Os indicadores económicos da Irlanda são muito bons (abaixo): a taxa de desemprego cifra-se nos 4,8% e anda a descer consecutivamente há oito anos, quando o país esteve em crise e foi um Pig connosco e o crescimento económico foi de 5% o ano passado, depois de ter alcançado os 7,8% em 2017. Quem nos dera a nós, portugueses, chatear o Costa por causa de números de macroeconomia como estes... E, no entanto, os irlandeses deram uma tareia (eleitoral) a Varadkar (o outro primeiro-ministro europeu de ascendência indiana): o seu partido elegeu menos 30% dos deputados que elegera há 4 anos, apesar da aparente prosperidade que os indicadores abaixo significariam. Que é que terá acontecido? Que justificará o que parece ser um voto de protesto no que parece ser um caso de sucesso económico?
Como começa a ser, infelizmente, tradicional, parece que os cientistas políticos foram mais uma vez um fiasco nas suas análises. As sondagens só começaram a mostrar resultados com alguma aderência com a realidade revelada pelas urnas mesmo à última da hora (e eu já deixei de acreditar em tanto eleitorado impulsivo quando há eleições à vista...). E depois tornou-se preciso explicar o sucesso do Sinn Féin, que mais do que duplicou a sua votação em relação às últimas eleições a que concorrera, as autárquicas de Maio de 2019. Houve quem fosse buscar as explicações à questão de reunificação irlandesa colocada sob o novo prisma do Brexit. A explicação afigura-se talvez demasiado elaborada, perante explicações mais prosaicas que incidem, não sobre o ritmo de crescimento da riqueza mas sobre a sua redistribuição. Os irlandeses ganham muito bem: têm um rendimento per capita que, estatisticamente, é o triplo do nosso. O problema é o que eles conseguem fazer com o que ganham, dado que, por exemplo, se os seus rendimentos cresceram 13% desde a crise de 2013, o preço da habitação na capital (Dublin) subiu 62% no mesmo período (para comparação, os nossos números para o mesmo período são 9% e 15%, respectivamente). Conclusão: os jovens irlandeses não têm como alugar ou comprar uma casa. E não por acaso, descobriram agora os cientistas políticos, o Sinn Féin destaca-se nas votações recebidas entre os irlandeses mais jovens, entre a faixa etária dos 18 aos 24, mas também na seguinte, dos 25 aos 34 anos. O irónico da situação é que os cânones económicos tradicionais não têm resposta para isto: a economia irlandesa é uma das mais abertas do Mundo e tem sido, aliás, um dos emblemas dos propagandistas da globalização. Aqui não parece funcionar aquele slogan do menos Estado, melhor Estado. Se calhar há Estado a menos, há regulação a menos, e há quem esteja chateado com isso...

15 fevereiro 2020

O ESCÂNDALO DAS DOAÇÕES DA CDU («SPENDENAFFÄRE»)

15 de Fevereiro de 2000. Wolfgang Thierse, que era então o presidente do Bundestag, aplica uma multa de 41 milhões de marcos à CDU, em consequência de múltiplas irregularidades detectadas na prestação das contas do partido ao parlamento. Tratava-se de um processo complexo a respeito do financiamento da CDU, processo que que acabou envolvendo as figuras de maior vulto do partido, nomeadamente o antigo chanceler Helmut Kohl e também o seu sucessor à frente da CDU, o nosso conhecido (e muito estimado cá em Portugal...) Wolfgang Schäuble. Na Alemanha o processo veio a ficar conhecido como o Escândalo das Doações (Spendenaffäre). Neste dia de há vinte anos e de uma forma expedita, o presidente Thierse (que pertencia ao SPD, rival da CDU), em vez de enviar uma nota de cobrança ao partido prevaricador, reteve o valor correspondente à multa, na transferência das dotações federais que eram devidas aos partidos políticos. De uma penada a CDU recebeu menos 41,3 milhões de marcos daquilo que os seus responsáveis financeiros estariam a contar (um montante correspondente a 28,1 milhões de euros aos preços actuais). Como comentava então Angela Merkel numa notícia de jornal: «foi um dia difícil para a CDU». Era um completo «understatement» que, como perceberemos adiante, continha uma boa dose de cinismo. A cobrança coerciva da multa rebentara de uma penada com a tesouraria da CDU. E, com aquela brutalidade tipicamente germânica, passava-se o recado a quem parecia que não o queria ouvir: no dia seguinte, Wolfgang Schäuble, que passara os dois meses anteriores a assobiar para o ar enquanto os detalhes sobre o seu envolvimento directo no assunto se acumulavam, demitiu-se finalmente da liderança da CDU. Para suceder a Schäuble apresentou-se Angela Merkel, eleita para o cargo em 10 de Abril de 2000 na conferência de Essen, com 897 em 935 votos (96%). A CDU iniciou uma batalha legal para a recuperação do dinheiro da multa que só terminou em 2004. Por essa altura, Angela Merkel ainda tinha que esperar mais um ano até vir a ser eleita, finalmente, chanceler. Como todas as histórias de financiamento partidário, também esta terminou com aquela sensação de oblívio e de que o assunto fora propositadamente descurado. Muito ajudará a essa sensação amarga a constatação de que é Wolfgang Schäuble que desempenha agora as funções de presidente do Bundestag, as que há vinte anos eram as de Wolfgang Thierse...

14 fevereiro 2020

O PONTO AZUL-CLARO

14 de Fevereiro de 1990. É a data em que foi tirada a fotografia acima. O pontinho no meio do negro envolvente é o planeta Terra, observado a uma distância um pouco superior a 6 mil milhões de quilómetros, o equivalente a 40,5 Unidades Astronómicas (a distância média da Terra ao Sol). A autora da fotografia foi a sonda Voyager 1, naquela altura já há vários anos reformada da sua missão principal aos planetas Júpiter (1979) e Saturno (1980). Terá sido ideia do astrónomo Carl Sagan a utilização das câmaras de bordo, ainda operacionais, para realizar esta fotografia, não pela sua valia científica (nula), mas pelo seu valor simbólico, da nossa pequenez perante o Cosmos.
A fotografia celebrizou-se com o nome de O Ponto Azul-Claro (Pale Blue Dot, no original*) e foi esse mesmo título que Sagan adoptou para o livro que publicou alguns anos depois (acima, a versão portuguesa, publicada pela Gradiva, data de 1995), onde a primeira história do primeiro capítulo - intitulado você está aqui - é precisamente a desta fotografia, feita há precisamente trinta anos. Ali se lê que a transmissão para a Terra dos 640 000 pixels que contém cada uma das 60 fotografias então feitas, demorou depois três meses e meio a recuperar, porque cada um desses pixels, mesmo viajando à velocidade da luz, demorava mais de cinco horas e meia a cá chegar.
* Um exemplo de que as traduções da Wikipedia podem ser de uma mediocridade confrangedora é ver que a entrada sobre este assunto tem o título de «Pálido Ponto Azul»...

13 fevereiro 2020

QUANDO UM MINISTRO DAS FINANÇAS SE DEMITE AO FIM DE DOIS MESES NO CARGO NÃO É PARA SE DESCONFIAR?

Espero que os ingleses sejam mais espertos do que nós, e que se investigue com mais profundidade do que apenas estas superficialidades com que a comunicação social está a ser alimentada, para que a opinião pública se assegure das verdadeiras razões porque um ministro das Finanças se demite ao fim de há apenas dois meses ter sido reconduzido no cargo (ocupou o cargo por sete meses no total). Foi tudo apenas uma questão de escolha de assessores? E o problema demorou dois meses a eclodir? Acredite quem quiser... A comunicação social britânica está cheia de conversa de merda e explicações pitorescas, deflectindo as atenções do facto de que esta remodelação governamental teve lugar uns escassíssimos dois meses depois de Boris Johnson ter ganho as eleições e formado um novo governo... Que porra, isto é ingenuidade (ou inépcia) a mais para se aceitar a um primeiro-ministro, se ele já chefiava o governo antes disso. Ele bem podia ter escolhido logo as pessoas adequadas da segunda vez que formou governo, não?

Lembremo-nos que algo muito parecido do que acabou de acontecer no Reino Unido com Boris Johnson e Sajid Javid, já aconteceu aqui há uns quinze anos em Portugal com José Sócrates e Luís Campos e Cunha (embora, nesse caso, a demissão tivesse ocorrido quatro meses depois da posse do governo). À época, a conversa da nossa comunicação social (abaixo) era precisamente a mesma da britânica agora: nada mudara, estava tudo porreiro, e ninguém quis valorizar o incidente; quando a verdadeira verdade se veio a saber, anos depois, já era muito tarde e já (quase) todos nos havíamos arrependido amargamente. Note-se que não estou a sugerir que Boris Johnson seja um escroque; estou apenas a recomendar aos jornalistas britânicos que descubram as verdadeiras razões porque Javid se quer demarcar desde já daquilo que Johnson se propõe fazer - algo que eu, pelo menos, tenho uma certa dificuldade em perceber. Mas eu, também, não sou inglês... mas confesso que não dei a devida atenção aos avisos sobre José Sócrates. 

A PRIMEIRA BOMBA NUCLEAR FRANCESA

13 de Fevereiro de 1960. A França realiza o seu primeiro ensaio nuclear no deserto da Argélia. Era o quarto país com possibilidade de passar a dispor de armamento nuclear. Como se se tratasse de uma espécie de compensação pelo atraso em relação aos Estados Unidos (1945), União Soviética (1949) e Reino Unido (1952), depois dos primeiros impactos mundiais da notícia do ensaio, especificou-se que a potência alcançada com a detonação (o equivalente a 70 mil toneladas de TNT), correspondia ao triplo das potência alcançadas pelas primeiras explosões das outras três potências nucleares. A França podia estar atrasada mas começara com mais energia.

O PRESIDENTE WOODROW WILSON DEMITE O SECRETÁRIO DE ESTADO ROBERT LANSING

13 de Fevereiro de 1920. A pouco mais de um ano do fim do seu segundo mandato o presidente norte americano Woodrow Wilson (1856-1924) demite sem quaisquer cerimónias o seu secretário de Estado Robert Lansing (1864-1928). Dois dias antes, Wilson pedira a Lansing que se demitisse por sua própria iniciativa. Lansing, porém, mostrou-se renitente, já que ele era a figura de maior destaque da administração a defender a posição que o presidente deveria ser substituído no cargo pelo vice-presidente Marshall, depois de Wilson ter sofrido uma apoplexia quatro meses antes. Debilitado e semi paralisado, todos os contactos com o presidente passaram a ser centralizados pela mulher Edith, e as relações funcionais entre os membros seniores da administração ressentiram-se disso. As cartas em que Wilson solicitava a demissão de Lansing eram de uma frontalidade tão agressiva e tão diferente da sua conduta política passada, que apenas reforçavam as suspeitas de que o presidente era agora um mero peão da vontade da  mulher: «Sinto que é o meu dever aceitar a sua resignação. (...)  Estou extremamente desapontado (...) poupar-nos-ia a um embaraço, senhor secretário, se abandonasse o seu actual cargo e me concedesse a oportunidade se escolher alguém para o ocupar cujas opiniões se ajustem mais àquilo que eu penso.» Era um pretexto: ao longo dos seus dois mandatos, Wilson sempre desenvolvera a sua política externa pessoal, ignorando altaneiramente a actividade do departamento de Estado. Os dois homens nunca haviam sido próximos (não encontrei nenhuma fotografia on-line dos dois, apenas este desenho acima) e que a questão principal em causa era a da lealdade política percebe-se pela escolha do sucessor de Lansing, Bainbridge Colby, alguém que não percebia nada de política externa, mas que era de uma devoção quase canina a Wilson. Mas coisa outra é questionar a legitimidade do presidente americano em despedir quem lhe apetecer. Wilson, apesar de balhelhas (ainda chegou a equacionar a hipótese de concorrer a um terceiro mandato e encarregou Bainbridge Colby de iniciar a corrida presidencial!), tinha toda a legitimidade de despedir Lansing, assim como hoje, cem anos passados, Trump possui essa mesma legitimidade de despedir quem ele quiser da sua administração. E de a ter preenchida quase só com pessoas com o perfil de Bainbridge Colby. Não vale a pena porem-se com censuras: quem é que os mandou, aos americanos, elegerem-no para a Casa Branca? Agora aguentem-se.