31 março 2019

UMA EVOCAÇÃO QUE É TAMBÉM UMA REFLEXÃO

Uma das notícias de há 75 anos era a realização de uma moção de confiança na Câmara dos Comuns que fora vencida convincentemente - 425 votos contra 23, uma maioria de 400 votos - pelo governo de guerra do primeiro-ministro Winston Churchill. Quem se quiser dar ao incómodo de ler abaixo os detalhes que haviam levado à apresentação da moção, aperceber-se-á que tinha havido uma proposta de emenda da Câmara a uma proposta governamental e que esta fora aprovada por uma maioria de um voto. Tal assomo de desrespeito fora suficiente para que Winston Churchill, com a exuberância e a teatralidade que se conhece ao actor político, promovesse esta moção. A atitude chega a ser de um despotismo antipático. Mas diga-se, em abono do primeiro ministro, que não era a primeira moção a que se submetia. Outras houvera, em circunstâncias muito mais difíceis e com um desfecho bem mais imprevisível e que ele vencera. Contudo, este episódio hoje completamente esquecido de há 75 anos, não pode ser lido nos dias que correm sem que façamos uma comparação com o que tem vindo a acontecer naquela mesma Câmara dos Comuns a propósito do Brexit. As circunstâncias serão, decerto, muito distintas, mas a verdade prosaica é que não imagino a primeira ministra Theresa May a avançar, ela, com uma moção de confiança. O seu último sucesso político registou-se numa moção que, parecendo ter o mesmo efeito, não representa politicamente a mesma coisa, quando ela sobreviveu a uma moção de não confiança apresentada pelo líder da oposição. Será por isso, talvez, que daqui por 75 anos, não se irá desculpar a May muitas das idiossincrasias que hoje se desculpam a Churchill.

30 março 2019

O QUE AINDA NÃO SE ESCREVEU SOBRE A «BUGIGANGA»

Desta vez, comecemos pelo fim, pela minha convicção que o tão apregoado movimento encabeçado por Miguel Morgado para reunir as direitas não vai a lado nenhum. Esse prognóstico de fracasso não implica que o projecto me incomode, porque estou plenamente convicto que as urnas vão tratar dele. Se até aí eles chegarem... Irrita-me sim no entrementes e em primeiro lugar, o facto do movimento andar a ser levado ao colo pela comunicação social, sem que haja razões objectivas que o justifique. Depois do Livre, da Aliança, satura. Irrita-me sim, em segundo lugar, pelo movimento se querer disfarçar daquilo que não é, ao andar a invocar (em vão) a data de fundação da Aliança Democrática, como princípio fundador da "coisa". 5.7 é uma data antiga (Miguel Morgado ainda ia fazer cinco aninhos) mas trata-se sobretudo de uma aldrabice. O Observador bem se esforça mas a AD não se assemelhava ao que agora estes pretendem (dos três senhores em primeiro plano na fotografia acima, dois estão vivos; perguntem-lhes). Seria muito mais honesto trocar o 5.7 pelo 16.5 (de 2015), data de fundação do PàF. E, por ter falado em "coisa", irrita-se ainda, pelos silêncios que acompanham a sua génese. Por uma vez, Vasco Pulido Valente, que é conhecido por ter opiniões sobre tudo, desde a flatulência à bomba atómica, e que neste caso a respeito da data 5.7 pronunciar-se-ia realmente ex cathedra a respeito do tema (apreciemo-lo destacado na fotografia acima, no core business da cerimónia), estranho-o muito pela exuberância de não ter escrito até agora a ponta de um corno sobre o Miguel Morgado e os amigos dele. Aquilo que se deve valorizar mais na prosa de Vasco Pulido Valente são os disparates que ele se abstém de escrever.

...AINDA BALDRICK E O BREXIT

- Ah ah, estás entusiasmado com o grande acontecimento?
- Não, Sir. Estou absolutamente aterrorizado.

29 março 2019

ATÉ O BALDRICK TINHA UM PLANO!

Este dia 29 de Março de 2019, é o dia em que, pelas 23H00 (não nos esqueçamos), devia estar a acontecer o Brexit. Permitam-me assinalar o quanto a completa descoordenação política como ele tem decorrido, tem sido por sua vez inspiração para os tweets mais jocosos a pretexto. Este acima, que eu elegi como o meu favorito entre todos o que já encontrei, até pode ser hermético, pois pressupõe que se conheça uma das personagens mais castiças da série televisiva Blackadder. Mas, para parafrasear o que disse Vinicius de Morais a respeito da beleza, os mais ignorantes que me desculpem, mas um riso irónico sobre o assunto é fundamental!

A ABSOLVIÇÃO DO ASSASSINO CONFESSO DE JEAN JAURÈS

Aqui há uns cinco anos, e para refinar o pedantismo de Vasco Pulido Valente em mais uma das suas crónicas, referi-me aqui no Herdeiro de Aécio ao assassinato de Jean Jaurès, que, nas palavras casuais do cronista, é um acontecimento que se sabe. Obviamente, só mesmo um Vasco Pulido Valente para escrever coisas daquelas. Eu convenço-me que os leitores de Vasco Pulido Valente não sabem quem foi Jean Jaurès, mas sabem quem é Vasco Pulido Valente, e é por isso que tendem a lê-lo com aquela bonomia de não o levar demasiadamente a sério. Mas, se agora retorno ao assunto é porque 29 de Março de 1919 (cumpre-se hoje o centenário) foi a data da conclusão do julgamento do assassino de Jaurès, que permanecera em prisão preventiva por 56 meses, apenas explicáveis porque entretanto se travara a Grande Guerra e o julgamento fora considerado demasiado sensível do ponto de vista político para ser realizado. E o choque é que o julgamento se concluiu há cem anos com a absolvição do réu, apesar deste ter confessado desde sempre a autoria dos factos. O tribunal de júri pronunciou-se no sentido da absolvição por uma votação dos jurados de 11 contra 1. Considerações políticas haviam-se sobreposto aos factos, cilindrando-os. Este desfecho constituiu - e permanece - uma das maiores barracas do prestígio do sistema judicial francês e a chacota da opinião publicada naquela época (abaixo, na legenda pergunta-se sarcasticamente se lhe devolveram o revolver...). Acirrando o ultraje, conferiu-se uma indemnização simbólica de 1 franco aos familiares da vítima, deduzido das custas do julgamento, que recaíram... sobre a viúva Jaurès. Até hoje é uma nódoa irremovível da Justiça francesa, que retém a reputação - a meu ver merecida, por estes factos, mas não só - de obedecer àquilo que o poder político a manda fazer.
Apesar de tudo, a vida do assassino confesso não iria ser nada fácil, por causa da notoriedade adquirida e por causa da perseguição que lhe foi movida pelas organizações de esquerda. Acabaria por se instalar em Ibiza, nas ilhas Baleares em 1932 e, num último retoque de ironia, acabaria por morrer fuzilado, sem qualquer julgamento ou culpa formada, por um destacamento anarquista que, no início da Guerra Civil de Espanha, se decidiu a tomar o poder entre mãos.

28 março 2019

O MASSACRE DE SHELL HOUSE

28 de Março de 1994. A África do Sul de há precisamente 25 anos era uma incógnita quanto àquilo em que se viria a tornar. O regime da minoria branca encabeçado por F. W. de Klerk já acordara na cedência do poder para um outro regime, que fosse legitimado pelo voto popular de toda a população, mas aqueles que eram considerados os potenciais vencedores dessa disputa, que se travaria nas urnas dali por um mês, o ANC de Nelson Mandela, ainda não adquirira essa legitimidade. E, nas franjas da aproximação política em curso, as alas radicais que se lhe opunham, brandiam os seus argumentos. Entre os negros, a dissidência era composta pelo partido Inkhata, uma agremiação política dirigida por Mangosuthu Buthelezi, e que era composta fundamentalmente por zulus, um dos grandes grupos étnico-linguísticos. Previsivelmente, em vez de esperar pelo veredicto eleitoral, o Inkhata resolveu vir para a rua demonstrar a sua força diante do seu grande oponente ANC. A manifestação de há 25 anos, envolvendo umas 20.000 pessoas, algumas delas devidamente ataviadas com as tradicionais vestes guerreiras dos zulus, teve lugar em Joanesburgo e passaria diante da sede nacional do ANC, Shell House, um edifício de 22 andares na baixa da cidade. E foi dali que os serviços de segurança do ANC, acreditando num, ou invocando um plano dos manifestantes para assaltar as suas instalações, atiraram sobre a multidão. O número de mortos varia entre os 19 (oficiais) e os 53. O de feridos nem sequer é mencionado. Para o que verdadeiramente interessaria, três conclusões se extraíam do incidente:

a) Que o ANC aceitaria o desafio se o Inkhata quisesse assumir um crescendo de violência na disputa política.
b) Que o regime branco aproveitava de bom grado essa predisposição à violência, já que ela diluiria as responsabilidades pela repressão, durante a vigência do apartheid.
c) Que ao Inkhata restava aproveitar-se do capital de vitimização com o incidente, o seu massacre.


Quanto ao relatório do inquérito judicial, concluído três anos e meio depois, é extenso e maçudo e não conclui nada. Nem parece suposto que o fizesse.

AINDA SE LEMBRA DE COMO ERA AQUI HÁ SEIS ANOS?...

Há precisamente seis anos, no início da Primavera de 2013, o Benfica era treinado por Jorge Jesus e a estrela da equipa era um avançado paraguaio desajeitado (canhoto e grande, parecia um matraquilho, não tinha velocidade e era completamente cego do pé direito) chamado Óscar Cardozo. O Benfica ia muito bem lançado na frente do campeonato, mas não conquistou o título, perdendo-o para o Futebol Clube do Porto. Chegou à final da Taça de Portugal mas perdeu-a para o Vitória de Guimarães. Porque se trata de futebol, hoje já ninguém quer falar disso.

26 março 2019

AGORA TENTE LÁ DESCOBRIR AS DIFERENÇAS...


26 de Março de 1979. Nos jardins da Casa Branca em Washington, tem lugar a cerimónia da assinatura oficial do Tratado de Paz entre o Egipto e Israel (acima). O presidente dos Estados Unidos de então, Jimmy Carter (1924- ), serve de anfitrião e os signatários são o presidente Anwar Sadat (1918-1981) do Egipto e o primeiro-ministro israelita, Menachen Begin (1913-1992). Em consequência do Tratado, Israel comprometia-se a devolver faseadamente o território egípcio que ocupara durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. Nem de propósito, ontem foi a vez do longínquo sucessor de Carter, Donald Trump (1946- ) assinar por sua vez uma declaração reconhecendo oficialmente a soberania israelita sobre os montes Golã, que os israelitas conquistaram à Síria nessa mesma guerra de 1967. Presente com Trump estava o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu (1949- ), mas, naturalmente, não havia nenhum representante sírio... Pelo contraste das suas cerimónias percebe-se com nitidez quanto os Estados Unidos se tornaram agora num actor da cena internacional diferente, perigosamente diferente, porque descaradamente parcial... Ou, como alertava o matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum) no filme Parque Jurássico, a supremacia norte-americana é tão evidente que os protagonistas da Casa Branca parecem ter-se esquecido da distinção ética entre a capacidade de poder fazer algo e a sabedoria de saber se o deve fazer...

25 março 2019

O ENDOSSO FATAL

Quem costuma frequentar estas paragens já se terá apercebido do fraquinho que tenho pelo humorista João Marques de Almeida. O seu estilo não é tão exuberante e primário quanto o de Ricardo Araújo Pereira, nem tem a acutilância de estilete do de Pedro Mexia, nem sequer a acidez contundente do de José Eduardo Martins, mas, como as desafinações do Conan Osiris (que há quem diga que é um génio), também os erros encadeados de análise e antecipação política de João Marques de Almeida parecem esconder a genialidade rebuscada do seu humor. Como consequência, só os seus leitores atentos é que compreendem que um vaticínio seu torna-se garantia de que vai acontecer o contrário. E isso, ou é absoluta genialidade, ou então é uma indulgência pela mediocridade de João Marques de Almeida - mas o Observador não ia manter por anos a fio um colaborador assim, pois não?...
É neste contexto de uma mensagem que contém precisamente a mensagem oposta à que aparenta ter, que se pode ler esta crónica do humorista, endossando o Mov 5.7 (que, cá para mim e no meu parco registo humorístico, até podia ter recebido o nome de Movimento António Mourão...), uma espécie de regresso ao passado à procura de uma referência para a confederação de uma data de opiniões da direita que se passeiam tresmalhadas por aí e que acham que devem fazer qualquer coisa. O endosso de João Marques de Almeida parece-me selar fatidicamente o destino dos esforços de quem se agrupa à volta de Miguel Morgado (que, só por curiosidade, ia fazer cinco anos no dia 5 de Julho de 1979 em que a AD for formalizada).

«A MANTEIGA DO "HORORATA"»

Outra dessas pequenas histórias realistas de BD com quatro páginas, publicadas na década de 60 pela revista Tintin francesa, e que nunca foi publicada na sua homóloga portuguesa. O "Hororata" era um moderno navio cargueiro britânico, lançado à água em 1942, com capacidade de refrigeração e quase 14.000 toneladas de deslocamento, que fora encarregue de trazer da Nova Zelândia um precioso carregamento de 10.000 toneladas de manteiga para uma esfomeada Inglaterra.
O "Hororata" foi torpedeado a 13 de Dezembro de 1942 pelo submarino alemão U-103 a 200 milhas a noroeste dos Açores. Apesar de danificado, o "Hororata" conseguiu atingir o porto da Horta, onde uma reparação provisória e algo improvisada lhe custou três meses de imobilização. Repare-se como, na última página, o desenhador Eddy Paape retrata os açorianos, apesar de prestáveis, de uma forma algo rústica e façanhuda... Reparado, o "Hororata" chegou a Inglaterra com 90% da sua carga. Porém, e a história não conta isso, as reparações definitivas tomaram-lhe outros seis meses de imobilização.

24 março 2019

«MAKE AMERICA GREAT AGAIN»

Se, em quase todos os outros domínios, a avaliação destes anos da presidência Trump está a ser substancialmente controversa, no domínio específico da chapelaria rústica, esses anos têm sido de um apogeu - ousaria mesmo dizer de um zénite - da "greatness" da América. A julgar pela oferta disponível para a cobertura dos cocurutos, nunca a América terá sido maior! 

BAFO DE MORSA

Se o bafo da onça é famoso pela seu fedor e deu mesmo origem à expressão bafo-de-onça, este instantâneo de um espesso bafo de uma morsa, apenas pela maneira como dilui a nitidez do pinguim que aparece em fundo, dá-nos a impressão visual que não lhe ficará muito atrás em repelência. Ele há bafos que não precisam de nos chegar às narinas. E palavras como halitose, cacostomia, nidor, ozostomia constituem uma das baterias de sinónimos eufemísticos mais traiçoeiras que eu conheço na língua portuguesa. A autora da fotografia é Jackie Downey.

23 março 2019

BAGDADE EM 1919

Em contraste com o bucolismo da fotografia anterior, aprecie-se o urbanismo cosmopolita da fotografia de uma atarefada rua de Bagdade nesse mesmo ano de 1919. Ao contrário das Highlands escocesas, Bagdade foi disputada durante o conflito, mas a intenção de induzir uma continuidade que a Grande Guerra não terá afectado substancialmente, parece ser a mesma da foto anterior.

ESCÓCIA 1919

Uma fotografia da Escócia em 1919. É uma fotografia fria, tirada à alvorada ou ao entardecer, como se deduz pelo formato esticado das sombras desenhadas no solo. O bucolismo acentuado da cena, com o pastor, o cão e o rebanho das ovelhas, pretenderia induzir no observador a sensação que tudo regressara à normalidade de anteriormente, depois do fim da Grande Guerra. A evocação e a publicação vem a (des)propósito do Brexit, cem anos depois.

22 março 2019

UMA SEMANA DEPOIS DA BOÉMIA E DA MORÁVIA, A ALEMANHA OCUPA A CIDADE DE MEMEL

22 de Março de 1939. Na semana passada a Alemanha ocupara Praga e o que restara da parte checa da Checoslováquia. As potências Ocidentais ainda estavam a digerir o facto de terem sido completamente enroladas quando da assinatura dos Acordos de Munique no Outono de 1938, quando Adolf Hitler, não só mostrava que não fazia qualquer tenção de honrar o que assinara, como juntava sal à ferida, mostrando não se preocupar com o amor próprio de quem negociara de boa fé consigo. E ocupava a cidade lituana de Klaipeda. Vale a pena fazer esta reconstituição compassada dos acontecimentos para perceber que a credibilidade internacional de Adolf Hitler já se esgotara, e a Segunda Guerra Mundial ainda nem sequer tinha começado.

21 março 2019

DIRIA QUE DONALD TRUMP É HONESTO?

Mas o que merece ser assinalado é que uma fracção assinalável dos 30% que acham que sim, que Trump é honesto, não quer discutir o assunto com os 65% que discorda deles, e a esmagadora maioria dos restantes que compartilham essa mesma opinião, dispondo-se a discutir, só discute desde que os factos sejam alternativos.

ENTRE OS CLÁSSICOS, O SEU A SEU DONO

Acima temos uma das obras magnas do falecido Vasco Graça Moura, que se intitula A Divina Comédia de Dante Alighieri, editada pela Bertrand. Em contraste, abaixo temos A Cidade de Deus de Santo Agostinho, presumivelmente de autor anónimo e editado pela Gulbenkian, já em 4ª Edição.

20 março 2019

AS ESTRANHAS DECORAÇÕES QUE OS CATAVENTOS DA POLÍTICA PODEM TER


Os observadores da actualidade internacional que se surpreendem com acontecimentos em sítios inóspitos e exóticos (como é o meu caso e o do Nuno Rogeiro), foram surpreendidos com o anúncio (acima) da resignação do presidente Nursultan Nazarbaev do Cazaquistão. Compreende-se. Com um passado de vinte e sete anos e meio de poder ininterrupto, ainda recentemente (Abril de 2015) reconduzido por 97,7% dos votos numa eleição onde participaram 95,1% dos seus concidadãos, Nazarbaev parecia ser o exemplo acabado do estadista indispensável para o seu país até à hora da morte. Ora, como eu já escrevi aqui no Herdeiro de Aécio há uns anos, dá-se a coincidência curiosa que, no Cazaquistão e como acontecia em Angola, a filha do presidente é uma pessoa extremamente rica, quiçá entre as mais ricas do país: a Isabel dos Santos cazaque chama-se Dinara Kulibaeva. Ou seja, não é bem uma coincidência: são duas vezes duas coincidências, quatro coincidências no total, o que é mesmo muita coincidência para países que transitaram para o capitalismo vindos do marxismo-leninismo. Mas adiante. O que nos interessa agora é verificar se aquilo que já aprendemos com Angola e com o que aconteceu à capacidade empresarial perdida de Isabel dos Santos depois do pai abandonar o cargo, se pode replicar futuramente naquele país das estepes com Dinara Kulibaeva. É uma forma rebuscada, mas que julgo segura, de seguir os acontecimentos. Se Dinara perder subitamente o jeito para os negócios, a coincidência (outra!) poderá ser interpretada como uma perda do controle do aparelho político por parte de seu pai. Os cataventos que mostram a direcção e sentido para onde eles sopram, sempre foram conhecidos por poderem ter decorações bem estranhas...

O FANTÁSTICO CRUZEIRO DO «SANTA MARIA»

18 de Abril de 1968. O mês seguinte iria ser pleno de significado em França, mas isso ainda não se sabia quando da edição do número 1017 da revista Tintin francesa. Nela se incluía esta pequena história realista de quatro páginas sobre o assalto ao paquete português que tivera lugar em Janeiro de 1961. Apesar de necessariamente sucinta, de rebaptizar Henrique Galvão de Galveo e de nela se dar relevo desnecessário a uma proeza menor de um artista francês chamado Gil Delamare, ali armado em jornalista, o conteúdo da narrativa acaba por ser surpreendentemente equilibrado. Mas isso não quereria dizer que uma história como a do Santa Maria poderia aparecer na edição portuguesa dessa mesma revista Tintin, cujo primeiro número iria aparecer dali por seis semanas, a 1 de Junho de 1968.

19 março 2019

SOBRE A FORMA DE NOTICIAR EXPLOSÕES EM ALTITUDE

Como costuma acontecer regularmente com as notícias de cariz científico, quando o bombástico se confronta com o rigoroso, este último é fragorosamente derrotado. O que os autores da notícia acima podem afirmar com segurança é que só ao fim de três meses a explosão foi noticiada. Sabe-se (esta jornalista não sabe, mas essa é toda uma outra história...) que as potências empregam sistemas e equipas profissionais para rastrear os céus, de que o exemplo norte-americano do DSP (Defence Support Program) é apenas isso: um exemplo. Os profissionais do rastreamento devem ter sabido do acontecimento quando aconteceu. Só que a missão dessas organizações não é, propriamente, andar a informar os jornais. Pelo contrário, as mais sofisticadas, caso da americana, da russa ou da chinesa têm até um certo dever de reserva, para não revelarem aos adversários as suas potencialidades (ou, acessoriamente, os seus pontos fracos). Impera a discrição e percebe-se porque é assim. Para quem se dispuser a lê-la, atente-se que a origem da notícia é um carola canadiano no twitter com as imagens da agência meteorológica japonesa. Em suma, não sendo uma notícia falsa, publicada como está e sem o devido contexto e enquadramento, torna-se uma notícia errada. (PS - Bastou a ocorrência ter passado a ter valor noticioso para se perceber que o facto fora conhecido dos profissionais do ramo...)
Por uma singular coincidência, há precisamente sessenta anos, também era notícia de jornal (e logo de primeira página), outras grandes explosões, três, «acima da atmosfera». Essas, porém, e apesar de noticiadas com um atraso bem superior ao do exemplo acima, eram de origem artificial, embora se tratassem de explosões de uma potência cem vezes inferior à acima mencionada. A denominada Operação Argus fora montada pelos Estados Unidos no Atlântico Sul. Três engenhos nucleares de "pequena" potência (1,5 kton) foram detonados a altitudes progressivamente crescentes (180 km, 300 km, 800 km) numa das localizações mais remotas do planeta, para verificar na prática uma tese. Não era assim tão «sensacional» quanto o título da notícia pode levar a induzir, mas leve-se o entusiasmo da época à conta da ignorância a respeito das consequências de tais ensaios. Na sua realização haviam participado nove navios da US Navy que se haviam postado a uns 1.800 km a Sudoeste da cidade do Cabo na África do Sul, num dos locais menos frequentados do planeta*, mas também, e por causa de eventuais intromissões e equívocos, um dos mais afastados da União Soviética. Os testes haviam tido lugar em Agosto/Setembro de 1958 (quando, não esqueçamos, é Inverno no hemisfério Sul) e a notícia só se terá sabido por causa de um furo jornalístico do New York Times, que precipitou a comunicação oficial do secretário adjunto da Defesa Donald Quarles.

* Vale a pena também mencionar que ali se situa a Anomalia (magnética) do Atlântico Sul.

TANQUES NA PRAÇA VENCESLAU DE PRAGA

19 de Março de 1939. Vivem-se dias de uma outra entrada de tanques estrangeiros em Praga. Estes eram alemães. E a praça Venceslau, no centro da cidade, tem uma configuração ampla, adequada a coreografias com carros de combate, para que estes circulem, como se fizessem parte de um corso carnavalesco fora de época...

18 março 2019

QUANDO A MILITÂNCIA POLÍTICA PODIA PREJUDICAR GRAVEMENTE A SAÚDE DOS MILITANTES

18 de Março de 1919. Há cem anos, começavam em Moscovo os trabalhos do 8º Congresso do Partido Comunista Russo (bolchevique), no decorrer dos quais veio a ser eleito um renovado Comité Central do Partido, ampliado de 15 para 19 membros. Desconhecido dos delegados comunistas era aquilo que o futuro reservava para a excelsa representação que acabara de eleger. A morte iria arrebatar prematuramente o mais excelso de todos eles, Lenin, em 1924, seguido de Dzerjinsky, em 1926, e de um mais idoso (66 anos) Stučka, em 1932. Mas, dos 16 destacados comunistas de há cem anos que ainda estavam vivos nos meados da década de 1930, 12 vão morrer de uma morte não natural nos cinco anos que medeiam entre 1936 e 1941. Por ordem alfabética: Beloborodov (1938), Bukharin (1938), Evdokimov (1936), Kamenev (1936), Krestinski (1938), Radek (1939), Rakovski (1941), Serebryakov (1937), Smilga (1938), Tomsky (1936), Trotski (1940) e Zinoviev (1936). Se, nesta dúzia de nomes constam nomes de notoriedade diferente (o que não abona em prol da igualdade preconizada pelo comunismo), reconheça-se a forma como compartilharam fraternalmente a fatalidade do destino que lhes foi preconizado pelo seu camarada Stalin (esse, só morreu em 1953), que é outro e muito provavelmente o mais bem sucedido dos membros do renovado Comité Central de que hoje se comemora o centenário.
Recuperando um slogan que só apareceu muitas décadas depois e passando o anacronismo, faz todo o sentido rematar com a opinião de a uma ampla maioria daqueles revolucionários lhes fez bastante mal à saúde terem sido eleitos membros do Comité Central... Tempos idos esses em que nada de pior para a saúde de um comunista do que ser tomado por inimigo por um seu camarada.

17 março 2019

PHILIPPE PÉTAIN NOMEADO EMBAIXADOR JUNTO DO GOVERNO NACIONALISTA ESPANHOL

17 de Março de 1939. Na edição do Diário de Lisboa podia ler-se a seguinte notícia, oriunda de Burgos, que permanecia a capital dos nacionalistas espanhóis envolvidos ainda na Guerra Civil: «O marechal Pétain, embaixador da França em Espanha, que ontem chegou a San Sebastian, deve partir amanhã para esta cidade (Burgos), a fim de entregar, na próxima segunda-feira (dia 20), as suas credenciais ao generalíssimo Franco.» Estas profusas movimentações diplomáticas (numa outra notícia desse mesmo jornal, anunciava-se que o duque de Alba, pelo governo nacionalista espanhol, apresentava as suas credenciais em Londres), eram o reflexo do desfecho do conflito em Espanha se considerar então decidido. A escolha pelos franceses para um posto subordinado de embaixador de um militar tão prestigiado quanto Philippe Pétain destinava-se a colmatar a má opção da França não ter apoiado os vencedores na altura certa. Mas, desconhecido então de todos, o futuro de França iria proporcionar a Pétain outras missões de muito maior responsabilidade...

«UNFORGETTABLE»


17 de Março de 1919. Há cem anos, em Montgomery, Alabama, no Black Belt do Sul dos Estados Unidos, nascia Nathaniel Adams Coles, mais conhecido pelo nome artístico de Nat King Cole.

16 março 2019

A RESSONÂNCIA E A ACÚSTICA DAS NOTÍCIAS

Já não há censura, mas os dias que correm são tempos em que há umas notícias que são mais iguais que outras (para parafrasear Orwell noutro contexto). Mesmo que as umas sejam o reverso das outras. Tome-se este bem recente exemplo, de como foi amplificadamente noticiada a ruptura dos grupos de saúde privados com o Estado, colocando-os a falar grosso e exigentes, e da discrição desta semana como foi noticiada a reversão da atitude desses mesmos grupos económicos. As três primeiras notícias versus as duas últimas, separadas apenas por um mês. Felizmente e no computo global, parece que se estará a caminho de um acordo mas, comprovadamente, saúde exclusivamente privada em Portugal, como actividade económica independente do Estado: esqueçam lá isso. Sem o Estado a bancar, os privados fecham as portas. O que a CUF e a Luz Saúde escusavam é de ter andado para aí, na comunicação social, armados em marialvas (com a cumplicidade do jornalismo do costume). Já que o óbvio é óbvio: «A ADSE tem uma grande arrogância na negociação»

VOCÊ AINDA SE LEMBRA DE QUANTO PARECEU IMPORTANTE O QUE AS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO PENSAVAM DAS FINANÇAS PORTUGUESAS?

Ainda se lembra daquele período em que pareceu fundamental o que as agências de notação financeira pensavam das finanças públicas portuguesas? E de como o assunto era apresentado como se essa reputação se transferisse individualmente para todos e cada um de nós? A vergonha de sermos "lixo" parecia recair em todos e cada um de nós. Os gráficos a esse respeito evidenciavam o caminho da degradação (veja-se abaixo, a inclusão dos símbolos partidários do governo em funções à data da reclassificação foi um acrescento meu). E de como a mensagem que invariavelmente se lhe seguia era que apenas o bom comportamento preconizado pelas políticas de Vítor Gaspar era o caminho da salvação?
Ainda se lembra? Foi assim e, por sinal, a coisa até correu bastante mal para Passos Coelho porque Vítor Gaspar, apesar de incensado cá dentro e lá fora, se revelou um ministro assaz medíocre e a reacção das agências de rating não se quis adaptar às necessidades do ciclo político do PàF. O assunto acabou descartado do palco político e os gráficos prontamente esquecidos, já que iriam demonstrar um colossal fracasso. só mesmo eu para perversamente os ir actualizando, a mostrar aquilo que não era suposto mostrarem: que foi o nerd do Centeno a fazer aquilo que se esperava que o Gaspar, por ser nerd, fizesse. E é assim que, oito anos passados, um jornal simpático para Passos Coelho como o Observador (que, por sinal, aparecido apenas em 2014, ainda não existia nos anos mais rubros do "não há alternativa à austeridade"), de toda a forma um jornal da causa, se limita a subcontratar a agência Lusa para noticiar o que, noutras circunstâncias, seria noticiado como um espectacular salto de dois níveis no rating da dívida pública portuguesa.

QUANDO CUNHAL REGRESSAVA DE MOSCOVO PARA «PÔR FIM A UMA CERTA DESORIENTAÇÃO NO SEIO DO PCP»

Quinta-Feira, 16 de Março de 1989. Duas notícias distintas, respectivamente do noticiário nacional e internacional, publicadas no "seu" Diário de Lisboa, ajudam a recordar as desventuras por que então passavam os comunistas há trinta anos, enquanto o Muro de Convicções que haviam erigido à volta da sua argumentação se desmoronava com fragor. Em Moscovo, «o plenário do Comité Central do Partido Comunista Soviético» debatia «as propostas de Mikhail Gorbachev tendentes a vencer a escassez crónica de produtos alimentares» (afinal, havia-a, as filas não eram montagens fotográficas da propaganda capitalista...). Mais estranho, o camarada secretário-geral era citado empregando um slogan («devolver a terra a quem a trabalha») precisamente igual àquele que fora brandido em terras alentejanos na segunda metade da década de 70 pelo PCP, quando da sua tentativa de implementação de uma "reforma agrária" em tudo igual ao regime de propriedade da terra que vigorava na União Soviética, em que, só para lhe dar um colorido local, os Kolkhozes se denominavam UCPs. Regime esse que Gorbachev se propunha agora reformar, reformando a Reforma Agrária. Confuso. Nessa mesma edição do jornal, mas a dez páginas de distância, noticiava-se que o camarada Álvaro Cunhal regressava de Moscovo «para, finalmente, pôr fim a uma certa desorientação (natural, acrescentar-se-ia...) no seio do PCP.» Cunhal fora «passar férias» e «fazer exames médicos de rotina», sem que ninguém lhe perguntasse porque prescindira para isso do SNS português, que era (e continua a ser) na propaganda do PCP, «uma conquista de Abril». Outra incongruência da viagem de Cunhal fora a outorga de uma segunda condecoração soviética, a Ordem de Lenine. Incongruência, porque à época e mesmo depois, Cunhal recusara e continuaria a recusar a atribuição de qualquer condecoração portuguesa, quando sondado sucessivamente por Eanes, por Soares e por Sampaio. A modéstia não lhe terá permitido aceitar qualquer condecoração portuguesa, mas, saiba-se lá porquê, a Moscovo não conseguia dizer que não... Mas regressado curado e condecorado há precisamente trinta anos, o «revolucionário inflexível, verdadeiro patriota e internacionalista convicto» revelava-se indispensável para definir a atitude dos comunistas portugueses face ao vacilar dos dogmas de fé da ideologia deles.
Para o que interessa, a Reforma da Reforma Agrária na União Soviética veio a revelar-se aquilo a que em inglês se qualifica por "too little and too late". Mas essa é toda uma outra história...

13 março 2019

AS MARCAS DO ACONTECIMENTO

Há fotografias que nos contam uma história. Dispensam legendas. Mas é preciso disposição e tempo para apreender a história que a imagem nos conta, por muito desagradável que a história nos pareça. Neste caso acima e para os que até agora não descortinaram o que os rastos na neve nos contam, um qualquer daqueles mamíferos pequenos, saltitante e fofinho por causa da pelagem de Inverno, foi atacado por uma grande ave de rapina. A comparação até pode ser forçada, mas lembrei-me dela depois de mais uma derrota do governo de Theresa May no parlamento britânico. Se o resultado do desfecho do referendo do Brexit parecia chocante, o comportamento das elites políticas britânicas para gerir posteriormente as consequências está a deixar uma marca indelével no solo...

12 março 2019

AS VOLTAS QUE A EUROPA LEVOU EM VINTE ANOS

12 de Março de 1999. No Museu Harry S. Truman, no Missouri, tem lugar a cerimónia da adesão da Hungria, Polónia e República Checa à NATO. Na imagem acima, vemos a anfitriã, a então secretária de Estado Madeleine Albright (por sinal, nascida em Praga), a discursar perante os ministros dos Negócios Estrangeiros dos três países recém-admitidos, num momento que parecia de consagração para a ampliação da esfera de influência dos Estados Unidos na Europa. Vinte anos depois, aqueles mesmos três países estão considerados entre os mais mal comportados da Europa (veja-se o vídeo abaixo), sendo votados a um semi-ostracismo por causa do autoritarismo dos seus regimes e a mesma Madeleine Albright que lhes terá servido de madrinha escreve, não apenas a seu respeito, mas também por causa do que está a acontecer na Europa de Leste, um livro intitulado «Fascismo - Um Alerta». São só precisos vinte anos para que na Europa se tenha dado uma grande volta...

A PRESSÃO DIPLOMÁTICA DOS ALIADOS SOBRE A NEUTRALIDADE IRLANDESA

12 de Março de 1944. Os jornais daquele dia davam conta da intensa manobra de pressão diplomática que estava a ser promovida pelos Estados Unidos (com a cumplicidade britânica...) para que a Irlanda abandonasse a sua neutralidade e rompesse as relações diplomáticas com os países do Eixo. Eamon de Valera, o primeiro-ministro irlandês, resistiu às pressões, e a Irlanda manteve-se neutral até ao final da Segunda Guerra Mundial. As cordialidade das relações americano-irlandesas atingiu um nadir. As antipatias de Washington pelos países que insistiam em permanecer neutrais, e que no caso dos dois países ibéricos eram justificadas pelo facto de se tratar de ditaduras, perdiam a máscara neste caso da Irlanda , já que esta tinha um governo democraticamente eleito e, por não fazer aquilo que os Estados Unidos desejavam que fizesse, não era melhor tratada por causa disso. A conduta de Franklin D. Roosevelt foi de verdadeiro bullying, mas hoje isso não interessa nada ser lembrado.

11 março 2019

O GABINETE DE CERA DE MADAME TUSSAUD

Antiga de 51 anos e no francês original, uma história em BD sucinta sobre as origens do Museu de figuras de cera de Madame Tussaud e de como a arte de uma francesa alsaciana se veio a popularizar em Londres, antes de se espalhar daí para o resto do Mundo (excepto, curiosamente, a França...).

MAPAS MUNDO ÀS ESCALAS POPULACIONAL E ECONÓMICA

Neste redesenho geográfico, os países continuam a ser apresentados com o formato que lhes conhecemos, só que as dimensões estão ajustadas à escala demográfica da sua população. A Rússia e as suas regiões despovoadas da Sibéria fazem com que o país, imponente nas representações convencionais, neste formato quase passe desapercebido com apenas 1,9% da população mundial. Mas a Ásia continua a impor-se, só que neste caso por causa das populações chinesa e indiana. Uma outra forma de representar a importância relativa dos países do Mundo é repetir o exercício anterior só que, em vez das populações, se considera o peso das respectivas economias (abaixo). É qualquer dos casos, é toda uma outra geografia.

10 março 2019

SENHOR TARDÀ!... SENHOR TARDÀ...


Joan Tardà é um deputado catalão às Cortes espanholas, eleito desde 2004 nas listas da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha). E a notícia é que ele não tenciona voltar a apresentar-se às próximas eleições legislativas de 28 de Abril. O que é uma pena. Tardà é alguém que, como dizia o slogan de Fernando Pessoa, «primeiro estranha-se e depois se entranha». E que, como o chato que é, só pode ser devidamente apreciado no estrangeiro, a uma certa distância. Como professor de língua e literatura catalãs (profissão mais teórica que prática, já que tem dedicado a sua carreira à política), a atitude de Tardà, de defesa intransigente do seu idioma face à hegemonia do castelhano que o Estado espanhol impõe em todos os seus procedimentos, tem-no feito protagonista de inúmeros momentos mediáticos, começando quase sempre por se expressar em catalão e forçando as autoridades a chamar-lhe a atenção para o fazer mudar de idioma. Uma das ocasiões mais recentes em que isso aconteceu foi quando compareceu como testemunha no julgamento dos membros da Generalitat catalã que estão a ser julgados pela realização do referendo independentista de 1 de Outubro de 2017.

Os comentários recriminatórios que lhe são dirigidos (e que recuperei para título), tornaram-se assim uma imagem de marca de muitas aparições televisivas de Joan Tardà. Como diz o juiz presidente no vídeo acima (ao seu pedido para que responda às perguntas do Vox em catalão), «...não começámos bem...». Na verdade, com Tardà e a sua insistência em falar catalão e perante uma superestrutura organizada desde sempre para impor o idioma castelhano (a que se chama impropriamente espanhol), é garantido que, com ele, raramente se começa bem. Continua melhor mas, reconheça-se que, de uma certa forma, Joan Tardà continua a sua saga numa espécie de atitude de guerrilha, empregando um castelhano arrevesadíssimo, num país, aliás, onde a prática de assassinar um idioma à custa de um sotaque que o torne ininteligível é prática social aceite... com o inglês. Mais a sério, e ainda a pretexto da questão linguística, outros comentários de Tardà merecem verdadeira reflexão. Exemplo, um de 2009, em que comentava que o rei (na época, João Carlos) não sabia falar nem basco, nem catalão, nem galego, mesmo depois de mais de 30 anos de reinado. Para bom entendedor e descontados aquelas coreografias em que o monarca lê um discurso preparado de antemão num idioma alheio, a ausência de qualquer desmentido veemente da parte do palácio real tem um significado ribombante. Ou, como se perguntava o nacionalista Daniel Castelão (1886-1950), embora o fizesse a respeito do galego, «Com que direito é que se nos obriga a aprender a língua de Castela, sem que se obrigue os castelhanos a aprender também a nossa?...»

A atitude de Joan Tardà é mais inconveniente do que radical, como se percebe aliás, pelo atitude a respeito dos mais recentes desenvolvimentos políticos na Catalunha (acima). Por tudo isso, porque é um chato, mas também porque incomoda, porque é pertinente e ao mesmo tempo ponderado, a sua saída é uma perda para todos.

O CONFLITO CHECO ESLOVACO

10 de Março de 1939. A notícia que abalava a Europa há oitenta anos era a demissão do chefe de governo eslovaco, monsenhor Jozef Tiso (1887-1947), por parte do presidente checoslovaco Emil Hácha (1872-1945). O conflito civil checoslovaco, que viera a ser fomentado pela Alemanha, vai ser aproveitado por ela dali por uma semana, para estender a sua ocupação militar ao resto das províncias checas da Checoslováquia (Boémia e Morávia), enquanto a Eslováquia proclamava por seu lado a sua «independência».
Adolf Hitler ganhou esta jogada mas, a má fé de que deu mostras na forma como conduzira a questão, fez com que perdesse qualquer credibilidade diplomática com qualquer parceiro. Foi só em Março de 1939 que até os políticos mais crentes tiveram que se render à evidência que Adolf Hitler não era parceiro de se fiar. O pacto Germano Soviético que virá a ser assinado em Agosto de 1939 (para que a Alemanha possa atacar a Polónia à vontade) é tanto mais sórdido quando é assinado de má fé pelas duas partes: nem Stalin confia em Hitler, nem Hitler confia em Stalin; estão ambos a ganhar tempo: só que o calendário de Hitler se veio a revelar mais premente do que o de Stalin.

09 março 2019

THE SHAGGS; POSSIVELMENTE O PIOR ÁLBUM DE ROCK DE SEMPRE

9 de Março de 1969. O conjunto rock The Shaggs inicia (e termina...) as suas sessões de gravação em estúdio daquele que vai ser o primeiro (e único...) trabalho. The Shaggs são uma banda de vanguarda, originária de Fremont, estado norte americano do New Hampshire (1.000 habitantes), sendo uma das suas particularidades o facto de ser totalmente feminina, composta por três irmãs, Dorothy ("Dot"), Betty e Helen Wiggin. Esta compilação de doze músicas que elas gravaram há precisamente 50 anos vai receber o título colectivo da primeira dessas músicas, Philosophy of the World. Para que o leitor possa apreciar o estilo das Shaggs coloquei o vídeo abaixo com essa música de abertura. Há também a possibilidade de apreciar o disco no seu conjunto.

Reconheça-se que, logo aos primeiros acordes(?), é fácil perceber as razões por que o disco não foi um sucesso musical na época. Nem depois, de resto. Pode dizer-se a seu respeito que é um estilo musical que levará a denominação rock-de-garagem(-que-nunca-devia-ter-saído-da-garagem) a novas fronteiras. Uma classificação de um crítico da Rolling Stone qualificou-o, em 1980, como o pior álbum de rock de sempre. Frank Zappa, Kurt Cobain e, provavelmente, Miguel Esteves Cardoso (caso tivesse sido convidado para criticar o disco), serão de opinião diferente, trata-se de uma sonoridade distinta. Desde há 50 anos que é possível dizer o que nos ocorre sobre cacofonias, é como o Conan Osíris e os telemóveis dele, só que sem coisas de metal penduradas na cara...

08 março 2019

SIGLAS POLÍTICAS COM PESO HISTÓRICO: A AOC

A AOC (Aliança Operário Camponesa) foi uma organização política portuguesa que concorreu às eleições legislativas de 1976 e que se notabilizou, nessa época, por ter uma presença televisiva muito própria. Tanta e tão memorável, que a evoquei aqui no Herdeiro de Aécio vai para dez anos. A AOC e, especialmente, o seu inconfundível slogan eleitoral - CADA DEPUTADO ELEITO DA AOC SERÁ UMA ESPINHA CRAVADA NA GARGANTA DO CUNHAL - constituirá decerto um dos elementos do património imaterial do PREC (Processo Revolucionário Em Curso) quando apresentarmos tal candidatura à UNESCO.
 
Compreenda-se agora a minha surpresa quando constatei que o mundo da comunicação social norte-americana está a recuperar precisamente esta mesma sigla AOC para designar a nova coqueluche da sua extrema esquerda parlamentar, Alexandria Ocasio-Cortez. Com aquela resistência tradicional a pronunciar fluentemente idiomas estrangeiros, a locução dos canais americanos conseguiu acordar tacitamente em passar a designá-la correntemente por AOC, para não tropeçarem nas armadilhas do castelhanismo do seu nome. (E que contraste com a desenvoltura como a senhora da AOC original (mais acima) se referia ao «... partido do Barreirinhas Cunhal...»! Se eles se queixam de Ocasio-Cortez, experimentem lá pôr um locutor americano a pronunciar Barreirinhas!)
 
Enfim, para o que interessa, existe uma nova AOC, desta vez nos Estados Unidos e é uma pena que a tradicional ignorância dos americanos acerca do que se passa no resto do Mundo, não lhes permita compreender a subtileza da piada de dizer que esta nova AOC bem pode ser considerada UMA ESPINHA CRAVADA NA GARGANTA DO TRUMP...