19 março 2019

SOBRE A FORMA DE NOTICIAR EXPLOSÕES EM ALTITUDE

Como costuma acontecer regularmente com as notícias de cariz científico, quando o bombástico se confronta com o rigoroso, este último é fragorosamente derrotado. O que os autores da notícia acima podem afirmar com segurança é que só ao fim de três meses a explosão foi noticiada. Sabe-se (esta jornalista não sabe, mas essa é toda uma outra história...) que as potências empregam sistemas e equipas profissionais para rastrear os céus, de que o exemplo norte-americano do DSP (Defence Support Program) é apenas isso: um exemplo. Os profissionais do rastreamento devem ter sabido do acontecimento quando aconteceu. Só que a missão dessas organizações não é, propriamente, andar a informar os jornais. Pelo contrário, as mais sofisticadas, caso da americana, da russa ou da chinesa têm até um certo dever de reserva, para não revelarem aos adversários as suas potencialidades (ou, acessoriamente, os seus pontos fracos). Impera a discrição e percebe-se porque é assim. Para quem se dispuser a lê-la, atente-se que a origem da notícia é um carola canadiano no twitter com as imagens da agência meteorológica japonesa. Em suma, não sendo uma notícia falsa, publicada como está e sem o devido contexto e enquadramento, torna-se uma notícia errada. (PS - Bastou a ocorrência ter passado a ter valor noticioso para se perceber que o facto fora conhecido dos profissionais do ramo...)
Por uma singular coincidência, há precisamente sessenta anos, também era notícia de jornal (e logo de primeira página), outras grandes explosões, três, «acima da atmosfera». Essas, porém, e apesar de noticiadas com um atraso bem superior ao do exemplo acima, eram de origem artificial, embora se tratassem de explosões de uma potência cem vezes inferior à acima mencionada. A denominada Operação Argus fora montada pelos Estados Unidos no Atlântico Sul. Três engenhos nucleares de "pequena" potência (1,5 kton) foram detonados a altitudes progressivamente crescentes (180 km, 300 km, 800 km) numa das localizações mais remotas do planeta, para verificar na prática uma tese. Não era assim tão «sensacional» quanto o título da notícia pode levar a induzir, mas leve-se o entusiasmo da época à conta da ignorância a respeito das consequências de tais ensaios. Na sua realização haviam participado nove navios da US Navy que se haviam postado a uns 1.800 km a Sudoeste da cidade do Cabo na África do Sul, num dos locais menos frequentados do planeta*, mas também, e por causa de eventuais intromissões e equívocos, um dos mais afastados da União Soviética. Os testes haviam tido lugar em Agosto/Setembro de 1958 (quando, não esqueçamos, é Inverno no hemisfério Sul) e a notícia só se terá sabido por causa de um furo jornalístico do New York Times, que precipitou a comunicação oficial do secretário adjunto da Defesa Donald Quarles.

* Vale a pena também mencionar que ali se situa a Anomalia (magnética) do Atlântico Sul.

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