30 novembro 2018

OS ALDRABÕES DA MEIA MARATONA DE SHENZHEN


Uma das notícias do dia é que a organização da meia maratona de Shenzhen, que teve lugar Domingo passado, apanhou nada menos que 258 concorrentes a fazer batota. 237 desses foram apanhados pelas câmaras de trânsito fazendo um pequeno percurso a corta mato entre as duas alas da avenida que lhes poupava uns bons dois quilómetros de prova. Mas, antes que as emoções se empolguem, explique-se às massas propensas à indignação que o evento em questão é tão popular que as inscrições para a corrida foram limitadas a um máximo de... 16.000. Os faltosos correspondem assim a 1,6% daquela referência. Por outro lado, as fraudes em maratonas acontecem frequentemente, já tive oportunidade de contar, aqui no Herdeiro de Aécio, uma delas, ainda mais famosa por ter ocorrido durante os Jogos Olímpicos de 1972.

Mas o interesse suplementar desta história é ela ter ocorrido na China, deixando no ar a sugestão de que existe por lá uma propensão antropológica para aldrabar as regras do jogo sempre que a oportunidade se oferece, em jeito de gigantesca metáfora do comportamento da China no que respeita ao cumprimento das regras estabelecidas pela OMC quanto ao comércio internacional. O comportamento desleal dos chineses no quadro daquela organização é uma acusação compartilhada por quase todos, senão mesmo todos os seus parceiros comerciais. Contudo, o consenso sobre o diagnóstico da culpa dos chineses desfez-se entretanto no que concerne à terapia, depois da tomada de posse da administração Trump e do estilo de discurso confrontacional do novo inquilino da Casa Branca.

Levando as palavras (sempre excessivas) de Trump à letra, era como, no caso acima, em vez de sancionar os 258 prevaricadores que fizeram batota com multas e suspensões desportivas (como deve vir a acontecer), viesse a ser anunciado que eles haviam sido condenados a pesadas penas de prisão, quiçá mesmo a penas capitais. É muito possível que as corridas passassem a ser completamente correctas, mas também é extremamente provável que a popularidade de participar em maratonas caísse a pique, pois ninguém quereria correr o risco de uma pena de prisão por um pecadilho.

O ACORDO DE FUSÃO ENTRE A EXXON E A MOBIL

30 de Novembro de 1998. Assinatura do acordo de fusão das duas grandes petrolíferas Exxon e Mobil, de que resultaria a constituição da maior empresa mundial do ramo, a ExxonMobil. Apesar do acto, que veio naturalmente noticiado em toda a comunicação social nos dias seguintes, o processo de fusão demorou um ano a realizar-se, enquanto os dois parceiros aguardavam as concordâncias dos protagonistas políticos dos seus dois mercados principais, a União Europeia e os Estados Unidos. A data oficial da maior fusão à época e da criação da maior empresa internacional de petróleos, é, assim, a de 30 de Novembro de 1999, precisamente um ano depois da assinatura deste acordo. Não deixava de haver uma certa ironia no facto de, aproximando-se o final do século XX, se assistisse à reversão de um conjunto de leis (nos Estados Unidos denominaram-se leis antitrust) que, no princípio daquele mesmo século XX, haviam tido por objectivo domesticar os monopólios, os oligopólios e os abusos de posição dominante. Aliás, as duas empresas que se fundiam em 1999, eram o resultado da divisão da Standard Oil (da família Rockfeller), quando aquele colosso petrolífero fora forçado pelos tribunais a cindir-se em 34 empresas distintas em 1911. Há vinte anos, essas outras preocupações antigas pareciam não só esquecidas como despropositadas, a crença nas virtudes intrínsecas auto-regeneradoras de os mercados - e com que volúpia se pronunciava esta última palavra! - atingiam um zénite de ingenuidade ignorante.

29 novembro 2018

O EQUÍVOCO DESVENDADO DE AUNG SAN SUU KYI

29 de Novembro de 2010. A capa da revista Time desse dia formula o voto que a libertação de Aung San Suu Kyi da prisão domiciliária a que fora submetida se tornasse em algo mais substantivo do que o seu estatuto de "ícone da democracia". Aung San Suu Kyi recebera, entre muitas outras distinções, o Prémio Nobel da Paz em 1991, pelo seu combate pelo estabelecimento de um regime democrático na sua Birmânia natal. Oito anos depois daquela capa e daqueles votos por onde já perpassava a dúvida, a resposta a eles parece inequívoca. Aung San Suu Kyi tem sido despojada consecutivamente de muitos dos galardões que recebera por tudo o que não tem feito para pôr cobro à perseguição de que têm sido vítima uma das minorias étnicas e religiosas do seu país, os rohingya. Uma primeira constatação de todo este episódio é quanto o mundo mediático pode ser propenso a criar mitos que não têm necessariamente a ver com a realidade. Pessoalmente, Nelson Mandela revelou-se um grande presidente da África do Sul, pessoalmente, Aung San Suu Kyi revelou-se uma nulidade política. E há uma segunda constatação: a de que Donald Trump parece ser tão estúpido e tão ignorante sobre estes temas que nem soube aproveitar-se desta asneira flagrante da diplomacia americana do tempo de Obama. Como se pode ler abaixo, deixou a oportunidade para o seu vice-presidente Mike Pence. Ou então, o gesto até pode ter sido deliberado, o que quererá dizer que Donald Trump não se quer ver pessoalmente associado a essas coisas piegas, como são sempre as causas humanitárias...

28 novembro 2018

A CONFERÊNCIA DE TEERÃO E A ESPADA DE STALINEGRADO

28 de Novembro de 1943. Início da Conferência de Teerão, a primeira vez em que se reuniam os três Grandes: Churchill, Staline e Roosevelt (a ordem não é a de grandeza, mas a da entrada de cada um dos respectivos países na Segunda Guerra Mundial). Por esta vez, não vamos cuidar da Estratégia mas antes de um acontecimento mais prosaico: a oferta de Jorge VI a Estaline de uma longa espada cerimonial e cravejada de joias, a que foi dado o nome de Espada de Stalinegrado, homenageando a conduta soviética nas operações que culminaram com a primeira grande derrota do III Reich naquele conflito. No meio das conversações lá se arranjou uma ocasião para que Churchill procedesse à entrega da espada. Mas deixemos a nossa preciosa testemunha Alan Brooke contar o que aconteceu: «(...)Ás três e meia da tarde fomos para a embaixada russa para assistir a Winston (Churchill) entregando a Espada de Stalinegrado a Staline. Meteu banda, guarda de honra, hinos nacionais, etc. Discurso de Winston após o qual ele procedeu, em nome do rei, à entrega da espada a Staline. Staline recebeu-a, beijou a espada e apressou-se a entregá-la a (Kliment) Voroshilov a seu lado, que imediatamente deixou a espada cair da bainha! Contudo, rapidamente lá a transferiram para as mãos do comandante da guarda de honra russa que se apressou a levá-la dali para fora, pondo-a em segurança.» Voroshilov não era apenas desajeitado, Alan Brooke considerava-o um incompetente, e a sua descrição da cena sublima essa opinião.

27 novembro 2018

ASSIM FALOU ZARATUSTRA


27 de Novembro de 1896. Estreia mundial em Francoforte da peça musical «Assim falou Zaratustra» de Richard Strauss (1864-1949), inspirada no livro homónimo de Friedrich Nietzsche. A composição original é muito mais extensa do que é costume ouvir, tem uma duração aproximada de meia hora. (Outro equívoco comum é o de pensar que o compositor Richard Strauss tem alguma ligação com a família Strauss de compositores vienenses) Mas, depois de 1968, os três minutos da abertura tornaram-se mundialmente famosos, e abafaram o conjunto, por terem servido de banda sonora às imagens iniciais do filme «2001 Odisseia no Espaço». Acima, escolhi um vídeo em que se mostra a execução da orquestra para que se veja que a surdina que precede a entrada dos metais é trabalhada pelas cordas. Hoje a abertura de «Assim falou Zaratustra» tornou-se um tema recorrente para ilustrar musicalmente imagens do espaço. Mas não significa só isso, também é uma sonoridade associável ao dealbar de uma nova era: uma versão reorquestrada em ritmo jazz/funk foi utilizada com esse fim nesta cena abaixo do filme «Being There» de 1979.

CORRIDA PARA A LUA

Um dos tópicos que há cinquenta anos concitava as maiores atenções da comunicação social era a corrida espacial até à Lua em que as duas superpotências se haviam engajado. E, quando não havia acontecimentos, especulava-se, um exercício possibilitado pelo secretismo como os soviéticos geriam o seu programa. Através da notícia acima de 27 de Novembro de 1968 no Diário de Lisboa, antecipava-se a possibilidade que os soviéticos efectuassem um lançamento de uma nave tripulada na direcção da Lua no próximo dia 8 de Dezembro. E a capa da edição daquele dia 8 de Dezembro da revista norte-americana Time era eloquente do interesse como a disputa era acompanhada. Afinal, não houve qualquer lançamento... Ao centro, uma recordação de museu de como esses tempos são agora evocados, com uma imagem recente dos dois gigantescos foguetões rivais com os fatos das suas tripulações por detrás. Ficou a excitação da corrida, embora há cinquenta anos ainda não se pudesse saber que os soviéticos, afinal, nunca chegariam à Lua.

26 novembro 2018

O REMATE COM O PÉ QUE ESTÁ MAIS À MÃO

Há mais de dezassete anos e meio o ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, demitia-se na sequência da derrocada da ponte de Entre-os-Rios. Para quem ainda se lembre do episodio, é quase impossível não o associar imageticamente com a recente derrocada da estrada que atravessava a zona das pedreiras em Borba (comparem-se as fotografias abaixo). Nos dois casos, assistiu-se a uma falência evidente das responsabilidades do Estado em assegurar a segurança das infraestruturas que os cidadãos utilizam. A opinião pública e publicada pedem (e pediam) culpados. Há dezassete anos, o grande momento mediático pós desastre foi a demissão do ministro Jorge Coelho que acima podemos ver a assumir «as responsabilidades políticas». As opiniões aplaudiram o gesto e, recuperando uma expressão portuguesíssima do hoje esquecido comentador desportivo Alves dos Santos, politicamente foi como se se tratasse de um remate com o pé que estava mais à mão. O que na altura não se sabia é que o político acabou sendo o único (auto-)sancionado: o julgamento concluiu-se em 2006 com a absolvição dos seis réus. Mais do que isso, os acontecimentos dos meses imediatamente seguintes à queda da ponte vieram dar robustez à impressão que Jorge Coelho procedera daquele modo mais como expediente político do que pelo imperativo ético evocado, abandonando um governo que se descobriu depois a colapsar por dentro, colapso esse que se viria a expressar escassos nove meses passados, a pretexto de umas eleições autárquicas mal sucedidas para o PS. É por tudo isso que aqui relembro que creio que se deve proceder com muita calma quanto a pedidos de demissão e outras exuberâncias mediáticas a respeito do que agora aconteceu em Borba, e guardar as indignações lá mais para diante, para evitar que tudo acabe - como, infelizmente, se tornou tradicional - em «águas de bacalhau». Mais do que as falhas da nossa idiossincrasia de sermos um país de porreiraços (é sempre chato condenar os culpados), há esta pecha de nem sequer preservarmos a memória para que se evite repetir as mesmas asneiras...

A COLÔMBIA ENTRA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

26 de Novembro de 1943. A Colômbia, sob a presidência de Alfonso López Pumarejo (1886-1959), declara guerra aos países do Eixo. A razão próxima invocada para o gesto (veja-se abaixo a notícia do Diário de Lisboa) foi o afundamento de mais um (o quarto) navio colombiano por um submarino alemão, o U-516, uma semana antes, a 18 de Novembro. O episódio fora de uma violência gratuita: o alvo fora um pequeníssimo veleiro de 39 toneladas baptizado Ruby que, além de 11 pessoas, levava como carga 21.600 cocos, 300 sacos de copra, 28 espingardas caçadeiras e 15 caixotes de garrafas vazias! O U-516 atacou o Ruby sem qualquer pré-aviso, atingindo-o com 30 tiros de canhão quanto este navegava no Mar do Caribe a 120 milhas náuticas a norte do porto de Colón, no Panamá. O pequeno veleiro demorou meia hora a afundar-se. Morreram 4 das 11 pessoas que nele viajavam, as restantes ficaram todas feridas pela metralha. A notícia só se soube no dia seguinte, quando os sobreviventes foram recolhidos por um navio hondurenho. A hostilidade colombiana acabou por não se reflectir de forma significativa no decorrer das operações militares, quer contra a Alemanha, quer contra o Japão.

25 novembro 2018

A ÚLTIMA RENDIÇÃO DA GRANDE GUERRA

25 de Novembro de 1918. Mbala é, ainda hoje, uma remota vila do nordeste da Zâmbia. Contava com 17.000 habitantes em 2000. Situada a 22 km da extremidade meridional do lago Tanganica, mas a 900 metros acima dele, e por isso colocada a uns salubres 1.670 metros de altitude, a povoação passara a ser a sede da administração colonial britânica naquela região desde 1893, quando fora rebatizada com o nome de Abercorn (Escócia). É por esse nome que a podem encontrar assinalada por uma circunferência alaranjada no mapa abaixo. Foi nesse sítio que há precisamente cem anos se desenrolaram as últimas cerimónias que punham fim à Primeira Guerra Mundial. A coluna alemã comandada pelo coronel von Lettow-Vorbeck (que já aqui baptizei de «a raposa da savana») depunha finalmente as armas depois de terem sido informados da assinatura do armistício que ocorrera duas semanas antes. As imagens que existem da ocasião solene foram pintadas por um artista local (acima), uma obra muito menos ingénua do que à primeira vista se possa pensar. Vencedores à direita, vencidos à esquerda, veja-se a diferença das árvores de cada lado ou o facto do primeiro ter comparecido de automóvel e o segundo montado a cavalo (na realidade, os britânicos enviaram uma viatura que transportasse comodamente o vencido). De uma certa forma, esta cerimónia perdida no meio de África é que põe fim à Grande Guerra. Só com a assinatura de von Lettow-Vorbeck é que deixará de haver alemães em armas por uma causa imperial, causa essa cujo imperador já há umas semanas perdera o poder...

24 novembro 2018

O ASSASSINATO DE LEE HARVEY OSWALD


24 de Novembro de 1963. Dois dias depois do assassinato do presidente John F. Kennedy, aquele que era considerado o mais provável suspeito, Lee Harvey Oswald, é assassinado por sua vez à frente das câmaras de televisão, em directo, diante de uma plêiade de jornalistas policiais. Uma das constatações dessa triste estreia televisiva de há 55 anos é que o directo televisivo é o que de mais pode haver em cima do acontecimento, mas não é por isso que é esclarecedor quanto ao que aconteceu e como aconteceu: as fotografias publicadas nos jornais do dia seguinte eram muito mais explícitas...

23 novembro 2018

PHILIPPE PÉTAIN, O HERÓI E O VILÃO

23 de Novembro de 1918. Há cem anos e recém terminada a Primeira Guerra Mundial, uma França vencedora e reconhecida, elevava Philippe Pétain à condição de Marechal de França. Precisamente vinte e cinco anos depois, a 23 de Novembro de 1943 (acima), essa mesma França, agora ocupada pelos alemães, assistia aos esforços das autoridades encabeçadas por esse mesmo Philippe Pétain para tornar aceitável um regime de colaboração em que os franceses eram a parte subordinada. O prestígio de Pétain era um elemento incontornável desse esforço. E cem anos depois (abaixo), Philippe Pétain continua a ser essa personagem histórica complicada, herói do primeiro dos grandes conflitos mundiais do século XX e vilão do outro. A História é feita por homens e escrita por outros homens, mas é evidente que, para a preservação da memória, tanto a Política quanto a Informação não precisam deles complexos...

22 novembro 2018

A CONFERÊNCIA DO CAIRO

22 de Novembro de 1943. Início da Conferência do Cairo, reunindo o presidente norte-americano (ao centro, sentado), o 1º ministro britânico (ao seu lado, de fato claro) e o generalíssimo Chiang Kai-shek pela China. Nas páginas do seu diário pessoal, o Chefe de Estado Maior Imperial, Alan Brooke (assinalado atrás de Churchill) confessava o frete inútil que representava toda aquela cimeira com os chineses, apenas uma semana antes da verdadeira cimeira que interessava, a que reuniria os dois líderes anglo-saxónicos com Estaline, em Teerão. «Toda a conferência começou a descarrilar com a chegada prematura de Chiang Kai-shek. Nunca deveríamos ter começado a conferência com Chiang; ao fazê-lo estamos a pôr a carroça à frente dos bois. Não nos traz nada que contribua para a derrota da Alemanha e, já agora e valha a verdade, também traz muito pouco que contribua para a derrota do Japão. Nunca descobri porque é que os americanos dedicam assim tanta atenção a Chiang. (...) O que devíamos estar a fazer era a acertar com os americanos uma conduta política e estratégia conjunta para a derrota da Alemanha. Com ela negociada, deveríamos apresentar uma frente negocial comum a Estaline. E à volta e se houver tempo, é que poderíamos reunir com Chiang e Madame*.»

* Com o pretexto de o servir de tradutora, Chiang levava a esposa às negociações, onde era sabido que ela fazia muito mais do que apenas traduzir.

A ESTREIA MUNDIAL DE BOLÉRO


22 de Novembro de 1928. No Palais Garnier de Paris estreava-se o bailado Boléro de Maurice Ravel. Consta que nessa soirée de há noventa anos, uma senhora do público terá comentado, em jeito de apreciação posterior, que o seu autor parecia maluco, tivesse esse comentário sido provocado pela coreografia ousada do bailado ou apenas pela simplicidade desconcertante da peça musical. Atribui-se a Ravel a resposta final, a de que a senhora compreendera a ideia... O episódio é provavelmente apócrifo, mas uma experiência recente ensinou-me que as frases oportunas proferidas nessas ocasiões não precisam necessariamente de ter sido proferidas...

21 novembro 2018

A MENINA PESCADINHA

21 de Novembro de 1968. A edição do Diário de Lisboa de há cinquenta anos publicava toda uma página de publicidade anunciando os horários de inverno dos carros-peixaria do SAPP (Serviço de Abastecimento de Peixe ao País) do almirante Tenreiro, a famosa Menina Pescadinha (mais abaixo).

HÁ QUEM LHES CHAMA LÓBIS, EU CÁ CHAMO-LHES SABUJOS E NÃO É UMA ACTIVIDADE RESPEITÁVEL...

Já é difícil discutir estas opiniões sobre aquilo que a minha avó podia ter sido se tivesse rodas, mas vê-las a ser proferidas por um sabujo e, sobretudo, a ser destacadas pelo Expresso é bastante pior...

20 novembro 2018

AS AMIZADES DE REDE SOCIAL CIRCUNSCREVEM-SE ÀS REDES SOCIAIS


Se os romances de Verão de outrora terminavam com a chegada do Outono, enterrados na areia da praia (acima), também agora não parece existir circunstância alguma - um óbito, por exemplo - que torne pertinente que as amizades de rede social se manifestem de outra forma que não a própria rede social onde elas são exibidas...

19 novembro 2018

QUEM É QUE DISSE QUE UM ELEFANTE NÃO SE PODE DIVERTIR SOZINHO?

A fotografia é de Anup Deodhar. A dar-lhe um título: a desbunda do elefante.

18 novembro 2018

A CHEGADA DA «INTELIGÊNCIA» AO PODER

18 de Novembro de 1993. Com o voto favorável de 234 membros (132 republicanos e 102 democratas) e a oposição de 200, a Câmara dos Representantes norte-americana aprova o NAFTA, o acordo de comércio livre entre o Canadá, os Estados Unidos e o México. Seguir-se-ia a aprovação do Senado (61-38 votos), até à sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1994. Durante mais de vinte anos o acordo esteve em vigor, durante as presidências de Clinton, Bush e Obama, sujeito a rectificações menores pelas partes, até à chegada ao poder de Donald Trump que o qualificou de «pior acordo de comércio firmado por qualquer país» (abaixo). Anunciou que o iria renegociar em benefício do seu país e, para melhorar a sua posição negocial, Trump fomentou uma espécie de crise. O resultado foi um novo tratado que o actual presidente americano se apressou a descrever como «maravilhoso». No concreto, a atitude mais prudente é a de aguardar pelo real impacto das alterações introduzidas, tendo presente que, no outro prato da balança, repousa um esfriamento glacial nas relações pessoais entre dirigentes: o canadiano Justin Trudeau foi ostensivamente vexatório para Donald Trump quando teve oportunidade. Trump parece crer que terá valido a pena trocar as vantagens comerciais que considera ter adquirido pela hostilidade canadiana, assim como a demonstração implícita de que os membros do Congresso de há vinte e cinco anos estavam errados, assim como o estiveram nesses vinte e cinco anos os seus três antecessores. No quotidiano, há aqueles clientes que, perante uma fila de espera de caixas de supermercado que se apresenta flagrantemente mais curta do que todas as outras, avança com o seu carrinho, sorridente e confiante, para essa fila, como se o resto da clientela do supermercado fosse estúpida e adorasse fazer filas e perder tempo. 99% das vezes a fila mais curta esconde um segredo que desqualifica o imbecil de a utilizar e que o faz voltar para trás, de orelha murcha e perante o sorriso vingativo de quem está nas filas adjacentes. O palerma, afinal, é só um. Agora há um espécimen desses na Casa Branca...

17 novembro 2018

OBRIGADO. ESTOU A DEIXAR...

Como se sugere pela estatuária, o tabagismo pode ser um problema que se vem arrastando desde os finais da Antiguidade...

16 novembro 2018

O CREPÚSCULO DO COMUNISMO

16 de Novembro de 1988. Só hoje se consegue perceber o quanto a edição do Diário de Lisboa daquele dia continha, disseminada pelas páginas interiores, a sugestão de que se vivia um crepúsculo do comunismo, como ele fora concebido internacionalmente nos últimos setenta anos e vivido em Portugal nos últimos catorze. Na segunda página, sobre a política doméstica, o jornal obrigara-se a publicitar a publicação da obra em que se explicava aquela que se tornara na mais famosa dissidente comunista portuguesa até então: Zita Seabra. Nas páginas centrais, dedicadas aos assuntos internacionais, o panorama era desolador para as hostes comunistas: discutia-se o calendário para a retirada cubana de Angola; o governo pró-soviético do Afeganistão pedia uma reunião urgente do conselho de segurança da ONU (ninguém consultara a ONU aquando da invasão soviética, pois não?...); mas a notícia mais sacrílega era o anúncio que o parlamento da (República Socialista Soviética da) Estónia «ia analisar uma "declaração de soberania" face à União Soviética», sinal que a estrutura da própria União Soviética começara a ranger.

15 novembro 2018

SOBRE A IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE UM HERDEIRO REAL NUM PAÍS ESTRANGEIRO

15 de Novembro de 1948. O Diário de Lisboa dedicava nas suas três principais páginas (primeira, segunda e última) extensos espaços dedicados à exploração da notícia do nascimento do primeiro neto do rei de Inglaterra, o actual príncipe de Gales, Carlos. Realce-se que as três páginas exibidas abaixo representam 25% da edição de 12 páginas daquele dia do vespertino lisboeta. Hoje parece-nos um absurdo a existência de tais desenvolvimentos noticiosos que não numa publicação especializada. Tudo aquilo que é pueril degrada-se ao gosto das modas. Daqui por muitos anos hão de chegar os dias em que as pessoas se perguntarão porque é que as televisões dispensavam mais de meia hora do seu tempo de emissão a escutar treinadores e jogadores de futebol a dissertar sobre as suas antevisões a respeito de um jogo de futebol que ainda nem sequer se disputara e que iria durar apenas hora e meia...

14 novembro 2018

JÁ VAI SENDO TEMPO...

Depois de três exercícios consecutivos obtendo resultados práticos, já vai sendo tempo de apurarmos a nossa exigência quanto aos métodos como se obtêm os resultados. Sobre estes, já está adquirido que Centeno conseguiu o que Gaspar e Albuquerque não conseguiram. Mas isso, tendo sido o falhanço colossal do governo de Passos Coelho, também não é, em si, um objectivo por si só, é apenas uma fase no percurso da aquisição de cada vez maior transparência nas nossa contas públicas. E é nesse aspecto estrito, mas agora cada vez mais importante, que se constata que as queixas são várias, sóbrias e substantivas (acima), enquanto a atitude de António Costa, dando marteladas à realidade (abaixo), daquele mesmo género de marteladas que conhecíamos de outras encarnações, a atitude de Costa, escrevíamos, não é de molde a transmitir-nos a confiança necessária sobre aquilo que custa o que Centeno anda a fazer.

O DIA EM QUE TORPEDEARAM (ACIDENTALMENTE!) O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS

14 de Novembro de 1943. Nesse dia de há 75 anos o grande couraçado USS Iowa (46.000 toneladas) navegava em pleno oceano Atlântico, a umas 50 milhas a Oriente das Bermudas, transportando um conjunto de passageiros muito especiais: o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt e o conjunto dos seus conselheiros políticos e militares mais próximos: o secretário de Estado Cordell Hull e o conselheiro pessoal Harry Hopkins, os generais Marshall e "Hap" Arnold, os almirantes Leahy e King. Depois de uma primeira viagem ao outro lado do Atlântico que fora feita em avião, para a conferência de Casablanca de Janeiro de 1943, desta vez, para se encontrar no Cairo com Churchill e Chiang Kai-shek e depois em Teerão com Churchill e Estaline, o presidente Roosevelt preferira viajar de uma forma mais relaxada, aproveitar nove dias de viagem até ao Mediterrâneo para descansar. O preço a pagar eram nove dias em que era preciso gerir o seu desaparecimento (e o dos seus colaboradores próximos) de Washington. O USS Iowa navegava sob um silêncio rádio absoluto. Mas, à tarde, e também para entretenimento dos convidados ilustres, o USS Iowa e os navios que o escoltavam iniciaram um conjunto de exercícios em alto mar.
Começou-se pela demonstração da precisão das anti-aéreas, derrubando balões previamente largados. Lá furaram os balões. Depois o exercício passou para os torpedos e aí é que as coisas se vieram a revelar memoráveis. Um dos navios da escolta, o destroyer USS William D. Porter (2.050 toneladas), largou involuntariamente um torpedo real dirigido ao USS Iowa que, naquele dia, transportava toda a elite político-militar norte-americana... Seguiram-se alguns minutos bastante tensos. Os do USS William D. Porter tiveram que romper o silêncio rádio para que o USS Iowa se apercebesse o que lhes haviam enviado e adoptasse manobras evasivas para evitar o torpedo, muito embora os relatos digam que o presidente, ao ser informado da situação, ganhou um interesse acrescido nas manobras e pediu até a um dos membros dos serviços secretos que o empurrasse na sua cadeira de rodas até às amuradas, para ver directamente o torpedo que poderia atingir o navio onde viajava! Felizmente para a história dos Estados Unidos, as manobras evasivas foram suficientes e o torpedo acabou por detonar a uma distância segura, à popa do USS Iowa.
Todo o calafrio durara uns meros quatro minutos - os diários de bordo registam o incidente entre as 14:36 e as 14:40 locais. Ironicamente, e por causa do secretismo de que a viagem se revestia, a tripulação do USS William D. Porter ignorava que "fizera pontaria" para um navio onde viajava o presidente dos Estados Unidos! Uma história, que bem pode ser apócrifa, atribui ao general Arnold uma pergunta irónica dirigida ao almirante King logo após o fim do incidente, quando este último estava naturalmente furioso com tudo o que acontecera: «Isto convosco, na Marinha, é sempre assim tão animado?...» Mas, as ironias não se ficaram apenas pela rivalidade tradicional entre soldados e marinheiros, porque, no próprio ramo e depois de se saber do incidente, o USS William D. Porter passou a ser saudado pelos outros navios da frota com o cumprimento brincalhão: «Não disparem! Somos republicanos!*» A piada não perdurou porque o USS William D. Porter acabou por ser afundado por um kamikaze em 10 de Junho de 1945. Mas interessa constatar que, embora fosse conhecido pelos do meio, o incidente de há 75 anos, o momento em que estiveram para afundar o navio onde viajava o presidente dos Estados Unidos, só veio a ser oficialmente assumido pela US Navy em 1970.
* O presidente Roosevelt fora eleito pelo partido democrático. 

13 novembro 2018

A OCUPAÇÃO DE CONSTANTINOPLA

13 de Novembro de 1918. Desembarque dos primeiros contingentes aliados em Constantinopla, a capital do Império otomano. Os britânicos estão em franca maioria (2.616 efectivos - acima), mas franceses (540 - abaixo) e italianos (470 - mais abaixo) também se quiseram mostrar presentes. As tropas de ocupação chegarão a ser 50.000. Há cem anos, o momento não podia deixar de despertar evocações simbólicas - uma espécie de desforra - referente à data de 29 de Maio de 1453, 465 anos antes, dia em que a cidade fora conquistada pelos otomanos aos bizantinos.
Mas essa era apenas parte da História, e a parte da História que convinha evocar para aquela ocasião. Porque em 13 de Abril de 1204, a 714 anos de distância, portanto, já a mesma Constantinopla fora conquistada por um exército de cruzados vindo da Europa ocidental, um exército cuja composição - descontando os alemães, desta vez ausentes - muito se assemelhava à dos contingentes que há cem anos se exibiam, desfilando, perante os habitantes da milenar cidade imperial. A rematar, registe-se a discriminação: nem Berlim, nem Viena ou Budapeste virão a ser ocupadas...

12 novembro 2018

A GREVE GERAL NA SUÍÇA E A «SEMANA VERMELHA» NA HOLANDA

12 de Novembro de 1918. Na Suíça, um comité revolucionário convoca uma greve geral. A questão peculiar neste evocação não é a greve geral. É o facto de a greve ter ocorrido na Suíça e logo no dia seguinte à assinatura do armistício que pusera fim à Grande Guerra. A Suíça fora um país que permanecera neutral, não existia a comoção da derrota que costuma servir de explicação histórica aos movimentos revolucionários que eclodiram simultaneamente por toda a Alemanha. E contudo, a sua classe operária, especialmente nos cantões alemães reagiu desta forma, abstraindo-se das notícias da conclusão do conflito. Cerca de 250.000 trabalhadores aderiram à paralisação, um dos sectores mais afectados foi o ferroviário, um sector crucial naquelas circunstâncias em que a agilidade dos abastecimentos alimentares era uma pedra-de-toque da disposição das opiniões públicas. Mas note-se também, e porque a Suíça se mantivera afastada dos combates, que os militares não haviam sofrido o desgaste que ocorrera entre os beligerantes. As imagens oficiais dos acontecimentos transmitem-nos uma imagem de força, com 100.000 soldados nas ruas e nos pontos nevrálgicos (acima e abaixo). O desfecho acabou por ser favorável às autoridades federais. A greve durou 48 horas. Depois dela, mais de 3.500 grevistas foram presentes a tribunal militar, uma apreciável percentagem deles empregados dos caminhos de ferro, embora menos de 5% (147) fossem condenados.
Nesse mesmo dia 12 de Novembro e noutro país que também permanecera neutral, os Países Baixos (Holanda), o primeiro-ministro Ruijs de Beerenbrouck (abaixo, à direita) tentava amenizar o ambiente tenso que o país atravessava, com o anúncio do aumento da quantidade da ração de pão de 200 para 280 gramas/dia. Na Holanda vivia-se então a Semana Vermelha (De Roode Week no original - 9 a 14 de Novembro de 1918), uma tentativa dos socialistas locais (22% do parlamento), dirigidos por Pieter Jelles Troelstra (abaixo, à esquerda), para desencadearem uma acção insurrecional, ao bom jeito do que acontecera no ano anterior na Rússia. Também na Holanda, um exército que não sofrera o desgaste dos combates foi utilizado para enfrentar os revolucionários que, afinal, eram bem menos do que se pensara dos dois lados. Num daqueles combates pela memória como os acontecimentos vêm a ser evocados no futuro, a Semana Vermelha foi rebaptizada de Erro de Troelstra (Vergissing van Troelstra), como se tudo não tivesse passado de um erro de avaliação do líder socialista holandês, o que as evidências sugerem não ter sido bem o caso... Estes dois casos, que vemos muito raramente referidos, ambos ocorridos em países que haviam permanecido neutrais, mostram claramente que o ambiente social tenso que se vivia na Europa no Outono de 1918 transbordava dos países beligerantes para o resto do continente.

11 novembro 2018

COMO ELE HÁ COISAS QUE, APESAR DE TAPADAS, DEIXAM UMA SOMBRA ESCLARECEDORA NA AREIA...

As duas notícias vêm no Público de hoje, que isto dos casos de corrupção que se arrastam sem fim à vista não é apenas o de José Sócrates. Vem a propósito recordar que Luís Filipe Menezes foi o presidente da câmara de Vila Nova de Gaia - terceiro maior concelho do país - durante dezasseis anos (1997-2013), autarquia que se veio a descobrir à beira da falência quando ele abandonou o cargo. Luís Filipe Menezes é que não parece falido... E é apenas uma coincidência que o fotografado apareça a pôr os dedos em V como se fosse um aplicado militante social democrata.

O DESFILE DE OYONNAX

11 de Novembro de 1943. Na vila francesa de Oyonnax, no Leste do país, junto à fronteira suíça, tem lugar um desfile e uma cerimónia evocativa dos 25 anos do Armistício. É um gesto único em toda a França ocupada, já que tanto as autoridades alemãs (previsivelmente) como as de Vichy (menos...) haviam proibido qualquer comemoração. Mas o responsável local da Resistência, o capitão Henri Romans-Petit anteviu no vazio simbólico legado pelas autoridades oficiais e nas condições únicas dos resistentes clandestinos na cordilheira do Jura, para os fazer descer à vila e, aproveitando-se de várias cumplicidades, organizar uma cerimónia que, apesar de arriscada, só poderia conferir prestígio aos seus promotores. Uma força inicialmente estimada em uma centena de resistentes armados (o número de participantes aumentou substancialmente depois da libertação...) desfilou pelas ruas da vila indo...
...depois depor uma coroa de flores em forma de cruz da Lorena no Monumento aos Mortos da Grande Guerra. Na coroa de flores, uma tarja onde se lia: «Os vencedores de amanhã aos de 14/18». Mas, mais importante que a realização do desfile foi a publicitação de que ele existira, para mais quando em contraste com o comportamento envergonhado das autoridades de Vichy a respeito da data. Daí a existência da reportagem fotográfica de onde se reproduzem estas duas fotografias, embora o gesto fosse pouco recomendável, por causa da eventual identificação dos participantes pela Milícia e pela Gestapo. Depois da libertação, o desfile passou a ser também comemorado, como uma comemoração em cima de outra comemoração (a do Armistício). No vídeo abaixo vêem-se as imagens do seu 40º aniversário (1983) com a presença do (então) presidente François Mitterrand.

10 novembro 2018

...NOVE MESES DE CURA

Shopping on line pode ser um exercício tremendo, quando nos deparamos com um casaco que imaginaríamos mais facilmente a aparecer no expositor da charcutaria de um supermercado do que num pronto-a-vestir. Ao lado dos enchidos. Etiquetado nove meses de cura. E em vez de ser pata negra é cabeça oca, em homenagem aos criadores de tal design.

TRUMP REGRESSA À EUROPA E MACRON TENTA GANHAR QUALQUER COISA COM ISSO

Como se pode comprovar pelas declarações mais acima de Emmanuel Macron, proferidas com toda a publicidade possível já há dois meses e meio, aquilo que no Eliseu se pensa sobre a segurança e defesa europeias dificilmente poderia ter surpreendido o departamento de Estado norte-americano, quando esta semana apareceu reforçado numa entrevista concedida pelo presidente francês a uma rádio. Mas, aquilo que no departamento de Estado (e nas outras instituições do aparelho de Estado dos Estados Unidos) se possa e deva saber, parece ter deixado de importar depois da chegada de Donald Trump à Casa Branca. Para ultrapassar a ignorância do titular, entre o circulo que rodeia o presidente instalaram-se procedimentos para tentar lidar com esse handicap. Os parceiros dos Estados Unidos, depois da surpresa inicial, também se adaptaram à nova situação: tornou-se conhecidíssimo o episódio em que Jean-Claude Juncker foi para uma negociação comercial acompanhado de quadros explicativos adaptados à compreensão de uma criança do ciclo primário. Mas é precisamente porque já todos se terão adaptado a Trump, que se torna difícil de decidir o que estará por detrás deste último episódio que o irritou a ponto de criticar o anfitrião antes de uma visita oficial (notícia acima). Terá sido uma gaffe diplomática de Macron? Terá sido uma ponta que foi deixada deliberadamente solta pela diplomacia francesa para que Trump, previsivelmente, investisse? A verdade é que o enfâse que eu tenho ouvido aos enviados especiais a Paris, na distinção entre o acolhimento dado por Macron a Theresa May e aquele que vai ser propiciado a Donald Trump, estão muito para além das capacidades do enviado especial típico e indiciam-me que alguém os está a municiar sobre o recado que se quer transmitir aos espectadores. A verdade é que, como Emmanuel Macron já terá descoberto, Donald Trump poderá ter todos aqueles defeitos, mas tem-se revelado dificilmente manipulável - os quadros infantis de Juncker não o impressionaram. E sendo assim, se não conseguir mais nada, talvez o que reste a Macron seja capitalizar simpatias à custa das antipatias que Trump adquiriu por esse Mundo fora...

O KAISER REFUGIA-SE NA HOLANDA

10 de Novembro de 1918. Às 06H00 da manhãzinha de há cem anos Guilherme II, Imperador da Alemanha e Rei da Prússia, apresentava-se na estação de comboios de Eisden (Limburgo), na fronteira da Bélgica com a Holanda. Até aí, nas últimas semanas, aquele que era designado correntemente por o Kaiser, estivera instalado em Spa, cidade do Leste da Bélgica onde se instalara o OHL, o Grande Quartel General dos exércitos alemães. Fora aí que, no dia anterior, recebera a novidade, veiculada pelos jornais berlinenses, que ele próprio havia abdicado... (veja-se abaixo*) A situação de Guilherme tornara-se periclitante: perdera o apoio político na capital, prosseguiam as negociações para a rendição da Alemanha (onde não seria de excluir que, entre as cláusulas, se exigisse a sua extradição) e a progressão dos exércitos aliados mantinha-se inexorável, o que, caso os combates prosseguissem, lhe daria apenas um punhado de semanas até que eles alcançassem Spa. Entre a sua comitiva concluiu-se que a melhor solução naquelas circunstâncias seria refugiar-se num país neutral. E o país neutral mais próximo era mesmo a Holanda. E é assim que vamos encontrar numa fria manhã de Outono o outrora todo poderoso Imperador a conter a sua impaciência calcorreando o cais de uma obscura estação ferroviária, enquanto as autoridades holandesas da cidade mais próxima (Maastricht) entravam em contacto com o governo holandês em Haia. Ainda nesse dia, a autorização para que o Kaiser se refugiasse na Holanda acabou por ser concedida. Cortesias entre cabeças coroadas, a rainha Guilhermina dos Países Baixos emprestou-lhe o castelo de Amerongen para se instalar, castelo onde, passadas algumas semanas, a 28 de Novembro de 1918, Guilherme acabou por anunciar o acto da sua abdicação, desta vez num documento redigido pelo seu punho...
* para os menos habilitados a decifrar as letras em estilo gótico, no cabeçalho pode ler-se Abdankung des Kaisers - traduzido: abdicação do imperador

09 novembro 2018

O FALSO «LE SOIR»

9 de Novembro de 1943. Nesse dia aparecia nas bancas da Bélgica ocupada este Le Soir misterioso, que se descobria ser uma versão pirata do vespertino colaboracionista normalmente publicado em Bruxelas com o mesmo nome. Se o jornal oficial tinha uma tiragem que rondava os 300.000 exemplares (era o jornal de referência da Bélgica francófona), os promotores da iniciativa arriscaram há 75 anos distribuir uma edição sua de 5.000 para ser posta à venda em Bruxelas, usando a mesma rotina e os mesmos canais de distribuição do Le Soir colaboracionista. Claro que os leitores rapidamente se apercebiam de que algo estava errado. Sem ser óbvia, a redacção dos artigos diferia substancialmente daquilo que eles sabiam que podia ser publicado sob a censura militar alemã. No artigo acima do lado direito, e apenas para dar um par de exemplos, depois do título que qualificava a Estratégia de eficaz, como todos os títulos laudatórios de primeira página, o subtítulo fazia Berlim admitir que a situação era muito séria, algo que a propaganda alemã nunca admitiria e que um jornal censurado como o Le Soir nunca poderia publicar. Quanto à fotografia que aparece do lado esquerdo é a de um bombardeiro B-17 norte-americano... Tratou-se de uma corajosa e imaginativa operação de propaganda e desinformação produzida pela resistência belga. Depois de se saber da sua existência, nos dias seguintes outros 45.000 exemplares do falso Le Soir foram vendidos clandestinamente em toda a Bélgica e no norte de França. Aquilo que, noutras circunstâncias, podia ter sido levado à conta de uma engenhosa partida de carnaval, não foi assim interpretado pelas autoridades alemãs, que não tinham qualquer sentido de humor.

A DESTRUIÇÃO DA PONTE DE MOSTAR


9 de Novembro de 1993. A ponte velha («stari most» em servo-croata), que ligava as duas partes da cidade herzegovina de Mostar e que fora construída no século XVI, é destruída pelo fogo da artilharia croata. O episódio, militarmente menor e que não ocasionou, felizmente, danos pessoais, vai contudo perdurar simbolicamente como um dos momentos emblemáticos da guerra civil que destroçou a Jugoslávia. A destruição da ponte tinha lugar quatro anos precisos após a queda do Muro de Berlim e parecia ser a demonstração que a criação de uma nova ordem internacional depois do desaparecimento dos dois blocos europeus não iria ser tão idílica quanto originalmente parecera. A ponte foi reconstruída em 2004.

08 novembro 2018

A ENCOMENDA PARA O PRISIONEIRO

As Grandes Guerras são somatórios de muitos pequenos momentos. O momento que é documentado por este discreto recibo de há precisamente 75 anos, foi a ida a uma estação de correios ou, mais provavelmente, a uma estação de comboios, para o envio de uma muita aguardada encomenda (são todas...) para um prisioneiro francês que continuava detido na Alemanha ao fim de mais de três anos de cativeiro. Sabe-se o seu nome - Maxime Lejars - e sabe-se o número que lhe haviam atribuído - 58.465 - embora não se consiga descobrir qual a localização do campo. Não se consegue saber quem tenha sido o expedidor (a esposa? os pais? outros familiares?) embora o local de origem - Faverney, uma aldeia do Leste de França então com uns 1.300 habitantes - e o estilo escolar da caligrafia levem a indiciar que se trataria de alguém de condição modesta. Nada consegui descobrir mais deles.

07 novembro 2018

AS ELEIÇÕES NA POLÓNIA

7 de Novembro de 1938. Noticiava-se as eleições polacas do dia anterior: «A proporção de votantes foi cerca de 60% (...) ¾ dos candidatos pertenciam à União Nacional e a oposição não teve praticamente nenhum candidato (...) Os círculos governamentais declararam-se satisfeitos com os resultados (...) O resultado das eleições (...) não determinará nenhuma mudança notável no curso da política interna da Polónia.» Como se percebe, recordando um poste que aqui publicámos há poucos dias, a Polónia de há oitenta anos estava, como acontecia com Portugal, muito longe de ser um regime democrático. Isso em si não pode ser invocado para atenuar o repúdio pela agressão alemã que viria a ter lugar dali por menos de um ano, mas reconheça-se que perturba fortemente a reputação do país como vítima, para mais quando se esclarece que a dita União Nacional (curioso nome, não?) adoptara um conjunto de teses sobre a questão judia que se inspiravam nas famosas Leis de Nuremberga dos seus vizinhos alemães. A Polónia de 1939 deve ser vista mais como uma vítima das ambições implacáveis de Adolf Hitler e da sua localização geográfica, do que propriamente objecto da hostilidade ideológica da Alemanha nazi, como acontecia com os vários países verdadeiramente democráticos da Europa Ocidental, que se engajaram na Segunda Guerra alegando defendê-la - à Polónia, à democracia, mas sobretudo aos equilíbrios europeus. E se a natureza dos regimes desses países atacados à época pela Alemanha, pela Itália (Grécia) e pela União Soviética (países bálticos) é recorrente e convenientemente esquecida, isso acontece não apenas por questões de propaganda circunstancial. A verdade é que, ao contrário de um certo discurso que insiste em perpetuar-se, as ditaduras atacaram-se umas às outras porque elas nunca foram internacionalistas e coordenadas como os comunistas o foram. Muitos dos países da Europa de Leste tiveram este passado durante o período de entre guerras (1919-1939)... e prolongaram-no depois em ditaduras comunistas (1945-1989) pelos quarenta anos que se seguiram. Surpreendermo-nos actualmente com a natureza das democracias numa Polónia ou numa Hungria será uma constatação desagradável, mas apenas surpreendente para quem desconheça as histórias do século XX daqueles países do Leste Europeu.

«A GALINHA NÃO VOA...»

7 de Novembro de 1988. A comunicação social de há trinta anos aparecia dominada pela notícia da demissão de Vítor Constâncio do cargo de secretário-geral do PS. Uma demissão exuberante, batendo com a porta, acusando Mário Soares, então inquilino de Belém, de promover uma intriga continuada dentro dos órgãos daquele que continuaria a considerar o seu partido. As duas primeiras páginas do Diário de Lisboa de há trinta anos apareciam dominadas pelos acontecimentos políticos domésticos, remetendo as eleições presidenciais americanas para a margem. Na capa, o desmentido (esperado) de Belém comprovava um conhecido adágio da informação política: nenhuma intrigalhada do género é para ser levada devidamente a sério antes de aparecer desmentida - o desmentido é a prova da sua existência. Os acontecimentos posteriores, as memórias de Soares, demonstram que Constâncio tinha razões de queixa, Soares considerava-o um incapaz. Numa das histórias que o tempo foi soltando, foi atribuída a Soares a comparação de Constâncio a uma galinha, incapaz (politicamente) de grandes voos...

06 novembro 2018

AS ELEIÇÕES INTERCALARES NOS ESTADOS UNIDOS VÃO REVELAR O QUE PREDOMINA ENTRE OS NORTE-AMERICANOS: A ADORAÇÃO OU O ÓDIO POR TRUMP

Allan Lichtman foi o guru que se consagrou nas últimas eleições presidenciais, ao antecipar a vitória de Donald Trump contra toda a opinião publicada. Idolatrado na circunstância pelos apoiantes de Trump, foi rapidamente renegado por esses mesmos quando, meses depois, publicou um livro argumentando em prol do seu "impeachment". Até ver, e porque me parece ser amigo da Verdade, é o género de pessoa que me agrada. Eis a sua opinião (uma tradução de um artigo publicado ontem no The Guardian) a respeito das eleições que hoje decorrem nos Estados Unidos. Não se compromete quanto ao desfecho, mas não esconde para onde pendem as suas simpatias.
Donald Trump teve razão quando disse que as eleições intercalares nos Estados Unidos serão sobre a sua pessoa. As eleições intercalares são sempre, até certo ponto, um referendo ao ocupante da Casa Branca e Trump é o presidente mais controverso da história moderna dos Estados Unidos. Ele inspira tanto seguidores fervorosos como uma oposição de igual modo desapiedada. Os resultados destas eleições intercalares dependerão do que impulsionará maior participação – o amor ou o ódio a Donald Trump.
Para os seus partidários, Trump é um verdadeiro populista que derrubou um sistema político corrupto que protegia os seus próprios interesses às custas dos americanos comuns. Criou uma economia em expansão, cortou nos impostos, livrou as empresas de regulamentos sufocantes e renegociou favoravelmente o NAFTA. Protegeu a nação dos terroristas islâmicos e a cultura americana tradicional da corrupção de influências estrangeiras. Expôs os preconceitos dos grandes orgãos da média e apoiou a liberdade religiosa para os cristãos. Nomeou ainda conservadores confiáveis ​​para o Supremo Tribunal e opôs-se à indústria de abortos que matam os bebés.
Para os seus detractores, Trump é um populista falso cujas políticas beneficiaram os ricos e impuseram uma carga esmagadora de dívidas ao povo americano. Repelindo os regulamentos ambientais e retirando-se do acordo climático de Paris, ele expôs os americanos aos estragos das mudanças climáticas catastróficas. Além disso, diminuiu a posição internacional dos EUA e, em vez de defender a democracia e os direitos humanos, cultivou alguns dos ditadores mais brutais do mundo. Trump tem mentido repetidamente ao povo americano, humilhou mulheres e minorias, minou a imprensa livre, tolerou a violência contra os seus inimigos e atacou migrantes e refugiados como se fossem assassinos e violadores. Para os seus críticos mais acérrimos, Trump tanto destruiu o civismo que criou um ambiente tóxico que contribuiu para o massacre de congregantes numa sinagoga por Robert Bowers e para o envio de bombas por Cesar Sayoc para a CNN e para os seus críticos mais proeminentes.
Dois terços dos entrevistados de uma pesquisa NPR / PBS NewsHour / Marist, que foi realizada no final de Outubro, responderam que Trump será um factor em seu voto nestas eleições: 23% disseram que ele será um factor menor e 44% disseram que ele será um factor importante. Para comparação, uma pesquisa semelhante realizada antes das eleições intercalares de 2014 revelara que o então presidente Barack Obama seria um factor menor ou importante na votação de apenas 47% dos entrevistados. “Esta é definitivamente uma eleição nacional”, disse Lee Miringoff, diretor do Instituto Marista de Opinião Pública. "Como um referendo a Trump."
O número de eleitores é tipicamente baixo nestas eleições a meio do mandato presidencial, ficando-se tradicionalmente bem abaixo da participação em eleições parlamentares noutras democracias avançadas. Apenas cerca de 38% dos cidadãos dos EUA votaram nas eleições de 2014, o que representa cerca de 140 milhões de abstenções.
Mas Trump irá inspirar provavelmente uma maior afluência às urnas este ano. Ele "atraiu lealdades e antagonismos apaixonados, e o ódio e o amor tendem a levar as pessoas às urnas", disse Henry Olsen, membro sénior do Grupo de Estudos para Eleitores do Fundo Democracia. "Provavelmente, veremos uma participação eleitoral muito maior do que o normal para eleições intercalares"
Ao contrário das duas últimas eleições a meio dos mandatos, as sondagens indicam que este ano os democratas igualaram ou superiorizaram-se aos republicanos no entusiasmo entre os eleitores. Uma pesquisa da Gallup, realizada de meados a fins de Outubro, concluiu que “os democratas igualam ou superam os republicanos nos indicadores de participação”. Os republicanos reagiram com esforços para a supressão do número de eleitores. Os republicanos sabem que a sua base de cristãos brancos idosos é a parcela do eleitorado que mais rapidamente se desgasta. Não se podem “fabricar” mais desses eleitores, mas pode-se restringir a afluência da crescente base democrata de minorias e jovens através de expurgos dos registros eleitorais, leis rigorosas de identidade, leis que exijam uma correspondência exacta entre dados e que, aproveitando-se disso, suspendam o registro dos eleitores ao menor pretexto de desconformidade.
No estado da Geórgia, baseando-se numa lei de correspondência exacta aprovada pelo legislativo estadual (republicano) em 2017, Brian Kemp, o secretário de Estado republicano que também concorre a governador, suspendeu 53 mil inscrições de eleitores. “Por acaso”, as minorias constituíam cerca de 80% dos registros suspensos. No Dakota do Norte, depois da democrata Heidi Heitkamp ter sido eleita para o senado por uma margem de 3.000 votos em 2012, a legislatura republicana exigiu a prova de um número de rua [por cá denominar-se-ia número de polícia] como pré-requisito para se ser eleitor. A lei afecta descaradamente a base democrata de eleitores nativos norte-americanos, que muitas vezes vivem em estradas sem designação e que dependem de caixas postais para entrega da correspondência.
Ainda assim, todas estas restrições ao voto podem voltar-se contra os republicanos, motivando os eleitores da oposição. No Dakota do Norte, Mark Trahant, o editor do Indian Country Today, disse que no passado “a votação nativa pode não diminuir necessariamente… com activistas trabalhando horas extras para ajudar os eleitores a obter endereços válidos, ela [a senadora Heitkamp] poderá conseguir uma afluência dos eleitores nativos americanos com que nunca conseguido contar de outra forma”.
Na Geórgia, a opositora democrata de Kemp, Stacey Abrams, uma mulher afro-americana, pediu aos partidários para acorrer às urnas, combatendo a "supressão (administrativa) dos eleitores". Numa gravação de áudio tornada pública, Kemp advertiu confidencialmente os membros do seu staff sobre "as dezenas de milhões de dólares que eles" – os seus oponentes - "estão colocando para promover os esforços de voto entre as suas bases tradicionais". Kemp estava especialmente preocupado com o voto por correspondência, e o que aconteceria “se todo mundo o usasse e exercesse seu direito de voto, o que é absolutamente possível, se ele for enviado pelo correio ”.