31 outubro 2006

O SOUNDBITE DO CANDIDATO A PAMPLINAS

Uma das figuras mais famosas das comédias da época do cinema mudo (anos 20) ficou conhecida por Buster Keaton. Como, naquela altura, os nossos ouvidos ainda não estavam habituados aos anglicismos (ao contrário dos galicismos, que nessa mesma altura eram às dezenas…), o actor norte-americano recebeu um outro nome, criado para ser mais simpático para os ouvidos lusitanos: pamplinas.

Havia duas características que tornavam populares os filmes do pamplinas: as suas quedas aparatosas – numa época em que, não havendo ainda duplos, eram os próprios actores a protagonizar os tombos que desencadeavam as gargalhadas da assistência – e, sobretudo a sua imagem de marca, o facto de pamplinas se apresentar sempre com uma cara tristonha, lúgubre até, em contraste com a comicidade das situações em que estava envolvido.

E deverá ser por ausência de riso que sempre que José Pacheco Pereira se arroja a querer ter humor me lembro sempre do pamplinas. O seu último momento humorístico tem andado à volta de uma repetição inusitada da expressão Momento-Chávez para descrever quer a oportunidade delas, quer as próprias encenações em si, que acompanham José Sócrates cada vez que pretende ter uma coisa interessante para dizer ao país.

Começo por dizer que, aparte a expressão que escolheu e a oportunidade com que a escolheu, reconheço que José Pacheco Pereira tem toda a razão. Fica-lhe é um pouco mal em argúcia o facto de só agora ter descoberto a importância da forma como os políticos exercendo funções governativas, ou que a elas aspiram, parecem viver em mundos acolchoados das questões pertinentes que se lhes possam pôr.

Ainda recentemente, uma ingénua noviça como Ângela Merkel, que provavelmente não quis prestar ao staff da imagem os respeitos que este entende ser-lhe merecido, foi trucidada em vingança, ao passar uma fotografia sua por tudo quanto era jornal com uma enorme mancha de transpiração por baixo do braço enquanto acenava à multidão. Foi um aviso que não há político que sobreviva sem eles…

Mas, para além da substância do assunto, existe adicionalmente o momento pamplinas quando José Pacheco Pereira espirituoso – os Momentos-Chávez – compara José Sócrates a Hugo Chávez, naquilo que julgo ser uma alusão a um populismo aplicado a uma outra sociedade distinta de um outro continente. Populismo por populismo, e beneficiando de uma outra proximidade geográfica e sociológica, porque não um Momento-Sarkozy ou um Momento-Berlusconi?

Eu subscrevo inteiramente as censuras de José Pacheco Pereira à gestão que o círculo de Sócrates está a fazer das questões que podem ser postas em termos jornalísticos ao primeiro-ministro. Mas asseguro-lhe que ainda cá estarei a fazer precisamente as mesmas censuras quando vier a acontecer rigorosamente o mesmo a um dos sucessores de Sócrates que seja do PSD… E aí é que não jurarei se José Pacheco Pereira continuará comigo…

Porque falando de evitar respostas a perguntas inconvenientes, creio saber que foram enviadas imensas perguntas para José Pacheco Pereira – nomeadamente a respeito das suas posições de falcão assumidas no passado em relação aos assuntos de política internacional – endereçadas para o seu programa Quadratura do Círculo e que nem Carlos Andrade as pôs, nem a nenhuma delas ele respondeu.

É evidente que José Pacheco Pereira não é o primeiro-ministro mas, pelo menos neste aspecto restrito de se esquivar a perguntas inconvenientes, e havendo definitivamente razões verdadeiras para criticar José Sócrates, não me parece que assentem a José Pacheco Pereira os fundamentos de coerência que lhe permitam ser um dos seus críticos…

30 outubro 2006

A DOUTRINA BUSH

Às vezes, é em pequenos (ou grandes) detalhes que se percebe como os Estados Unidos, apesar de serem o país mais poderoso do planeta, cada vez mais mostram uma capacidade de liderança medíocre, apesar de todo o seu poderio. E, refira-se que no exemplo que aqui quero mostrar, nem sequer é George W. Bush que está pessoalmente em causa, mas a percepção que a imprensa norte-americana demonstra ter de qual serão os interesses de leitura dos seus leitores por contraste com o que acontece com a imprensa europeia.

O tema que serve de comparação é o destaque dado aos resultados das eleições presidenciais brasileiras, vencidas por Lula. No Le Monde francês e no El Mundo espanhol é um acontecimento que tem o destaque de segunda notícia mais importante. No Washington Post e no LA Times é um pormenor da secção de notícias do mundo. Não seleccionei os jornais. Acresce que aos jornais europeus não se pode adicionar a justificação adicional para o destaque dado por se tratar de uma antiga colónia com quem se compartilha uma parte do passado e um idioma comum.

Pelo contrário, o Brasil fica situado na área geográfica das Américas que os Estados Unidos tradicional e historicamente consideraram como estando dentro da sua esfera de interesses onde não tolerariam intromissões externas – a doutrina Monroe. O presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, não tem tido uma conduta exuberante que chame a atenção dos média norte-americanos como acontece com o seu vizinho venezuelano Hugo Chávez, mas a sua reeleição talvez merecesse deles um maior destaque.

Nem que fosse porque aconteceu num dos dez maiores países do mundo, quando considerada a área territorial, a população ou a produção económica. O que também confere ao Brasil o estatuto de uma das maiores democracias do Mundo... Se calhar, em substituição da doutrina Monroe, os Estados Unidos estão a entrar, em política externa, na fase da doutrina Bush: como menosprezar sistemática e involuntariamente todos os países estrangeiros.

É uma doutrina que não lhes tem estado a produzir grandes resultados (veja-se o Iraque) e, como aconteceu com a doutrina Monroe, é também uma doutrina cujas consequências se arriscam a prolongar-se muito para além do período da administração do presidente que lhe deu o nome de baptismo. Mas, pensando melhor e estando nós no estrangeiro, é evidente que os norte-americanos nunca levarão em consideração o que por cá se pensa acerca da sua nova doutrina…

Nota: É possível que, sendo os jornais digitais, a ordem das notícias se vá alterando ao longo do dia. Mas era este o destaque relativo das ditas quando inseri este poste.

OS ODORES DA HISTÓRIA

Não é por não serem percebidos nos filmes ou nas fotografias que devemos esquecer a importância dos odores na História. E, a fazer fé naquilo que nos contaram os nossos avós dos tempos ainda próximos do início do Século XX, quando ainda quase não havia saneamento básico ou água corrente, inúmeras vezes os aromas que povoavam a rua eram intensos, orgânicos e… poderosamente mal cheirosos.

Nunca mais me esqueço da forma como um veterano da Guerra da Coreia enriqueceu a sua descrição da paisagem dos arrozais coreanos – de uma forma a torná-la inesquecível! – ao mencionar o odor que pairava no ar: como no Extremo Oriente o fertilizante mais utilizado nos arrozais eram os excrementos humanos, isso adicionava à paisagem agrícola o fedor nauseabundo de um esgoto…

Conforme as concebo, muitas das reconstituições históricas do quotidiano antigo que se pretendessem rigorosas deviam conter ruas apertadas, galinhas á solta, palha pisada, bostas de animais pululando pelo chão e crianças andrajosas, porcas e ranhosas a que se adiciona um fedor que devia tornar um artigo de primeira necessidade os perfumes que as classes sociais elevadas usavam.

E as pessoas distintas usá-los-iam (aos perfumes) não só para se protegerem das inclemências do exterior como também para disfarçar as suas próprias idiossincrasias. É que a tradição do banho das culturas mediterrânicas (grega, romana, islâmica) foi outras das vítimas das invasões bárbaras na Europa. E é preciso não esquecer que há aspectos da higiene pessoal que a água não resolve, como é o caso da higiene oral…

Sim, porque quem goste da História e sonhe em viajar ao passado para ali conhecer os seus heróis no original – e já não falo dos eventuais problemas de comunicação por causa da evolução da língua falada – teria de ir preparado para se poder encontrar com alguém que não toma banho há meses, talvez com uma dúzia de dentes na boca e um hálito capaz de matar-as-moscas-das-redondezas…

29 outubro 2006

MOMENTOS DE BRIOCHES


Há ocasiões em que o que nos separa daquilo que estamos a ler é de tal maneira imenso que a existência do idioma comum chega a ressaltar como único traço de união entre quem escreveu e quem está a ler. Em muitas dessas ocasiões, considero que as premissas em que assenta o raciocínio exposto estão de tal forma afastadas da realidade que lhes chamo intimamente de momentos brioche, em alusão à famosa conclusão de Maria Antonieta quando, perguntando as razões de uma manifestação popular, percursora da Revolução Francesa, lhe responderam que queriam pão.

- Ah, não têm pão? Então, porque não comem brioches? – terá sido a resposta da soberana, provavelmente apócrifa, mas que ficou registada para a história como simbólica da sua concepção do mundo. E parece-me que há quem, passados mais de 200 anos, pretenda viver num ambiente igualmente hermético às realidades sociais que o cercam. Veja-se o artigo (apenas para assinantes…) de João Fiadeiro, coreógrafo e bailarino, em resposta a um outro, que havia sido assinado por José Pacheco Pereira, ambos no Público, a respeito das manifestações no teatro Rivoli do Porto.

Existe no artigo todo um parágrafo que quase acredito ter sido redigido para ser declamado em monólogo, tão extremadas e tão expostas a um óbvio contraditório são as teses que defende. É irresistível transcrevê-lo, intercalando-o com os comentários cuja omissão – no original – até nos faz doer alguma coisa em algum lado:

Será que é tão difícil de aceitar que a grande maioria dos agentes culturais que dependem de subsídios, só os pedem por acreditarem que os espectadores merecem ter acesso a um tipo de teatro, de dança ou de cinema que, sem esses subsídios, pura e simplesmente não existiriam? (E qual é a razão que qualifica a crença desses agentes culturais acima de quem tenha outras opiniões sobre o destino a dar a esses mesmos dinheiros públicos?) E sim, não existiam porque não há público suficiente para este tipo de espectáculo. E qual é a surpresa? É claro que não há público! Ele tem que ser criado, estimulado, formado, e isso leva tempo e a responsabilidade está longe de ser só dos artistas. (Já há 30 anos que se aguarda que apareça o tal público estimulado e formado. Se ele não aparece é porque talvez não o haja. E, surpresa!, a responsabilidade primordial para isso é mesmo dos artistas e dos outro agentes culturais.) A questão que devia estar a ser discutida, como já tinha escrito neste mesmo jornal a 16 de Agosto, é o falhanço da política cultural dos últimos anos “na formação artística, na criação de novos públicos, na inexistência de quadros como programadores, gestores culturais e produtores, na contextualização socioprofissional (seja o que isto for…) desta nova categoria, na criação de uma rede de teatros equipados, de espaços para ensaios, na internacionalização, etc. etc. etc. Tudo isto ficou por fazer ou a meio de ser feito.” O que é que sugere? Que abdiquemos? Que nos resignemos? Será que José Pacheco Pereira propõe é a extinção pura e simples dessa oferta cultural?

Este ror final de perguntas merecerá um ror ainda maior de respostas. Desde os mais irónicos trocadilhos de palavras (em que é que será preocupante a extinção de uma oferta que não tem procura cultural?) até às conclusões mais sóbrias: ponham a famosa imaginação artística ao serviço de um projecto que confira autonomia financeira a todo o programa, o que retirará a José Pacheco Pereira – e a mim, que também sou gente… – qualquer legitimidade para nos pronunciarmos sobre o emprego de fundos públicos. Mas não nos dispersemos: o problema original era o da ocupação do Rivoli. E agora é a minha vez de fazer uma pergunta ribombante: o que é que a ocupação do Rivoli os aproximou de uma solução para o vosso problema?

O LÍDER QUERIDO

Ao saber-se que José Sócrates foi reeleito como Secretário-Geral pelos militantes do Partido Socialista com 97,2% dos votos dos seus militantes que votaram, fica-se a estimar que ainda lhe faltarão os 2,7% que receberia um Querido Líder como Kim Jong Il da Coreia do Norte. Fica a resignação de, não sendo ainda um querido líder, José Sócrates já é, pelos menos, um líder muito querido junto das bases do seu partido.

28 outubro 2006

ALGUNS ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS A RESPEITO DE TIMOR

Compreendo, parcialmente, o regozijo que uma audiência com um ministro dos negócios estrangeiros de um país estrangeiro possa ter provocado na forma como se analisa a política externa protagonizada por esse ministro e por esse país. Trata-se, todavia, de uma reacção epidérmica e emocional.

Uma análise mais fria, porém, rapidamente demonstrará que a Austrália, por inúmeras vezes, já manifestou não ter qualquer interesse na manutenção de níveis de cooperação recíprocos entre australianos e outros países na condução dos assuntos timorenses. Aliás, isso verificou-se mais uma vez recentemente quando a proposta para que o dispositivo militar em Timor-Leste ficasse, como os restantes, sob os auspícios da ONU, foi ali bloqueada por interesse australiano.

Deve ser por isso que, actualmente, será só por pudor, intimidação e conveniência que os protagonistas políticos timorenses não assumem publicamente aquilo que, pelos vistos, é bem capaz de ser reconhecido como uma evidência por toda a gente: os australianos são percebidos como mais uma das facções do problema timorense. O que, no terreno, os desqualifica imediatamente para forças de manutenção da ordem…

A médio e longo prazo, a Portugal não interessa que Timor-Leste se torne um fardo demasiado pesado para a Austrália. É que poderemos ser chamados a assumir maiores responsabilidades, sem que daí decorra necessariamente qualquer vantagem para Portugal. O problema é que a causa disso pode residir na circunstância do actual governo australiano – qual administração norte-americana em miniatura – ter dado mostras de um autismo preocupante na condução das suas relações com Timor-Leste, em particular, e com os pequenos países da sua vizinhança, em geral.

É por isso que na recente Cimeira do Pacífico a conduta da tradicionalmente tutelar Austrália foi posta fortemente em causa pelos dirigentes dos pequenos estados da Papua Nova Guiné, das ilhas Salomão e de Vanuatu. E é difícil não simpatizar com Michael Somare, primeiro-ministro do primeiro daqueles países, quando ele se queixa que soube da existência de sanções contra a sua pessoa e contra o seu governo por parte do equivalente australiano, através da programação da comunicação social australiana, onde o ministro dos negócios estrangeiros desse país, Alexander Downer, as anunciava. Eu bem sei que há quem muito aprecie a informalidade e eficácia de Downer, mas mesmo assim…

A estratégia portuguesa desde a independência timorense assenta – correctamente – numa abordagem de desengajamento progressivo daquela região. Mas, realisticamente, há que estar atento às circunstâncias em que ele se pode processar. Por um lado porque ainda não houve oportunidade de consubstanciar de forma tangível os benefícios da intervenção portuguesa. Por outro, porque se parece estar a assistir, devido a erros muito próprios, a um enfranquecimento circunstancial da influência australiana em toda aquela região, o que torna o desengajamento completamente inoportuno.

É que às vezes, com tanto apelo à racionalidade, parece estar a faltar alguma memória. Se fosse para resolver de uma forma exclusivamente racional o problema timorense por parte da parte portuguesa já ele estaria solucionado de há muito: Lisboa e Jacarta tinham-se sentado à mesa e esclarecido duas ou três coisas off the record, incluindo uma parcela da exploração petrolífera do Mar de Timor por parte da Indonésia.

Foi o que a Austrália fez na altura, mas Portugal não. Será por isso que cada um dos países goza hoje em Timor de um prestígio distinto?

ESCROQUES

Foi significativo ver as imagens televisivas de ontem da audiência onde Vale e Azevedo foi condenado, mais uma vez, a sete anos e meio de prisão, agora por falsificação de documentos. E foi, para além disso, patético vê-lo enquanto deambulava pela sala procurando as mãos que não lhe eram estendidas para o cumprimentar mas que ele agarrava, apesar de tudo, num esforço de mostrar uma popularidade que já há muito não existe, falha dos órgãos de comunicação – especialmente a SIC – que no passado a promoveram.

É nestes momentos se percebe como é frágil a sustentação de muitos figurões do futebol – que se andam a evadir às visitas às salas de audiência dos tribunais... – e quão importante tem sido a conduta inadmissivelmente neutral de uma esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social perante o acumular de informações graves sobre a corrupção desportiva, o que torna esses órgãos de comunicação social em cúmplices, por omissão, da falta de existência de uma verdadeira sanção social à conduta demonstrada pelos tais figurões.
A fotografia é do jornal A Bola, jornal em que aquilo que aqui escrevi assenta que nem uma luva...

27 outubro 2006

A CANDIDATA

Hoje, que se procedem às eleições internas no PS para o seu próximo Congresso, não quero deixar de manifestar aqui a minha discordância quanto ao facto dos militantes que apresentaram outras moções estratégicas globais não terem apresentado simultaneamente ninguém que concorresse ao cargo de secretário-geral.

Como oportunamente aqui me referi, a propósito dos comentários despropositados na televisão de Marcelo Rebelo de Sousa que condenava a abolição daquela prática nos Congressos do PSD e do CDS, é uma questão de pura (falta de) lógica que me impede de compreender como é que alguém poderá prosseguir uma estratégia não subscrita por si.

Ora isso é um risco inerente a quem permita estatutos em que não haja correspondência entre as moções de estratégia e uma equipa que se responsabilize por levá-la a cabo, em concreto. E não gozará da minha grande simpatia o gesto de quem se aproveite dessa incongruência propondo-se a um dos sufrágios mas furtando-se ao outro.

Eu bem sei que a actividade política desenvolveu nos últimos 30 anos uma gramática repleta de episódios de faz de conta: são os longos textos de José Pacheco Pereira abordando a reforma dos partidos onde acaba por não aparecer uma única medida concreta ou os discursos arrebatadores de Jorge Coelho que arrebatam aplausos da assistência, mas que não contêm nada de substantivo.

Quem quiser romper com essas encenações (atitude que muito respeito) tem também de fugir a essa gramática do discurso genérico e inócuo e da manobra de estilo e concentrar-se no debate concreto dos problemas concretos como aconteceu, por diversas vezes, nas caixas de comentários do blogue Solidariedade e Cidadania.

Faltou o(a) candidato(a) a secretário(a)-geral, e essa é uma lacuna que considero muito importante, mas talvez venha a valer a pena, apesar disso...

26 outubro 2006

TV NOSTALGIA – 22




Deve ter havido uma pressão extrema para que se produzissem novos formatos imaginativos para os policiais de TV nos princípios da década de 70, porque cada série tinha sempre uma peculiaridade qualquer, desde um xerife do faroeste evoluindo em perfeito ambiente urbano (McCloud), um detective brilhante mas o rei dos labregos desmazelados (Columbo) ou duas vedetas chiques – Tony Curtis e Roger Moore – fazendo uma perninha numa série de televisão (Os Persuasores), cuja parte melhor era mesmo a banda sonora (John Barry).

Talvez a melhor de todas fosse Olho Vivo (Get Smart), com Maxwell Smart e a 99, a série policial concebida para gozar com todas as outras séries policiais.

O DÉFICE TARIFÁRIO


Confesso que, tendo a questão já sido levantada noutro blogue com toda a propriedade, aguardei uma resposta que eventualmente esclarecesse directamente o autor da questão e me esclarecesse indirectamente a mim, qual o conceito subjacente e qual a propriedade do emprego da expressão défice tarifário quando aplicado aos preços ao consumidor da electricidade da EDP, sabendo que a referida empresa é lucrativa.

Como aconteceu também com o Revisão da Matéria, as explicações televisivas do Prós e Contras da RTP deixaram-me praticamente na mesma, como quem vê outrém repartir consciensiosamente um baralho para apurar no fim que lá continuam 52 cartas, 4 naipes e 4 reis, damas, valetes, etc. cada um de seu naipe. Ou seja, faltou a resposta para a pergunta: onde é que se faz sentir o défice?

Terá sido por deformação académica que, depois de tanto esperar, me virei para o Relatório e Contas de EDP de 2005, disponível aqui e, sem me intimidar com as suas 174 páginas, me pus à procura de uma eventual resposta para a tal questão do défice tarifário. E, conforme já esperava, segundo o que já havia lido e ouvido, encontrei uma EDP lucrativa em 2005 com um resultado líquido de 1.075 milhões de euros (p.167).

No entanto, sendo a EDP uma empresa que se dedica a múltiplas actividades, poderá acontecer que este resultado final resulte da junção de actividades lucrativas com outras deficitárias o que poderia explicar a existência do tal défice tarifário. Felizmente, logo na página 4 do Relatório, existe uma apresentação desdobrada das actividades da EDP, quer pelo seu volume de negócios, quer pelos resultados líquidos.

Vale a pena analisar o que ela contém, que resumi para um quadro que encima este poste referentes a um Volume de Negócios Global da empresa de 9.677 milhões de euros e para Resultados Líquidos de 1.072 milhões. Os números do quadro estão também expressos em milhões de euros. Só existem duas actividades deficitárias: a da Comercialização, com um prejuízo de 13,5% em relação ao seu Volume de Negócios e a das Telecomunicações onde essa percentagem desse índice sobe para 42,4%.

Concentrando-nos nas actividades e sendo eu um leigo neste sector, ainda pensei que o défice tarifário ali estivesse evidenciado na actividade da comercialização, que se mostra deficitária, o que justificaria o tal aumento médio de 15% nas tarifas de consumo doméstico. Mas não. Como se deduz pela página 5 e pelo número de clientes (5,9 milhões em Portugal e 0,6 em Espanha) os consumidores domésticos afinal aparecem na rubrica Distribuição.

E curiosamente, cerca de 2/3 dos 30.000 clientes da tal actividade deficitária de comercialização são até espanhóis. Excluindo, por razões de semântica óbvia, a actividade das telecomunicações das causas para a existência do tal défice tarifário, assumo a minha enorme dificuldade em seguir o raciocínio que esteve por detrás das declarações da semana passada do tal secretário-de-estado-que-confessa-ter-dias-infelizes, atribuindo aos consumidores o ónus do tal défice.

A minha dificuldade parece-me legítima porque fui procurar as razões para tal num documento que a EDP torna público e, como tal, pensado para facilitar a compreensão de terceiros. Juro não ter escrutinado a fundo todas as 174 páginas do dito mas asseguro não ser nada fácil encontrar algo que justifique o tal défice tarifário - que admito possa lá estar... Pelo contrário, encontrei dados que me levaram a concluir que os aumentos previstos de 15% para a actividade de distribuição, em função dos resultados da conta de exploração de 2005, são absurdamente excessivos.

Eu até compreendo que se possa falar de um défice tarifário quando se fala de empresas como a CP. É um caso em que se pode até ironizar, afirmando que, com as actuais tarifas ferroviárias, só com o tráfego de passageiros ao nível de um Japão é que as contas da CP estarão algum dia equilibradas… Agora, para este caso da EDP, recorrer a essa mesma expressão… Há uma prática económica, que nem tem direito a teoria e que se chama dá sempre jeito aumentar os preços quando se pode.

É por isso que os preços do café numa esplanada algarvia são sempre mais altos no Verão do que no Inverno. Só que os proprietários dos cafés algarvios, dominando muito bem a técnica, não precisam de inventar designações tecnocráticas para a praticar…

25 outubro 2006

RENDIÇÃO INCONDICIONAL

Em Janeiro de 1943, durante uma das várias conferências de imprensa da Conferência de Casablanca (Roosevelt pelos Estados Unidos, Churchill pelo Reino Unido e de Gaulle e Giraud por uma França que se procurava ali definir…), um dos jornalistas perguntou ao presidente americano em que condições ele estaria disponível para aceitar uma rendição por parte dos países do Eixo: Unconditional Surrender (rendição incondicional).

Muita controvérsia se gerou naquela altura sobre aquela resposta. Para além das interrogações sobre a oportunidade com que surgira a pergunta, a versão de Roosevelt manteve-se que a expressão apenas lhe ocorrera em consequência de um famoso episódio da história norte-americana em que um seu antecessor, U.S. (Ulysses Simpson) Grant*, enquanto general, assim respondera a um pedido de termos de rendição.

Ainda mais controvérsia se gerou posteriormente especialmente entre aqueles que se dedicaram a estudar a Segunda Guerra Mundial. Como poderia ela ter decorrido se a declaração de Roosevelt não tivesse empurrado Hitler e arrastado o resto da Alemanha para uma luta até ao fim. O que me parece uma deliciosa especulação histórica feita a partir de pressupostos completamente forjados.

Em primeiro lugar porque tudo indica que aquela expressão fora ensaiada para ser dita – daí a pergunta – e, mais do que isso, para ser espalhada Havia várias razões políticas naquela altura para isso. Em segundo lugar porque nem sequer foi cumprida: foram negociados termos quando a Itália se rendeu em Setembro de 1943. E, finalmente, porque a verdade é que fora decidido que, desta vez e ao contrário de 1918, o povo alemão ia ter que se sentir derrotado.

Muito se tem falado da participação e da mobilização das opiniões públicas nas guerras modernas. Entre as guerras da Antiguidade, apenas me lembro das narrativas das Guerras Púnicas entre Roma e Cartago em que aparece uma entidade parecida com uma opinião pública romana que se recusa a aceitar as derrotas militares e navais que Roma tinham sofrido e mobiliza novos meios materiais e humanos para a desforra.

O período Medieval e Moderno decorrem sem me lembrar de quem tenha descrito uma participação relevante de uma opinião pública numa guerra. A Revolução Francesa e o conceito de nação em armas acaba por o fazer, embora seja o episódio da Comuna de Paris de 1871 que mostre pela primeira vez uma opinião pública urbana que ganha uma expressão autónoma ao poder político instituído que, nesse caso, havia aceite a derrota frente à Alemanha.

O vigor demonstrado por aquela insurreição, ao arrepio da gramática convencionada para os conflitos até então, e embora tivesse sido inconsequente do ponto de vista militar, pode ter sido determinante para o comportamento posterior assumido pelos vencedores alemães. E pode ter sido também determinante para o comportamento cauteloso assumido por sua vez pelos vencedores franceses, quando as fortunas da guerra mudaram, em 1918.

A verdade crua é que, vista com o distanciamento de Washington em 1943, a opinião pública alemã acabara por ter sido tão mal castigada em 1918 que nem sentira como sua a derrota da Primeira Guerra Mundial a não ser que ela fosse explicada por traições, como Hitler clamava. E mais importante do que o seu discurso, eram as concordâncias que, quanto a esse ponto (o da traição de 1918), Hitler recolhera junto das multidões alemãs.

Uma geração depois, a América ia gastar mais uma vez os seus imensos recursos humanos e materiais para atravessar o Atlântico e ir repor os equilíbrios europeus de acordo com as suas conveniências. Ao menos desta vez que as coisas ficassem bem feitas, a ponto de os alemães perderem quaisquer ilusões, deviam ter sido os pensamentos de Roosevelt em Casablanca, pensamentos que um presidente não pode traduzir em voz alta...

* US é simultaneamente a sigla do nome de Grant, e das expressões em inglês para rendição incondicional (Unconditional Surrender) e Estados Unidos (United States).

E HÁ AINDA OS 20% QUE ACREDITAM NO PAI NATAL…

Não me quero abalançar a produzir análises sobre sondagens quando há na blogosfera quem demonstre tal qualidade nessa tarefa. Mas não resisto a uma incursãozinha irónica no tema, quando descubro que, num apontamento duma notícia do Público, intitulada Vitória no Iraque “é possível”, num “prazo realista”, dizem EUA, uma sondagem da CNN concluía que 20% da população americana acredita que os Estados Unidos estão a vencer a guerra, enquanto outros 20% considera que são os insurrectos e os restantes 60% acham que a situação é demasiado caótica para qualquer das partes declarar vitória.

Ora, penso já aqui me ter referido no blogue ao patamar de 20% de norte-americanos que acham sempre que sim quando inquiridos sobre qualquer questão. Deve-se a Michael Moore a descoberta dessa referência, que julgo que deva ser importante para a análise de qualquer sondagem efectuada nos Estados Unidos, quando, no seu programa de televisão, obteve uns surpreendentes 21% de respostas positivas numa sondagem em que se inquiria qual a opinião do entrevistado sobre a aceitabilidade de um ataque à Suécia na luta dos Estados Unidos contra o terrorismo…

Em rigor, essa franja de lunáticos exposta por Moore – que estarão certamente presentes entre as respostas obtidas e tratadas pela CNN - pode não ter votado em bloco à questão levantada a respeito do Iraque. No entanto, a obtusidade e a assertividade demonstradas na resposta à pergunta original sobre a ameaça sueca levar-me-á ao risco de assumir que terão o perfil de quem se pronuncia por opções definitivas. Se assim for, encontrar-se-ão entre os que, nos extremos, acreditam que a vitória está a pertencer aos Estados Unidos ou, muito pelo contrário, que ela está a pertencer aos insurrectos…

Suspeito – mas isto agora já não é científico, será antes a minha intuição a falar… – que seja a primeira hipótese a verdadeira. E mais, que se aquele grupo fosse especificamente inquirido sobre outros assuntos fora da política internacional, como a evolução das espécies, a mecânica celeste ou mesmo a existência do Pai Natal, obter-se-iam resultados pitorescamente interessantes…

24 outubro 2006

TV NOSTALGIA – 21











Se houve género que nunca me lembro de ter faltado na RTP foi o da série policial, mesmo quando o policial era mesclado com um bocadinho de exótico para despertar as atenções. Algumas, que eu não via (porque tinha de ir para a cama…) e mesmo que visse não perceberia nada, estão agora a ser passadas na RTP Memória, como são os casos de O Santo e de Missão Impossível.

E através dessas repetições, o estatuto mítico que delas guardava levou um portentoso abanão, o que me levou a, retrospectivamente, saudar a decisão da altura dos meus pais que achavam que devia ir para a cama cedo porque aqueles filmes não eram para mim. Ricos sonos recatados. Descobri agora que, ainda hoje e com esta idade, ver Roger Moore a fazer passar-se por Simon Templar nunca terá sido para mim…

Fica-me a dúvida se uma hipotética redescoberta de Raymond Burr no seu carrinho de rodas em Ironside ou de Patrick Macnee com os seus chapéus de coco e de chuva dos Vingadores também se podem vir a revelar não serem para mim…

PUTIN E BUSH, VISTOS POR SCHROEDER


Uma das surpresas que muitos estudantes de alemão tiveram ao tentarem conversar com um falante nativo da língua foram as reacções normalmente pouco acolhedoras para quem manifestava a cortesia de os estar a interpelar na sua língua materna, apesar dos pontapés na gramática (e se o alemão é um idioma que os suscita…), que são naturais num iniciado de qualquer idioma.

É um conceito – o de considerar apenas os estrangeiros que se exprimam sem mácula em alemão - que parece ser cultural. O comportamento dos alemães parece funcionar ao contrário da maioria dos falantes de quaisquer outros idiomas maternos, onde o exemplo mais comum é o do idioma inglês, que costumam acolher normalmente com simpatia quem se esforça por falar no seu idioma, embora o possa assassinar no esforço.

Eu até aceito que possa haver excepções. Por exemplo, eu até compreendo que qualquer falante de inglês não tenha nenhuma razão para ser simpático para com um espanhol depois de o escutar a falar o seu idioma. E, já agora e nem de propósito, convém dizer que os alemães – em média - estão muito longe de se qualificarem nos lugares cimeiros quanto ao rigor da sua pronúncia de inglês…

A respeito das memórias do ex-chanceler Schroeder que estão a ser publicadas pelo semanário alemão Der Spiegel, é curioso notar as razões com que ele fundamenta a sua antipatia por Bush, associadas ao facto de Bush ter um estilo – conversando com Deus - em que transmite uma desconfortável mistura entre laico e religioso. São razões que dizem muito acerca de quem é Bush.

Em contrapartida, os rasgados elogios sobre a personalidade de Putin – parece não haver no livro nenhuma referência à confortável avença que a empresa petrolífera estatal russa pretendia atribuir a Schroeder… - que, passando da inteligência para o carácter, tocam na forma física para rematarem (cá está!) no domínio pleno da língua alemã, dizem muito mais sobre a personalidade de Schroeder do que na do senhor do Kremlin.

Equivale a vários capítulos de um qualquer livro sobre a forma como os alemães se relacionam com outros povos este pormenor de Schroeder ao qualificar como uma virtude a habilidade de alguém falar alemão sem erros gramaticais. É que é nestas ocasiões que nos apercebemos mais claramente porque é que o conceito de softpower é perfeitamente intraduzível para o idioma alemão…

23 outubro 2006

КОНДИСИОНАМЭНТУ КЛАССЙХУ *

O cientista russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) recebeu o Prémio Nobel da Medicina de 1904 por causa dos seus trabalhos sobre o comportamento, em que utilizou cães para demonstrar que reacções inicialmente provocadas por um determinado estímulo podiam ser, associando-os, transferidas para um outro estímulo.

O exemplo mais difundido é o do cão que, esfomeado, começa a salivar perante a visão da comida, a que se associa um outro estímulo (sonoro – som de uma campainha – ou visual – uma luz que se acende) até que, pela repetição do episódio, o cão começa a salivar ao estímulo associado (som ou luz) sem presença de comida. A esse mecanismo deu-se o nome de condicionamento clássico.

Sendo de nacionalidade russa, foi com naturalidade que Pavlov acabou por se tornar, depois da Revolução bolchevique de 1917, um dos expoentes da ciência soviética e, será possivelmente por isso, que eu associo os seus ensinamentos ao tipo de reacções que vou recolhendo dos comunistas a respeito de assuntos nacionais e internacionais.

Num caso associado ao primeiro dos assuntos e não me tendo ocorrido reflectir sobre ele previamente (qual será a posição do PCP sobre…?), não se poderá dizer que constituiu para mim uma grande surpresa a descoberta que o PCP é contra a adopção da estruturação dos processos de Bolonha para os cursos do ensino superior.

Não porque eu perceba do assunto a fundo, mas porque já há jurisprudência mais que bastante sobre qual será o comportamento tradicional do partido quando se colocam tais problemas: tratam-se normalmente de amplas manobras ocultas do grande capital onde se torna necessário apoiar as justas lutas dos trabalhadores.

Ficou explicado cientificamente pelo grande camarada Pavlov que tudo o que viesse do estrangeiro – como a NATO, a CEE ou agora o Processo de Bolonha – e esse estrangeiro não fosse do campo socialista, seria objectivamente prejudicial para a classe operária e o nosso povo trabalhador. São certezas dessas que não podem deixar camaradas como Bernardino Soares inaceitavelmente vacilantes quanto à natureza democrática de países como a Coreia do Norte…
* Condicionamento Clássico

NAQUELE TEMPO…


Para aqueles que tenham memória mais frágil e, simultaneamente, se indignem com demasiado vigor do marketing agressivo que incide sobre as crianças na actualidade, deixo aqui imagens antigas de 40 anos de dois brinquedos supostamente destinados às crianças mas que eram relativos a séries e filmes que as crianças não podiam ver ou pelas quais não mostravam qualquer interesse.

Em cima, trata-se de um carro relativo a uma série televisiva chamada The Man from U.N.C.L.E., que não asseguro tenha passado na nossa televisão, embora assegure que o carro tenha estado à venda em Portugal: ofereceram-me um, era pouco interessante, não tinha suspensão, carregando naquela coisa no tejadilho, e com um estalido, o condutor/pistoleiro encolhia-se para dar vez ao seu parceiro. Como bónus, havia um anel (!) com a figura dos dois protagonistas da série…

O Submarino Amarelo estava obviamente associado aos desenhos animados do mesmo nome, protagonizados pelos bonecos dos Beatles e onde a banda sonora é composta pelas suas composições, numa época em que tinham optado pela ajuda de auxiliares químicos à sua inspiração, o que se reflectia nos títulos (Lucy in the Sky with Diamonds) e letras das suas canções. Mesmo ao gosto das crianças, está bem de ver…

22 outubro 2006

O EDITORIAL


É muito instrutiva – e recomendo – a leitura do editorial de hoje do The Australian, que pode também ser interpretado como se se tratassem de recomendações para orientação do Primeiro-Ministro australiano, John Howard, quanto à forma como deverão ser geridas as relações da Austrália com os seus pequenos países vizinhos do Pacífico Sul, agora que se aproxima mais uma Cimeira dessa Organização, marcada para amanhã nas Fidji ao mesmo tempo que o governo de Howard anunciou pretender desencadear um combate sério contra a corrupção existentes nos governos de alguns desses países.

São compreensíveis as preocupações manifestadas pela Austrália, através daquele editorialista, com a estabilidade em todo conjunto de países daquela vasta região. São preocupações – com a corrupção, nomeadamente - que podíamos perfeitamente tornar extensíveis às de um qualquer país membro da União em relação aos seus colegas de organização. Serão menos transponíveis as imagens hipotéticas de, numa acção de combate à corrupção, ver um destacamento de polícia alemã invadir o gabinete do primeiro-ministro letão (como se lê no editorial que os australianos fizeram nas Salomão) ou de destacamentos militares italianos condicionarem a liberdade de circulação do comandante das forças armadas maltesas (como se pode ler no Público que aconteceu em Timor)…

No mundo de hipocrisia descrito por George Orwell em Animal Farm, havia a regra que os animais eram todos iguais mas depois havia uns que eram mais iguais que outros. Essa regra costuma ser transposta para as relações internacionais, onde, à priori, os países são todos iguais. É a gramática aparentemente usada na União Europeia, que impede o tal assalto da judiciária alemã ao gabinete do primeiro-ministro da Letónia. Será, se calhar, por Orwell se ter ficado pela Birmânia e nunca ter posto os pés na Austrália que Down Under nunca se interiorizaram esses pormenores de hipócrita cortesia diplomática…

A consequência principal parece ser que, naquela região do globo, nem se perde tempo pretendendo que existe essa coisa ficcional chamada de soberania nacional quando os acontecimentos desagradam a Austrália. Nem é em vão que, numa outra notícia da mesma edição do jornal, a respeito de Timor-Leste e oriunda dos seus correspondentes em Dili, é feita menção às tropas australianas ali presentes, assim como aos contigentes policiais neozelandeses e malaios, esquecendo acidentalmente o contigente português... É um novo estatuto com que Timor-Leste tem agora de se adaptar a viver. Já deixou, felizmente, de ser a 27ª província da Indonésia. Só que agora está em risco de se tornar a enésima uma outra coisa qualquer da Austrália…

TV NOSTALGIA – 20

Se, no caso do Comissário Maigret de Jean Richard, comecei a conhecer a composição do actor na série* de que falei na minha nostalgia anterior quase ao mesmo tempo de que conhecia a sua descrição literária, no caso do George Smiley de Alec Guinness, descobri os livros de John Le Carré algum tempo antes da RTP ter começado a transmitir as séries Tinker, Tailor, Soldier, Spy e Smiley´s People**, produzidas pela BBC e que cá passaram no princípio da década de 80.
Mas o efeito produzido é o mesmo: para mim, Jean Richard é Maigret e Alec Guinness é George Smiley. Terá ajudado que, num caso como noutro, os autores originais (Georges Simenon e John Le Carré) tenham estado associados à adaptação dos seus contos para televisão? Muito provavelmente sim, porque um e outro estão impregnados daquele sentir profundo que nos é transmitido pela leitura e que os autores procuraram atribuir às suas personagens.
É curioso como, com Alec Guinness, o veja a desempenhar outros papéis noutros filmes de uma forma natural, mas isso verifica-se sem reciprocidade porque não concebo que mais alguém possa vir a ser um George Smiley credível. O mesmo se passa com Maigret, onde vejo as séries com os sucessivos sucessores de Jean Richard a fazerem de, mas nunca a serem o, Comissário imaginado por Simenon.
Em contrapartida, foi preciso esperar pelos anos 90, anos depois da morte de Agatha Christie, para aparecer uma série de TV com um Hercule Poirot que fosse credível, na pessoa de David Suchet, depois de uma versão histérica de Albert Finney no filme Crime no Expresso do Oriente (1975) e outra de Peter Ustinov no filme Morte no Nilo (1978) onde o actor (uns avantajados 1,82m de altura!) fazia de si mesmo, só que, por conveniência do enredo, se deixava tratar por Poirot...
 
 
* Vale a pena alertar a Prisvídeo que procedeu à edição em DVD dos primeiros seis episódios da série traduzidos para português que o seu responsável pelas capas produziu ali uma obra de categoria! Em primeiro lugar deu-lhe o título de Inspector Maigret (em vez de Comissário...), depois informa-nos que o idioma original é... o inglês Bem podem limpar as mãos à parede com aquele trabalho asseado!
**Eu posso sugerir que haja uma edição portuguesa em DVD das séries de John Le Carré mencionadas mas a Prisvídeo está dispensada de as editar: tremo só de pensar como é que o seu responsável pelas capas iria traduzir Thinker, Taylor, Soldier, Spy...

21 outubro 2006

O 6º PALOP?

Como não seria difícil de antecipar, Alberto João Jardim subiu a parada no seu conflito com o governo central e, numa ameaça velada, mas no velo grosso que a subtileza de Jardim permite, concluiu a tirada da parte principal do seu discurso aludindo a que se não se fizer como ele quer – agora quer mais autonomia… - será tempo de outros tempos

É ao mesmo tempo engraçado e começa a deixar de ter graça ouvir alguém com as responsabilidades de Alberto João Jardim a ameaçar que se quer tornar em dirigente de mais um PALOP. Porque, não sabendo qual é a predisposição entre os madeirenses de correrem os riscos de ter que levar a manobra até ao fim, julgo aperceber-me de uma certa saturação no continente em condescender com as manobras de Jardim.

Porque não se pode esconder que por detrás desta escalada está uma questão de dinheiro e, provavelmente, uma questão de disciplina quanto às regras em vigor aprovadas legalmente quanto ao seu uso. Penso ser esta questão – o cumprimento do que está legalmente estabelecido - que Jardim está a evadir e a contornar pela retórica, pedindo agora mais autonomia para renegociar as regras do jogo.

Ora, brincar às independências nesta conjuntura pode ser politicamente perigoso. As contra manobras da propaganda de Lisboa podem atribuir – já estão a atribuir… - a Jardim um patriotismo interesseiro. E sabe-se o que as pessoas costumam pensar – e eu com elas – das amizades e dos patriotismos interesseiros: quanto mais depressa se acabar com eles melhor…

Pessoalmente, e se for votado maioritariamente pelos próprios madeirenses, será um gesto que lamentarei porque será um disparate colectivo, mas não me repugnará nada que eles adquiram a independência, desde que, não esquecendo o dinheiro que teria precipitado essa decisão, nos paguem o que nos devem - ficarão cá muitos a precisar mais do que eles…

AS MARCAS ASIÁTICAS












Se há 50 anos perguntassem a um consumidor europeu qual o reconhecimento que tinha pelas marcas japonesas como a Toyota ou a Sony, a resposta seria, para ambas e numa esmagadora maioria das vezes: nenhum. Ainda há 25 anos, um valor de respostas muito semelhante seria obtido perante a menção das sul-coreanas Daewoo ou Hyundai.

Curiosamente e devido à abertura relativamente recente da China ao capitalismo, os conglomerados chineses estão ainda em processo de formação e poucas dessas marcas começam a ter projecção internacional, tirando casos em que ela foi obtida por aquisição, como acontece com a Lenovo. Em contrapartida, muitas corporações e marcas indianas já são bastantes antigas como a Tata e a Mittal, nomes para fixar para o futuro.

A INOCÊNCIA DE O.J. SIMPSON

Sendo humana, não se pode exigir que a justiça, nomeadamente a decisão de quem julga seja imune aos erros. O caso em que, possivelmente, terá havido um desses incidentes foi o tremendamente mediatizado julgamento do ex-jogador e actor de cinema norte-americano O.J. Simpson que dele saiu inocentado da acusação de assassínio da sua ex-mulher e do seu (dela) namorado.

Até hoje, as investigações não conduziram a mais ninguém que pudesse vir a ser julgado pela autoria daquele mesmo crime. E, para o senso comum de qualquer leigo, este vazio de responsabilidade num crime é algo sempre difícil de compreender e, muitas vezes, não haverá quaisquer explicações técnico-jurídicas adicionais por muito razoáveis que sejam que o possam preencher.

Veremos se haverá explicações técnico-jurídicas e havendo, quais serão, para o resultado do julgamento de 6 técnicos da antiga JAE que recentemente terminou com a absolvição dos mesmos das acusações de negligência na condução dos vários processos de vistoria da ponte de Entre-os-Rios que acabou por cair em Março de 2001, causando 59 mortos.

Contando com a evidência que um processo destes não tem a linearidade de um crime como o que teria sido perpetrado por O.J. Simpson e ultrapassando o folclore tradicional sobre o peixe miúdo que é julgado e o graúdo que não com que normalmente se tenta ensarilhá-los, vale a pena questionar se poderá haver alguém em Portugal a quem seja atribuível a responsabilidade do colapso de uma via de circulação aberta ao tráfego.

Admitindo que não se possa assumir que, entre nós, as pontes possam colapsar com naturalidade e que deva haver um organismo com a missão de evitar precisamente que isso aconteça, supõe-se que a identificação dos intervenientes e respectivas responsabilidades deva ser bastante mais fácil do que descobrirem por todos os Estados Unidos quem terá sido o assassínio da ex-mulher de O.J. Simpson, dado que não foi O.J. Simpson…

20 outubro 2006

TV NOSTALGIA – 19

É curioso como não me recordo de séries de televisão de origem francesa que tenham passado na nossa televisão durante os anos 60. A mais antiga que me lembro datará para aí do verão de 1970, Les Chevaliers du Ciel, que era uma adaptação para cinema da Banda Desenhada sobre aviação Tanguy e Laverdure que mais tarde vim a descobrir na revista Tintin.

Possivelmente no ano seguinte, era a série Lagardère que nos pôs a todos a desejar ser espadachins, sobretudo usando a famosa estocada que liquidava os maus com um X na testa. Passados uns tempos passou uma outra série xaroposa que fez as delícias da minha avó pelo enredo, onde um diplomata francês se apaixonava por uma princesa dum país báltico imaginário que me deu uma trabalheira a descobrir o título: La demoiselle d´Avignon.

E já foi em 74 ou 75 que a RTP começou a transmitir Les Enquêtes du Commissaire Maigret, com um episódio que já não era dos iniciais daquela série – tratava-se de Maigret et la jeune morte, datado de 1973 – dando origem, num amor à primeira vista, a uma relação minha com as obras de Georges Simenon que perdura até hoje…

ECLIPSE TOTAL

As circunstâncias que me levaram a ler vários livros de ficção científica – género de que, confesso, não sou particular apreciador – nunca me foram simpáticas porque estão associadas ao facto de estar internado e há tempo suficiente para já ter esgotado o stock de policiais da colecção Vampiro da papelaria da esquina o que me obrigava a virar-me para a colecção Argonauta.

Dos poucos que retive, vale a pena destacar este Eclipse Total, da autoria de John Brunner, que tem uma história de que me lembrei faz uns dias. Os humanos haviam descoberto um planeta onde havia existido uma espécie inteligente que se tinha extinguido. Mas isso havia acontecido apenas à espécie inteligente; outras, aparentadas fisicamente continuavam a reproduzir-se, imperturbáveis.

O livro acompanha as investigações da missão colocada no planeta para descobrir o que lhes havia acontecido. No final conclui-se que a espécie se havia extinto devido a uma espécie de bancarrota genética: como cada indivíduo era bissexual, macho na fase inicial da vida sexual e fêmea na sua fase terminal, tinha havido um movimento económico especulativo que conduzira à extinção da espécie.

Foi este cruzamento desastroso entre leis da economia e leis da hereditariedade que me ocorreu outro dia, ao ler que, segundo uma sondagem realizada na Alemanha, cerca de 30 ou 40% das jovens alemãs questionadas não tencionam vir a ter filhos para não perturbarem a sua carreira profissional. São números que, a manterem-se, não causando a extinção da espécie, poderão vir a causar a implosão da cultura alemã…

19 outubro 2006

OS TOOTSIES DO RIVOLI

Há quem não tenha visto esta comédia de 1982 e a esses eu recomendo vivamente que a vejam. Há quem se lembre dela, especialmente do papelão de Dustin Hoffman, que faz simultaneamente de actor desempregado que acaba por arranjar um emprego bem pago numa telenovela, mas no papel de... mulher. E o pior é que quase todos, incluindo toda a equipa e elenco da novela - incluindo a apaixonada (Jessica Lange) - o julgam uma mulher!

O que poucos ainda se lembrarão foram as razões porque Michael Dorsey (Dustin Hoffman) se dispôs a arranjar aquele emprego: ele queria arranjar dinheiro para levar à cena uma peça de vanguarda de que gostava muito, escrita pelo seu amigo Jeff (Bill Murray) e que, ficamos a saber pela opinião do agente de Michael (Sydney Pollack), se anunciava como um previsível fiasco de bilheteira.

No fim tudo acaba bem, a peça de Jeff é finalmente encenada com o dinheiro que Michael tinha arranjado que, como previsto, ali ficou enterrado. Eu bem sei que isto se passava no mundo da ficção, mas no mundo de fronteiras fluidas entre realidade e ficção em que parecem evoluir os okupas do Rivoli, não lhes ficaria mal, agora que a representação da ocupação do Rivoli terminou, que, copiando Hoffman, eles se fizessem á estrada e concorressem aos castings da Floribela ou dos Morangos com Açúcar

TV NOSTALGIA – 18

Uma das ocasiões em que me apercebi mais frontalmente do choque de gerações aconteceu quando tentei explicar aos meus filhos que, na minha infância e juventude, a televisão era a preto e branco, com um canal mais um adicional de bónus. E a escolha fazia-se, não entre que canal ver, mas entre ver ou não ver televisão…

Devem ter posto a mesma expressão de incompreensão que eu devo ter feito quando, por sua vez, me explicaram a beleza de ouvir os relatos dos jogos de hóquei em patins na rádio e a surpresa da minha mãe quando, ao vivo, descobriu que o árbitro afinal não usava patins… A minha mãe também não poderia conceber o que seria viver sem electricidade em casa…

Adivinhando o que foram os choques da instalação da electricidade, da compra do primeiro rádio (enorme, de válvulas, em casa dos meus avós…) e da primeira televisão, pude presenciar o frenesim que acompanhou a compra e instalação da TV a cores, acompanhada da promoção que a RTP fez do evento e da forte campanha publicitária que todas as marcas de televisores promoveram na altura. Por uma época, os detergentes perderam o protagonismo.
Desde aquela época, sempre me intrigou a falta de lógica subjacente à promoção, em anúncios televisivos, de uma qualquer televisão a cores, gabando-lhe o rigor da imagem e o realce das cores no ecrã da referida televisão tão gabada. Ora como nós estamos a ver o anúncio numa televisão activa, será com o rigor de imagem e o realce de cores (se as houvesse…) da televisão em que vemos o anúncio que apreciamos as imagens que passam no pseudo-ecrã do anúncio…

Mas, sendo a concorrência forte e densa – a um anúncio da Philips, sucedia-se um da Grundig, depois de um da Sony e de outra da Salora – houve quem não se desorientasse numa época em que a predisposição para o consumo ia todo para as (caras) televisões a cores. Lembro-me de um anúncio televisivo aos despertadores Peter cuja mensagem forte era: Despertadores Peter sorteiam televisores a cores!...

18 outubro 2006

COM TODA A NATURALIDADE

No seguimento do jogo de escondidas que aqui outro dia relatei, onde um Procurador-Geral (das Ilhas Salomão) andava a fugir à justiça, ficou-se hoje a saber (sempre pela mesma fonte, o jornal The Australian) que não só o senhor já está preso como também há um ministro do governo desse mesmo país que também foi preso por ter prestado falsas informações ao seu primeiro-ministro.

No entanto, as coisas seriam muito mais claras se não se tivesse sabido que o foragido havia regressado às Ilhas Salomão a bordo de um avião militar da Papua Nova Guiné na companhia de um sobrinho do primeiro-ministro que alega não saber de nada e ter sido aldrabado pelo ministro que mandou prender. E, embora detido, o seu governo continua a recusar-se a entregar o Procurador-Geral foragido às autoridades australianas.

Em tudo isto, depois da desenvoltura que o vimos assumir em Timor-Leste, parece-me perfeitamente expectável e compreensível que o governo australiano mostre ter pelos seus homólogos das Ilhas Salomão e da Papua Nova Guiné uma cordialidade e confiança idênticas àquela que Eliot Ness mostrava ter por Al Capone e seus amigos na Chicago dos anos 20 e 30…

Acessoriamente, ao contrário de Taur Matan Ruak em Timor-Leste que, segundo as conclusões do relatório da ONU, é censurado pelo que podia ter feito e não fez, o seu homólogo das Fidji, o Comodoro Frank Bainimarama, podia fazer e fez mesmo: foi ter com o seu primeiro-ministro para ter uma conversinha a respeito de uma lei de amnistia com a qual ele não concordava e ameaçou depô-lo se a fizesse aprovar…

Estes meus posts pretendem-se tranquilizadores. Vistos deste nosso lado do Mundo, tão civilizado, todos aqueles acontecimentos em Timor-Leste a que vamos tendo acesso parecem-nos preocupantemente bizarros. Inserindo-os na respectiva cultura local, através destas notícias que aqui trago do que acontece nos países vizinhos de Timor-Leste, torna-se tudo muito mais natural…

O RIGOR DA BBC

Eu suspeito que um dos dramas de José Pacheco Pereira consiste em andar demasiado marcado para poder saltitar alegremente da sua faceta de comentador afastado da arena política para seu interveniente. Ainda há uns meses, as suas incursões pelo liberalismo, caminho que preconizou para o PSD futuro, foram apreciadas com alguma ironia e sarcasmo (incluindo o meu) ao anteciparmos Pacheco Pereira como um improvável compagnon de route de alguns conhecidos cromos – alguns revelados pela blogosfera - defensores do mais descabelado capitalismo.

Eu percebo que a aquisição de prestígio enquanto comentador equilibrado só deverá fazer algum sentido utilitário se, nos momentos convenientes e para os assuntos importantes, se poder capitalizar esse prestígio na influência que se possa produzir na opinião pública em favor das próprias teses. Era a técnica da BBC durante a 2ª Guerra que, ao contrário da sua rival alemã, evitava a propaganda extrema e procurava transmitir apenas a verdade (nem toda…), para poder ir ganhando a confiança dos ouvintes e enfiar-lhes uma galga importante de quando em vez.

Será culpa da falta de discrição ou de jeito nas inflexões de José Pacheco Pereira ou então da sofisticação do auditório que foi adquirindo ao longo do tempo (fiel, valha a verdade e passe o auto-elogio implícito…), sempre que lhe foge um pouco o pé para o chinelo da militância, como aconteceu com a sua apreciação do programa Prós e Contras da passada Segunda-Feira, onde o seu PSD protagoniza a oposição à Lei das Finanças Locais, protagonizada por sua vez pelo PS e corporizada em António Costa, parece haver algo que não soa bem, como nota desafinada em teclado de piano.

Se puder sintetizar numa só frase as incongruências da apreciação que José Pacheco Pereira fez do referido programa e que, aliás, publicou no seu blogue, esta será: Fernando Ruas comportou-se com uma enorme delicadeza de trato face aos golpes baixos do Ministro, aos quais não era alheio um desprezo intelectual pelos seus interlocutores. Vindo de quem vem, a quem já vi dezenas de intervenções televisivas, é uma verdadeira descoberta que José Pacheco Pereira considere negativo e digno de censura que em televisão se demonstre desprezo intelectual pelos seus interlocutores…


Mas isso será apenas um mero aspecto formal mais caricato da sua apreciação. Recorrentemente, quando solicitado a emitir uma opinião sobre as medidas mais recentes adoptadas por este governo, José Pacheco Pereira costuma ultrapassar a apreciação da medida em si para se concentrar sempre nos motivos – sempre superficiais… - que estarão por detrás da sua adopção. Ora isto é um verdadeiro vício argumentativo designado por processo de intenções – aquele a que se refere a famosa expressão coloquial eu não faço processo de intenções. Há muito quem o use e invoque sem saber do que se trata. Mas por tudo o que já lhe ouvimos não será aceitável que esse seja o caso de José Pacheco Pereira…

Aditamento de 19 Outubro: José Pacheco Pereira resolveu adicionar cinco comentários de leitores fortemente críticos e discordantes (e só desses…) sobre as apreciações que havia emitido a respeito do programa Prós e Contras. Será uma admissão de mea culpa? Será que, para alguns dos seus leitores, JPP está tão preso a uma reputação de equilíbrio e distanciamento que já não lhe permitem ataques de clubite política?

TÃO GIROS, TÃO FRESCOS, TÃO TERRA-A-TERRA, TÃO HERÓIS DO MAR…

Eu bem sei não ter formação e porventura nem terei sequer sensibilidade para saber analisar aquilo que o público leitor de jornais poderá apreciar e só por isso não teço quaisquer considerações sobre a decisão editorial do Público de atribuir duas das suas páginas iniciais completas (2 e 3) à ocupação do teatro Rivoli no Porto. Aliás, julgo que será o tipo de destaque que os ocupantes precisamente desejam.

Contudo, considero-me capaz de atribuir ou não a importância devida a um qualquer acontecimento que seja noticiado. E este, onde um grupo alargado de amigos – todas as descrições põem o número de ocupantes e acólitos na casa das dezenas – resolveu fazer uma passeata tipo okupas quase que em homenagem aos bons velhos tempos, não parece revestir-se, decididamente, de grande importância.

Mas o facto de um acontecimento não ter importância pode não ser sinónimo de que ele possua um grande potencial noticioso e gráfico, como se comprova pela cobertura que dele faz o jornal, com as palavras de ordem afixadas pelos ocupantes, empregando trocadilhos imaginativos como o Rivolição da fotografia ou similares. É tão engraçado e interessante como o eram as saudosas abóboras gigantes que apareciam nas hortas do Entroncamento.

É evidente que a intervenção daquela senhora que tem ocupado – sem muita distinção, saliente-se - a pasta da cultura, oferecendo-se para mediar uma disputa em que nenhuma das partes ainda tinha pedido mediador só contribuiu para adicionar um pouco mais de ridículo a uma situação que, pela sua ligeireza, tende naturalmente a ser observada de fora pelos seus aspectos mais animados e cómicos.

Mesmo que acredite que Rui Rio tenha um feitio insuportável que não lhe granjeará quaisquer simpatias entre a classe jornalística, em todo este processo a Câmara do Porto e o seu presidente têm-se mantido silenciosos, evitando qualquer pretexto para que a imprensa lhes caia em cima, a não ser os que estão mais assanhados que estão a ser obrigados a criticá-lo… mas por não dizer nada.

E faz bem Rui Rio, porque não tem o espírito de humor que a situação requer. O espírito de humor, por exemplo, que demonstrava Herman José (fazendo de patroa) quando abraçava a cabeça de Margarida Carpinteiro (a sopeira) na Cozinha do Tal Canal e condescendentemente apreciava os comentários desta: As coisas que elas dizem…Estas cabecinhas são tão giras, tão frescas, tão terra a terra, tão heróis do mar…
(fotografia do Público)

17 outubro 2006

ALICE, MAS NÃO SEI BEM EM QUE PAÍS…

Não calhou fazê-lo no blogue até agora, mas para o enquadramento deste poste é conveniente esclarecer que considero a ideia das taxas de internamento da Saúde de Correia de Campos como irrecuperavelmente estúpida. E repito o advérbio, irrecuperavelmente, para frisar que julgo que ali não há explicação adicional que Correia de Campos possa prestar que anule a opinião que se trata de um processo de sacar mais dinheiro aos utentes do SNS à má fila.

Feita esta necessária introdução sobre a matéria em causa, agora gostava que me esclarecessem sobre uma notícia de destaque do Diário de Notícias de hoje cujo primeiro parágrafo é este: Carlos César recusa aplicar nos hospitais públicos dos Açores a taxa de internamento criada pelo ministro da Saúde, Correia de Campos. O primeiro esclarecimento incide sobre o estilo, que me faz lembrar estranhamente o de um outro presidente de governo regional. Era mesmo assim que Carlos César pretendia fazer passar a sua mensagem para o continente?

O outro esclarecimento incide sobre o tempo dos verbos empregues na redacção da notícia. Estou a deduzir mal se dessa redacção extrair que a taxa de internamento já foi criada, já está em vigor e que Carlos César se recusa a aplicá-la nos hospitais públicos açorianos? Ou estou a antecipar as coisas? Deve ser nestas ocasiões que se torna mais fácil perceber como a actividade política e o jornalismo que dela se alimenta parece viver num mundo de intenções e manobras parecido com o saído da imaginação de Lewis Carroll

O PRESIDENTE TRAVESSO

É muito positivo que se tenha procedido à apresentação pública do Relatório da ONU sobre os acontecimentos de Timor de Abril e Maio deste ano. Considero-o um relatório mais sábio, no sentido de sensato (estão disponíveis as suas conclusões em versão sintética e integral), do que propriamente rigoroso. Não em relação aos acontecimentos em si, pois não tenho fontes alternativas de informação para comparar, mas em relação à forma como estão redigidas as atribuições de responsabilidades.

No geral, compartilho as opiniões expressas no seu blogue por Paulo Gorjão quanto à existência nele de algum facciosismo (ele chama-lhe condescendência) pró-Gusmão na forma como se analisam o apuramento das responsabilidades pelos acontecimentos. Podem nele ler-se, na versão sintética, censuras dirigidas tanto a Taur Matan Ruak (o Chefe das Forças Militares) como a Mari Alkatiri (Primeiro-Ministro) – presumo que bem fundamentadas - incluindo algumas sobre aquilo que poderiam ou deveriam ter feito em determinadas circunstâncias.

Contudo, aplicando escrupulosamente essa mesma lógica à actuação do Presidente Xanana Gusmão, depois de se saber tudo aquilo que veio a ser publicado depois a seu respeito (e da esposa…), não só na imprensa portuguesa como também na australiana, restarão poucas dúvidas que Xanana também poderia e deveria ter tido outra conduta em todo o processo e por isso também poderia vir a ser censurado no relatório. A omissão disso na redacção deste relatório da ONU dever-se-á provável e sensatamente a Razões de Estado.

Restar-nos-á o consolo de não ter sido necessário considerar quaisquer Razões de Estado nas investigações efectuadas a respeito de um outro presidente, o de Israel. Senão, em vez das conclusões da notícia “Ministério Público de Israel começa a redigir acusação contra o Presidente”, haveria um outro relatório, a concluir que o presidente poderia ter sido, uma vez por outra, um pouco mais travesso com as suas empregadas e que às vezes estas levavam as brincadeiras a mal, mas nada mais que isso…

16 outubro 2006

AS INDEPENDÊNCIAS AO LONGO DO SÉCULO XX (10)


CONCLUSÕES


A interpretação do quadro acima deverá ser esclarecedora como, às fases cuidadosas das primeiras décadas do século XX, se sucederam, depois da 2ª Guerra Mundial, duas novas fases em que explodiram as concessões de independências. Uma primeira, mais urgente, que incluía os países mais importantes e populosos (Índia, Indonésia, Paquistão, etc.), depois os restantes, até aos arquipélagos remotos da década de 80. Depois de uma paragem no último lustro da década de 80, na década e meia seguinte, com o fim da União Soviética, as coisas tornaram a reanimar. Ainda hoje, restam uns pequenos retoques a fazer.

Em termos do pensamento político, as ideias evoluíram desde a concessão da autodeterminação exclusivamente aos povos europeus, à sua extensão aos povos árabes, depois, a todos os povos, excepto aos africanos, posteriormente, a todos eles, incluindo os africanos, e finalmente, a todos, mas mesmo todos, incluindo aqueles que não disporiam das condições materiais para o fazer, até aos dias de hoje, em que talvez se comece a pensar que se pode ter aberto uma Caixa de Pandora que convém encerrar.

Porque convém olhar para a realidade mundial e o mundo não está a ficar melhor e mais igualitário só pelo facto de aumentarem os lugares na Assembleia-geral da ONU. Existem hoje mais de 180 países, com os dez maiores países representando quase 60% da população mundial da actualidade mas com a metade representada pelos 90 países mais pequenos a agregar somente 4% dela. Em termos económicos a imagem da desigualdade da distribuição será idêntica, senão possivelmente ainda mais distorcida.

Quando se confronta esta realidade com as possibilidades de um maior protagonismo da ONU no futuro, é de perguntar quantos países aceitariam, para a sua ordem interna, que a formação dos seus órgãos legislativos nacionais fossem baseados em regras que conduzissem a situações de representação tão distorcidas como as da Assembleia Geral da ONU onde, o poder de voto da Micronésia e das Seychelles (com 60.000 habitantes) são idênticos aos da China e da Índia, com uma população 20.000 vezes superior…

Para a regulação da ordem internacional há o Conselho de Segurança, o organismo da ONU que a prática demonstrou ser o mais eficaz dos concebidos há mais de 60 anos, na época da sua constituição. Talvez por se ter mantido importante, se note a preocupação geral com o facto da sua composição o estar a tornar vetusto, ao não incorporar as transformações que nas relações de forças que o Mundo tem vindo a sofrer. Mas a lógica que domina o Conselho de Segurança é uma lógica aristocrática, não democrática. Só que isso são os problemas dos poderosos, e todos os poderosos que entretanto se tornaram independentes – como é o caso da Índia – são hoje países maduros, fora destas nossas considerações finais.

É evidente que, a partir de uma certa época, as condições de acesso à independência foram facilitadas, o que tornou o comportamento de certos países recentes muito parecido ao de crianças mimadas. Sem se ser um defensor de uma espécie de bons velhos tempos da política internacional, relembre-se que quando o rei Afonso Henriques tornou Portugal independente, pediu o reconhecimento do Papa e, muito possivelmente, pagou-lhe por isso. E não havia antigo colonizador, Banco Mundial, nem FMI, nem ONU, ou outra ONG onde se pudessem pedir fundos de emergência.

E vale a pena referir ainda os casos de países onde a repetição de incidentes de fracturas internas em poderes distintos e rivais já se tornou tão banal (Afeganistão, Somália, Serra Leoa, Libéria...) que valerá a pena perguntar se não será apenas por uma espécie de muito boa vontade colectiva do resto da comunidade internacional – a que se juntará um pouco de inércia – que ainda permite designar por países aqueles conjuntos de populações que vivem delimitadas para lá de uma determinada fronteira…

Por outro lado, para uma significativa parte dos habitantes dos escassos territórios que sobreviveram à febre descolonizadora da segunda metade do século a vida parece correr-lhes bem. Associados normalmente a uma antiga potência europeia, pertencente à União Europeia, têm direito a transportes aéreos subsidiados, a fundos comunitários atribuíveis às regiões ultra periféricas, à liberdade de emigração dos seus excessos populacionais e, enfim, podem mesmo jogar com o dever das metrópoles em defenderam o prestígio do seu welfare state, até nos trópicos. São os casos da Martinica, de Guadalupe, das Antilhas Holandesas ou da Reunião.

Em face de tudo isto, não é difícil perceber porque é que um ex-presidente de Cabo Verde, afirmou uma vez, para um jornal português, numa declaração que era provavelmente para ser considerada off the record, que a independência de Cabo Verde pode ter sido um erro. Embora discutível, esta posição é defensável. Mas, é evidente que ela foi rapidamente desmentida porque vai contra tudo aquilo que hoje é considerado como politicamente correcto. Continuará a sê-lo no futuro?

O PROGRAMA NUCLEAR DA TURQUIA

Quando em 7 de Outubro último, o presidente do Egipto, Hosni Mubarak disse em entrevista publicada pelo semanário egípcio As Forças Armadas que o seu país tem direito a usar energia nuclear com fins pacíficos, toda a gente entendeu o seu recado. Aliás, nada mais eloquente do que a escolha de um jornal intitulado As Forças Armadas para realçar o uso pacífico que se pretende fazer da energia nuclear…

A chamada proliferação nuclear tem destas coisas. É um pouco como aquele sentimento que nos faz invejar as coisas do nosso vizinho e, quantos mais países passarem a dominar o armamento nuclear, tantos mais vizinhos invejosos aparecerão. Pela estimativa de El Baradei, o director da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), eles poderão ser actualmente uns 20 ou 30.

E não será difícil deduzir quais serão, siga-se apenas a geografia da proliferação, de que um dos seus eixos – o detentor do armamento nuclear justifica a sua aquisição pela posse do mesmo por parte do país que o antecede – terá começado nos Estados Unidos (começam sempre…), União Soviética, China, Índia, Paquistão, Irão… até aos próximos candidatos da série que serão a Arábia Saudita, a Turquia e precisamente o Egipto.

Por isso mesmo, não deve constituir qualquer surpresa no mundo profissional das informações militares o anúncio feito agora por Mubarak, nem deve ser brilhante a dedução que sauditas e turcos devem estar agora mesmo – se já não estivessem antes… – a dedicar os seus melhores esforços á obtenção de meios que lhe permitam dispor das matérias primas necessárias para a construção de um dispositivo nuclear.

Pelos vistos, como já deu para perceber mesmo no mundo dos leigos, num engenho nuclear o segredo estará na pureza do material utilizado e nos processos conducentes a obtê-la, e não a técnica de construção do engenho, cujos princípios parecem estar banalizados. Aliás, especula-se agora como terá sido uma falta de pureza do material nuclear explosivo que teria estado por detrás do alegado fracasso do teste norte-coreano.

Em certas ocasiões, é por pequenas coisas que não acontecem que se podem perceber melhor a profundidade de certos assuntos. Se o recente diferendo franco-turco, a propósito da criminalização da opinião sobre o genocídio arménio em França tivesse raízes sérias, era uma manobra muito provável que a máquina propagandística francesa tivesse feito saltar para a luz do dia a existência de um programa nuclear turco.

A imagem de uma Turquia à procura de uma bomba atómica seria capaz de arrasar, por muitos anos e bons, em termos de opinião pública, a sua imagem e as veleidades da sua adesão à União Europeia. Assim como está o assunto, com muita parra e pouca uva (apenas 1/5 dos deputados votaram a lei na Assembleia Nacional), mostra bem onde os responsáveis franceses o querem: como uma manobra política (canhestra) de consumo interno…

O GRANDE PORTUGUÊS

Estou desconfiado que uma das inúmeras razões do azedume proverbial de Vasco Pulido Valente resulta de ninguém o tratar como ele gostaria de ser tratado: três iniciais e um apelido à boa maneira de um reputado historiador britânico dos meados do século passado, na linha de A.H.M. Jones, J.F.C. Fuller ou o A.J.P. Taylor, cujo estilo narrativo, aliás, ele tanto gosta de imitar.

Entretanto, depois da era da Tatcher, aquela mulher horrorosa, que tudo isso mudou e os nomes que agora são mais conhecidos no ramo - que até escrevem para jornais, os desqualificados – revelam-se de um plebeísmo e de uma banalidade de elaboração que são insuportáveis, como Niall Ferguson ou Timothy Garton Ash. Bonito, bonito, era passarmos a ter o Vasco a ser tratado entre nós por V.P.V. Guedes.

Lembrei-me disso por causa dos comentários do V.P.V. Guedes fez, na sua última crónica de Domingo no Público, a respeito do programa da RTP Os Grandes Portugueses, concurso onde só agora descobri que não se pode escolher livremente em quem se vota, o que é mesmo lamentável. Porque, garanto-vos, o meu voto iria direitinho para o autor da crónica.

Não por causa da sua complexa análise sociológica que o leva a profetizar que o resultado final do concurso vai dar Amália Rodrigues ou Afonso Henriques, nem por causa da imemorável prestação de V.P.V. Guedes enquanto foi nosso governante ou nosso representante na AR, mas sim pela exigência que se impõe e se lhe nota em todas as suas crónicas quanto aos atributos que o povo português deveria ter.

Não me lembro de ninguém que esteja mais habilitado para protagonizar o Grande Português do concurso: se todos lhes prestássemos mais atenção ao que diz e fizéssemos justamente aquilo que ele faz, era muito provável que os portugueses pudessem estar precisamente na mesma no que respeita a todos os aspectos materiais, mas estavam muito mais lucidamente deprimidos com a sua própria mediocridade…