31 dezembro 2020

A NOMEAÇÃO DO NEGRO PARA O «ALTO» CARGO ADMINISTRATIVO

31 de Dezembro de 1960. Uma das notícias de há sessenta anos era que o presidente-eleito dos Estados Unidos, John Kennedy, nomeara «um negro para um alto cargo administrativo»! O «negro», Robert C. Weaver, seria considerado no Portugal contemporâneo, não propriamente um negro, mas um mulato, e daqueles mais claros, ou seja, aceitável. Quanto ao «alto» cargo, afinal era apenas a direcção de uma agência federal (Housing and Home Finance Agency) - e elas são tantas que, ainda hoje, ninguém se arrisca a precisar qual o número (da ordem das centenas) de agências dependentes da administração federal norte-americana. Ou seja, ninguém teria prestado atenção a esta nomeação, não fora a condição do nomeado. E era «o mais alto cargo até hoje ocupado por um negro nos Estados Unidos». E isto passa-se noventa e nove anos depois de ter começado a Guerra Civil nos Estados Unidos, cujo objectivo dos vencedores fora a erradicação da escravatura. A história das relações raciais nos Estados Unidos é um verdadeiro embaraço.

QUANDO O PASSADO DE HÁ 75 ANOS SE REVELA UM LOCAL COMPLETAMENTE DESCONHECIDO

31 de Dezembro de 1945. A edição do último dia do ano do Diário de Lisboa faz uma compilação das «figuras notáveis de Portugal» que haviam falecido ao longo do ano que então findava. É uma lista de 56 nomes, onde desafio o mais bem informado dos leitores deste blogue a identificar - sem auxílio! - mais do que cinco. Mas deve ser tomando isto em consideração que se deve avaliar a notabilidade dos membros da lista equivalente de falecidos em 2020 que o(utro)s jornais invariavelmente irão publicar neste último dia de 2020...
Quantos dos titulares destas mortes marcantes de 2020 serão ainda reconhecidos em 31 de Dezembro de 2095?...

30 dezembro 2020

...E ATÉ PODIA COMEÇAR A JUSTIFICAR O AUMENTO TRABALHANDO NO FERIADO DO PRIMEIRO DE JANEIRO...

Há que reconhecer que, em muitos casos, as nossas Redes Sociais se limitam a reflectir as idiossincrasias lusas, pujantes nas indignações, mas miseravelmente parcas nas soluções. A que se junta, como aconteceu com este episódio recente do aumento do ordenado de Miguel Frasquilho na TAP, uma propensão para esquecer e desaproveitar os exemplos do passado. Que, no caso, até teriam sido muito relevantes para encontrar uma solução para o problema ocorrido. O que era imprescindível, para satisfazer todos, Redes Sociais, Pedro Nuno Santos e Miguel Frasquilho (António Costa está de quarentena...), era recordar que, aqui há nove anos, o mesmo Miguel Frasquilho fora um dos proponentes e grandes entusiastas da redução dos feriados em Portugal. Como o próprio argumentava então, «a supressão de quatro feriados» por ano iria «produzir ganhos de até 148 milhões». 148 milhões que iriam servir para «produzir mais riqueza para conseguir(mos) mais rapidamente pagar o atoleiro de dívidas em que estamos» (veja-se acima). Pouco importará para o caso o que outros pensaram da ideia, a começar pelo actual presidente da República, que classificou «a abolição dos feriados» como das «coisas mais estúpidas» daquele governo... É que, neste caso, e em vez de andar a pregar para os outros, Miguel Frasquilho podia aplicar em si, e apenas em si, a tal solução de «produzir ganhos de até» 21.000 euros (1.500 x 14), para compensar o aumento salarial que está a causar toda aquela controvérsia. Em vez de abdicar do aumento, o que ele deveria fazer, em coerência com o que preconizou para a economia portuguesa num todo, era deixar de gozar os feriados, a começar logo por este do primeiro de Janeiro. Ou a TAP também não está num «atoleiro de dívidas»? Ou então, nada do que aqui escrevi faz sentido, porque entretanto Frasquilho se terá apercebido que a sua ideia da supressão dos feriados era mesmo estúpida, como a crismava Marcelo... sobretudo se aplicada a si próprio, Miguel Frasquilho.

A MORTE DO GENERAL JUAN PRIM

Madrid, 30 de Dezembro de 1870. Morte do primeiro-ministro Juan Prim, na sequência de um atentado que tivera lugar à saída das Cortes espanholas, três dias antes. Esse atentado foi reconstituído das mais variadas maneiras, conforme as reproduções que se anexam. Ainda hoje as circunstâncias precisas do atentado não estão de todo esclarecidas, e muito menos está claro quem terá sido o mandante. Numa das últimas circunvoluções à volta do assunto, ocorridas em 2013, houve quem alvitrasse que o general Prim tivesse morrido estrangulado e não em consequência directa dos ferimentos que recebera, tese que veio a ser posteriormente desmentida por outros. De uma limpidez cristalina foram as consequências políticas para o projecto que Juan Prim abraçara, o de instalar um monarca de predisposição liberal no trono de Espanha na pessoa de Amadeu I de Saboia. Nesse mesmo dia 30 de Dezembro, estava o novo rei a chegar a Espanha, a desembarcar no porto de Cartagena. Chegara finalmente o novo rei, mas a sua utilidade política morrera com Prim. Amadeu irá abdicar do trono daí por pouco mais de dois anos.

29 dezembro 2020

AINDA SOBRE PRESIDENCIAIS, MAS DESTA VEZ APENAS SOBRE O ACESSÓRIO

Conclusivamente, tanta foi a celeuma provocada pelo ostracismo votado pelas televisões ao Tino de Rans, e tão temíveis poderiam ser as consequências eleitorais da atitude de o excluir, que os outros candidatos foram todos abraçar solidariamente o Tino e na RTP se achou por bem inclui-lo na grelha de debates com os restantes candidatos. Quem tiver memória recordar-se-á que isto é apenas uma repetição daquilo que acontecera há dez anos com José Manuel Coelho (outro candidato proscrito), que também ficara esquecido até a RTP ter arranjado uma entrevista feita à última da hora por uma muito contrariada Judite Sousa. Veja-se abaixo a forma como Judite cumprimentou o candidato depois da entrevista: aquilo é que era distanciamento social e isso nove anos antes da covid-19!
E como também acontecera das outras vezes, as duas televisões comerciais (SIC e TVI) escusaram-se a alterar os seus debates. Há nos responsáveis das duas estações uma selectividade antipática, selectividade essa que se torna evidente em ocasiões como aquela das eleições de 2016 em que Ricardo Costa manifestou frontalmente a sua «dificuldade de (sic) perceber o que é que o Tino de Rans estava ali a fazer...». Frontalidade por frontalidade e invocando-se, quando conveniente, os imperativos da televisão comercial, confesso-vos a minha gana por não ter uma ocasião para perguntar a Ricardo Costa porque é que ele não vai entrevistar também a Popota dos brinquedos do Continente? Estou convencido que a Sonae ia adorar... Mas acabemos com as divagações dos disparates do passado e concentremo-nos nos do presente.
E um dos que encontrei, espoletado por este episódio do ostracismo ao Tino, li-o num editorial do Público onde Manuel Carvalho, por debaixo de um título-apelo para que Deixem Vitorino Silva debater, tem esta passagem antológica: «Reconheça-se que na decisão há uma ideia subliminar que, em tese, merece condescendência. A de que não se pode tratar de forma igual o que é diferente. Tino de Rans é claramente um candidato oportunista, que aproveita as prerrogativas da democracia para se promover.» De seguida, Carvalho tenta amenizar a bojarda, mas já não consegue, que o que ele escreveu é de uma parcialidade inqualificável. É que o único candidato que concorre para presidente nestas eleições é mesmo Marcelo. Os outros andam lá todos a fazer figura, por razões díspares. E, apesar disso, o único que ele qualifica de oportunista é o Tino?!
Pior do que a incongruência, Manuel Carvalho confunde o fundo e a forma. Na forma, e embora Carvalho empregue o eufemismo «diferente», o Tino está a ser considerado um rústico e será isso que o distingue de todos os outros. Distinto de todos os urbanos, entenda-se. Mas quanto ao fundo, e se Tino não tem nada dentro da cabeça, ele não se distingue de tantos outros oportunistas urbanos, evoquemos, por exemplo, o caso de Pedro Santana Lopes, que não concorre a estas eleições presidenciais (mas que está sempre em campo e para 2026!), e que, sendo tão vazio quanto o Tino, merecia, ainda não há dois anos, as atenções de um editorial do mesmo Manuel Carvalho. Ora Pedro Santana Lopes é um outro candidato oportunista que aproveita, mais do que as prerrogativas da democracia, a indulgência de pessoas como o próprio Manuel Carvalho. E só apontam o Tino?!...

O JORNALISTA QUE ERA UM GRANDE «NABO»

Haia, 29 de Dezembro de 1970. O jornalista da ANI que escreveu a notícia acima não percebia nada do assunto sobre o qual o haviam encarregado de escrever. (A ANI era a Agência Noticiosa de Informação, antecessora da actual Lusa, e, como se percebe pelo exemplo acima, tinha os mesmos problemas de (in)competência do seu quadro de jornalistas da sua sucessora). A incompetência, neste caso, exibe-se na tradução forçada e despropositada da expressão Airbus para «autocarro voador». O grande consórcio construtor aeronáutico que se tornou mundialmente conhecido por Airbus era denominado há cinquenta anos pelo nabo do jornalista da ANI como "o projecto do «autocarro voador» franco alemão. Quem não conhecesse o assunto - quase todos os leitores - nem percebia do que se tratava.

28 dezembro 2020

TERRORISMO JUDEU

28 de Dezembro de 1945. De Jerusalém, então capital do Mandato que os britânicos exerciam sobre a Palestina, chegavam notícias do resultado de um conjunto de acções que haviam sido desencadeadas pelas organizações clandestinas judaicas armadas Irgun e Lehi. Haviam sido visadas a sede do CID (Criminal Investigation Department) em Jerusalém, a delegação da mesma organização na cidade portuária de Jafa e ainda o depósito em Telavive do Real Corpo de Engenharia Eléctrica e Mecânica. No global, as acções saldaram-se, entre as forças de segurança, por dez mortos (seis polícias britânicos e quatro soldados das tropas coloniais africanas) e ainda doze feridos; do outro lado, houve apenas um membro do Irgun morto. O estilo das operações fazia recordar, de alguma forma, as acções clandestinas da resistência na Europa ocupada durante a Segunda Guerra Mundial que terminara há meses. Mas as circunstâncias eram absolutamente outras: os soldados alemães podiam permitir-se responder com uma crueldade e violência que agora estavam vedadas aos britânicos. Não apenas porque o Reino Unido era uma democracia e a Alemanha não o era, mas também e sobretudo, porque retaliar contra judeus seria um desastre de relações públicas, quando os judeus haviam sido as grandes vítimas da Segunda Guerra Mundial. As autoridades britânicas limitaram-se a reagir com uma gigantesca operação de buscas em Jerusalém e Telavive e a imposição do recolher obrigatório naquelas cidades até dia 5 de Janeiro. A situação da segurança na Palestina era complexa e a situação de quem era responsável por ela não era nada invejável.

27 dezembro 2020

UMA LEMBRANÇA DO FRIO QUE TAMBÉM FAZIA HÁ CINQUENTA ANOS

Domingo, 27 de Dezembro de 1970. Há cinquenta anos o dia de Natal também calhou a uma Sexta Feira, tornando a quadra em fim-de-semana prolongado de quatro dias. E também fazia muito frio: o jornal dava as temperaturas do ar às 9H00 da manhã desse Domingo em diversas cidades do país, quase todas elas valores tiritantes: Lisboa 2ºC, Porto -1ºC, Coimbra 0ºC, Faro 4ºC, Portalegre -2ºC, Penhas Douradas -6ºC. Só um Funchal, então denominado por adjacente, destoava - como hoje - do panorama: 14º C. Quanto aos adereços de que eu me servia para combater esse frio lembro-me de um exemplar de um Matra F1 da Solido, idêntico ao da foto abaixo, mas que, ao contrário deste publicitado há dias pelo OLX por 45€, serviu realmente para brincar. 

OS FIASCOS COMPROVADOS DA ASTROLOGIA JORNALÍSTICA

27 de Dezembro de 1980. O aproximar do fim do ano é época consagrada para a costumeira treta das previsões astrológicas para o ano seguinte e este exemplo de há quarenta comprova a prática. Porque o assunto não tem préstimo jornalístico sem alguns factos bombásticos que despertem a atenção ao leitor, os daquele ano, previsões para 1981 portanto, previam logo as mortes do dirigente da União Soviética (Brejnev), daquele que viria a tomar posse desse cargo nos Estados Unidos (Reagan) e ainda de um dos mais badalados da comunicação social no ano que terminara, Khomeiny do Irão. Um fiasco em toda a linha: sabia-se que a saúde de Brejnev (74 anos) não era das melhores, mas ele iria durar até 1982; Reagan (69 anos) até virá a sofrer um atentado, mas sobreviver-lhe-á e durará oito anos no poder e quase dezasseis depois disso (2004); quanto a Khomeiny, o mais idoso dos três e já octogenário quando das previsões (80 anos), perdurará até 1989. A conjunção entre Júpiter e Saturno, que nos é dada como explicação para tal hecatombe de dirigentes políticos, repetiu-se há muito pouco tempo, e eu estou em pulgas para saber quantos é que vão morrer em 2021... Em contraste com tanta morte anunciada e não concretizada, numa passagem do texto pode ler-se que o ano que se iniciaria seria «difícil para o presidente egípcio Anwar Sadat», dificuldades que, em comparação com a mortandade supracitada, os acontecimentos posteriores transformaram num daqueles eufemismos excessivos... (Sadat morreu assassinado numa parada militar em 6 de Outubro de 1981)

26 dezembro 2020

SOBRE PRESIDENCIAIS, O PRINCIPAL E O ACESSÓRIO

Sobre o que de importante há a dizer sobre as eleições presidenciais que se avizinham, aquilo que me ocorre é destacar a impertinência da realização de eleições presidenciais para reeleger quem lá está. De facto, se continuam a subsistir opiniões muito diversificadas (e muitas de mérito) sobre o âmbito do que deverão ser as competências presidenciais e a possível alteração da situação existente, quando se chega à configuração dos mandatos presidenciais e ao seu limite, são esmagadoras as vozes de quem argumenta pela modificação do «status quo», em contraste com o silêncio de quem se apresente a defender aquilo que está. O argumento mais impositivo a respeito desse assunto é o do percurso histórico das eleições em que um presidente em exercício se apresenta à reeleição: das quatro vezes em que isso aconteceu, nenhum presidente em exercício perdeu a reeleição. E, à quinta vez, também me parece assegurado que Marcelo não vai perder esta próxima. Temos assim estabelecido um ciclo eleitoral consuetudinário para as eleições presidenciais: de dez em dez anos, há eleições a sério; nas eleições intermédias dos cinco anos de mandato, há uma coisa. Portanto, em Janeiro próximo vai haver mais uma coisa. Já se constatou a coisa em 1991 com Soares, em 2001 com Sampaio, em 2011 com Cavaco, mas a disposição dos principais partidos para alterar as regras constitucionais e descartar estes actos eleitorais gratuitos continua a ser nula. Obviamente, em 2021, Marcelo vai ganhar. Se precisar de duas voltas para o conseguir será um escândalo. Sobre eleições presidenciais isto é o principal que se me oferece dizer. Mas, porque a disposição dos principais agentes e actores políticos é a de deixar estar tudo como está, que estará muito bem, é que me sinto com liberdade para aproveitar o próximo acto (supérfluo), a tal coisa, para eu votar noutras coisas. No caso desta próxima eleição presidencial, assumo que não pretendo votar em nenhum candidato presidencial, mas vou votar num dos candidatos presidenciais - com o objectivo de derrotar os maiorais do jornalismo televisivo. Que ganharam mais uma vez a inimizade generalizada, com as entrevistas televisivas protagonizadas por Miguel Sousa Tavares ou João Adelino Faria, entrevistas que se tornaram numa cacofonia, em que não deixaram falar os entrevistados. Mas a prática da sobranceria e do vedetismo das estrelas da televisão para com os candidatos presidenciais é já antiga, especialmente quando esses candidatos são oriundos das franjas político-sociais, deixem-me recuperar dois exemplos publicados aqui no Herdeiro de Aécioum de Judite Sousa para com José Manuel Coelho em 2011 ou então outro de Ricardo Costa para com Tino de Rans em 2016. Em todos os casos citados (e os casos não são todos, que muitos há mais...), Sousa Tavares, Adelino Faria, Judite Sousa, Ricardo Costa, podem estar em canais diferentes e as circunstâncias serem diferentes, mas une-os a mesma prosápia desdenhosa de quem se acha imensamente... quando são uns merdas. Ora quando os vejo (a eles e às televisões que os apadrinham) na notícia acima a ostracizar esse mesmo Tino de Rans e a sua candidatura, pergunto-me por quem se tomam eles... porque por quem me tomam eles sei eu muito bem: por parvo, a atender à estupidez da explicação que desencantaram para justificar a exclusão do candidato Tino dos debates, a historieta de o excluir por não ser um candidato que disponha de apoios parlamentares. (Vitorino Silva recebeu 152.000 votos nas últimas eleições presidenciais de 2016, o que representa mais do dobro dos 67.0000 votos recolhidos tanto pelo Chega como pela Iniciativa Liberal quando das eleições legislativas que lhes deram a tal de «representação parlamentar»). Com tanta arrogância a combinar-se com tanta aldrabice, estas eleições que nem causa tinham, para mim adquiriram-na: vai ser preciso votar no Tino! Não para que ele seja presidente (nunca o será), mas porque, agora em registo acessóriouma votação robusta num candidato a que não foi concedido sequer o privilégio de debater com os outros na televisão será uma trancada muito bem aplicada na arrogância dos maiorais da informação e da política dos meios audiovisuais, que andam para aí convencidos, e nos tentam fazer crer, que só através deles é que flui a informação política e a formação das opiniões. Olhem que não, como diria o velho doutor Cunhal, olhem que isso é cada vez menos assim. E, se não aprendem de outra maneira, que o eleitorado lhes esfregue umas poucas centenas de milhar de votos nas trombas...

A ANTECIPAÇÃO DO OCASO POLÍTICO DE HUA GUOFENG

26 de Dezembro de 1980. É sabido o quanto a quadra natalícia, por causa do "recolhimento", costuma "esvaziar" o noticiário internacional, nomeadamente aquele que é predominantemente oriundo do mundo ocidental (cristão). O que costuma existir, veja-se acima à direita, são as enfadonhas narrativas de Roma, com o Papa, a Terra Santa, etc. Esse vazio precisa ser preenchido com o que acontece no resto do Mundo, e há 40 anos, a visita de um ministro dos Negócios Estrangeiros paquistanês (que, como muçulmano, não celebrara o Natal) a Pequim (onde também não se celebrara o Natal) era pretexto para "esticar" um bocado o assunto com a questão do "desaparecimento" mediático e institucional de Hua Guofeng, o presidente do partido comunista chinês (PCC), precisamente aquele que sucedera ao incontornável Mao em 1976 (e figura em destaque no cartaz acima). Naquela lógica muito dialéctica do marxismo-leninismo, se o presidente se tivesse encontrado com o ministro nada de importante teria saído dali, porque as relações (próximas) entre a China e o Paquistão se tratavam a outro nível; mas, como não se encontrara com o ministro, essa ausência de encontro assumia uma importância que o encontro nunca poderia ter tido. O (não) evento era para ser interpretado como uma despromoção do visado na hierarquia doméstica e a notícia dava conta das especulações que Hua Guofeng se prepararia para ceder o lugar ao verdadeiro homem forte da China, Deng Xiaoping, de quem Hua fora aliado em 1976 quando da manobra que derrubara o Bando dos Quatro. Os factos virão a substanciar a especulação do jornal, embora isso venha a acontecer a um ritmo chinês: dali por seis meses. Em 28 de Junho de 1981 Hua Guofeng vai ser substituído por Hu Yaobang à frente do PCC. Mantendo um padrão que fora o da China de Mao, nas altas esferas da política chinesa, a titularidade dos cargos podia não ser sinónimo de robustez do poder detido; Hua Guofeng encabeçava o partido, o exército e o Estado mas Deng Xiaoping despojara-o e derrubara-o nos bastidores do partido; mas, em contraste com os anos do maoismo e com as práticas do Bando dos Quatro e para com o Bando dos Quatro, com Deng os membros do partido caídos em desgraça seriam, a partir daí, apenas destituídos, sem prisões ou quaisquer coacções de outra forma.

25 dezembro 2020

O CONGRESSO DE TOURS

Tours, França, 25 de Dezembro de 1920. Começava (e, não por acaso, no dia de Natal) o 18º Congresso dos socialistas franceses, aqueles que constituíam a Secção França da Internacional Operária (SFIO), como então se denominava a sua organização, ainda muito impregnada do espírito internacionalista dos tempos de Marx e Engels. Esse internacionalismo doutrinário fora posto à prova em 1914, com a eclosão da Grande Guerra. A grande maioria dos socialistas franceses (e, do outro lado, alemães) apoiaram os esforços de guerra das respectivas nações, enquanto uma corrente neutral-pacifista veio quebrar a unidade das esquerdas. Outra fractura, menos teórica e mais consequente, foi a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, em Novembro de 1917. Estes últimos formaram uma outra Internacional onde eram dominantes (a III), e uma das questões mais prementes do congresso que há cem anos começava era o de saber se a Secção Francesa aderiria a essa nova Internacional. Dois dirigentes franceses (Cachin e Frossard) foram enviados a Moscovo para conferenciar com os bolcheviques as condições de adesão dos socialistas franceses à III Internacional. Ainda hoje existe uma controvérsia quanto às condições formuladas pelos bolcheviques: há uma primeira versão mais soft com 9 cláusulas e depois há uma versão hard com 21 condições, mais draconianas, e com a legitimidade dos acrescentos terem sido redigidos pelo próprio Lenine. O que importa é que, quando os trabalhos se iniciam, há precisamente um século, os socialistas estão divididos em três blocos: o pró-bolchevique, o neutralista, que aceita a filiação na III Internacional mas não aceita todas as 21 cláusulas e pretende discutir as mais controversas, e o histórico, que reúne os mais proeminentes dirigentes do movimento, a começar por Léon Blum, Jules Guesde e Albert Thomas. Contudo, a maioria dos congressistas haviam sido eleitos nos meios sindicais das concentrações industriais da Grande Paris e do Norte de França e isso vai-se fazer sentir no resultado das votações das moções apresentadas: o bloco pró-bolchevique representava cerca de 3.200 votos e os outros dois, reunidos, apenas uns 1.000. As teses comunistas foram aprovadas todas, sem negociação, e as duas facções derrotadas abandonaram os trabalhos do congresso ainda antes do seu término (30 de Dezembro de 1920), para reconstituir a organização sem a tutela moscovita. Mas, para a história política da esquerda francesa, regista-se este momento único, em que os comunistas conseguiram tomar a organização histórica do socialismo francês por dentro, e com ela, também o seu jornal histórico, o L'Humanité. Isso é verdade, mas denominar o comunismo de «uma paixão francesa», não pode ser levado senão à conta de um exagero.

MANHÃ DE NATAL

Uma prenda que estará a fazer a alegria da pequenada. Ainda não se trata propriamente da vacina, mas até lá ajuda substancialmente a suportar melhor o confinamento! Em embalagem familiar.

24 dezembro 2020

MAIS UM MILAGRE DE NATAL ou CONVERGÊNCIAS DE EXTREMOS

A edição de 24 de Dezembro de O Diabo contém este perfeito milagre: um artigo assinado por um comunista - Eugénio Rosa - que é publicado num jornal de há muito conotado com a extrema direita, senão mesmo fascista. São os primeiros os responsáveis por popularizarem a expressão «convergência de... (normalmente de esquerda)» quando se referem a alianças pontuais e circunstanciais. Mas esta, não sendo de esquerda nem de direita, é uma convergência de extremos. Em que o inimigo é o centro com responsabilidades de governação. Repare-se que Rosa nada esclarece quanto ao que se pode fazer para que a «dívida pública não suba em flecha» quando estamos mergulhados em plena recessão económica, e n'O Diabo também não se parece estar interessado em descobrir soluções para o equilíbrio das finanças públicas, coisa que, para eles, só mesmo o doutor Salazar é que alguma vez soube em Portugal... Nesses outros tempos (1940) e numa outra encarnação deste mesmo jornal O Diabo, havia alguém que escrevia esclarecedoramente a propósito destas alianças de conjuntura, quase milagrosas, caso ribombante o da aliança que tivera lugar em 1939 entre comunistas e nazis: «Aqueles que viram em dada união uma fusão de definitiva de finalidades, não compreenderam as causas que determinaram essa união, não se aperceberam de que ela correspondia a um conjunto de condições objectivas que, uma vez modificadas, determinariam um rompimento e uma nova arrumação e forças. Não atenderam a que cada uma das forças unidas mantinha – para além dos propósitos comuns – os seus propósitos próprios, umas vezes apregoados, outras vezes implícitos.» O autor destas palavras era, como Eugénio Rosa, também assumidamente comunista: chamava-se Álvaro Cunhal (abaixo). E como de costume, ontem e hoje, quem se lixa no meio destas convergências de extremos, são as democracias burguesas...

OS OITENTA ANOS DO SUPER FAUCI

Anthony Fauci nasceu a 24 de Dezembro de 1940 em Brooklyn, Nova Iorque. E, embora os super heróis verdadeiros nunca façam anos, muito menos oitenta anos, aqueles que, como Fauci, a comunicação social norte-americana promoveu a essa categoria de falsos super heróis fazem-nos, ainda assim. O super heroísmo parece ser uma componente indispensável da narrativa das crises nos Estados Unidos.

23 dezembro 2020

É SÓ VOCÊ QUE NÃO FAZ A MÍNIMA IDEIA DE QUEM É DEBRAY?

23 de Dezembro de 1970. O interesse da notícia sublinhada não é o que ela contém. Se Debray havia sido libertado, ainda bem para ele. O interesse, cinquenta anos transcorridos, é considerar o destaque de primeira página que a notícia da sua libertação mereceu. Porque, só aqui entre nós, não é só você que não faz a mínima ideia de quem é - ainda está vivo - Régis Debray. Debray é um intelectual francês que resolveu passar das teorias à prática quando se dispôs a acompanhar «Che» Guevara quando este último foi fazer a revolução na Bolívia em 1967. Sabe-se quanto a guerrilha de Guevara foi um fiasco: Debray foi capturado ainda antes de Guevara, as autoridades bolivianas condenaram-no a trinta anos de prisão, mas teve um enorme e poderoso lóbi a protegê-lo e a pedir a sua libertação, incluindo o escritor e antigo ministro gaulista André Malraux, o próprio Charles de Gaulle e ainda o papa Paulo VI. Depois de uns decorosos três anos de cárcere, os bolivianos, chamuscados pelo assassinato e martirização de Guevara, libertaram Debray. Esta parece ter aprendido a lição: regressou ao pensamento e à escrita mas não mais voltou às experiências concretas sobre revoluções. Régis Debray tem hoje oitenta anos, mas os últimos cinquenta foram desprovidos do charme que o projectava para uma primeira página de jornal noutras paragens do mundo que não a Bolívia ou a França.

22 dezembro 2020

ASSALTANTES DE BANCOS ERAM DO PRP E ARMADOS PELO COPCON

20 de Dezembro de 1980. O jornal Expresso publica uma extensa entrevista a um antigo operacional do Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), uma conhecida organização terrorista armada que operara tanto antes quanto depois de 25 de Abril de 1974. O depoimento era o «de um homem que retrata(va) a estrutura do PRP e do seu "braço armado" a par da concertação, que sempre existiu, entre o partido e sectores diversos das instituições militares.» (O COPCON a que abaixo se faz referência, comandado por Otelo Saraiva de Carvalho) A intenção confessa da confissão (passe a cacofonia..) era a desforra pela "arraia miúda" dos operacionais terroristas quanto à redacção que fora dada a uma Lei da Amnistia recentemente aprovada. Lei essa que teria absolvido «políticos e militares que patrocinaram e dirigiram acções de delito comum, colocando mentores de um lado (os amnistiados) e os autores materiais de outro (os condenados).» Donde de concluía, para aqueles que tinham uma mais sólida formação teórica marxista-leninista, que até nas lutas revolucionárias clandestinas pode existir um intrínseco conflito de classes entre dirigentes e operacionais no caso das coisas "darem para o torto": os primeiros são amnistiados e os segundos ficam com as responsabilidades do que fizeram. Ora, nada disto constava nos mais avançados e recentes livros teóricos escritos sobre o assunto, caso, por exemplo, de Manual do Guerrilheiro Urbano do brasileiro Carlos Marighella (1969), onde em nenhum capítulo se postulava que, "quando o mar do contra-terrorismo bate na rocha guerrilheira, quem se lixa é o... operacional".
Entrevistas e denúncias como estas, mostrando que, por muito anárquicas que parecessem, as estruturas das organizações terroristas ainda possuíam uma estrutura hierárquica e, por isso, responsável, tiveram a virtude de dificultar muito mais o processo revolucionário mediático-político através do qual os antigos dirigentes do PRP (casos notáveis de Isabel do Carmo e de Carlos Antunes) se queriam escapulir às penas a que haviam sido condenados, fazendo greves da fome e outros incidentes avulsos que chamassem a atenção para as suas pessoas (e só para as suas pessoas...). No caso específico do COPCON e talvez porque, à data, estivesse cá fora e não tivesse aprendido tudo o que precisava sobre insurreições armadas, Otelo Saraiva de Carvalho, acabado de receber 86.000 votos nas eleições presidenciais do princípio daquele mês (uma hecatombe: 10% dos votos que recebera em 1976!), ainda vai experimentar um novo ciclo de actividades terroristas por intermédio da sua participação nas FP-25. Depois, também acabou por ir dentro, complicando ainda mais a estrutura legal das Leis de Amnistia que se procuraram produzir ao longo da década de 1980, contentando todas as classes de terroristas: os mentores e os operacionais. 40 anos depois, nem parece ter acontecido. Os revolucionários estão tão arrependidos que Carlos Antunes confessa ao mesmo Expresso que «As bombas não fazem milagres» e Isabel do Carmo reconhece no Jornal Económico que «A luta armada já não faz sentido». O que me apeteceria perguntar-lhes (sem saber se eles se disporiam a responder) era: Alguma vez a luta armada fez sentido, depois do 25 de Abril?...

PONTO A PONTO: AS VITÓRIAS SOCIALISTAS NAS SECUNDÁRIAS DE PORTIMÃO E TONDELA

22 de Dezembro de 1980. O país permanecia ainda tão impregnado de política, que até as eleições para as associações de estudantes das escolas secundárias, mesmo as situadas em cidades como Portimão ou Tondela, eram noticiadas e contabilizadas pela conotação política das listas concorrentes, vencedoras e vencidas. Visto pela perspectiva actual, a quem interessa agora com que partido estará conotada a lista que preside à associação de estudantes da secundária de Tondela? Ou de Portimão? Noutra perspectiva: quem é que ainda se lembra quem era o responsável político por estas «vitórias, todavia», José Leitão, o secretário-geral da Juventude Socialista entre 1978 e 1981?...

21 dezembro 2020

O ANÚNCIO DA NACIONALIZAÇÃO DAS MINAS DE COBRE CHILENAS

Santiago do Chile, 21 de Dezembro de 1970. Num discurso proferido a uma «enorme multidão» diante do palácio presidencial de La Moneda, o presidente Salvador Allende anunciava a intenção de apresentar ao Congresso (parlamento) uma emenda constitucional que permitisse a nacionalização dos recursos mineiros chilenos, a começar pelas minas de cobre. O Chile era então o terceiro produtor mundial desse minério e ele representava, por sua vez, um pouco mais de 70% do valor total das exportações chilenas. «Esta atitude não constitui qualquer hostilização ao povo norte-americano visto que o governo compensará as empresas», lê-se na passagem do discurso do «presidente marxista». As empresas mineiras de propriedade norte-americana representavam 85% do total da produção. E não se deixaram impressionar por este discurso apaziguador, não estavam dispostas a aceitar a medida sem resistir. Apesar do que se deduzia da notícia, a concretização da nacionalização, consequência dos empecilhos que elas desencadearam, só veio a ter lugar dali por sete meses, a 11 de Julho de 1971. E a história, como sabemos, estava muito longe de estar encerrada...

20 dezembro 2020

A PROPÓSITO DA COLIGAÇÃO DE INDIGNADOS QUE SE FORMOU À VOLTA DESTE «TWEET» ABAIXO

Há quem defenda que a explosão das redes sociais veio dar uma machadada extrema no emprego da ironia como forma subtil de humor. Eu creio que, apesar de reconhecer que as redes sociais terem tornado a estupidez muito mais desavergonhada (um estatuto que já era reconhecido à ignorância...), sempre houve uma relação complexa em geral com aqueles formatos mais rebuscados de expressão humorística. No exemplo abaixo, uma passagem do filme «Good Morning, Vietnam» (de 1987, muito antes das redes sociais...), o sargento-major «Dick» Dickerson mostra saber reconhecer o humor quando o contacta, a questão é que me parece que ele não compreenderá para que é que aquilo - o humor - serve. O género compósito de reacções negativas que vi o tweet acima de Rui Rio suscitar nas benditas redes sociais, do lado direito e do lado esquerdo, fez-me mesmo lembrar o sargento-major «Dick» Dickerson. Está ali expresso um comentário completamente desdenhoso para com «a indústria da divulgação das sondagens», que aparecem sempre com o conteúdo conveniente e o timing adequado para uma das partes da contínua contenda política - neste caso, é o governo, que anda manifestamente à toa com aquela história do SEF. Mas, pelo formato e substâncias das críticas, o sarcasmo que o envolve parece estar muito para além da compreensão dos críticos. Por vezes pergunto-me pela sinceridade de como é que os Monty Phyton ou Jacques Tati podem ter tido tanto sucesso...   

A SATISFAÇÃO QUE GRASSAVA EM LONDRES COM A NOMEAÇÃO DE LORDE WILLINGDON PARA VICE REI DA ÍNDIA

Londres, 20 de Dezembro de 1930. A notícia que dá conta da «satisfação» da «imprensa e dos principais meios políticos» britânicos pela nomeação de Lorde Willingdon para Vice-Rei da Índia é uma daquelas aldrabices que, suponho, hoje já não seria possível, porque a cumplicidade da imprensa com as mentiras oficiais se reveste de outros contornos, menos excessivos. Na verdade, Lorde Willingdon foi uma daquelas mediocridades cuja carreira só se consegue explicar pelo carácter fechado e protector da aristocracia britânica para com os seus membros. Aqui há cinco anos escrevi no Herdeiro de Aécio um poste com a sua biografia, para explicar na prática a diferença entre os conteúdos que se podem ler na literatura tradicional e as biografias normalmente edulcoradas que são publicadas na Wikipedia. Intitulado «UMA BIOGRAFIA COMO NÃO SE PODE LER NA WIKIPEDIA», eis aqui abaixo a sua reedição: «
Havia uma anedota antiga que falava de um infeliz que nascera com o nome de José Merda. Até que conseguiu obter autorização oficial para mudar de nome: e passou a chamar-se João Merda. Ao biografado, um futuro Vice-Rei da Índia, também aconteceu algo de semelhante. Aos 26 anos obteve autorização régia para mudar de nome e registou uma mudança também assim bizarra: deixou de se chamar Freeman Thomas para se passar a chamar Freeman Freeman-Thomas (1866-1941) - como se fosse gago. No círculo aristocrático onde nascera, Freeman Freeman-Thomas notabilizara-se pelo seu desembaraço físico – foi um grande jogador de cricket – e pelas amizades – era um dos parceiros de ténis do neto mais velho da rainha Victória, o futuro Jorge V (1865-1936). Casou bem, com uma das filhas do Conde Brassey (1836-1918), um político liberal, que chegou a ser Governador na Austrália e que lhe deu o seu primeiro cargo político como seu ajudante-de-campo em 1897.
Freeman-Thomas terá sido aquilo que se qualifica como uma daquelas pessoas simples, bem-nascidas e bem relacionadas, que, por causa disso (mas somente por causa disso) foram ascendendo na vida. Mas as fotografias não enganam: dão-lhe a cara de estúpido que ele deve ter sido toda a vida. Membro liberal do Parlamento em 1900, membro do governo (num cargo muito discreto) em 1905, quando o seu amigo Jorge V se tornou rei em 1910 nobilitou-o: tornou-se Lord Willingdon. Começou por ser barão, depois foi promovido a visconde (1924), conde (1931) e acabou a vida sendo marquês (1936). Pelo meio realizou uma preenchida e destacada carreira como administrador colonial coincidindo – não por acaso – com o reinado do seu amigo Jorge. Governador de Bombaim (1913), Governador de Madrasta (1919), Governador-Geral do Canadá (1926) e finalmente foi Vice-Rei da Índia de 1931 a 1936.
Na sua passagem prévia pela Índia destacou-se... por não se destacar, a não ser por questões triviais, à conta de um conservadorismo em que ele, teoricamente um liberal, passava por reaccionário quando em comparação com políticos conservadores, como foi o caso do seu antecessor no cargo de Vice-Rei, Lord Irwin. Num desses gestos com uma ampla repercussão posterior, provocou a perpétua inimizade de Mohammed Ali Jinnah (que viria a ser o líder da Liga Muçulmana e considerado o fundador do Paquistão), no dia em que, num jantar de cerimónia em Bombaim, mandou trazer algo que cobrisse o decote do vestido de noite parisiense da belíssima Ruttie Jinnah, atitude que provocou o abandono imediato e ultrajado do casal. (Não se deixe escapar o detalhe desses anos outros em que um marido muçulmano (embora pouco) se ofende com o gesto de um cristão que manda cobrir a sua esposa...)
A verdade é que, por muito que Jinnah nunca mais se dispusesse a perdoar-lhe, Lord Willingdon não era má pessoa: era apenas desesperadamente estúpido. Edwin Montagu, que por esses anos era seu superior hierárquico como Secretário de Estado para a Índia descrevia-o: é um gajo tão porreiro e um gajo tão estúpido¹. No geral, não impunha nem respeito nem receio: certo dia o Vice-Rei foi barrado à entrada não de um, mas de três clubes de Bombaim porque ia acompanhado de um Marajá indiano e os clubes eram exclusivos europeus. E ninguém pareceu temer as suas retaliações... Quando Lord Linlithgow – de que já aqui se falou – lhe sucedeu no cargo de Vice-Rei em 1936, encontrou enormes resmas de documentação oficial a aguardar assinatura. Apercebeu-se que Willingdon nem lhes pusera os olhos em cima.
Em contraste com esta personalidade displicente, a de Lady Willingdon era um pouco excessiva e abrasiva demais: as críticas a Maria Adelaide Freeman-Thomas (1875-1960) incidiam sobre a combinação poderosa entre a sua vulgaridade e uma vitalidade que parecia infindável. Um dos seus hobbies era a decoração e os alvos foram muitos dos inúmeros quartos do Palácio dos Vice-Reis em Nova Deli que acabaram pintados da sua cor favorita: malva. Quando Edwin Luytens, que fora o arquitecto do edifício e de muitos outros na cidade, tentou criticá-la ironicamente pelo mau gosto, o resultado não foi o esperado: «Disse-lhe que, se ela fosse dona do Partenon, ainda lhe iria acrescentar janelas panorâmicas, ao que ela me respondeu, muito séria (e sem vislumbrar a ironia), que não gostava do Partenon»... Apreciemo-la nesta fotografia final em que, para ficar da mesma altura do marido, se colocou no degrau seguinte. Não vem a propósito, mas faz-nos lembrar Maria Cavaco Silva.
¹ such a good fellow and such a stupid fellow.»

19 dezembro 2020

A ISTO É O QUE SE CHAMA TER MUITO BOA IMPRENSA

O título da notícia do Público é que Rui Moreira foi acusado pelo Ministério Público, a propósito de um caso baptizado de caso Selminho. Ora, quando as práticas canónicas recomendariam que os jornalistas usassem o subtítulo para prestar uma explicação ao leitor, o mais sucinta possível, em que consistiria esse caso Selminho..., não. O subtítulo vai, inteirinho, para a citação da reacção de Rui Moreira. Ou seja, o leitor nem chega a perceber a causa e o conteúdo da acusação, mas fica a saber desde logo pela outra parte que é tudo mentira. Para os leitores mais preguiçosos, nem precisa de se ler mais. E o mais, por sinal, é substancialmente mais incómodo para Rui Moreira do que o formato da notícia abaixo. A isto é o que se chama ter muito boa imprensa.
Adenda: No Observador, a estrutura dos títulos é ligeiramente diferente. No principal está a acusação e também a reacção. E no subtítulo aparece a explicação sucinta ao leitor, a que falta ao Público. Mas a boa imprensa também lá está: quem dera a todo aquele que é acusado por um título de jornal que a sua reacção crítica também constasse desse mesmo título, como acontece neste caso com Rui Moreira. Por exemplo: «Observador é um pasquim. José Manuel Fernandes contesta».

«ESTÃO A VER O NATAL DOS HOSPITAIS?»

19 de Dezembro de 1980. Mantendo-se a tradição, a RTP transmitia uma vez mais (a 22ª) o «Natal dos Hospitais». A novidade daquele ano, devidamente destacada pela notícia do Diário de Lisboa, era a questão das emissões televisivas terem passado a ser a cores. Quanto ao resto, mantinha-se: o grandioso elenco de artistas participantes que consta da notícia acima, no caso encimado por Amália Rodrigues.
Uma nota adicional: naqueles tempos, o espectáculo era realizado muito mais próximo do dia de Natal, permitindo que as crianças em férias escolares assistissem a ele. Este de 1980 foi realizado em 19 de Dezembro e, por curiosidade, fui ver em que dia fora transmitido o de 1970: 23 de Dezembro. Para contraste, os de 2010 e 2020 foram transmitidos em 16 e 10 de Dezembro, respectivamente. Algo se perdeu no entretanto.

18 dezembro 2020

FELIZ NATAL PARA JOSÉ SÓCRATES, PARA QUEM DIRIGE A AGÊNCIA LUSA E PARA OS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO TAMBÉM

Este homem aguarda o seu julgamento há seis anos, o que é um absurdo. Quando ele quiser reclamar sobre a sua situação, sobre a inadmissível morosidade da justiça portuguesa, aí recolherá o meu apoio e a minha simpatia. E esse assunto - a incompetência exibida pelo poder judicial - é um assunto para o qual eu acredito que a Agência Lusa bem podia chamar mais regularmente a atenção dos seus leitores. Porém, não se tratando dessa injustiça flagrante, e em função do que foi sendo sabido sobre os depoimentos que ele prestou a respeito do processo que o visa, aí é preciso dizer-lhe, a José Sócrates e à Agência Lusa que o publicita a falar de outras coisas, que ele esgotou por completo o capital de credibilidade que alguma vez terá tido. É um aldrabão, um mentiroso e um vigarista e, porque tais epítetos o desqualificam, eu não estou interessado de todo na opinião desse género de pessoas, quaisquer que tenham sido os cargos de responsabilidade que hajam desempenhado. Não por discordância política, mas por antagonismo ético. Feliz Natal para José Sócrates, para quem dirige a Lusa, e para os magistrados do Ministério Público também.

A REJEIÇÃO DO APELO PARA A COMUTAÇÃO DA EXECUÇÃO DE WILLIAM JOYCE, ALIÁS «LORDE HAW-HAW»

Londres, 18 de Dezembro de 1945. A Câmara dos Lordes rejeita o apelo para a comutação da execução de William Joyce. Joyce fora o locutor mais proeminente de Rádio Berlim ao longo da Segunda Guerra Mundial. E, para que o leitor avalie por si mesmo a sua competência e capacidade de persuasão, pode ouvi-lo mais abaixo, comentando - na perspectiva de Berlim, evidentemente! - os acontecimentos que estavam a acontecer em Maio de 1940. Para o desvalorizar, a contra-propaganda britânica atribuiu-lhe uma alcunha ridícula: «Lorde Haw-Haw». Mas o que as autoridades britânicas verdadeiramente pensavam a seu respeito só se veio a perceber no fim da guerra, quando, ocupando a Alemanha, foram deliberadamente à sua procura para o capturar e julgar. A captura foi atribulada: Joyce, que já possuía uma distinta cicatriz facial alegadamente adquirida numa antiga cena de ciúmes (abaixo, à esquerda), foi ferido a tiro, e logo com uma bala que o atingiu e perfurou simultaneamente as duas nádegas (abaixo, lado inferior direito).Mas nem mesmo o aspecto algo burlesco do que lhe acontecera quando da captura o salvará do que os britânicos lhe tinham preparado quando do julgamento.
William Joyce nascera numa família de origem irlandesa, embora com simpatias unionistas (i.e. pró-britânicas). Mas, mais do que isso, Joyce nascera nos Estados Unidos (em 1906) e com isso adquirira a nacionalidade americana desde nascença. Anos depois a família regressara à Irlanda e mudar-se-á para Inglaterra quando da independência irlandesa. E é em Inglaterra que Joyce militará na organização fascista BUF. A sua participação na política britânica terá sido conseguida a partir de documentação forjada, uma vez que Joyce continuava a ser um cidadão americano. Em 1939, William Joyce refugiar-se-á na Alemanha. E, no ano seguinte, naturalizar-se-á alemão. Por este percurso se perceberá o quão forçado foram as acusações de «traição à pátria» que sobre si impediam quando foi presente a julgamento. Era importante que a acusação fosse essa, para que a sentença se revestisse da gravidade da execução. O problema era que a acusação de «traição à pátria» não se sustentava porque Joyce nunca fora britânico. Mas a acusação conseguiu impressionar o tribunal com a alegação que Joyce obtivera um passaporte britânico prestando falsas declarações sobre a sua nacionalidade e, com isso e por causa disso, tornava-se elegível para ser julgado como súbdito de Sua Majestade.
É o género de argumento que só podia mesmo ter acolhimento naquelas condições delirantes de desforra do após-guerra... Impressionando não apenas o juiz que presidiu ao julgamento, mas também, como lemos mais acima, quatro dos cinco lordes que haviam sido encarregues de apreciar o seu apelo. «S. Magestade» não interveio e «Lorde Haw-Haw» foi enforcado a 3 de Janeiro de 1946. Por ser um bom locutor de rádio a trabalhar para uma causa absolutamente errada - 6 milhões de audiência regular no Reino Unido em 1940, mas um enorme decréscimo nos anos seguintes... Vários anos depois, com um distanciamento e uma clarividência diferentes, o historiador britânico A.J.P. Taylor comentava a respeito do julgamento de William Joyce: «Tecnicamente, Joyce veio a ser enforcado por ter prestado falsas declarações quando solicitou um passaporte, o género de falta que costuma ser sancionada com a aplicação de uma multa. No fundo, o seu verdadeiro crime foi ter atraído para si a reputação mítica de ter sido a encarnação de Lorde Haw-Haw». O homem que chegou a disputar à propaganda oficial a capacidade de influenciar os ingleses. E, a propósito, remate-se que o regresso dos excessos contra estes homens de que ninguém gosta, são sempre de lamentar: com Ana Gomes ou com Marisa Matias.

17 dezembro 2020

A LEITURA

Só as pernas aparecem e delas apenas se pode depreender que a leitora será bastante jovem, possivelmente adolescente, e esbelta. O cruzamento das pernas constitui, no seu contorcionismo, quase uma escultura viva. O autor da fotografia foi o russo Boris Kaufman em 1970, há cinquenta anos. 

O EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA DA CP

17 de Dezembro de 1970. A dominar uma das páginas ímpares interiores do Diário de Lisboa anuncia-se a emissão de 130.000 obrigações de um empréstimo contraído pela CP para a sua modernização. A taxa de juro prometida é de 6,75% e a operação é - precisava ser... - avalizada pelo Estado. Já há muito havia passado aquele período de ouro em que a exploração de (algumas) ferrovias se podia revelar um negócio lucrativo. Uma nota adicional para a lista abaixo de 22 entidades bancárias que se associavam à operação, podendo as obrigações ser subscritas aos balcões de qualquer uma delas. Dessas 22 apenas 2 sobreviveram até à actualidade e mesmo uma delas relativamente: o Novo Banco, que naquela altura se chamava Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa; mas a única entidade bancária que se mantém desde 1970 das 22 ali mencionadas é mesmo apenas e só a Caixa Geral de Depósitos.

16 dezembro 2020

A CHEGADA DE EUSÉBIO A LISBOA PARA JOGAR NO BENFICA

16 de Dezembro de 1960. Uma notícia discreta dá conta da chegada do promissor Eusébio, vindo do Sporting de Lourenço Marques para jogar no Benfica. A notícia dá também conta de alguma «robustez» do acompanhamento dos membros do seu futuro clube encarregues de esperar o jovem Eusébio (18 anos) no aeroporto. A História encarregar-se-ia de explicar as razões para essa atitude...

A ESTREIA DE «LOVE STORY»

16 de Dezembro de 1970. Estreia (nos Estados Unidos) daquele que virá a ser um dos grandes êxitos de bilheteira dessa temporada: Love Story, protagonizado por Ali MacGraw e Ryan O'Neal (na fotografia acima). Sinal dos tempos, quando ainda se podia ainda ser bonito sem se ser perfeito: Ali MacGraw pôde ter sido escolhida para o papel apesar do seu dente frontal encavalitado...

15 dezembro 2020

AS VÁRIAS FACES DO COLABORACIONISMO DE VICHY

Domingo, 15 de Dezembro de 1940. A capa do jornal do dia mostrava que algo se passara em França, entre os membros do governo de Vichy. Numa demonstração de opacidade, as notícias chegavam via Suíça, oriundas de Zurique, e davam conta que Pierre Laval, que fora considerado desde o princípio daquele regime, há cinco meses, o delfim do Marechal Pétain e o segundo na hierarquia, havia sido demitido do governo e preso! Dissipando-se o nevoeiro noticioso, «a notícia confirma(va)-se»: em Vichy, na Sexta-Feira 13, à noite, o Marechal demitira o seu delfim de todos os seus cargos e o conselho de ministros que se seguida, já sem a presença de Laval, «ocupara-se» da sua prisão. Parecia que Pétain e o regime de Vichy se queriam distanciar dos protagonistas mais entusiastas do colaboracionismo arreigado com a Alemanha. Mas os acontecimentos que então se revelavam, dissipada a bruma, vão ser sol de pouca duração. Uma coluna militar alemã, encabeçada pelo embaixador alemão em França, Otto Abetz, libertará Pierre Laval e faz-lhe o gosto de o levar à presença do Marechal, onde o cobrirá de insultos: «Não passa de um fantoche, de um cata-vento,...» Depois da descompostura ao velho, Laval partiu com Abetz para se instalar em Paris, onde estava fora do alcance de Vichy e sob protecção alemã. Os alemães retaliarão: é suspensa a libertação de algumas categorias de prisioneiros de guerra franceses que se viera a realizar até então; a linha de demarcação que separava a França ocupada da directamente governada por Vichy torna-se muito mais difícil de franquear; e o acesso a Paris torna-se proibido a qualquer ministro do governo de Vichy. Mas, se o episódio serve para nos fazer compreender que houve várias faces e graus de adesão distintos do colaboracionismo com a Alemanha, também dá para perceber que do lado do Marechal e dos que o rodeavam nunca houve veemência para estabelecer um limite de tolerância quanto aos aspectos de que esse colaboracionismo se revestiria: dali por pouco mais de um mês (abaixo - 20 de Janeiro de 1941) já Pétain e Laval haviam esquecido os insultos recíprocos e pareciam dar-se muito bem...