31 julho 2016

OS TUGAS, AS AMBIVALÊNCIAS QUE (N)OS FAZEM SORRIR E OUTRAS QUE NÃO

Se, a pretexto da vitória de Portugal no último campeonato europeu de futebol, as ambivalências das antigas relações coloniais nos podem fazer sorrir, como é o caso das três primeiras imagens acima, a última imagem mostra-nos, como o mesmo episódio pode servir para mostrar um outro lado menos agradável dessas ambivalências. Os desenhos são do angolano Luís Piçarra.

POEMAS DAS TRINCHEIRAS

Os britânicos acarinham com particular afeição os seus poetas da Primeira Guerra Mundial. Aquele conflito terá sido o primeiro em que a sensibilidade dos combatentes da frente de batalha se tornou publicável. Foi uma nova forma sofisticada, e só tornada possível pela alfabetização crescente das pessoas, de sintetizar numa sublimação artística aquilo que se vivia na frente. Depois, nos conflitos posteriores, a tecnologia terá tornado esta forma de expressão e de comunicação obsoleta. A poesia da Segunda Guerra Mundial terá uma importância muito inferior à que tivera na Primeira, para não falar já dos conflitos posteriores onde o audiovisual acabou por assumir uma importância quase hegemónica, mesmo num Portugal que seguia a outro ritmo (Adeus, até ao meu regresso!). A poesia de guerra, os poemas das trincheiras, são um fenómeno quase exclusivo da expressão dos nossos antepassados de há 100 anos, embora eu não conheça casos correspondentes em português (embora não descarte que os tenha havido, desapercebidos). Este livro acima, comprado apropriadamente no Imperial War Museum de Londres, contém uma colectânea de poemas escolhidos de 15 poetas (os nomes constam da contracapa, acima). Deles escolhi os três que costumam ser referidos com mais destaque: Rupert Brooke (1887-1915), Wilfred Owen (1893-1918) e Siegfried Sassoon (1886-1967). Repare-se que os dois primeiros morreram durante a Guerra e acrescente-se que não encontrei na internet traduções aceitáveis das suas obras, daí esta publicação de um poema de cada um deles no original.

(Rupert Brooke)

If I should die, think only this of me:
That there’s some corner of a foreign field
That is for ever England. There shall be
In that rich earth a richer dust concealed;
A dust whom England bore, shaped, made aware,
Gave, once, her flowers to love, her ways to roam,
A body of England’s, breathing English air,
Washed by the rivers, blest by suns of home.

And think, this heart, all evil shed away,
A pulse in the eternal mind, no less
Gives somewhere back the thoughts by England given;
Her sights and sounds; dreams happy as her day;
And laughter, learnt of friends; and gentleness,
In hearts at peace, under an English heaven.
 
DULCE ET DECORUM EST
(Wilfred Owen)

Bent double, like old beggars under sacks,
Knock-kneed, coughing like hags, we cursed through sludge,
Till on the haunting flares we turned our backs,
And towards our distant rest began to trudge.
Men marched asleep. Many had lost their boots,
But limped on, blood-shod. All went lame; all blind;
Drunk with fatigue; deaf even to the hoots
Of gas-shells dropping softly behind.

Gas! GAS! Quick, boys!—An ecstasy of fumbling
Fitting the clumsy helmets just in time,
But someone still was yelling out and stumbling
And flound’ring like a man in fire or lime.—
Dim through the misty panes and thick green light,
As under a green sea, I saw him drowning.

In all my dreams before my helpless sight,
He plunges at me, guttering, choking, drowning.

If in some smothering dreams, you too could pace
Behind the wagon that we flung him in,
And watch the white eyes writhing in his face,
His hanging face, like a devil’s sick of sin;
If you could hear, at every jolt, the blood
Come gargling from the froth-corrupted lungs,
Obscene as cancer, bitter as the cud
Of vile, incurable sores on innocent tongues,—
My friend, you would not tell with such high zest
To children ardent for some desperate glory,
The old Lie: Dulce et decorum est
Pro patria mori.

COUNTER-ATTACK
(Siegfried Sassoon)
 
We'd gained our first objective hours before
While dawn broke like a face with blinking eyes,
Pallid, unshaved and thirsty, blind with smoke.
Things seemed all right at first. We held their line,
With bombers posted, Lewis guns well placed,
And clink of shovels deepening the shallow trench.
The place was rotten with dead; green clumsy legs
High-booted, sprawled and grovelled along the saps
And trunks, face downward, in the sucking mud,
Wallowed like trodden sand-bags loosely filled;
And naked sodden buttocks, mats of hair,
Bulged, clotted heads slept in the plastering slime.
And then the rain began,— the jolly old rain!

A yawning soldier knelt against the bank,
Staring across the morning blear with fog;
He wondered when the Allemands would get busy;
And then, of course, they started with five-nines
Traversing, sure as fate, and never a dud.
Mute in the clamour of shells he watched them burst
Spouting dark earth and wire with gusts from hell,
While posturing giants dissolved in drifts of smoke.
He crouched and flinched, dizzy with galloping fear,
Sick for escape,— loathing the strangled horror
And butchered, frantic gestures of the dead.

An officer came blundering down the trench:
'Stand-to and man the fire-step! 'On he went...
Gasping and bawling, 'Fire- step...counter-attack!'
Then the haze lifted. Bombing on the right
Down the old sap: machine- guns on the left;
And stumbling figures looming out in front.
'O Christ, they're coming at us!' Bullets spat,
And he remembered his rifle...rapid fire...
And started blazing wildly...then a bang
Crumpled and spun him sideways, knocked him out
To grunt and wriggle: none heeded him; he choked
And fought the flapping veils of smothering gloom,
Lost in a blurred confusion of yells and groans...
Down, and down, and down, he sank and drowned,
Bleeding to death. The counter-attack had failed.
 
Estas mesmas elites britânicas também puderam mostrar, 75 anos passados, a mesma criatividade mas agora expressa de outro modo, associada àquele humor blasfemo que tanto as celebrizou na segunda metade do século XX. Da quarta série de Blackadder (Blackadder Goes Forth), THE GERMAN GUNS declamado pel(e da autoria d)o soldado Baldrick (abaixo) tornou-se uma obra poética apócrifa e medíocre que terá vindo a rivalizar em notoriedade com as demais...

30 julho 2016

PRAÇA SINTAGMA

No novo Jason Bourne, acabado do estrear, há uma grande cena de acção em simultâneo com uma animada manifestação nocturna em plena praça Sintagma, com polícia de choque, cocktails molotov, enfim, tudo o que uma bagunçada do género batalha campal que se preze deve ter. Registei. a) Que o local superou definitivamente o partenon como o local mais emblemático de Atenas. b) E que a crise social da Grécia já se tornou um fenómeno suficientemente apreendido para que os autores a incorpore em filmes destinados mesmo a audiências norte-americanas, sem necessidade de explicações adicionais.

29 julho 2016

PARA QUE MELHOR JUSTIÇA SEJA FEITA

O ano é 1983 e o local é uma sala de audiências do tribunal do condado de Pinellas na Florida. Preside à sessão o meretíssimo juiz David A. Damers (de bigode, à direita) e o que a senhora que domina a fotografia pretenderá fazer com aquela pose (inusitada para os tradicionais procedimentos judiciais), é demonstrar-lhe, como dançarina exótica, que as cuecas dos seus bikinis não podiam mostrar aquilo que a polícia alegara que mostravam quando a detivera previamente em actuação no nightclub local. Sabe-se qual foi o veredicto do meretíssimo: o caso foi arquivado por contradição evidente nos testemunhos, a exibição compensou. Sabe-se que a expediente dançarina tinha então vinte anos, mas perdeu-se entretanto a sua identidade, embora não a do autor desta inestimável fotografia, Jim Damaske, fotógrafo do jornal local.

OS VALORES INCOMPREENSÍVEIS

O conde Armand de Saint-Hilaire, um antigo embaixador de 77 anos aparece morto, assassinado com vários tiros no escritório da sua residência. Uma antiquíssima história de cinquenta anos de amor platónico, ligava-o a Isabelle, a filha do duque de S....., que as conveniências das políticas matrimoniais da aristocracia haviam feito casar-se com o príncipe de e tornar-se princesa de V....... Ora o príncipe de V.... havia falecido naturalmente três dias antes do conde Armand de Saint-Hillaire. Que razões estariam por detrás da sua morte trágica, agora que, depois de cinquenta anos, Armand se poderia finalmente reunir à sua adorada Isabelle? Não posso assegurar qual a fidedignidade do retrato da aristocracia francesa que é aqui traçado por Georges Simenon e que tanto surpreende o seu comissário Maigret, e mesmo se ele subsistiria ainda assim como é descrito em 1960, data da publicação do livro. Na aparência creio que sim, mas a prática podia ser outra coisa. No fim, quando se desvenda a verdade, esses valores aristocráticos antigos emergem, porque afinal o conde Saint-Hilaire suicidara-se, porque convencido que padecia de uma doença incurável e preferindo não chegar a consumar um amor que as circunstâncias tornara perfeito de etéreo. Por sua vez, a sua governanta, temerosa que o suicídio o privasse de funeral cristão, pegara na arma, e disparando outros tiros, simulara o assassinato. Georges Simenon, deu ao livro o título original de Maigret et les Vieillards, mas onde a velhice me parece tanto ou mais dos valores que as regem do que a própria idade das personagens. Surpreendi-me outro dia a pensar que, se valores que norteiam as personagens do livro já eram estranhas ao comissário Maigret, tornaram-se completamente incompreensíveis actualmente, 56 anos depois da primeira publicação do livro.

28 julho 2016

TEMPO DOS MAIS NOVOS - TEMPO DOS MAIS VELHOS - TEMPO DOS MAIS TOLOS

Perdoe-se-me a Nostalgia de regressar a épocas em que ainda subsistia o Muro de Berlim, em que a programação infantil era obrigatoriamente ingénua e em que a outra programação, quando nos queria fazer passar por tão imbecis e ingénuos quanto os mais novos, era displicentemente desprezada por o tentar fazer. Famosos ficaram, por exemplo, alguns boletins clínicos produzidos do Kremlin que acabaram por assassinar inesperadamente sucessivos gerontes do Politburo após breves e ligeiras constipações que terminavam num (sumptuoso) funeral.
Com a queda do Muro, com o desaparecimento de uma certa maneira excessiva - pela imbecilidade - de noticiar, pela própria sofisticação crescente da opinião pública, pensei nunca mais voltar o sentir o mesmo sentimento de desdém por um corpo profissional que não tem pudor de noticiar aquilo que é tão inverosímil que chega a ser insultuoso para os destinatários. Querem-nos convencer agora que houve o frufru que houve por causa das sanções e que foi Dijsselbloem que o conseguiu armar sozinho? E que os outros, poderosos, eram todos contra a sua imposição?...
Depois estranhem as comparações de Bruxelas com a Moscovo de outrora...

...O DIA SEGUINTE DA DIREITA NACIONALISTA EM PORTUGAL

Todos estavam a contar com sanções. O primeiro-ministro estava a contar com sanções. Eu estava a contar com sanções. Mas sobretudo, mais do que as expectativas, houve quem apostasse nas sanções. A começar pelos dirigentes dos dois partidos do PàF, Assunção Cristas especialmente (acima), para esta nossa história. Mas depois do desfecho inesperado em cima da hora, foi uma correria para regressar ao discurso do princípio do mês, às cartas que se haviam escrito, às intercessões que se haviam pedido. Que isto tenha sido feito por Pedro Passos Coelho e seus muchachos, percebe-se. O antigo primeiro-ministro parece ter sido atacado pelo mesmo síndrome que já afectou José Sócrates em Portugal em 2009 e que afecta hoje Mariano Rajoy em Espanha - são uma menos valia para os partidos que dirigem, constata-se que estes acabam por perder liberdade de acção política por causa do líder que mantêm, embora, simultaneamente, pareça não existirem mecanismos de emergência dentro das respectivas organizações para fazerem os líderes perceberem isso, porque os órgãos da direcção são uma mera caixa de ressonância do líder e da camarilha que o acompanha. Supostamente com o CDS isso seria diferente, Portas saiu, Cristas chegou, a herança está lá, é pesada, mas pelo menos a camarilha à volta do líder teria mudado e as expectativas de uma certa direita estão mais elevadas. Há até uma vaga de simpatia à sua volta: são pessoas como o próprio director do Correio da Manhã, o intuitivo Octávio Ribeiro, a promovê-la, à líder (...empática, criativa, trabalhadora, a quem qualquer português médio compraria um carro em segunda mão) e a propor-lhe, ao partido, o figurino a seguir (...os centristas viraram a página da governação; ...ao CDS falta apenas o golpe de asa de algum eurocepticismo para começar a trepar nas sondagens). Mas pelos vistos Assunção Cristas, quiçá por coerência, não quererá trepar nas sondagens. Nos assuntos europeus, este CDS de Cristas, como o outro de Portas, continua a comportar-se como se fosse um klein-PSD. Tanto pior para a direita nacionalista portuguesa; tanto pior para os que se estão marimbando para o caro Jean-Claude (Juncker) a quem a carta de cima é endereçada, tanto pior para a representatividade das opiniões sobre a Europa na política portuguesa. O patriotismo parece ter-se tornado um exclusivo da esquerda.

27 julho 2016

OU SIM OU SOPAS

Um destes títulos é uma aldrabice. Convinha que o Observador, que os publica aos dois, explique qual deles o é. Pode ser divertidíssimo dizer tudo e o seu contrário. É uma causa, é de direita mas não é nacionalista. Miguel de Vasconcelos acabou a voar janela fora em circunstâncias semelhantes. E não lhe podem chamar jornalismo.

O QUE NÃO HÁ PARA DIZER SOBRE A TURQUIA

Não é a biblioteca de casa que nos transforma em especialistas em que assunto for, mas é simpático, quando se deambula pela internet, depararmo-nos com um sítio que se reclama de uma certa especialização (Do Médio-Oriente e afins) e reconhecermos a recomendação que por lá se faz de uma obra cuja leitura deveria ser obrigatória para todos quantos hoje falam e escrevem sobre os mais recentes acontecimentos na Turquia, seja na televisão, na rádio, nos jornais, e mesmo no facebook: Turkey: A Modern History, de Erik J. Zürcher, professor da Universidade de Amesterdão. Manda a verdade confessar, precavidamente, que já li apreciações tão ou mais assertivas que esta que depois vim a verificar serem escritas por quem não teria condições objectivas para as pronunciar (por exemplo a passagem: ...uma das obras mais rigorosas sobre a evolução da Turquia... é afirmada em comparação com quantas outras obras e quais?), mas vamos limitar-nos a saborear o reconhecimento de nos saber por acidente leitores de uma obra recomendada sobre a história recente de Turquia. Sobre o assunto, o facto de se ter uma ideia mais ou menos precisa sobre a importância do papel desempenhado por İsmet İnönü na Turquia dos meados do século XX ou saber das rivalidades entre Bülent Ecevit (mais um amigo de Mário Soares!) e Süleyman Demirel no último quartel do século, não estará a ajudar nada à compreensão do que está a acontecer na Turquia depois da tentativa do golpe de Estado de 15 de Julho. Há uma mensagem mediaticamente dominante na comunicação social mundial, que tem um mau (Recep Tayyip Erdoğan, o actual presidente) e muitas vítimas - militares, magistrados, professores, jornalistas detidos e demitidos. As medidas governamentais a que se tem dado relevo apontam descarada e mesmo, dir-se-ia, descuidadamente para a constituição de um regime totalitário na Turquia, um regime de rivalizar com o da Coreia do Norte. Suponho que a mensagem mediaticamente dominante na própria Turquia seja substancialmente diferente: aí o mau é um teólogo exilado nos Estados Unidos chamado Fethullah Gülen, que foi o promotor do golpe de Estado fracassado. Terá sido? No terreno a tese prevalece e os milhares de presos, por causa dela, são qualificados de simpatizantes da sua causa. A tese é um pouco difícil de aceitar, o visado proclamou a sua inocência nas páginas do New York Times, mas outras páginas do mesmo jornal acolhem outros artigos de outros autores turcos defendendo a tese de Ancara. E Gülen, que já foi aliado de Erdoğan, é alguém com uma biografia peculiar (como o confirma a própria wikipedia): uma comparação sua com Khomeini - salvaguardadas as enormes diferenças entre a Turquia e o Irão - não será assim tão disparatada. Gülen não parece ter o perfil de um daqueles bons que o Ocidente (...os Estados Unidos) devem apoiar contra Erdoğan, o mau. O que se pode constatar, desde quase o início da crise actual, é que haveria decerto um plano de contingência do governo: é elementar reconhecer que não se desenterra uma lista de 2.745 magistrados a demitir de um dia para o outro. Mas a atitude mais prudente será a de aguardar o desenrolar dos acontecimentos, para ver quais serão as próximas movimentações de Erdoğan. Não deixa de ser irónico o actual momento turco, em que a necessidade da comunicação social é a que se diga qualquer coisa a respeito da situação (como sempre), e a atitude mais assisada de qualquer comentador ou analista que é a de comprometer-se muito pouco.

SALAR DE UYUNI

Em contraste com a limpidez das águas do lago Melissani, as do salar de Uyuni na Bolívia encontram-se tão saturadas de sais que a sua superfície parece funcionar por vezes como um espelho perfeito.

EM DIA DE SANÇÕES EUROPEIAS...

Adenda: Afinal, olha, não. Por esta vez Portugal não está feito ao bife. Ou melhor: não está feito a este bife. Desconfio que, pelo andar da carruagem, outros bifes se seguirão.

26 julho 2016

OS PROMOTORES DE BRINCADEIRAS DE MAU GOSTO

Para os que não ligam a essas coisas das idades, esclareça-se que Charles Aznavour tem 92 anos. É mais velho seis meses que Mário Soares. E há quem o anuncie a vir dar um concerto a Lisboa, daqui por quase cinco meses. A crueldade de o pôr num palco sob o slogan Uma Lenda Viva. Só o bom gosto nos impede de fazer um aviso/trocadilho preventivo para aqueles que se disponham a comprar, desde já, bilhetes para o espectáculo.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UMA IMAGEM... E O INSUSTENTÁVEL PESO DE UMA DÍVIDA

Esta fotografia foi tirada na ilha de Cefalónia, uma das ilhas Jónicas da costa Oeste da Grécia. Na ilha existe uma cave, designada por Melissani, no fundo do qual se formou um lago que tem o mesmo nome. As águas deste último são tão límpidas que os barcos parecem levitar (acima). A pergunta pertinente que se segue, depois de se saber que há algumas operações a correr a esse respeito, é quanto valerá uma beleza natural destas para abatimento da dívida externa grega? É só para tirar umas ideias cá para Portugal, no caso de virem a serem necessárias...

A TESE DE CAROLINA PATROCÍNIO

Carolina Patrocínio é conhecida pela pujança dos seus abdominais e pela versatilidade como recupera a forma após cada gravidez. Mas a entrevista que Nuno Ramos de Almeida lhe fez permitiu realçar uma outra faceta sua: a académica e intelectual. Pena que a entrevistada já não consiga reproduzir a pergunta que serviu de base à sua tese de mestrado... - porque a haver alguém que se podia lembrar da pergunta seria certamente a autora da pergunta... caso tivesse sido ela mesmo a formulá-la, à pergunta. Talvez neste caso, não. O que se pode suspeitar é que a atribuição de graus académicos já terá sido mais exigente... E desconfio que o entrevistador, na continuação, se permitiu uma pequena private joke, ao invocar o lugar comum - o meio é a mensagem - que é frequentemente citado da obra de Marshall McLuhan. Desafio hipotético a que Carolina Patrocínio não se deu por achada. Relembre-se que McLuhan é tão densamente intelectual que já aparece com tal estatuto de intelectual irrefutável em 1977 numa cena do filme Annie Hall. Lembrasse-se Carolina Patrocínio da pergunta que orientou a sua tese e o seu estatuto e talvez se assemelhassem os dois episódios. Só que aqui, mais do que uma questão de ignorância do tema, é uma questão de ignorância do quanto se ignora sobre o tema.

25 julho 2016

OS CABEÇALHOS QUE SE PERDEM...

Se o FTSE 100 tivesse caído no mês que se seguiu ao Brexit (acima), aí a importância informativa (dada pelos jornalistas) e o significado económico (dado pelos analistas) sobre o que estaria a acontecer na Bolsa de Londres teria sido totalmente diferente. Seria cabeçalho de jornal e abertura de telejornal. Mas não caiu... Na realidade, o índice bolsista londrino encontra-se até quase 6% acima daquele que era o seu valor a 23 de Junho (abaixo), antes de se saber o resultado do referendo. Por isso não vale a pena falar do assunto, que dali não se pode comprovar nada daquilo que se sabe que é verdade, que o brexit foi, é e há de ser um desastre... Os factos (neste caso, o comportamento dos agentes económicos) é que às vezes não colaboram e o melhor que se pode arranjar nestas circunstâncias é uma explicação para a sua relutância em colaborar com as evidências ideológicas.

PODE NÃO SER SÓ «MARCELO A FAZER COISAS»: PODEM SER AS COISAS QUE NÃO APANHAMOS MARCELO A FAZER...

O mais importante é o Marcelo a Fazer Coisas mas, falando a sério: há que reconhecer o significado da visita recentemente realizada por François Hollande a Portugal. O atentado de Nice ter-lhe-ia dado excelente pretexto para que a visita não se efectuasse na data em que teve lugar - embora no passivo e nesse mundo em que quase tudo se cinge às aparências, nesse caso se pudessem levantar os fantasmas de interpretações maldosas associando o adiamento a uma certa azia futebolística... Enfim, tendo tido lugar quanto teve, ainda antes do anúncio das sanções, a França com o gesto terá ido ao limite tolerável da dissidência de um fórum onde já se concebeu omnipotente e onde hoje não manda nada. Mas nada a merecer a surpresazinha do destaque que foi dado pela sempre deferente comunicação social portuguesa às caixinhas onde assenta François Hollande para que não apareça nas fotografias tão mais baixo do que o seu homólogo (acima). É impossível olhar para as fotos sem especular se não ali não terá havido marotice de Marcelo... Porque o estranho é a notícia ter emergido. A França de outrora teve presidentes à altura das circunstâncias - de Gaulle tinha 1,93, Pompidou 1,83, Giscard e Chirac 1,89 - mas ultimamente ela tem elegido supremos magistrados um pouco mais curtos. Existindo várias fotografias castiças (como esta abaixo de Sarkozy com Bush), o staff da presidência francesa costumava sabê-las gerir com discrição, até esta sua última visita a Portugal... Marcelo é o único presidente europeu que imaginamos capaz de gozar com um seu homólogo por ser um rodas baixas complexado.

CRONISTAS, ANALISTAS, PROFETAS E VISIONÁRIOS

Uma coisa posso eu garantir aos cronistas críticos de Barroso e aos leitores: se fosse para levar a sério as crónicas de João Marques de Almeida, o Presidente da República não seria Marcelo Rebelo de Sousa e a actual representação parlamentar do Bloco de Esquerda teria minguado senão mesmo desaparecido (abaixo). Uma das vantagens de escrever num blogue é que eu posso qualificar João Marques de Almeida como um cronista medíocre, simplesmente porque o é, e sem ter qualquer razão oculta de índole política para o criticar. Critico-o porque o merece e as razões estão à vista de todos. Dois anos transcorridos sobre este par de premonições, os critérios de qualidade que levam jornais como o Observador a perpetuar tais prodígios de análise política no seu quadro de cronistas regulares é, para mim, um dos mistérios insondáveis do Universo - ou talvez não, considerando as causas que defendem...

24 julho 2016

A SER VERDADE, LÁ SE FOI A TERNURA TODA PARA UM SÍTIO QUE EU NÃO DIGO...

Pensando na mãezinha do Mathis e na referência da famosa marca de lacticínios francesa La vache qui rit, aqui temos uma versão luso-francesa: La vache qui chule...

OS BONÉS DO PàF

Muito mal andam os assessores de imagem do PSD, se a sua proposta visual para este Verão é uma reedição em colorido daquilo que fora o modelo de boné popularucho do seu ex-parceiro de coligação, mas já há uma meia dúzia de anos. Desconfio que nem o boné propriamente dito, nem o colorido do mesmo ajudarão Pedro Passos Coelho a ir recuperar quaisquer dos 730 mil eleitores que ambos perderam nas eleições de Outubro passado. Nem mesmo se António Costa passar a comparecer aos eventos partidários de barrete de encantador de serpentes em cor açafrão, porque para além da imagem estará a haver um erro de mensagem do PSD: o tacticismo que os faz encostar-se a Bruxelas está a fazê-los esquecer-se do poder da mensagem nacionalista.

O QUE A EUROPOL ESCREVE NÃO AJUDA OS JORNALISTAS A VIVER

Eu não me sinto habilitado a validar a qualidade e o rigor da informação que a Europol produz. Mas sinto-me habilitado a constatar quanto algumas passagens dos seus relatórios não parecem ajudar a vender notícias. Eis algumas passagens que destaquei de um relatório da Europol que foi tornado público esta semana:

a) ...apesar do estado islâmico ter reivindicado os últimos ataques, nenhum dos quatro (últimos ataques) parece ter sido planeado, com apoio logístico, ou diretamente executado pelo estado islâmico.

b) ...não há nenhuma prova que sugira que o atacante de Nice se considerava membro do estado islâmico. Foi relatada a sua radicalização num muito curto espaço de tempo e o seu consumo de propaganda «jihadista» nos dias anteriores ao ataque. No caso de Würzburg, as notícias são da existência de uma bandeira feita à mão no quarto do agressor (...) (porém a sua)  filiação no grupo não é clara.

c) Isto em contraste com as reivindicações claras do estado islâmico de responsabilidade no ataque de Novembro de Paris e de Março de Bruxelas, ao estabelecer que os atacantes eram membros enviados para realizar os atentados...

E percebe-se perfeitamente porque é que o aparecimento de tal relatório passou quase perfeitamente desapercebido. Ou então deu-se relevo a outros conteúdos, menos substantivos mas mais assustadores. E percebe-se também porque cessaram subitamente as notícias a respeito das conexões islâmicas aceleradas de Mohamed Bouhlel, e o foco das novas notícias sobre o atentado de Nice regressou à tradicional troca de acusações políticas... Ao chegar-se aos acontecimentos de Munique, a própria comunicação social já se terá apercebido que as suas audiências estão um bocado fartas de tantas conexões islâmicas não concretizadas.

UM TRADICIONAL BOM DIA DE VERÃO QUE DEIXA DE O SER SOB AS ANGÚSTIAS DOS AVISOS EM COR DE LUZES DE SEMÁFORO

Convencionalmente, o dia que começa é (seria...) para ser considerado um prometedor dia de praia. Por (ou apesar d)isso, deve haver muitas pessoas a ir para a praia. Isto costumava ser assim desde que me lembro. A comunicação social, contudo, conseguiu transformar o que sem ela seria um dia promissor e divertido numa outra coisa, dramática. Avisa-nos que há não sei quantos distritos que estão sob aviso amarelo por causa do calor (aviso do IMPA) e, por causa desses avisos, ainda há pouco um jornalista na televisão descompunha uma transeunte que se expunha ao Sol numa piscina a ponto de esta se sentir compelida a justificar-se que se besuntara com protector solar. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IMPA), a instituição criada em 2012 que é responsável(?) por produzir os tais avisos coloridos que a comunicação social reproduz com volúpia, notabilizar-se-á pela sua inutilidade: o aviso amarelo é o terceiro mais grave numa escala de quatro (também poderia estar escrito: apenas um grau acima da normalidade...) significa risco para determinadas actividades dependentes da situação meteorológica (não se poderia ser um pouco mais concreto no significado da coisa?...). Apetece perguntar como é que a sociedade se terá organizado e sobrevivido até ao aparecimento e à difusão dos avisos coloridos de tão celebrado Instituto?

23 julho 2016

PELO CINQUENTENÁRIO DO PORTUGAL 5 - COREIA DO NORTE 3


Há precisamente cinquenta anos disputou-se o Portugal - Coreia do Norte, jogo dos quartos de final do Mundial de Futebol disputado em Inglaterra. Tornou-se um jogo memorável porque a selecção portuguesa reverteu um resultado desfavorável de 0-3, que vigorava aos 25 minutos de jogo, para uma vitória final por 5-3 - com 4 golos de Eusébio. Mais recentemente, há cerca de dois anos e meio e a pretexto da morte de Eusébio, o jogo recebeu uma ressurgência de notoriedade quando José Sócrates o transformou na sua estrada de Damasco que o converteu ao benfiquismo. Azar o dele que o seu depoimento fosse inverosímil, descrevendo-se a ir para a escola numa tarde de um Sábado de Verão como o de hoje (talvez não tão quente...). O frufru que então se desenvolveu em sua defesa, transforma a data também no cinquentenário virtual de uma grande patranha.

PELO QUADRAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DA TOMADA DE POSSE DO PRIMEIRO GOVERNO CONSTITUCIONAL

À cerimónia comemorativa promovida por António Costa em São Bento compareceu Mário Soares num Mercedes bem mais luxuoso e sofisticado do que o Mini que originalmente o transportou, lembrado pela foto acima, originalmente publicada no Expresso e então interpretada por aquele semanário como uma mensagem de austeridade socialista. Ricos tempos esses de ingenuidade democrática...

CONTRIBUTOS DA CRIATIVIDADE ALHEIA


A MULTIMILIONÁRIA E O MATEUS ROSÉ

Uma forma de se constatar o lado perverso do Correio da Manhã é observando a perseguição que o jornal dedica a Amélia de Jesus, uma antiga mulher a dias que há três anos ganhou 40 milhões de euros (líquidos de impostos!) no Euromilhões. Onde é que já vão os cuidados que os órgãos da comunicação social daquela altura puseram na preservação da identidade da felizarda, quando de uma sua peregrinação a Fátima em agradecimento... Meses decorridos, Amélia de Jesus, provavelmente também por uma vontade deslumbrada de si própria, tornou-se uma presença rotineira nas páginas do celebrado matutino - seja por ter destruído (e substituído) um Maserati num acidente de viação, seja por se submeter a tratamentos caríssimos que a fizeram perder dúzias de quilos. Continuamente disposta a exibir-se para aquele jornal e prova do sucesso dos tratamentos, aqui acima a vemos feliz, loura, a parecer uma cópia contrafeita daquelas tias de Cascais com peles de ameixa seca, numa exibição de sofisticação - ele é uma tisana, um guardanapo de pano, um copo de vinho de pé alto - apenas maculada pela escolha do vinho, um reles Mateus Rosé. Se é verdade que o dinheiro compra tudo, é também verdade que o dono da carteira tem que aprender primeiro aquilo que é importante comprar... Mas parece-me que existe neste encadeado de artigos uma certa intenção do Correio da Manhã em explorar um certo despeito colectivo em relação a alguém a quem o dinheiro deu a felicidade que o dinheiro pode propiciar.

22 julho 2016

EVEN MORE «MODERN TIMES»

Charlie Chaplin (1889-1977) não viveu para viver estes tempos ainda mais modernos do que os que o haviam originalmente inspirado a realizar o filme homónimo. Mas, oitenta anos depois, parece-me que estamos em nova época em que Chaplin já mereceria um herdeiro que leve a sua crítica mordaz um pouco mais além, porque as diatribes comportamentais parecem superar-se.

Após a incorporação da insolência dos toques de telemóvel em pleno concerto de música (repare-se no vídeo acima e como o artista parodia a insolência, ridicularizando o proprietário do telemóvel), temos agora um modelo de conferências de imprensa pós-moderno, em que a atenção de um dos jornalistas se dispersa entre o comunicado que está a ser lido pelo porta-voz... e o pokemon go.

OS VERDADEIROS CALVIN & HOBBES

A RTP 3 apresenta todos os dias, num sistema que creio que seja de rolamento, um pequeno programa destinado à promoção de livros, cada programa uma obra selecionada. A de hoje era dedicada a Calvin & Hobbes de Bill Watterson. Em seis minutos falou-se resumidamente de Calvin, o miúdo travesso de seis anos que é o protagonista das histórias e do seu boneco inseparável, que é também o seu amigo imaginário, o tigre Hobbes. Houve tanto sentimento que seis minutos não chegaram para referir que o nome das personagens principais se ia inspirar em João Calvino (Calvin em inglês), um chatérrimo teólogo francês do Século XVI e em Thomas Hobbes, um filósofo inglês do Século seguinte, se possível ainda mais aborrecido que o anterior. A formação académica de Bill Watterson, o autor, em ciência política (apesar dele se ter tornado profissionalmente num cartunista) não será estranha à sofisticação daquelas escolhas. Que, apesar de constarem da Wikipedia, passaram ao lado dos profissionais encarregues da produção do programa - um trabalho de pesquisa medíocre de preguiçoso porque, mesmo na eventualidade de se pensar que o espectador médio não saberia quem fora Calvino e Hobbes seria precisamente função de quem produz o programa explicar quem haviam sido. É o lado pedagógico da televisão, é o que justificará a postura intelectual. Mas não. É tão triste que até se torna fraca consolação descobrir que no Brasil ainda pode ser pior: o tradutor, na ousadia da sua ignorância, decidiu-se a mudar o nome do tigre...

21 julho 2016

UMA ESTRELA CADENTE NO CÉU ESTRELADO DO AZUL EUROPEU

Yanis Faroufakis foi uma estrela cadente no céu estrelado do azul europeu. Apesar do frenesim dos holofotes mediáticos, ficou demonstrado que politicamente não valia nada. Alexis Tsipras teve que se desfazer dele. O fracasso não o torna um pensador desinteressante - nesta conversa abaixo, tida há cerca de três meses com Noam Chomsky em Nova Iorque ele tem a habilidade de transformar a construção europeia desde o fim da Guerra-Fria num encadeado de equívocos das ambições de expansão política - dos alemães, mas também dos franceses. Nem tudo será assim tão simples como o ouvimos descrever, mas é interessante ouvi-lo, por ser uma versão dos acontecimentos que não costuma ouvir-se defendida quando os pensadores europeus se reúnem e que, treta por treta, parecem também ao ouvinte comum mais verosímil que as versões híper-ortodoxas que por lá se ouvem, como esta de hoje de Carlos Moedas.

CONTRA SUBVERSÃO

Imagens de anteontem de Malatya, cidade do sudeste da Turquia, onde haverá um livreiro, uma livraria e, sobretudo, uns livros que também terão estado envolvidos no golpe de estado...

PELO ANIVERSÁRIO DE UMA TESE REDONDAMENTE ERRADA

Não é só o vinho do Porto que agradece com o envelhecimento. Há certas intuições que só despontam com o tempo, caso desta acima, que ontem celebrou o seu aniversário. De uma certa maneira, não se pode dizer que Vital Moreira não tem faro político. Tem é que se agir em conformidade: tudo o que ele antecipar, assuma-se que vai acontecer o contrário...

A RESPOSTA NÃO TEM QUE SER OBRIGATORIAMENTE MAIS EUROPA - IMAGINEM A LEI BOSMAN APLICADA A MINISTROS DAS FINANÇAS

Sir Charles Rivers Wilson (1831-1916), foi um obscuro funcionário britânico do Século XIX, notável pelo facto de se ter tornado o ministro das Finanças do Egipto em 1878. Como se depreende, a sua primeira prioridade não seriam os interesses dos egípcios, mas os dos credores do fortemente envidado Tesouro egípcio. Reconheça-se que o Egipto do Século XIX não era bem um país a sério; no balanço, reconheça-se que o Portugal do Século XXI, pela evolução dos acontecimentos, também se arrisca a não o ser num futuro próximo. Olhando para aquele passado, é impossível não descartar um futuro Portugal em que o titular da nossa pasta das Finanças venha a ser, como aconteceu com Rivers Wilson, um estrangeiro. Que viesse de um país que ofereça garantias aos credores: há por aí tanta gente preocupada com os interesses deles... Pode arrepiar alguns de nós, mas reconheça-se que um desses estrangeiros (de um país civilizado) pode ser mais eficaz que um Vítor Gaspar (bom rapaz, mas muito lerdo), e, à laia da ironia, reconheça-se que esta pode ser uma outra maneira de ver as vantagens da celebérrima Lei Bosman, se aplicadas às Finanças públicas em vez do futebol. Mas, se ironizo e não troço, é porque tenho de levar a sério aquilo que não queria levar a sério: proclamações como as feitas ainda à pouco pelo presidente Marcelo, que a resposta só pode ser mais Europa, e não menos Europa. É que, vejam, a mim não me incomoda por aí além ver um Benfica a entrar em campo sem um único jogador português, mas um alemão - por exemplo... - a mandar no lado nascente do Terreiro do Paço, encanita-me. Como as coisas andam, nem mesmo no papel que ele tanto gosta de cheerleader, aceito que qualquer presidente português se possa permitir passar cheques em branco à Europa. Já bastou o que bastou dos tempos da dupla Cavaco Silva - Passos Coelho.

19 julho 2016

«AUTHENTIC MEXICAN FOOD»

Democracia tem de ser isto. À priori, as pessoas deviam perceber quando as promessas são disparatadas por não serem exequíveis. Se houver quem, mesmo assim, não as compreenda, então talvez o humor os ajude a lá chegar (caso do anúncio acima). Se, mesmo assim, o humor não produzir qualquer efeito então o melhor será, antes de insultar os eleitores insensíveis e a sociedade em geral, reexaminar a alternativa: talvez ela não seja tão obviamente melhor quanto o pensamento dominante o proclama - veja-se o caso do brexit, e pense-se no charme de Hillary Rodham Clinton...

DISSERTAÇÕES SOBRE «COMPAGNONS DE ROUTE»: DO MODELO CLÁSSICO DO SÉCULO PASSADO ATÉ AO DA MODERNIDADE DO SÉCULO XXI

Confesso que nunca percebi a presunção de os designar, aos originais (acima), por compagnons de route, aquele recurso ao francês para designar os simpatizantes comunistas mais intelectuais (ou mais pretensiosamente intelectuais...) que preferiam não ser reconhecidos como militantes disciplinados do partido. Talvez a disciplina estrita não se combinasse bem com os atributos da actividade intelectual. Há que reconhecer que o efeito amplificador do conjunto, gravitando à volta, mas não fazendo formalmente parte do núcleo, conferia-lhes, aos compagnons de route, um efeito de ressonância que ampliava a imagem dos próprios e a mensagem do núcleo. Já ouvi a expressão adoptada e validada muito depois disso por José Pacheco Pereira (que é o doutor em comunismo cá em Portugal), mas continuo a insistir que o conceito de comunista envergonhado e a expressão original terão aparecido na Rússia depois da Revolução de 1917 - poputchik ( попутчик) - e que a adopção da versão em francês em vez do russo original (ou então em vez da ainda mais despretensiosa tradução para o português) é um daquelas expressões de sofisticação que, por ironia, acaba desmentida pelos factos - quem é mesmo sofisticado deveria saber que a expressão fora roubada pelos franceses aos russos. Se a expressão é controversa, aqueles a quem ela se aplicava não o foram menos. Divagando por aqui e ali, algo dispersos e muitas vezes evitando ser assertivos nos assuntos mais correntes, nos momentos cruciais encontrávamo-los a (quase) todos na mesma trincheira e do mesmo lado, porque a filosofia de base era comum, por muito encapotada que a sintonia pudesse ser. Habilidosamente, não se defendia a invasão do Afeganistão pela União Soviética em 1979 (por exemplo), mas também não se a condenava; a veemência guardava-se para outros países que cometiam gestos hediondos desse género - os Estados Unidos no Vietname, por exemplo. Como então se dizia: o caso das invasões feitas pela União Soviética era mais complexo, precisava de uma análise mais aprofundada - que nunca chegava a conclusão alguma.

Lembrei-me mais recentemente das argumentações rebuscadas e retorcidas desses poputchiks do comunismo, quando alguém próximo de mim se manifestava surpreendido pelo que lhe parecia ser a inflexão da jornalista Helena Garrido em defesa das posições sancionatórias da Comissão Europeia. E surpreendi-me a pensar que a queda do Muro de Berlim extinguiu uma espécie de poputchiks para fazer surgir uma outra espécie nova, a dos poputchiks (ou compagnons de route) do liberalismo. No confronto entre vários modelos económicos e como alguém descreveu - e bem - de há uns dois anos para cá, o confronto não é entre a ortodoxia alemã (uma espécie de supply-side economics levada ao extremo...) e outras correntes de opinião, mas sim entre essa ortodoxia alemã e a realidade. A força da argumentação da ortodoxia alemão não derivará da pujança da sua arquitectura lógica mas tão somente da densidade política e económica de Berlim. Mas terá sido essa realidade que levou poputchiks como Helena Garrido a dissociarem-se progressivamente dos insucessos acumulados pela governação da coligação PSD/CDS sob a égide da troica. Mais de seis meses passados, contudo, o cerne da discussão voltou a recentrar-se, assumido o fiasco, naquilo que interessa. E a questão primordial será a da ideologia inspiradora do modelo económico para a União Europeia. Que, para estes poputchiks modernos do Século XXI, pode ser mais liberal ou pode ser menos liberal mas não pode ser outra coisa senão liberal - da mesma forma que no exemplo acima o que se permitia discutir era apenas o grau de benignidade do comunismo. Ora a Europa a que Portugal aderiu em 1986 era uma Europa suficientemente aberta para permitir a coexistência de vários modelos económicos. A de 2016 parece já não ser assim. Não sendo, é de equacionar a hipótese de tornar a sê-lo. E se não é de equacionar tal hipótese parece-me motivo para repensar a nossa permanência na União. Os poputchiks podem monopolizar a comunicação social mas não me impressionam.
Primeira imagem, na fotografia de cima e na primeira fila, da esquerda para a direita: José Manuel Tengarrinha, não identificado, Silas Cerqueira, António Vitorino de Almeida; na fotografia de baixo e também na primeira fila, pela mesma ordem: José Saramago, Piteira Santos, Rosa Colaço, Lopes Graça, Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires e Urbano Tavares Rodrigues.
Segunda imagem, da esquerda para a direita e de cima para baixo, os poputchiks modernos: Rui Ramos, Paulo Baldaia, Camilo Lourenço, Helena Matos, José Gomes Ferreira, André Macedo, José Manuel Fernandes, Helena Garrido, David Diniz, João Marques de Almeida, João Carlos Espada e Fátima Bonifácio.

18 julho 2016

O JIHADISMO TAMBÉM INCLUI A CONVERSÃO ESPIRITUAL ACELERADA

Daniela Santiago, a jornalista da RTP autora do texto acima, também se convenceu muito rapidamente: parece estar muito mais avançada do que as investigações oficiais. Na Segunda Feira começa-se a deixar crescer a barba, no Sábado está-se pronto para um atentado suicida. Se bem reparei aos seus aparecimentos mais recentes na televisão, tenham atenção ao Pedro Adão e Silva que está a deixar crescer a barba...

COM PAPAS E BOLOS...

No caso do atentado de Nice, o período de 24 horas que se seguiu ainda permitiu que o apuramento do que acontecera enveredasse por uma de duas opções: a tese do desequilibrado ou a da conspiração islâmica. Depois o primeiro-ministro Valls desautorizou o seu ministro do Interior Cazeneuve e impôs a segunda. Depois daí tornou-se obrigatória, porque regressar à primeira tornar-se-ia numa derrota política do governo francês. O problema é a dificuldade em acreditar no que nos querem impingir. Lembram-se de Aznar e da tentativa de associar a ETA aos atentados de Madrid?...

Na Turquia, pelo contrário, o governo não parece precisar de descobrir ou encobrir a verdade, a impressão que dá é até que ele sabe muito mais do que aquilo que confessa saber. Pelo menos, possuir uma lista de 2.745 magistrados para demitir não parece coisa que esteja guardada numa gaveta da mesinha de cabeceira e que apareça assim de um dia para o outro para pôr em execução. Torna-se pior quando o pretexto próximo para o fazer foi a existência de uma intentona militar - cujos oficiais responsáveis tardam em ser identificados. Enfim, com papas e bolos se enganam os tolos.

17 julho 2016

DA FICÇÃO À REALIDADE TELEVISIVA: DE UM JOSÉ SEVERINO (EU É MAIS BOLOS, NÃO É?...) FEITO RADIOTELEGRAFISTA, AO OFTALMOLOGISTA CONVIDADO PARA FALAR DE ARTRITE REUMATÓIDE


Esta Sexta-Feira (dia 15) que passou, e quando os canais de informação se dispunham a tratar em profundidade dos assuntos mais em destaque (o atentado de Nice, as sanções europeias a Portugal), foram surpreendidos com o anúncio da tentativa de golpe de Estado na Turquia. Dando mostras do engenho que caracteriza a televisão portuguesa e da polivalência do comentador português típico, os telespectadores nem devem ter dado conta - eu não dei... - que os especialistas em estúdio não haviam sido originalmente convidados para falar daquele tema. Saíram-se muito bem. Por alguma razão haverá uma certa dificuldade em traduzir a palavra bitaite(s) para outros idiomas.

«KILLED BY POLICE»

Ao pesquisar informações sobre o ritmo dos acidentes com autoridades policiais nos Estados Unidos deparei-me com este site acima, Killed by Police. Não sei quem o elabora mas o resultado parece-me suficientemente bem documentado para merecer a divulgação. Porque o que lá consta, impressiona. Quando escrevo e desde o princípio do ano, morreram 630 pessoas em diversos incidentes com forças policiais nos Estados Unidos. É uma média superior a três mortos por dia que se acentua até desde os últimos anos - houve 1.111 mortos em 2014, 1.208 em 2015. Para ter uma outra perspectiva do significado destes números, há que os reduzir à escala portuguesa: equivaleriam a 41 mortos por ano. Não posso pôr as mãos no fogo pela capacidade de escrutínio da nossa comunicação social, mas suponho que as nossas forças policiais não se comportam da mesma maneira. E para comparação repare-se a atenção dedicada às 25 mortes por ano provocadas pela violência doméstica. Mas, para além da violência, há a questão dos grupos sobre a qual ela incide. Se consultarem a lista, hão de reparar que em vários (mas não em todos) os casos existe uma fotografia do falecido. Nos 48 casos de pessoas que morreram já este mês, existe uma foto em metade deles (24). Vendo-as, pode concluir-se que 9 (37,5%) dos falecidos com foto eram afro-americanos, enquanto a proporção de negros na população norte-americana é três vezes inferior a isso (12,8%). Acho que não vale a pena dizer mais nada - o que me intriga, é a petulância das alfândegas deles, convencidos que todos os cidadãos dos países do resto do Mundo querem ir viver para aquele paraíso. Se as nossas polícias matassem umas 40 pessoas por ano suponho que todos andaríamos também a fugir à polícia e nem imagino o que seria se o risco triplicasse por se ser negro...

16 julho 2016

O «SCRIPT» DO TERRORISTA ISLÂMICO QUE NÃO PODE TER PERTURBAÇÕES MENTAIS

Depois do horror da tragédia de Nice há algo que me incomoda nesta insistência (muito mais do que razoável) para que o perfil do assassino (Mohamed Bouhlel, acima à esquerda) se conforme à descrição de radical islâmico que todos(?) parecem esperar dele. Há os factos, um muçulmano não praticante, os indícios de alguém mentalmente perturbado e há sobretudo a comparação com outras grandes carnificinas provocadas por outros desequilibrados mentais (acima à direita, Andreas Lubitz, o co-piloto alemão que se despenhou causando 150 mortes) onde, quiçá por causa da nacionalidade desses outros causadores de grandes tragédias, não chegou a haver espaço para grandes especulações sobre terrorismo. Não fosse a seriedade da questão e apeteceria ironizar com tudo isto, perguntando se ainda é possível aos magrebinos residentes em França padecerem de doenças mentais e terem comportamentos associais? Porque o comportamento colectivo desta opinião publicada em resposta ao que parece ter sido um fenómeno desses, em vez da procura da verdade, parece-me ser a indução na opinião pública de uma atitude (ainda mais) preconceituosa em relação a todos os magrebinos. As consequências disso podemo-las apreciar quase quotidianamente nos Estados Unidos quando nos apercebemos que, formados nesse cadinho, terá de haver alguma razão particular para que os polícias locais matem acidentalmente muito mais negros que brancos...

DE UMA CENA EVOCATIVA DO FILME «MASH» ATÉ AO INTRIGANTE DINAMISMO DA NOSSA IMPRENSA ECONÓMICA

Até por outro dia aqui me ter referido aqui ao filme MASH creio que vale a pena evocar uma cena do filme, que envolve Frank Burns (interpretado por Robert Duvall), um cirurgião devoto e também não muito bem formado, que não se integra, nem se dispõe a integrar, no espírito descontraído e trapalhão dos restantes colegas do hospital de campanha MASH 4077 que dá o título ao filme. O outro interveniente nessa cena é uma ordenança de seu nome Boone (abaixo), um soldado para ali destacado, sem quaisquer qualificações médicas mas ingénuo e disponível. Surge uma complicação pós operatória a um paciente do cirurgião Burns que parece entrar em choque e este pede a Boone que lhe vá buscar rapidamente adrenalina e uma agulha cardíaca. Quando este regressa momentos depois, já o paciente se fora, mas Burns tem o mau gosto de culpar o prestável e ingénuo Boone por este se ter aparentemente enganado nos itens: Idiota! Eu disse uma agulha cardíaca. É demasiado tarde. Acabaste de o matar. O crédulo Boone ficou completamente arrasado.
Como o filme pretende ter uma moral, a cena foi presenciada por um outro cirurgião, Trapper John (Elliot Gould), que mais tarde, aproveitando uma situação discreta e mesmo à traição, arreia um enxerto de porrada no major Frank Burns. Pois bem: eu não sei se no quadro do Diário Económico subsistirão ainda jornalistas com a ingenuidade do soldado Boone. É muito provável que não. Mas mesmo sem ser em nome (ou a pretexto) desses ingénuos, a administradora judicial daquele jornal, Paula Mattamouros Resende, parece-me uma excelente candidata a levar um atesto semelhante ao de Frank Burns (metaforicamente falando, claro). A explicação que se pode ler na notícia do Observador abaixo, tem uma falta de consistência tão absurda quanta a da história da agulha cardíaca assassina. Os jornalistas reclamavam pelo pagamento de salários em atraso, incluindo até o subsídio de Natal de 2015, fizeram uma greve de 24 horas e isso, diz a senhora, contribuiu para a falência do Diário Económico? Porque não acusar também a mulher da limpeza por ter deixado a torneira a pingar e ter assim aumentado desnecessariamente a factura da água?
Eu gosto particularmente de expressões como a que foi retirada do artigo do Observador e atribuída à referida administradora: Apesar dos números razoáveis que está a gerar, estes não são suficientes para tornar viável a manutenção da empresa. Diz-me a observação e também a forma como está redigido o texto supra que, quando há tal dedicação aos números e tão pouca às pessoas tudo tende a descambar no síndrome do cavalo do escocês, o tal que acaba acidentalmente por morrer depois de o administrador da insolvência se ter convencido que ele já se havia habituado a deixar de comer... Também no Diário Económico os números até podem ser razoáveis mas se se esquecerem de pagar com regularidade às pessoas pode ser que deixem de contar com elas... Contudo, no meio de tanta miséria, não deixa de surpreender o dinamismo da imprensa económica, qual espécie de fénix do bem prega frei Tomás (faz o que ele diz, não faças o que ele faz), conforme se constata por este anúncio de hoje no Expresso (abaixo). Promete-se o pluralismo do costume (sem "accionista dominante") e nós ficamos para ver, como nas representações do circo, para o fim, para quando chegar aos bilhetes do par charro do alto...  

15 julho 2016

O «GANG» DO AEROPORTO

Esta notícia parece-me capaz de explicar (pelo menos numa boa parte) aquele atraso permanente como as bagagens costumam ser distribuídas no aeroporto da Portela, quando em comparação com o que acontece na maioria dos outros aeroportos europeus. Vamos a ver se, com o desaparecimento da fase de triagem suplementar entre o porão do avião e os tapetes de distribuição que a polícia acabou de desmantelar, os tempos de espera dos passageiros acabados de aterrar passam a ser mais normais... Diga-se, em jeito de remate que, depois da exploração dos aeroportos ter sido privatizada e para além do aumento dos preços (os do estacionamento, por exemplo), tardo em ver as tão propaladas virtudes da exploração privada...