Se só a maturidade me despertou a atenção para as notícias que se destacam por inexistir, a veterania e a mudança do paradigma noticioso do Século XXI está a fazer-me prestar cada vez mais atenção a esse outro género de notícias - as notícias que deveriam existir e não existem e que se percebe que só existiriam se o protagonista fosse outro. Tomemos o caso da decisão do Supremo Tribunal austríaco de anular e fazer repetir a segunda volta das eleições presidenciais. O que parece estar a faltar à volta daquela notícia? O escândalo! Então um país da Europa civilizada tem uma prática de escrutinar os seus votos que é desautorizada pelo seu próprio tribunal supremo e ninguém comenta negativamente o incidente? À sua escala, é uma repetição do incidente Bush/Gore na Florida em 2000 com uma terceira entidade a certificar que, sim senhor, ali houve uma martelada capaz de influenciar o desfecho do escrutínio. Mas repare-se como, na comunicação social não se encontra qualquer insinuação de que pudesse ter havido viciação deliberada dos resultados. Teria sido também assim se o vencedor das eleições tivesse sido o candidato da extrema-direita? Provavelmente não, que as viciações dos votos em prol de candidatos da extrema-direita são sempre intrinsecamente más, mas as contra são por uma boa causa. E para mais, todas as notícias são enfáticas em esclarecer-nos que não houve viciação, o que houve foi negligência como se lê na notícia acima, ou então, ainda melhor, se escuta na notícia abaixo transmitida pelo euronews a dar-nos a perspectiva europeia: os juízes afirmam não ter encontrado fraudes ou manipulações (...) porém as investigações realizadas permitem concluir que várias dezenas de milhares de boletins da votação por correspondência foram contados de forma irregular. Para quem gosta de formulações eufemísticas - dezenas de milhares de votos contados de forma irregular - tem aqui uma figura do estilo. Suspeito que não adianta perguntar porque não foram essas dezenas de milhares de votos pura e simplesmente anulados do escrutínio - provavelmente porque com isso o vencedor passaria a ser o candidato da extrema direita... É pensando na expressão branqueamento que a fotografia inicial, com as paredes brancas do tribunal austríaco, pode assumir todo o seu significado irónico; e que os dizeres que se podem ler por cima do juiz (IHR RECHT GEHT VOM VOLK AUS, numa alusão à emanação popular do Direito que ali se decide) complementam superiormente na ironia.
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