27 julho 2016

O QUE NÃO HÁ PARA DIZER SOBRE A TURQUIA

Não é a biblioteca de casa que nos transforma em especialistas em que assunto for, mas é simpático, quando se deambula pela internet, depararmo-nos com um sítio que se reclama de uma certa especialização (Do Médio-Oriente e afins) e reconhecermos a recomendação que por lá se faz de uma obra cuja leitura deveria ser obrigatória para todos quantos hoje falam e escrevem sobre os mais recentes acontecimentos na Turquia, seja na televisão, na rádio, nos jornais, e mesmo no facebook: Turkey: A Modern History, de Erik J. Zürcher, professor da Universidade de Amesterdão. Manda a verdade confessar, precavidamente, que já li apreciações tão ou mais assertivas que esta que depois vim a verificar serem escritas por quem não teria condições objectivas para as pronunciar (por exemplo a passagem: ...uma das obras mais rigorosas sobre a evolução da Turquia... é afirmada em comparação com quantas outras obras e quais?), mas vamos limitar-nos a saborear o reconhecimento de nos saber por acidente leitores de uma obra recomendada sobre a história recente de Turquia. Sobre o assunto, o facto de se ter uma ideia mais ou menos precisa sobre a importância do papel desempenhado por İsmet İnönü na Turquia dos meados do século XX ou saber das rivalidades entre Bülent Ecevit (mais um amigo de Mário Soares!) e Süleyman Demirel no último quartel do século, não estará a ajudar nada à compreensão do que está a acontecer na Turquia depois da tentativa do golpe de Estado de 15 de Julho. Há uma mensagem mediaticamente dominante na comunicação social mundial, que tem um mau (Recep Tayyip Erdoğan, o actual presidente) e muitas vítimas - militares, magistrados, professores, jornalistas detidos e demitidos. As medidas governamentais a que se tem dado relevo apontam descarada e mesmo, dir-se-ia, descuidadamente para a constituição de um regime totalitário na Turquia, um regime de rivalizar com o da Coreia do Norte. Suponho que a mensagem mediaticamente dominante na própria Turquia seja substancialmente diferente: aí o mau é um teólogo exilado nos Estados Unidos chamado Fethullah Gülen, que foi o promotor do golpe de Estado fracassado. Terá sido? No terreno a tese prevalece e os milhares de presos, por causa dela, são qualificados de simpatizantes da sua causa. A tese é um pouco difícil de aceitar, o visado proclamou a sua inocência nas páginas do New York Times, mas outras páginas do mesmo jornal acolhem outros artigos de outros autores turcos defendendo a tese de Ancara. E Gülen, que já foi aliado de Erdoğan, é alguém com uma biografia peculiar (como o confirma a própria wikipedia): uma comparação sua com Khomeini - salvaguardadas as enormes diferenças entre a Turquia e o Irão - não será assim tão disparatada. Gülen não parece ter o perfil de um daqueles bons que o Ocidente (...os Estados Unidos) devem apoiar contra Erdoğan, o mau. O que se pode constatar, desde quase o início da crise actual, é que haveria decerto um plano de contingência do governo: é elementar reconhecer que não se desenterra uma lista de 2.745 magistrados a demitir de um dia para o outro. Mas a atitude mais prudente será a de aguardar o desenrolar dos acontecimentos, para ver quais serão as próximas movimentações de Erdoğan. Não deixa de ser irónico o actual momento turco, em que a necessidade da comunicação social é a que se diga qualquer coisa a respeito da situação (como sempre), e a atitude mais assisada de qualquer comentador ou analista que é a de comprometer-se muito pouco.

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