29 julho 2016

OS VALORES INCOMPREENSÍVEIS

O conde Armand de Saint-Hilaire, um antigo embaixador de 77 anos aparece morto, assassinado com vários tiros no escritório da sua residência. Uma antiquíssima história de cinquenta anos de amor platónico, ligava-o a Isabelle, a filha do duque de S....., que as conveniências das políticas matrimoniais da aristocracia haviam feito casar-se com o príncipe de e tornar-se princesa de V....... Ora o príncipe de V.... havia falecido naturalmente três dias antes do conde Armand de Saint-Hillaire. Que razões estariam por detrás da sua morte trágica, agora que, depois de cinquenta anos, Armand se poderia finalmente reunir à sua adorada Isabelle? Não posso assegurar qual a fidedignidade do retrato da aristocracia francesa que é aqui traçado por Georges Simenon e que tanto surpreende o seu comissário Maigret, e mesmo se ele subsistiria ainda assim como é descrito em 1960, data da publicação do livro. Na aparência creio que sim, mas a prática podia ser outra coisa. No fim, quando se desvenda a verdade, esses valores aristocráticos antigos emergem, porque afinal o conde Saint-Hilaire suicidara-se, porque convencido que padecia de uma doença incurável e preferindo não chegar a consumar um amor que as circunstâncias tornara perfeito de etéreo. Por sua vez, a sua governanta, temerosa que o suicídio o privasse de funeral cristão, pegara na arma, e disparando outros tiros, simulara o assassinato. Georges Simenon, deu ao livro o título original de Maigret et les Vieillards, mas onde a velhice me parece tanto ou mais dos valores que as regem do que a própria idade das personagens. Surpreendi-me outro dia a pensar que, se valores que norteiam as personagens do livro já eram estranhas ao comissário Maigret, tornaram-se completamente incompreensíveis actualmente, 56 anos depois da primeira publicação do livro.

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