31 outubro 2014

O ENTUSIASMO EXUBERANTE E DESASTRADO DE ASCENSO SIMÕES

Ascenso Simões é um político socialista com uma imagem efusiva. A imagem dele que eu teria preferido para enfeitar este poste seria um outro abraço, assestado simultaneamente a António Costa e a José Magalhães, quando da saída do primeiro da pasta da Administração Interna para a presidência da Câmara de Lisboa (2007), que os deixou a ambos a massajar a testa depois da cabeçada involuntária provocada pela exuberância como Ascenso Simões lhes deu um abraço tríplice que se pretendia cúmplice. Ascenso é um bom rapaz, mas é um bocado desastrado, recorde-se a propósito um episódio velho de oito anos, em que ele pretendia mobilizar o sector vitivinícola para combater a sinistralidade rodoviária. A idade não lhe terá dado siso. Agora deu-lhe para se intrometer na prerrogativa presidencial da concessão de condecorações, caso de uma Grã-Cruz da Ordem de Cristo que Cavaco Silva devia, mas não atribuiu, a José Sócrates. Ascenso Simões devia deixar o presidente atribuir as suas condecorações discricionariamente como lhe compete: desde a Grã-Cruz do Mérito Empresarial a Zeinal Bava em Junho passado até ao Grande Colar da Ordem do Infante a Durão Barroso, notícia de hoje. Assim como há insultos que podem ser tomados por elogios pelo destinatário, também haverá condecorações que, consideradas as circunstâncias, podem ser maculadas por quem as outorga. Se a opinião expressa por Ascenso Simões (mais a campanha adjacente) correspondem à opinião íntima de José Sócrates, mais do que discordar deste último, acho que Sócrates está profundamente errado.

Porque, quanto a Cavaco Silva, os enxovalhos públicos que já recebeu, às mãos de figuras politicamente irrelevantes como Carlos do Carmo, indiciam que, como se diz no Brasil, ele não perde por esperar pelo fim do mandato, a batata dele está assando...

O LEGADO DO PRESIDENTE SATA

Não se tivesse dado o caso de ter tido um sucessor branco, ainda que interino, e a notícia da morte de Michael Sata, o presidente da Zâmbia, nem teria saído dos rodapés das páginas noticiosas. Figura praticamente desconhecida fora do seu país, vale a pena evocá-lo por um daqueles episódios em que o poder político se confronta com o poder económico e em que este triunfa - como sempre triunfou ao longo da História (querendo-nos convencer que não, vivemos tempos atípicos). A história teve o seu clímax há quase precisamente um ano e pode ser contada de forma sumária assim:

A Zâmbia é um dos maiores produtores mundiais de cobre (8º). A segunda maior empresa de extracção de cobre do país é a Konkola Copper Mines (KCM – logo acima). Desde 2004 que essa empresa é, por sua vez, detida maioritariamente pela Vedanta, uma multinacional mineira de capitais indianos porém domiciliada em Londres. Mas a KCM mostrava estar em dificuldades quando, em Outubro de 2013, apresentou um plano de recuperação. Como se tornou quase indispensável em todos os bons planos de recuperação económica, também este envolvia o despedimento de muitos trabalhadores, 1.529 para ser mais preciso, o que correspondia a cerca de 7% da força de trabalho da KCM. E, claro, as acções da Vedanta subiram na Bolsa de Londres (abaixo). Os Mercados adoram planos de recuperações em que se despedem muitos trabalhadores, quantos mais, mais os Mercados apreciam.
E é aqui que apareceu Michael Sata e o governo zambiano. A anunciarem que, se a KCM procedesse aos despedimentos anunciados lhes retiraria a concessão mineira. E os Mercados, volúveis, se gostam de planos de recuperação onde se despede muita gente, não gostam de empresas que, apesar de recuperadas, perdem as suas autorizações para operar e ganhar dinheiro... E lá vieram as cotações outra vez por aí abaixo. É evidente que nestes casos se arranja sempre uma empresa de rating - mais prestigiada ou mais obscura - que anuncia cortar o rating do país acompanhado das declarações de um analista da mesma indignado com o comportamento anti-económico (anti-liberal!) dos decisores políticos do país em causa, profetizando a insustentabilidade da sua conduta e o colapso eminente. Na disputa ideológica pode-se fingir ser assim mas, na prática, este braço de ferro durou apenas uma semana e acabou com a KCM a pedir publicamente desculpas ao governo zambiano – depois da licença de trabalho do seu CEO na Zâmbia ter sido ostensivamente revogada.

Mais do que isso, o governo zambiano nomeou uma comissão de auditora, que concluiu, já em Agosto deste ano, aquilo que se queria que se concluísse: que não era preciso despedimentos, a empresa estava a ser mal gerida – quando conveniente, também se pode concluir que o privado também gere mal as empresas. É evidente que todo este episódio não teve grande difusão fora da Zâmbia. Agora constate-se o enorme contraste com a atitude do poder político português, especialmente nos últimos três anos. Claro que isso ocasiona que se publicite que Portugal seja o 25º país onde é mais fácil fazer negócios da lista Doing Business (que orgulho!), enquanto a Zâmbia ocupa nessa mesma lista um modestíssimo 111º lugar. Mas a verdade é que a KCM continua a operar no país, apesar das regras draconianas a que o governo zambiano a obriga: outra constante económica ultimamente muito esquecida é que - se não houver venalidade dos governantes - a atracção pela extracção do cobre e por lucrar com isso costuma sobrepor-se a qualquer ideologia.

30 outubro 2014

«NUR FÜR JUDEN»

Costuma dizer-se que só a capacidade de persuasão dos austríacos é que consegue convencer os estrangeiros que Beethoven era austríaco e que Hitler era alemão, quando a verdade é precisamente a oposta. Conseguem persuadir os mais distraídos que detestaram fazer parte da Alemanha quando foram anexados (quando a esmagadora maioria deles terá adorado, a chatice foi terem perdido a guerra conjuntamente com os alemães), e ainda nos dias que correm conseguem disfarçar a presença de um partido de extrema-direita no seu espectro político (20%), denominando-o por...liberal (FPÖ). Uma excelente imagem dessa dissimulação austríaca é esta fotografia abaixo, tirada em Viena em Abril de 1938, semanas apenas depois da anexação pela Alemanha: o anti-semitismo aparece evidente e comprovado pela atitude envergonhada da fotografada que tapa a cara com a mala, mas o letreiro (nur für juden! – só para judeus!) é todo um tratado de subtileza vienense – os judeus até tinham bancos de jardim onde se sentarem(e vejam como ele é espaçoso!); não podiam é sentar-se nos outros...

RACISMO NEGRO

Na Zâmbia, morreu o presidente Michael Sata (1937-2014), mas o que irá acontecer com a sua sucessão é, para além de exótico, uma demonstração inequívoca não apenas da existência daqueles cargos políticos simbólicos que estão destinados a serem ocupados pelos membros de minorias nacionais para melhor cosmética dos regimes, como sobretudo que, mesmo depois do fim do colonialismo, o racismo não precisou da sua existência para continuar a subsistir em África. Recorde-se que a Zâmbia é um país que completou recentemente (26 de Outubro) os 50 anos de independência. É um país sólido das suas instituições, um daqueles raros países africanos onde já se processaram alternâncias de poder por força da vontade popular expressa nas urnas. E onde é pacífico que no caso da morte do presidente em exercício, o vice-presidente – no caso, Guy Scott (1944), acima à esquerda – assume interinamente o cargo. E contudo, parece haver um preceito constitucional que impede Scott de concorrer às próximas eleições: porque os seus pais – não o próprio – eram de ascendência britânica e não nasceram na Zâmbia... Embrulhado na curiosidade de se tratar do primeiro caucasiano a presidir a um governo africano desde há vinte anos (depois do sul-africano F.W. de Klerk), a redacção das notícias a este respeito mostram uma condescendência para com esta descriminação que só pode atribuir-se a uma certa obtusidade quanto ao seu significado. Alguém já imaginou o que serão os comentários (justamente) ultrajados se António Costa não puder concorrer a primeiro-ministro por causa da ascendência goesa de um pai que não nasceu cá?

29 outubro 2014

O 55º ANIVERSÁRIO DE ASTÉRIX

Apesar de acima haver quem lhe esteja a atribuir uma idade indefinida, Astérix completa hoje precisamente 55 anos. A sua primeira aventura, Astérix o Gaulês, começou a ser publicada no número inicial da Pilote, revista francesa de BD. A prancha abaixo não é evidentemente uma reprodução da original nessa revista mas será o que de mais aproximado se pode arranjar para portugueses: trata-se da primeira prancha do álbum daquela primeira aventura que foi editado em 1967 em conjunto pela Livraria Bertrand e pela Editorial Ibis. Registe-se a curiosidade de Astérix aparecer apenas por duas vezes (e Obélix apenas por uma) nessa primeira prancha.

A DAMA DA LITEIRA

A pretexto dos mapas eleitorais que nos mostram um Brasil tropical e nortenho a votar em Dilma e outro mais temperado e meridional a votar em Aécio, vale a pena, para os que formulam conclusões muito pesquisadas a partir daí, exibir esta fotografia que foi tirada há cerca de 150 anos numa localidade baiana não especificada e que permanece emblemática da História brasileira. Segundo constava da legenda do site onde a encontrei, a razão para a foto e para a indumentária aperaltada dos carregadores fora a sua manumissão (concessão da alforria que os libertava da condição de escravos). Veja-se como é curiosa nessa indumentária a exuberância dos chapéus altos quando em contraste com a ausência de sapatos ou meias. Para quem trabalha caminhando e não pensando, teria sido mais útil proteger os pés do que a cabeça... E depois – regressando a um tema que abordei ainda ontem – há o tom de pele que distingue nitidamente servidores e senhores e que se perpetua até ao Brasil actual. Quem tem a pele mais escura é que normalmente serve os que a possuem mais clara (ninguém está a imaginar uma senhora negra a ser transportada por dois carregadores pardos...). Mas os separatistas mais ardentes não se devem ter tomado conta que são precisos dois carregadores assim mais escurinhos para tocar a liteira do Brasil para a frente, seja ela ocupada pela Dilma ou não...

28 outubro 2014

«CUPBOARD ONE»


É uma pena que o primeiro-ministro canadiano Stephen Harper não seja um estadista completo, homem de reflexão e homem de acção, modelo Harrison Ford. Ficou-se a saber, quando do ataque do atirador isolado ao edifício do Parlamento canadiano de Ottawa, que ele foi encerrado num armário onde permaneceu escondido durante 15 minutos por razões de segurança. Fosse ele um Harrison Ford e, copiando o enredo de Air Force One (acima), teria sido ele a saltar do armário (cupboard) e a protagonizar o abate do assaltante...

O CLAREAMENTO DA PELE

A cidade é Nova Iorque e o ano é 1944. No Mundo lá fora a Segunda Guerra Mundial ainda decorria embora o seu fim já aparecesse em vista quando Fred Stein se decidiu fotografar um dos cartazes de publicidade afixado numa das paredes de um dos bairros pobres da cidade. E que publicidade! A um creme branqueador baptizado NADINOLA que possuía a virtude de fazer os pretos parecerem menos pretos. Se há fotografia que exiba um racismo vincado, na sua subordinação implícita da estética de uma minoria à da maioria, é esta. 70 anos passados, e mesmo que seja um brother a ocupar a presidência, o que se terá alterado substantivamente foi o conteúdo da mensagem publicitária e a discrição da venda, que a procura continua dinâmica num mercado mundial em crescimento continuado, que se prevê atingir os 8.000 milhões de € em 2015 e duplicar essa cifra até 2018. Os mercados mais promissores situam-se agora na Ásia, China, Japão ou Índia, nada incomodados com as correcções políticas ocidentais: naquelas sociedades a pele clara é mais bonita que a pele escura! E porque estas investigações são sempre enriquecedoras – bendita Wikipedia! – permitam-me acrescentar que descobri que na actividade existem até (literalmente...) nichos de mercado: a famosa exiguidade dos fios dentais e de outros trajes de banho no Brasil faz com que naquele país haja uma desmesurada preocupação estética dedicada ao clareamento do olho do cu...

27 outubro 2014

TESTES DE STRESS (2)

Esta é uma outra forma de exibir um outro teste de stress relacionado com a actividade bancária. Superficial e risível, num tópico que foi abordado também com superficialidade na nossa imprensa. Tanta, que tive que consultar um jornal estrangeiro para encontrar uma lista identificando cada um dos 25 bancos europeus que haviam chumbado os testes. É surpreendente num país cuja imprensa tanto gosta dos detalhes: nas fichas de um banal jogo de futebol, por exemplo, só fica a faltar fornecer os nomes dos apanha-bolas. Adenda: Foi só no dia seguinte ao da notícia que encontrei a referida lista, caso desta que transcrevo da página 16 da edição do Público. É caso para felicitar quem satisfaz as curiosidades quiçá excessivas de pessoas como eu, que não somos menos do que aqueles que não conseguem acompanhar um jogo de futebol tranquilos sem terem um nome que possam atribuir ao fiscal de linha que acompanha o jogo do lado do peão.

TESTES DE STRESS (1)

We've realized that we're having a very difficult time finding the enemy. It isn't easy to find a Vietnamese man named Charlie. They're all named Nguyen, or Tran, or...
Well, how are you going about it?
Well, we walk up to someone and say: Are you the enemy? And, if they say yes, then we shoot them.

Em Good Morning, Vietnam! o recém-falecido Robin Williams tem vários diálogos imaginados com um denominado especialista em informações militares – actividade que, em inglês, tem o bónus adicional do trocadilho de se denominar intelligence. E a actividade resulta difícil, porque, como se lê acima, ela está dependente da confissão do inimigo ser o inimigo para que o visado possa vir a ser devidamente abatido. A publicidade gerada à volta dos testes de stress dos bancos europeus relembrou-me um exercício similar. Como muito bem se interroga a Sofia Loureiro dos Santos, o BCP chumbou mas ninguém se mostrou interessado em perguntar o que havia acontecido ao BES nesses testes, pergunta pertinente visto que os testes incidiram sobre a situação patrimonial apresentada pelos bancos a 31 de Dezembro de 2013. Será que os testes o chumbaram, mas isso tornou-se supérfluo considerado tudo o que aconteceu depois? Ou pelo contrário e muito pior, os testes passaram-no, porque a situação patrimonial do BES estaria baseada numa contabilidade fraudulenta? Sendo este último o caso, não é muita imaginação prognosticar ao BCE um sucesso militar idêntico ao registado pelos norte-americanos na Guerra do Vietname...

26 outubro 2014

«COMO SE SABE»... JEAN JAURÈS

Eram 9H15 daquela noite veranil de 31 de Julho de 1914, Sexta-Feira, quando Jean Jaurès, o director do jornal parisiense (então socialista...) L’Humanité, chegou a um restaurante nas proximidades do jornal para jantar. Fazia-o acompanhado de um punhado de trabalhadores do jornal e, apesar do restaurante Choppe du Croissant (que ocupava a esquina entre as ruas do Croissant e de Montmartre) estar cheio, o caracter de clientes regulares garantiu-lhes uma mesa comprida à esquerda de quem entra. Jean Jaurès, que serio o paradigma do socialismo pacifista daquela época em França, ocupou a cabeceira, de costas para a janela, aberta por causa do calor que se fazia sentir. A conversa versaria a tensão crescente da situação internacional: a Alemanha enviara naquele dia um ultimato à Rússia, mais uma das várias mensagens que precipitaria dai por dias o início da Primeira Guerra Mundial. Subitamente, por volta das 9H40, os pedidos ainda não haviam sido feitos, quando alguém afasta a pequena cortina por detrás de Jaurès e, de revolver na mão, lhe desfecha dois tiros. A primeira bala, alojando-se no crânio, teria sido suficientemente mortal. Os companheiros de Jaurès depositaram-no sobre o balcão do restaurante. Um farmacêutico presente no restaurante verifica a pulsação do ferido e faz uma expressão consternada. Um médico, entretanto chamado, aparece minutos depois para se limitar a constatar o óbito. Entretanto partido em perseguição do assassino, um dos membros do grupo, chega a apanhá-lo e a detê-lo com a ajuda de um polícia. O assassino chama-se Raoul Villain, tem 28 anos, é de Reims, um passado de militância em organizações nacionalistas de direita e uma hereditariedade não muito abonatória: a mãe e uma avó haviam sido casos psiquiátricos. Terá também um futuro curioso: salvo da execução na guilhotina por um julgamento tendencioso que só veio a ter lugar em 1919, veio a morrer executado sumariamente e por fuzilamento em Ibiza, Espanha, em 1936, quando o arquipélago das Baleares foi ocupado pelos poderes revolucionários republicanos (no caso, anarquistas), logo no início da Guerra Civil de Espanha.
Mas o que importa para a História é que em França ainda hoje se tem a pretensão que este assassinato neutralizou a resistência da classe operária francesa à militarização que precipitou as nações para a Grande Guerra em 1914. É uma tese que não resiste à comparação do que aconteceu com as classes operárias alemã e britânica, onde não foi preciso assassinar os seus dirigentes mais pacifistas porque eles acabaram afastados pelo próprio curso dos acontecimentos (foi o caso de Ramsay MacDonald no Reino Unido, por exemplo). Ou seja, é muito questionável que o assassinato de Jean Jaurès naquela altura tivesse tido uma influência determinante nos acontecimentos, mas tem imensa daquela panache gaulesa pressupor-se que sim e, mais do que isso, apresentar-se essa conclusão como incontroversa, rematada com o pressuposto que todos saberão quem foi Jean Jaurès e o que terá significado o seu assassinato. É assim que ainda hoje, um Vasco Correia Guedes (a.k.a. Vasco Pulido Valente) que se obrigara a ter de explicar previamente o significado das iniciais SFIO (Section Française de l’Internationale Ouvrière e não Socialiste, como no final se pode ler) na sua crónica, consegue escrever mais adiante: Como se sabe, um nacionalista tresloucado assassinou Jaurès, o chefe da SFIO, e os trabalhadores preferiram a França à solidariedade internacional. Ora saber, saber-se, sabe-se que o Vasco se apresenta regularmente bêbado, que se contradiz com o maior descaramento, que tenta regredir tudo aquilo em que se mete até acontecimentos do Século XIX, que se esmera em não mostrar qualquer opinião que passe por razoável e que o que escreve frequentemente não suporta o escrutínio daqueles que podem conhecer em profundidade o assunto sobre o qual o Vasco escreveu. A saber-se e como se sabe, a maioria dos papalvos que mostram apreciá-lo, citando-o e transcrevendo-o, não faz a mínima ideia quem foi e como morreu Jean Jaurès, muito menos as controvérsias associadas às consequências do seu assassinato. Para complementar a crónica do Vasco, eis aqui a história com alguns pormenores: os mais ao gosto popular - modelo jornal da TVI - e os outros.

«WE PICK DICK»

Senhoras respeitáveis, do tempo em que a ignorância associada a essa respeitabilidade as fazia fazer, ainda que involuntariamente, figuras patéticas (ou pátéticas com o primeiro á aberto, como o 1º ministro nos ensinou ontem a pronunciar), manifestam-se num qualquer aeroporto californiano em apoio a Richard Nixon (1913-1994), por ocasião da sua campanha para o cargo de governador daquele estado em 1962. Apesar do entusiasmo composto das senhoras que o tinham escolhido, – dick corresponde também ao calão para pila, o que torna possível que o cartaz possa ser lido de outra forma: apanhamos pilas... – Nixon veio a perder as eleições por uns surpreendentes 300 mil votos de diferença, resultado que o fez chegar a anunciar publicamente o final da sua carreira política (vídeo abaixo). Ainda Pedro Passos Coelho não era nascido (nasceu em 1964) e já outros mariolas da política tentavam impingir-nos a tese da vitimização diante e por causa de uma comunicação social hostil... Por mim, que Passos Coelho mande os seus apoiantes ir apanhar pilas.

25 outubro 2014

REBAIXANDO EM VEZ DE ELEVAR

Nem Mário Soares saiu particularmente dignificado com os elogios que endereçou a Isaltino de Morais, nem a Universidade da Beira Interior se prestigiou particularmente ao conferir o grau de Doutor Honoris Causa a Zeinal Bava. À UBI poder-se-á desculpar o facto de já ter cometido o erro há mais de três meses, e que o que se lhe pode recriminar foi o péssimo timing para a cerimónia, mas a verdade é que é muito fácil a ilusão de não se aperceber do quão frágeis e volúveis são as reputações.

24 outubro 2014

QUAL É MESMO A RAZÃO PARA A NOTÍCIA?

Se por lá os cidadãos por norma são considerados perigosos e tendem a ser abatidos pela polícia mesmo quando não têm nada nas mãos, a novidade a merecer destaque noticioso aconteceria apenas se o homem do machado nem tivesse chegado a ser alvejado... Em qualquer cidade norte-americana pegar numa arma de aspecto letal e brandi-la publicamente parece ser o primeiro passo para o suicídio assistido.

AINDA HÁ OCASIÕES EM QUE É GRATO CONSAGRAR HERÓIS


No dia seguinte aos acontecimentos em Ottawa, capital do Canadá, os membros do parlamento canadiano recebem o seu Sargento-de-armas (um cargo honorífico, frequente nos parlamentos de inspiração britânica) nos seus afazeres protocolares (é ele que abre tradicionalmente as sessões carregando a maça) com uma prolongadíssima salva de palmas, após lhe ter sido atribuída a autoria do abate do atirador que, depois de ter abatido uma sentinela num monumento exterior, invadira o edifício.

PRESIDENCIAIS BRASIL

Agora sim. Apareceu uma sondagem que sustenta aquilo que eu estava à espera: que Dilma fosse reeleita à segunda volta das presidenciais, apesar de tudo o que foi escrito e dito a esse respeito. E se lhe dou aqui publicidade é precisamente por a sondagem corroborar o que penso que vai acontecer e não pelos méritos científicos das sondagens do Ibope (valerá a pena recordar esta sondagem que aqui há dois meses atribuía a vitória numa segunda volta a Marina Silva?) e das outras empresas de sondagem brasileiras. Os resultados da primeira volta demonstraram quanto elas, o Ibope e as outras todas, não deram uma para a caixa (abaixo): Dilma venceu com 41%, Aécio teve 35% e Marina apenas 21%.
Não sei o que aprenderam com os erros (que os votos dos não considerados vão ser esmagadoramente em Aécio Neves?), mas a evolução do gráfico inicial mostra as sondagens a obrigarem-se a publicitar resultados que dão da opinião pública brasileira uma imagem de volubilidade que transforma os brasileiros nuns taralhoucos que mudam de opinião quase todas as semanas. Será forma de criar ainda mais emoção à volta do espectáculo eleitoral? Em suma: aqui o Herdeiro de Aécio – embora a herança seja de outro Aécio, o Flávio – até está à espera que Dilma vença as eleições depois de amanhã, mas não por causa das sondagens. Porque os incumbentes é que costumam perder as eleições e Dilma não me parece ter cometido tantos erros quanto isso. É um processo bem mais barato do que andar a fazer 3.000 chamadas Brasil fora. Ainda bem para o Ibope que ele se resolveu a concordar comigo: por tudo o que lhes vi na primeira volta pode ser um método mais seguro de acertar nos resultados.

URSOS RUSSOS NA RÚSSIA

O urso é o animal que representa por excelência a Rússia. Uma Rússia que, depois de 74 anos de um outro modelo, regressou aos seus hábitos ancestrais de permitir-se a redistribuição da riqueza sem equidade e de hábitos daqueles que a acumulam a exibirem com ostentação.
E é nesse último sentido que estes ursos da Rússia são mais russos do que o podem parecer a uma primeira vista: fotografados em prodigiosos instantâneos enquanto se alimentam nas margas do lago Kurile (na península de Kamchatka, extremo oriente da Rússia),...
...conseguem-se mostrar perdulários à russa na forma como o apreciado (e razoavelmente caro) caviar de salmão vermelho (são as bolinhas da mesma cor que se podem ver em suspensão nas fotos) espicha dos peixes e se desperdiça quando abocanhados.
Cada urso destes é, à sua escala, um Abramovich...

23 outubro 2014

SINAL DOS TEMPOS

Sinal dos tempos é os autores dos tradicionais esquemas ardilosos de sacar dinheiro via internet se andarem a socorrer do logotipo da Autoridade Tributária e Aduaneira para tentar mais um truque que, atendendo à concepção e à redacção dos textos, será de genuína produção nacional (acima - mais um prémio para o professor Marcelo puxar pela nossa moral no Domingo à noite na TVI). Desta vez não se apela à nossa cupidez, tentando ganhar algum a recolher um colossal prémio de lotaria por conta de um terceiro. Nem à nossa solidariedade, dispondo-nos a desenrascar um conhecido que nos contacta dizendo-se perdido com bagagens e sem dinheiro em algum país remoto. Desta vez a ideia é fazer-nos sentir coagidos, porque entre o IRS, o IMI, o IUC e tantas outras siglas, instalou-se em Portugal um tal clima de confusão fiscal que se torna difícil alguém receber uma (falsa) notificação das Finanças sem que alguma dúvida se instale em quem a recebeu. E a dúvida chegava porque o verdadeiro truque dentro do truque consistia em carregar no link para esclarecer o assunto (e assim fazer o download de um software malicioso).
Mas o sinal dos tempos é dado tanto pelo processo dos vigaristas como pelo conteúdo da nota da própria Autoridade Tributária e Aduaneira que o denuncia, emblemático de uma atitude. Pela secura da redacção empregue e sobretudo por aquilo que lá não consta: a) o quanto a Autoridade lamenta o expediente malicioso feito à custa da sua imagem; b) que a Autoridade vai accionar os meios de que dispõe para tentar identificar e apresentar à justiça os seus autores. Não é preciso ser-se especialista na matéria para calcular o quanto a segunda é improvável, mas seriam ideias que, transmitidas, poderiam amenizar um pouco a ideia instalada de uma espécie de guerra civil entre nós, contribuintes, contra eles. Sobretudo quando o carácter despótico dos eles é ainda acentuado por notícias como esta, oriunda da DECO, estimando que os contribuintes terão pago 244 milhões de IMI em excesso em 2013, por causa do esquecimento do ajustamento do valor dos imóveis tributados. É que a rápida - de horas! - resposta governamental a este outro caso tem a sensibilidade que lhe faltou acima, iludindo o cerne da acusação do estudo da DECO: não se trata de ausência de equidade dos montantes cobrados. É de excesso de arrecadação em quase todos os casos, quando se manipula em proveito próprio por inércia e omissão o valor dos imóveis, subvertendo substantivamente as regras de cálculo do IMI a pagar que a própria Autoridade estabelecera.

A PARÓDIA DO PRESIDENTE PARA 2016

O fim do duplo mandato de Durão Barroso como presidente da comissão europeia é um pretexto como qualquer outro para recordar esta piada maldosa que os eurocépticos britânicos dedicaram a Tony Blair, inspirados no celebérrimo moto nazi. Repare-se como a paródia é prospectiva e ainda actual: a presidência a que Blair se candidataria será disputada em 2016...

22 outubro 2014

NAZIS E NEGROS

A fotógrafa norte-americana Eve Arnold tirou esta fotografia em Chicago em 25 de Fevereiro de 1962 mas ela perdurará como uma das melhores demonstrações mudas e de impacto imediato em como em política não há impossíveis. Contra o centralismo europeu, ainda veremos os nacionalismos de direita a convergirem com os patriotismos da esquerda em cada estado-membro... Mas, concentremo-nos na foto, onde se deve esclarecer que os anfitriões pertencem à Nação do Islão, uma seita religiosa sincrética fundada nos Estados Unidos em 1930 e que granjeara por aquela altura projecção mediática graças à figura de Malcolm X (1925-1965) – fora para o fotografar que Eve Arnold comparecera naquele meeting. A delegação de convidados pertence ao Partido Nazi Americano, organização que ressuscitara e agora subsistia dezassete anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Sentado ao centro, o seu Führer chama-se George Lincoln Rockwell (1918-1967). Enquanto os primeiros promoviam a supremacia negra, os segundos promoviam a supremacia branca, ambos pugnando por nações separadas pela cor da pele. O adversário comum, que os tornava aliados, era o status quo vigente na América e compartilhavam, para além disso, o mesmo estilo confrontativo que levaria qualquer deles, Malcolm e Rockwell, a morrerem mortes violentas três e cinco anos depois. A foto é um tratado político.

21 outubro 2014

SOBRE A VERDADEIRA VILEZA

O caso da demissão do secretário de Estado João Grancho teve a virtude de, no que ao próprio diz respeito, ter decorrido com toda a dignidade. O caso de plágio foi denunciado na comunicação social, o visado apresentou as suas razões e, invocando motivos pessoais, demitiu-se discretamente. Acontecera anteriormente a figuras tão mais qualificadas quanto o presidente da Hungria ou o ministro da Defesa alemão que tiveram de se demitir com bastante menor discrição. Estou na dúvida é se o ex-secretário de Estado merecerá os amigos que se manifestaram em sua defesa e que confundem a solidariedade pessoal (ou política?) com os imperativos da ética. Ignorando a substância das acusações e contornando-as com expressões grandiloquentes (acima), a que associam uma oportuna teoria da conspiração, importará lembrar aos seus amigos que a vileza começou pela prática do plágio e que as primeiras vítimas foram aqueles que foram citados sem seu conhecimento ou autorização. É nestas circunstâncias, onde se tenta inverter o ónus da vitimização, que há que confessar que me merece mais consideração aquele delinquente que se mostra envergonhado do que os solidários que, no meio de tantas acusações de vileza, mostram não ter princípios nem vergonha nenhuma.

O OLHAR À ESQUERDA... DE UMA CERTA ESQUERDA

(...Naturalmente) Da esquerda para a direita temos: Gustáv Husák (1913-1991), Walter Ulbricht (1893-1973), Leonid Brejnev (1906-1982) e Władysław Gomułka (1905-1982), que eram então (1969) os dirigentes comunistas supremos da Checoslováquia, Alemanha Oriental, União Soviética e Polónia (embora o terceiro fosse mais supremo que os outros todos juntos). Olhando simultaneamente para a esquerda e exibindo expressões não particularmente simpáticas, nenhum deles constará da lista (sumamente restrita) dos líderes comunistas que se possam considerar visionários... Desconheço quem foi o autor da fotografia.

20 outubro 2014

OS CADASTRADOS DO FUTEBOL

No mesmo dia e no mesmo jornal – quase se pode dizer lado a lado de uma forma digital – em que se noticia o problema ético do retorno aos relvados de um futebolista britânico que fora previamente condenado e cumpriu pena por violação, escreve-se uma notícia baseada nos comentários de, mais do que um jogador, dum presidente de um clube de futebol português da primeira Liga também cadastrado, porque já condenado por corrupção, apenas arrastando a execução dessa decisão judicial como só em Portugal parece possível fazê-lo. Sobre a violência que rodeia o futebol britânico a reputação é conhecida, mas sobre a completa falta de ética que rodeia o nosso – e que inclui a actual guerra pelo poder num organismo que o rege – é que eu gostava de ouvir muito mais ao batalhão de paineleiros que alimentam o seu ego a comentá-lo semanal e publicamente.

«HOUSE OF CARDS»

Este é um excelente caso para mostrar concretamente como os Estados Unidos continuam a exercer uma hegemonia indisputada no panorama audiovisual. Apropriam-se de ideias alheias e conseguem-nas projectar como se fossem sucessos próprios. Aqui há coisa de uns cinco anos, referi-me aqui no Herdeiro de Aécio a uma antiga série televisiva britânica intitulada precisamente House of Cards. E fi-lo destacando que a popularidade da dita série entre nós se equiparava ao exotismo dos gostos musicais de Nuno Rogeiro. A série, de um conteúdo político, especificamente passado nos meandros da política britânica (e que comprei entretanto em DVD), era excelente, mas passou desapercebida entre nós por razões que nem interessará repisar. Só que em 2013, os norte-americanos repegaram no argumento, adaptaram-no à sua especificidade política, criaram a sua série de TV homónima e, apesar da relativa discrição como foi lançada no meio da guerra dos canais de séries da TV por cabo, até pareceu aos espectadores que havia algo de originalmente novo. A ponto de uma editora portuguesa (Jacarandá) se ter disposto a traduzir finalmente um dos livros que havia servido de inspiração à série (acima), que já foi escrito há 25 anos. Ainda bem, eis outro livro que recomendo. Fica-se à espera dos outros dois que completam a trilogia.

19 outubro 2014

EFEMERIDE DE UMA «SEGUNDA-FEIRA NEGRA»

A 19 de Outubro de 1987, Segunda-Feira, Portugal, que ainda vacilava ideologicamente com o seu propósito constitucional de abrir caminho para uma sociedade socialista, viveu galhardamente a sua primeira crise capitalista global, associada ao crash bolsista que ocorreu nesse dia em todas as bolsas mundiais (o gráfico acima é o que regista o comportamento do índice FTSE da Bolsa de Londres). Miguel Esteves Cardoso descrevera o frenesim que precedera o crash: Agora já não saímos com a Isabel, a Marina ou a Helena, em vez disso apaixonamo-nos pela Sofinloc, Locapor, Transbel... Em qualquer restaurante só se ouve falar de Sofinloc, Marconi... Está tudo Portloc! E Aníbal Cavaco Silva fora à RTP (televisão única) na semana anterior, onde prevenira que na Bolsa portuguesa se andava a vender gato por lebre. Foi há 27 anos. Desde aí, escassos dois anos depois, descobrir-se-ia que afinal abrir caminho para uma sociedade socialista não nos levaria a lado algum... Ser-se capitalista fora uma opção não apenas moderna, mas acertada.
O humor de Miguel Esteves Cardoso pode continuar jovial mas aceite-se que a alegria da sua prosa já é velha como o caraças. Quanto a Aníbal Cavaco Silva também é velho como o caraças, só que continua a não ter alegria e nunca foi jovial. E hoje, quando parece estarmos a atravessar uma reedição em menor escala e mais suave do que aconteceu há precisamente 27 anos (acima), por cá, para além daqueles que são ainda  mais velhos que o MEC e o Cavaco, há quem continue à procura de abrir caminho para uma outro projecto social diferente que resolva o problema das consequências sociais dos crashs bolsistas. Há outros que consideram que isso não é um problema...

SONDAGENS «IN BEING»

Foram os estrategistas navais que inventaram o conceito das frotas de dissuasão (a expressão mais comum para as designar é a inglesa fleet in being). De que se trata? De uma força naval que, pela sua capacidade de fogo potencial, exerce uma influência significativa num Teatro de Operações naval sem necessidade de sair dos portos onde se alberga. Se o fizesse, a frota poderia perder a(s) batalha(s) que travasse e perder com a(s) derrota(s) a capacidade de condicionar a acção do inimigo. Mas, mantendo-se a recato, obrigará o inimigo a alocar uma frota com uma capacidade de fogo superior, para a eventualidade de ter de a defrontar. O exemplo canónico deste princípio aplicado na prática na História recente foi o da Hochseeflotte e depois o da Kriegsmarine alemãs nas duas guerras mundiais. Toda esta compactada explicação estratégica servir-me-á para enquadrar aquilo que penso se passará com sondagens como a que este fim-de-semana a CESOP publicou, onde se nota um crescimento abrupto das simpatias pelo PS e por António Costa. Politólogos pró-PSD foram convocados para dizer banalidades (Escreve-se num dos títulos: Barómetro foi contagiado pela conjuntura actual? E os barómetros costumam ser contagiados por que outros fenómenos que não as conjunturas? E, não sendo dos actuais, de há quanto tempo?...).
Do outro lado, jornalistas puseram-se a fazer contas absurdas (Aquele exercício sublinhado abaixo de adicionar as popularidades de Passos Coelho com a de Portas para a comparar a soma com a de António Costa é mesmo de quem não percebe nada do que está a fazer...). Porém, para lá das inanidades, as eleições só virão a ter lugar dentro de um ano. O que apenas mudou foi a situação estratégica. Como uma fleet in being, que ameaça sem que haja verdadeira confrontação, a publicitação encadeada de sondagens com resultados em que o PSD é derrotado fragorosamente são o fim do período onde as vantagens marginais alcançadas nas sondagens pelo PS de António José Seguro não eram de molde a assustar as bases que apoiam o governo. Pode-se querer transmitir de Pedro Passos Coelho uma imagem de teimosia e de persistência mas, ao contrário de Salazar, nunca o veríamos a escrever convincentemente que sabe muito bem o que quer e para onde vai. Por um lado, porque mesmo se soubesse, o PSD ainda é uma democracia - formada por militantes respeitosos mas, mesmo assim, é uma democracia onde não se gosta de perder eleições. E por outro lado, porque cada vez se percebe melhor como o núcleo ideológico que inspirava o Primeiro-Ministro se está a despovoar e ele já não saberá mesmo o que quer, muito menos para onde vai.

18 outubro 2014

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL por JOHN KEEGAN

Tendo como pretexto apropriado as evocações do centenário do seu início saúda-se a edição pela Porto Editora de A Primeira Guerra Mundial de Jonh Keegan. Havia muito por onde escolher e a Porto Editora fez uma excelente escolha. Publicado originalmente em 1998, este conta-se certamente entre os melhores livros de edição recente sobre o tema. Aparece em capa dura, com quase 600 páginas e custando quase 26 €, mas merece-os, porque John Keegan (que faleceu em 2012, sem que por cá se tivesse dado visibilidade ao facto),...
...além de ser comercialmente um daqueles nomes de referência para estes assuntos, escreve com qualidade e com estilo (característica que espero que as duas tradutoras tenham preservado). No elã do entusiasmo deste acolhimento, será que posso sugerir à Porto Editora que traduza e edite também The First World War Germany and Austria-Hungary 1914-1918 do canadiano Holger H. Herwig? Editado inicialmente em 1997, este último, e a sua perspectiva da guerra vista pelo lado dos Impérios Centrais, poderá muito bem servir de contraponto à que prevalece no livro de Keegan, dominado pela perspectiva britânica e da Entente Cordiale.

17 outubro 2014

DE BURROS A ZEBRAS (ou vice versa...)

Não foi apenas de um ou dois (ditos) analistas da situação política que ouvi a antecipação de que iria existir necessariamente um demorado e custoso processo para sanar as divergências entre socialistas após as eleições internas. E aí, vale a pena referi-lo, o professor Marcelo, experiente da facilidade como alcançou as maiorias de ⅔ que solicitara ao PSD (e do seu valor quando delas precisou...), revelou-se profeta: a perspectiva de chegar ao poder seria como um afrodisíaco para a unidade partidária. Os dias que se seguissem às directas seriam suavíssimos. E tinha razão. A esmagadora maioria dos derrotados só aspira agora a passarem desapercebidos para ressurgirem mais tarde. E parece haver mais tensão na partilha dos despojos concedidos por Costa à minoria do que na atitude destes últimos contra os que lhes arrebataram o poder interno no partido em 28 de Setembro último.

MARK KNOPFLER / DIRE STRAITS




A fotografia de cima é de Deborah Feingold, a de baixo de Scott Newton.

16 outubro 2014

O CICLO DA PANTERA COR-DE-ROSA


Ler-se a análise de Pedro Santos Guerreiro ao orçamento de Estado pode ser uma explicação prática de como funcionavam os mecanismos do rotativismo durante as décadas de monarquia constitucional. Naqueles anos os governos caiam antes das eleições. Estas costumavam ser um pró-forma posterior para legitimar o governo que tomara posse.Remata ele: Talvez este não seja mesmo o último Orçamento deste governo, pois há espaço para rectificativos. Mas este pode ser o último governo deste Orçamento. Porque já não estamos a governar, estamos a gerir a situação. (...) Viremos folhas ao calendário. O actual governo parece condenado. Se fosse há 150 anos, El-Rei chamava Pedro Passos Coelho e António Costa, demitia o primeiro e encarregava o segundo de formar governo e organizar as eleições. Agora, com um chefe de Estado livre para se mostrar mais parcial, resiste-se ao inevitável: a máquina governamental já abandonou a defesa da causa dos professores, da causa dos tribunais, da causa do descrédito da execução orçamental e do orçamento para o próximo ano e despertou para uma preocupação desmesurada com cheias em regiões urbanas. Mas atenção, apenas as cheias de Lisboa é que são importantes para os responsáveis pela comunicação governamental o resto do país até pode ficar todo debaixo de água, que o assunto só lhes interessará se os autarcas dos locais inundados tiverem ambições de vir a desalojar o primeiro-ministro. Até já colocaram António Costa a dizer algumas evidências impopulares, mas suspeito que o ciclo do futuro líder do PS parece ser já como o da pantera cor-de-rosa, que caiu em goto junto do público sem que fosse preciso dizer uma palavra que fosse...

QUÉ FEITO DA PÉPA?


Houve mais um estampido de indignações ultrajadas nas redes sociais provocadas por pretextos pueris e calhou ter reparado em mais uma campanha de publicidade da Samsung. Não pude deixar de fazer a associação: qué qué feito da Pépa? Se os responsáveis pelo marketing dos gadgets da Samsung tivessem tido alguma imaginação tinham aproado o barco àquela vaga de indignação nos princípios de 2013 e tinham feito da Pépa Xavier a cara da marca em Portugal. Assim como assim, sempre que aparece qualquer coisa da Samsung lembramo-nos da moça...

15 outubro 2014

A BENGALA DO CAMARADA KIM

Em dimensão populacional (25 milhões de habitantes), a Coreia do Norte é o 50º país no Mundo; em dimensão territorial é o 100º; a sua economia coloca-o no 120º lugar da lista. Geograficamente está do outro lado do Mundo em relação à Europa. Os mapas-mundo deles são-nos bizarros.
Poderíamos encontrar facilmente mais de uma dúzia de países para os quais se justificaria uma atenção mais esmerada pela pessoa dos seus dirigentes do que aquilo que acontece no caso norte-coreano. Bernardino Soares foi catapultado para um certo género de fama quando manifestou dúvidas inquirindo se o regime local não era uma democracia. Muitos outros passaram desapercebidos por o descreverem por aquilo que é: uma monarquia absoluta embrulhada por uma casquinha fina de discurso ideológico marxista-leninista. Ainda não há a certeza que se trate de uma potência nuclear, mas é mais prudente e, sobretudo, a notícia torna-se mais vendável se considerarmos a Coreia do Norte como tal.
Neste mundo globalizado, em que todos compartilhamos alguma coisa, a Coreia do Norte representa o Outro, aquele com quem não se compartilha nada. É um país fadado para despertar um grau de empatia Zero. Só lunáticos é que lá vão fazer turismo. Tal como são descritos, os norte-coreanos bem podiam ter antenas, três olhos e ser verdes como um extraterrestre. Mas será paradoxalmente por todo esse exotismo que a média aponta toda a nossa atenção a quem os dirige e mesmo à bengala com que Kim Jong-Un reapareceu recentemente em público depois de 40 dias de ausência. Todos reconhecemos o gorducho da Coreia do Norte, mesmo que apareça pouco, mas posso cometer a patifaria de perguntar aos leitores do blogue se reconheceriam igualmente o presidente da Coreia do Sul? E se eu lhes disser que se trata de uma ela?...