15 outubro 2014

«AIRPORT» - o que é amoral e o que é imoral na sua exploração


O enquadramento da história conta-se num parágrafo não muito extenso. O governo privatizou a ANA, a empresa que gere os aeroportos portugueses. A Vinci francesa ganhou esse processo de privatização. Como se sabe – é um axioma deste governo – as empresas quando são privatizadas tornam-se muito mais eficientes (o estado é um mau gestor, dizia António Borges, palavras que estão hoje preservadas em pedra). E a eficiência que a Vinci já conseguiu incutir na ANA foi abusar da sua posição privilegiada para ir aumentando discreta mas metodicamente as taxas aeroportuárias. Em finais de Agosto as notícias referiam-se ao sétimo aumento desde a privatização. A Vinci reagiu a má publicidade destacando os seus planos de investimento, mas o contra-ataque chegou demolidor com a notícia que a Vinci estava a prever aumentar a taxa do aeroporto da Portela todos os anos até 2022. Recorde-se que os adversários da Vinci nesta disputa não são os consumidores directamente, mas sim as companhias de aviação, e essas vivem uma situação de concorrência comercial (ao contrário do que acontece com a ANA) onde podem ter dificuldade de transferir os aumentos de custos no preço suportado pelo consumidor final - nós. Se os lesados fossem directamente os passageiros, só organizações de consumidores (do género da DECO) é que se interessariam em manifestar contra aquele abuso, mas essas não costumam ter a capacidade de manipular a informação com a mesma eficácia das empresas de comunicação ao serviço das transportadoras aéreas. São estas que estão a puxar os cordelinhos.
Por muito chocante que tudo isto nos possa parecer, estas são as regras do liberalismo que este governo propugna. Não concordo com elas, mas tendo a aceitá-las por muito amorais que sejam enquanto estiverem sustentadas numa maioria parlamentar. O que é verdadeiramente chocante na disputa é ver o governo, através do secretário de Estado dos Transportes Sérgio Monteiro, vir para o terreno tomar partido pela posição da ANA (Vinci). Porque, mais do que a ideologia, a imoralidade deste governo expressa-se nestas atitudes em que se esmera: quando se decide a arbitrar, e por muito liberal que se proclame no plano dos princípios, posiciona-se sempre do lado do mais poderoso – no caso, o monopolista. Podia tratar-se de coincidências mas três anos de governação da equipa de Passos Coelho já me convenceram plenamente que se trata de um padrão. Faz-me lembrar o que ainda há pouco me aconteceu quando quis ver um vídeo específico no site da TVI24. O vídeo propriamente dito, aquilo que eu estava interessado em ver estava cheio de problemas, parava, perdia o som, mas, sempre que o reiniciava, aquela parte de 30 segundos com a publicidade prévia ao shampô Pantene funcionava sempre impecavelmente. À terceira desisti. Estranho site aquele, onde os problemas pareciam afectar tudo, excepto a publicidade...

2 comentários:

  1. Sérgio Monteiro é uma das faces mais "ideológicas" deste governo, crendo no liberalismo económico radical com o mesmo fanatismo com que outros crêem ou criam no marxismo, fazendo parte de um clube que integra ou integrou trastes como Carlos Moedas, Hélder Rosalino, Manuel Rodrigues e Bruno Maçães, todos enquadrados por um certo Miguel Noronha, que escreve no "Insurgente", e que é uma espécie de eminência parda de Passos Coelho.

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  2. Alguém teve o rasgo de designar o período em curso como o PREC da direita. Fomos muitos o que gostámos da analogia mas poucos o que a levámos às últimas consequências, porque ela tem raízes mais fundas do que parece à primeira vista. Assim como no PREC havia o PCP, o MDP, a UDP, o MES, a FSP, o PRP, o MRPP, a LCI que se gostavam de considerar todos distintos entre si, também agora todos esses nomes que enumera e mais alguns gostam de realçar as especificidades dos respectivos pensamentos (só deixou de haver tantas siglas...), e só quem está de fora consegue (como já acontecia de resto há 40 anos) compreender quanto eles não passam de faces distintas de um mesmo poliedro. E como – e a analogia continua – vai uma enorme distância entre vários aspectos da teoria que propagandeiam e a prática dos governos de que fazem parte – um Carlos Moedas que, quando tomou posse aos 40 anos da secretaria de Estado adjunta do primeiro-ministro, gostaria de ser levado tão a sério quanto um João Cravinho (do MES) 36 anos antes, quanto tinha 38 e se tornara ministro da Indústria do 4º Governo provisório. Substantivamente, e por muito que se queira negar, parece haver muito de "dejá vu" naquilo a que se assiste.

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