Apesar da sua reputação de prolixidade, nem mesmo a Wikipedia original possui uma entrada substantiva sobre o que foi a logística durante a Primeira Guerra Mundial. Um truísmo (e cito: Logistics in World War I was the organising and delivery of supplies to the armed forces of World War I) e alguma bibliografia. Ora a Primeira Guerra Mundial teve a importância histórica de ter sido o conflito onde se enterrou definitivamente aquele antigo ditado napoleónico que estabelecia que l’intendance suivra (a intendência há-de vir atrás). Os exércitos de 1914-18 necessitavam de um apoio logístico de um volume tal (acima) que a sua gestão já não se compadecia do improviso subentendido naquele ditado; ou, para responder no idioma original, descobriu-se, ao longo dos primeiros anos da guerra (1914-15-16) que l’intendance suivra se transformara numa boutade pretensiosa, porque os problemas da logística haviam deixado de poder ser repelidos com uma frase mais ou menos espirituosa. Desde os princípios de 1915, todos os exércitos se debatiam com uma crise de falta de munições. No Reino Unido o problema tornara-se mesmo arma de arremesso político. Consumidos os stocks durante os primeiros meses de guerra, a produção fabril deixara de conseguir acompanhar o ritmo de consumo dos exércitos em operações.
Tacticamente, o volume de munições preconizado também aumentara exponencialmente: o bombardeamento preliminar da Batalha de Neuve Chapelle de Março de 1915 durara apenas 35 minutos, mas o exército britânico consumira nele um peso de munições de artilharia que era superior àquilo que gastara durante todos os 31 meses e meio que durara a Guerra dos Bóeres (1899-1902). Além disso, o de Neuve Chapelle era apenas um dos sectores a guarnecer ao longo da extensa linha de trincheiras da Frente Ocidental mas gastara-se ali em pouco mais de meia hora o equivalente a mais de meio mês de toda a produção de munições do Reino Unido à época. Será compreensível que as notícias do fracasso da ofensiva houvessem sido recebidas com evidente desagrado à retaguarda. A verdade é que os militares na frente de combate não apresentavam resultados e queixavam-se da falta de meios, mas os problemas com que se defrontavam não tinham apenas a ver com a produção mas também com a alocação e transporte até à frente e aí a responsabilidade era impossível de atribuir a outros.
Em Abril de 1915, britânicos e franceses desembarcaram em Galípoli (mais abaixo um quadro desse desembarque), numa tentativa estratégica de criar uma nova frente de guerra que eliminasse a Turquia dos aliados da Alemanha. Podem-se apontar vários motivos para o fracasso da campanha, mas vejamos um pormenor de uma profunda incompetência logística. Quando, imediatamente após o desembarque, se quis aproveitar a dinâmica do momento e progredir para o interior, só então é que se percebeu que as tropas, que iriam perder a cobertura da artilharia dos navios de guerra, não tinham forma de receber um apoio substituto da sua própria artilharia: os navios de transporte haviam sido estivados de acordo com as prioridades navais e não com o encadeamento das operações, o material mais denso fora colocado no fundo do porão para servir de lastro, e assim as munições estariam inacessíveis até se descarregar tudo o que estava por cima...
Em Abril de 1915, britânicos e franceses desembarcaram em Galípoli (mais abaixo um quadro desse desembarque), numa tentativa estratégica de criar uma nova frente de guerra que eliminasse a Turquia dos aliados da Alemanha. Podem-se apontar vários motivos para o fracasso da campanha, mas vejamos um pormenor de uma profunda incompetência logística. Quando, imediatamente após o desembarque, se quis aproveitar a dinâmica do momento e progredir para o interior, só então é que se percebeu que as tropas, que iriam perder a cobertura da artilharia dos navios de guerra, não tinham forma de receber um apoio substituto da sua própria artilharia: os navios de transporte haviam sido estivados de acordo com as prioridades navais e não com o encadeamento das operações, o material mais denso fora colocado no fundo do porão para servir de lastro, e assim as munições estariam inacessíveis até se descarregar tudo o que estava por cima...
Mas os erros crassos, causados tanto pela inexperiência como pela incompetência, podiam não apenas arruinar aspectos tácticos cruciais para o sucesso de toda uma campanha, mas tornarem-se factores decisivos de vida ou de morte. Avancemos um ano, até ao dia 1 de Julho de 1916 e ao primeiro dia da Batalha do Somme (abaixo um quadro desse dia com soldados da 36ª Divisão irlandesa). Segundo nos dizem as estatísticas, no fim desse dia, na terra-de-ninguém, diante das trincheiras britânicas, contar-se-ia com mais de 57.000 baixas, um terço das quais (19.000) mortos. Mas provavelmente o mais chocante nesta descrição é saber que alguns milhares desses mortos... ainda não tinham morrido na altura. É verdade que os números de baixas naquele dia foram avassaladores e capazes de desafiar o melhor planeamento mas havia um desajustamento estrutural enorme entre a capacidade de evacuação de feridos das brigadas para os hospitais à retaguarda e daí para a frente, até às trincheiras e mesmo para lá delas. A dotação orgânica de um batalhão (que à época possuía cerca de 1.000 efectivos) era de 32 maqueiros... e 16 macas. Cada evacuação demoraria em média cerca de uma hora. E naquele dia houve 32 batalhões que sofreram mais de 500 baixas...
Outros haviam sofrido menos e é verdade que havia feridos que não precisavam de auxílio, mas houve quem tivesse ficado caído no local onde fora ferido um, dois e mesmo três dias à espera da evacuação – se tiver conseguido sobreviver até lá. Os exércitos, porém, foram aprendendo com estes erros clamorosos e deixaram de estar à espera que a intendência se adaptasse. Quanto à questão do aumento da produção de armamento, a solução dada foi, curiosamente, ao arrepio daquele que é o pensamento liberal moderno e que estabelece, quase como axioma, que o que é privado faz melhor do que o que é público. Pois na altura, onde predominava a economia liberal, a solução implementada em quase todos os países beligerantes foi criar um organismo estatal que coordenasse toda a produção de guerra, a que os privados se subordinaram. Quanto à resolução dos problemas tácticos, incluindo os de logística, o processo foi experimental. Escrevia Ferdinand Foch: Temos meios e é preciso pô-los em acção. (...) Se utilizarmos os nossos meios, eles não se perdem. Indagamos o motivo por que não resultaram bem, trabalhamo-los mais, empregamo-los de maneira diversa. Este último quadro, mostra-nos um aspecto da Batalha de Château-Thierry em Julho de 1918, dois anos depois do Somme, em que intervêm tropas norte-americanas; repare-se que, como elemento de surpresa, a batalha está a ser travada durante a noite.
ótimo texto para reflexão.
ResponderEliminarQual a fonte dessas informações?
É ler os links (os links são aquelas passagens do texto assinaladas a cor diferente - quando se carrega em cima delas, fazem-nos aceder a alguns dos textos que utilizei como fontes).
EliminarAgora, se quer saber quem escreveu o texto, fui eu.