30 novembro 2013

TRÊS RÚSSIAS

Uma fotografia como a de cima consegue congregar, à sua maneira e de forma simbólica, as três Rússias, as dos Séculos XIX, XX e XXI. As estátuas de metal, assim como os altos-relevos nas suas bases representam o estilo neoclássico da Rússia imperial czarista; a carcaça do gigantesco foguetão R-7 erigida em estátua é indissociável da imagem e da estética da Rússia soviética comunista; e a Rússia moderna capitalista está representada pelo ostensivamente desrespeitador anúncio ao espaço publicitário para alugar...

29 novembro 2013

A RESSACA DO 25 de NOVEMBRO de 1975

Vale a pena recordar através de documentos da época como é que os comunistas procuraram descalçar a bota, dissociando-se dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975, apesar da esmagadora maioria da opinião pública de então os considerar os grandes derrotados na ocasião. Na edição de 5 de Dezembro de O Jornal (acima, clicar para ampliar). Álvaro Cunhal descrevia os acontecimentos como uma luta por lugares de chefia nos sectores militares e os cartazes mandados imprimir para um comício do partido a ter lugar em 7 de Dezembro (abaixo), apontavam para o extremo oposto do espectro político, apelavam à unidade, uma imensa unidade, no propósito de não deixar passar o fascismo. Contudo, hoje, a esmagadora maioria dos veteranos comunistas já não se lembram destes requintes de dissimulação e tornaram-se óbvios no significado que dão às datas, confrontando um 25 de Abril que nos é apresentado por eles repleto de pureza em contraste com um 25 de Novembro hediondo. É engraçado como, nessa classificação primária se esquece, que no caso reverencial da Rússia, onde também houve duas Revoluções, a data que os comunistas de todo o Mundo sempre relevaram foi a segunda, a de Outubro, quando os seus camaradas russos alcançaram o poder e nunca a inicial, a de Fevereiro que assinalava o derrube do czarismo. É apenas mais um dos insondáveis mistérios da dialéctica marxista-leninista que cá em Portugal aconteça precisamente o contrário.

28 novembro 2013

VAMOS A VER COMO PROSSEGUE A «SALVAÇÃO DO ÁRCTICO»…

Já foi há dois meses, o que é uma eternidade em termos mediáticos, que os activistas do Greenpeace se propuseram salvar o Árctico e desencadearam uma das suas operações mediatizáveis contra uma plataforma russa de extracção de petróleo da Gazprom (acima). Os russos não terão apreciado a iniciativa, apresaram os membros da expedição e o navio que os transportava e ameaçaram tratá-los como piratas, acusação que lhes asseguraria uma estadia de 15 anos no internacionalmente reputado sistema prisional russo, o que não pareceu de molde a entusiasmar os activistas da causa. Seguiram-se semanas de discretas negociações que culminaram hoje com a libertação sob caução do último dos 30 membros presos da tripulação internacional do barco pirata. Porque nestes casos os actos valem muito mais do que as palavras, sugiro que se aguardem os próximos meses para nos certificarmos se a militância dos activistas é de raiz ou se, em função da severidade da resposta russa, eles preferirão ir salvar activamente outros locais também tão necessitados deste nosso planeta…

LIÇÕES DA HISTÓRIA: O DRONE E A BESTA

Por muito que não se queira, porque a ignorância da História é endémica, está-se sempre a vê-la repetida. Um dos exemplos mais recentes é a causa que se insurge contra o emprego dos drones de ataque (abaixo) contra alvos humanos. A esse propósito, a ONU terá lançado até uma investigação sobre a sua utilização, iniciativa que tem alvos óbvios dado que os seus operadores conhecidos em situações de combate são os Estados Unidos, o Reino Unido e Israel. Os drones tornaram-se na última década numa arma privilegiada da contra-guerrilha, conferindo um carácter muito mais simétrico a esse tipo de conflitos.
Os argumentos dos que querem proibir o seu emprego podem sintetizar-se: a) que os ataques dos drones costumam provocar baixas colaterais civis; b) que a facilidade do seu emprego (é operado por controlo remoto) é um incentivo à opção pelas medidas mais extremas; c) que é contrário às leis internacionais. Costuma ser neste momento da argumentação que, quem a conhece, se lembra da história da besta, arma medieval que, invocando causas muito semelhantes (e igualmente irrelevantes face à lógica da guerra), se viu proibida pelo Segundo Concílio de Latrão (1139), pelo menos nas guerras travadas entre cristãos.
Adivinha-se a continuação, de como todos os países europeus se estiveram marimbando para considerações morais sobre a besta ser uma arma indigna que matava à distância, sem dar ao alvo a possibilidade justa de se defender. O que lhes interessaria mesmo era a sua eficácia e o poder de fogo que poderia conferir aos exércitos mesmo com operadores não profissionais, os besteiros do conto como eram conhecidos em Portugal, objecto de recenseamento regular para aquilatar da nossa capacidade de defesa. A besta só desapareceu do arsenal quando foi substituída com eficácia pelas armas de fogo.

O VÁCUO MISTERIOSO


A novidade não terá sido Judite Sousa mostrar a sua ignorância crónica que transforma consistentemente os seus trabalhos de entrevista em mediocridades confrangedoras: é assim com Marcelo Rebelo de Sousa, é assim com Medina Carreira, etc. A novidade foi que desta vez Judite Sousa se espalhou num campo do saber que todo o português médio domina: o futebol. Ao perguntar a Paulo Bento se ele ambicionaria treinar um grande clube, Judite Sousa comprovou que nem os anos da sua conhecida coabitação com Fernando Seara terão tido efeito algum na sua cultura. O que é que aquela mulher tem dentro da cabeça? Que misterioso sistema de reconhecimento a terá catapultado até à visibilidade mediática de que disfruta?

27 novembro 2013

RAPARIGA MODERNA COM BRINCO DE PÉROLA

Antigamente tinha os japoneses por estranhos não apenas por causa das suas exclamações pronunciadas em vogais arfadas mas sobretudo pela densidade de máquinas fotográficas que uma multidão deles carregava consigo, sempre em uso, abstractos da importância do momento e da conveniência do gesto. Actualmente, com a invenção do telemóvel–fotografador parece que a doença se propagou ao resto da humanidade. Não há ocasião que se suspeite assim mais importante que não haja logo dúzias que rapem do telemóvel para lhe dar uso fotográfico. Vale a pena parodiar essa compulsão através destas duas versões do quadro da Rapariga com Brinco de Pérola de Johannes Vermeer (Século XVII): é que, houvesse já então telemóveis e a pintura de Vermeer perderia toda a importância.

«SPACE ODDITY», UM MAJOR TOM GENUÍNO


Chris Hadfield (1959- ) é um afinado cosmonauta canadiano que se destacou artisticamente dos seus colegas que têm guarnecido a ISS em órbita por causa da sua apropriadíssima interpretação no espaço de Space Oddity, o famoso hit espaço-musical de David Bowie de 1969. Refira-se que há algumas alterações menores à letra original e realce-se a extrema correcção política do vídeo que chega a incluir legendas para deficientes auditivos. Parece-me ser um dos raros covers que ombreia e mesmo supera o original.

26 novembro 2013

HIGIENE EM ALTITUDE

Aprecie-se este recatado WC instalado à beira de um trilho que se dirige para o Passo de Torugart a 3.752 metros de altitude, nas altas montanhas do sul da província de Naryn, que definem a fronteira da Quirguízia com o Xinjiang, na China. Atente-se à sua disposição, apreensivamente periclitante, com a cabine dependurada de um penhasco, e sobretudo atente-se à ausência de canalização visível, o que será sinal de que o conceito aplicado à sua construção é arcaico, através de uma integral reciclagem ao natural (mas muito mais abaixo...) dos dejectos produzidos pelos caminhantes que ali se acoitam e aliviam. Por fim, depreenda-se que na Quirguízia, que era provavelmente a mais remota e exótica das antigas repúblicas da União Soviética, a expressão cagar de alto (seja para o que for), não deve ter o mesmo conteúdo semântico que na língua portuguesa.

O MUNDO DO FAZ DE CONTA


Será muito fácil maravilharmo-nos com o desempenho desta miniatura à escala 1:15 de um gigantesco Airbus A-380 pintado com as cores da Singapore Airlines. Mas será algo mais difícil apercebermo-nos onde estará o aspecto lúdico do usufruto de uma aeronave telecomandada que tem 75% do comprimento (4,8 mts.) e 43% da envergadura (5,3 mts. - embora apenas 25% do peso… 71 kgs.) do Flyer, o primeiro avião construído pelos irmãos Wright 110 anos atrás (abaixo).

25 novembro 2013

A ÉTICA, O RESPEITO E A AMIZADE

Enquanto acima o vemos a aguardar pacientemente oportunidade para estacionar o carro por ocasião do casamento de Miguel Relvas há precisamente um mês, ainda há cerca de duas horas dei por Jorge Coelho – desta vez sozinho – atrás de mim à saída da cerimónia de homenagem a Ramalho Eanes. Considerando que lá ouvi a Eanes que a Economia deve ser dirigida pelo Direito, este pela Política e esta pela Ética, considerando que o primeiro falsificou as suas habilitações académicas enquanto o segundo prescindiu dos retroactivos de uma remuneração suplementar a que tinha legalmente direito, tenho a certeza que Jorge Coelho compareceu enganado – ou por frete – a uma das duas cerimónias. Não se pode ser tudo com todos para toda a gente.

P.S. – E enquanto escrevia isto, apercebi-me que Marques Mendes e Santana Lopes terão sido outros que andam desorientados e que gostam de aparecer independentemente da coerência...

24 novembro 2013

QUEM É QUE AINDA SE LEMBRA…

…que há precisamente seis meses a actualidade opinativa estava dominada pelas considerações sobre o papel de palhaço do presidente Cavaco Silva? E quem é que ainda se lembra como o grave assunto foi arrumado pouco mais de um mês depois (a 2 de Julho), entalado entre as demissões de Vítor Gaspar e (a inesquecivelmente irrevogável…) de Paulo Portas, através de uma assunção de culpas por Miguel Sousa Tavares? Apetece concluir que a única relação destes números com ao que é importante será que os factos mais exuberantes da actualidade política portuguesa não costumam passar de números de circo: malabarismo, equilibristas, feras amestradas, etc.

«CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR!»

Estas cabeças de vitelo dependuradas no hoje desaparecido mercado de Les Halles em Paris (a fotografia é de Frank Horvath) recordam-me um dos momentos da minha vida de mais intenso patriotismo. Passo a explicar. Embora todos os franceses se orgulhem da variedade, da riqueza e do exotismo da sua gastronomia, cedo me apercebi, apesar da homogeneidade pretensiosa dos seus discursos, quanto a esmagadora maioria deles se vêm a revelar uns poseurs e sucumbem facilmente a uma prova de rusticidade gastronómica portuguesa que seja constituída, por exemplo, pela degustação de uns pezinhos de porco de coentrada (abaixo), uma dobrada com feijão branco ou uma cara de bacalhau. Mas depois há os outros franceses, mais coriáceos…
O meu anfitrião em Paris, por exemplo, era um falso parisiense, um picardo transplantado da mais pura cepa camponesa que, suspeito que em jeito de desforra, me levou a almoçar a um restaurante especializado num prato francês conhecido por tête de veau – cabeça de vitelo. E foi assim que me aterrou no prato uma meia-cara cozida pálida de um vitelo inexpressivo como os da fotografia inicial. Durante a meia hora seguinte lá fui metodicamente debulhando uma bochecha que estava particularmente saborosa, uma meia-língua que já só estava assim-assim, mas já não tive estomago para me dedicar à meia-narina que assomava do prato mas que, felizmente, parecia incomodar pelo aspecto o meu anfitrião tanto quanto a mim. Foi um momento em que senti, qual diplomata improvisado, a representar a pátria a uma mesa que não a das negociações. E creio não ter deixado mal vista a nossa reputação...

22 novembro 2013

O SABOR DE UM CHEFE DE CLÃ CORSO

A pretexto da assembleia de notáveis que se reuniu ontem sob o alto patrocínio do ex-presidente Mário Soares permitam-me recordar a cena acima, retirada de Astérix na Córsega, onde uma cena similar tem lugar com a presença dos chefes de clã corsos que vão anunciando a sua chegada com um grunhido de javali. Como sempre desfasado dos costumes locais, tanto como das conveniências, Obélix comete a gaffe de confundir um animal com um chefe, e, apesar de por uma vez intimidado pelo olhar fulminante (e, já agora, quem se atreve a parodiar por cá as iniciativas de Mário Soares?) de um chefe de clã, a sua resposta final é a de um verdadeiro marxista (facção Groucho), porque ele só irá poder distinguir um javali de um chefe de clã corso depois de provar um destes últimos…

Adenda: Na dita assembleia de notáveis, José Pacheco Pereira proferiu um dos mais interessantes discursos que me foi dado ouvir recentemente. Para essa minha opinião, para além, naturalmente, do cuidado e da elaboração como ele foi redigido, vale a pena destacar a despreocupação que o redactor/leitor manifesta em antecipar as reacções que as suas palavras podiam provocar entre a audiência. É refrescante ver alguém que discursa concentrado nas palavras que profere e não no efeito que elas provocam em quem o ouve.

21 novembro 2013

AS APARÊNCIAS DE UMA POBREZA ENVERGONHADA

Ainda a propósito do poste anterior, do problema de quem fala pelos pobres sem ser pobre e da definição que lá falta, a de uma classificação objectiva de quem seja pobre, apetece-me ainda acrescentar que a pobreza que mais nos pode condoer pode nem ser sequer a excessiva, a que choca, às vezes pode ser apenas aquela que se disfarça, ridícula no seu pretensiosismo, como a dos proprietários do automóvel acima mais o aspecto exuberantemente estufado dos bancos de um carro já muito estafado (atente-se ao interior da porta). A fotografia é de Danny Lyon.

EM JEITO DE BERNARDO GUI

Não há felicidade maior do que saber que Deus, o Deus supremo, sublime, transcendente, que fez o céu e a terra, se entregou à morte para me salvar. A mim pessoalmente.

É com estas palavras piedosas e agradecidas que João César das Neves inicia a sua crónica desta semana no Diário de Notícias. Mas os temas elegidos pelo brilhante economista nem sempre são do outro Mundo. Na sua crónica do princípio deste mês, ele desencadeou uma valente polémica ao questionar a representatividade de muitos que protestam em nome dos pobres. De uma posição que considero defensável (já se imaginou Louçã, de nariz decerto franzido, a conviver com os protagonistas da verdadeira pobreza?...), ele ter-se-á entusiasmado, qual pregador laico, e numa entrevista posterior ao mesmo jornal onde escreve, elaborou sobre a sua ideia, acrescentando: A maior parte dos pensionistas não são pobres e estão a fingir que são pobres. E dos verdadeiros pobres ninguém fala Os textos e as declarações de João César Neves provocaram uma reacção generalizada, talvez excessiva, de desagrado e indignação. De mim menos, muito embora me intrigue, num texto que, para mais, foi buscar referências ao prémio Nobel George Stigler (1911-1991)¹, uma certa falta de consistência científica. Por exemplo: a) Qual a definição objectiva do que seja um pobre²? b) Pode deduzir-se do texto que é a prática da caridade cristã que desperta a empatia necessária para tornar quem a pratique porta-voz qualificado dos pobres a quem ela se destina?

A justificar o clamor que acompanhou o texto e as declarações de João César das Neves, creio que parece existir o mito que espera de pessoas que expõem assim publicamente a sua fé que tenham um comportamento mais cordato e benigno do que é costume, como se esse comportamento fosse algo implícito às manifestações de religiosidade. Ora as declarações pouco conciliadoras de João César das Neves enquadrar-se-ão numa milenar escola de pensadores cristãos que extrai dos ensinamentos dos Evangelhos apenas alguns aspectos mais específicos da doutrina. O exemplo de um membro de tal escola que me lembrei de aqui evocar, para quem ainda se lembrar do livro e/ou do filme O Nome da Rosa, é a personagem de Bernard de Gui (protagonizada no filme por F. Murray Abraham), o inquisidor e inimigo do protagonista, William de Barkerville (Sean Connery). Na verdade, Bernard de Gui (1261/2-1331) foi uma personagem histórica, provavelmente muito menos antipático do que o da ficção mas que teve mesmo a função de inquisidor como Umberto Eco o tornou conhecido. Era alguém que era intelectualmente brilhante além de escritor prolixo, como João César das Neves, mas não propriamente piedoso. E, à falta de imagem original, reconheça-se que João César das Neves tem um aspecto mais simpático que F. Murray Abraham…
¹ Stigler é simultaneamente tão brilhante quanto mostra que não tem os parafusos todos bem apertados: a solução óptima do problema da Dieta de Stigler consiste, por exemplo, num menu idealmente económico e nutritivo, mas que as pessoas repetiriam 365 dias por ano, quais animais de criação.
² Há uma escola de pensamento económico que concebe um pobre como uma fracção de um rico: vários pobres, quando se quotizam, equivalem a um rico.

20 novembro 2013

XIII

XIII é uma extensa série de BD (22 volumes) concebida originalmente pelo argumentista Jean Van Hamme e pelo desenhador William Vance cujo protagonista é um agente especial amnésico que tenta descobrir a sua identidade. Os primeiros volumes da história decorrem nos Estados Unidos e envolvem acontecimentos que se assemelham sobremaneira ao assassinato de J.F. Kennedy. Para esta ficção, o presidente assassinado chamava-se William Sheridan,
…o acontecimento ganhou o título de O Dia do Sol Negro (título do primeiro álbum da série) e o assassino teria sido o protagonista agora amnésico, que estaria associado a uma rede de conspiradores que se identificavam pela tatuagem de numerais romanos sobre a clavícula esquerda. XIII é o número do protagonista e, consequentemente, o título dado à série. Quando se aproxima o cinquentenário do assassinato de J.F. Kennedy (a 22 de Novembro de 1963)…
…e se tem procedido a um refrescamento das variadas teorias da conspiração elaboradas à volta daquele acontecimento, lembrei-me que, neste caso paralelo, Van Hamme optou, numa teoria que nunca vi defendida a sério, por atribuir as culpas da conspiração a Walter Sheridan, o irmão mais novo e sucessor no cargo do presidente assassinado, que vem também a morrer. Lembrando a analogia, a opção do argumentista não é nada abonatória para a memória de Robert Kennedy.

EM CIMA DA MESA

Os modismos na linguagem surgem nunca se sabem de onde e consolidam-se sem se saber porquê. Um dos actuais é a expressão em cima da mesa¹, promovida pelo próprio primeiro-ministro quando afirmava, por exemplo aqui há uns dias, que a questão (a da sobrevivência política de Machete) não estava em cima da mesa. Confesso que não consigo ouvir a expressão sem um sorriso irónico, ao associá-la aos inúmeros truques de prestidigitação que fazem os objectos passar facilmente de cima para baixo da mesa…

¹ Exemplos: Este, este ou este.

19 novembro 2013

LISBOA SOB ATAQUE


Apesar dos 38 anos que os separam, de um ser virtual e de o outro ter sido real (mas igualmente bizarros), não considero de todo desajustado juntar num mesmo poste estes dois (excelentes) vídeos de uma Lisboa sob ataque.

18 novembro 2013

QUEM DESDENHA, QUER COMPRAR

Como as Galas da Bola de Ouro da FIFA, também os Óscares da Academia de Hollywood são uma competição opaca: nunca se refere quantos e quem são os membros da Academia que elegem os premiados; fala-se vagamente de uma empresa de auditoria que valida as votações mas nunca se tornam públicos os resultados para se saber se o vencedor do Óscar ganhou folgadamente ou se houve disputa; antes dessa fase, a forma como se processa a pré-selecção de onde saem os cinco nomeados em cada categoria assemelha-se a algo secreto, reservado apenas aos entendidos.
De há quarenta anos para cá, dois famosos realizadores de cinema adoptaram duas posturas precisamente opostas quanto à deferência que atribuem aos Óscares da Academia. Por um lado há Woody Allen, que começou por ter caído no goto dos anónimos membros da Academia que lhe concederam em 1978 o Óscar por Annie Hall (mais acima), distinção à qual Allen respondeu com a indiferença de nem sequer ter comparecido na cerimónia. Em contrapartida Steven Spielberg acumulava sucessos de bilheteira (acima, Jaws de 1975) sem o correspondente reconhecimento em Óscares.
Durante as décadas que se seguiram Allen continuou a ignorar Hollywood enquanto Spielberg engoliu sucessivos desaforos e continuou a cortejar Hollywood até receber o Óscar por A Lista de Schindler em 1993 e depois pelo Resgate do Soldado Ryan em 1998 enquanto Woody Allen não recebeu mais nenhum Óscar como realizador. Actualmente, qualquer dos dois parece ter uma relação descontraída com aquele género de prémios. O que não se deve fazer é ter a atitude de Cristiano Ronaldo que, mesmo que os desdenhe pública e ostensivamente, parece dar todas as mostras de os querer comprar.

ÁLVARO CUNHAL, O PARLAMENTAR

Mais do que um editor se lembrou do furo de publicar um livro com as páginas totalmente em branco e transformar o absurdo projecto num sucesso de vendas, socorrendo-se de um título qualquer que podia ser explícito, como O Livro em Branco ou então e de preferência, mais enigmático, como, por exemplo, Memórias de um Amnésico ou então, como se lê acima, O que Todo o Homem Pensa Além de Sexo. Seria porventura um exagero usar o título deste poste, Álvaro Cunhal, o Parlamentar, para capear um livro em branco como os que agora descrevi, mas, nesta época em que o nome de Álvaro Cunhal se tornou, ele próprio, num furo editorial, talvez possamos aprender, através desta minha pequena pesquisa, que a actuação daquela reverenciada figura na reverenciada Casa da nossa Democracia – a Assembleia da República – não ultrapassará em extensão as folhas que se dedicavam a uma daquelas antigas agendas de bolso.
Comece-se por dizer que Álvaro Cunhal foi um dedicado concorrente a ocupar uma das cadeiras da supra Casa. Como Secretário-Geral do Partido Comunista Português foi o cabeça da lista que os comunistas apresentaram para o distrito de Lisboa (o maior e, por inerência e tradição, o lugar mais prestigiado numa candidatura de um partido) em todas as sucessivas eleições que tiveram lugar em Portugal entre 1975 e 1987: as eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 e as eleições para a Assembleia da República de 1976, 1979, 1980, 1983, 1985 e 1987. Em todas elas, salvo 1976 e 1985, as listas do PCP foram as terceiras mais votadas em termos nacionais e Álvaro Cunhal foi sempre eleito folgadamente como deputado. Cunhal só deixou de se apresentar a eleições em 1991, à beira de completar 78 anos, quando abandonou o lugar àquele que era o seu sucessor designado, Carlos Carvalhas.
Mas, regressando ao passado, veja-se como esta fotografia acima está carregada de simbolismo: trata-se da primeira sessão da Assembleia Constituinte em 4 de Junho de 1975, eleita a 25 de Abril desse ano. Nela se reconhecem ao centro, na primeira fila, e da esquerda para a direita devidamente numerados: Otelo Saraiva de Carvalho (1), Álvaro Cunhal (2), Magalhães Mota (3), Mário Soares (4), Pereira de Moura (5) e Salgado Zenha (6)¹. Álvaro Cunhal, apesar de ter sido eleito para aquela Assembleia (como os restantes nomeados, com excepção de Otelo), não estava na respectiva bancada, porque aparece nesta cerimónia a desempenhar a sua função de ministro sem pasta do IV Governo Provisório. Mais tarde, com a formação dos V e VI Governos Provisórios, Cunhal deixou de desempenhar qualquer cargo governamental mas, mesmo assim, preferiu não ocupar a sua cadeira como deputado constituinte.
Álvaro Cunhal voltou a ser eleito nas primeiras eleições legislativas de Abril de 1976. Dessa vez ocupou o seu lugar de deputado entre Junho e Novembro de 1976, quando pediu para ser substituído. Nesse período, das 43 sessões em que Álvaro Cunhal poderia ter participado, compareceu em 11 (o que corresponde a 25,6% de presenças). Seis meses depois da substituição, em 19 de Maio de 1977, Cunhal renunciou ao mandato. Mas tornou a ser eleito nas eleições intercalares que tiveram lugar em Dezembro de 1979. Ocupou o seu lugar de deputado logo a partir da primeira sessão em Janeiro de 1980 e ficou até ao fim da sessão em Julho do mesmo ano. Pode-se dizer dialecticamente que, dessa vez, ele se esforçou: com 22 presenças em 73 sessões parlamentares realizadas, já só esteve ausente em 70% delas. E mais uma vez foi reeleito nas eleições de Outubro de 1980. Foi o período em que Álvaro Cunhal manteve o estatuto de deputado por mais tempo: entre Novembro de 1980 e princípios de Junho de 1982, mas com uma taxa de absentismo que se tornara lendária (32 presenças em 196 sessões: 16,3%) e objecto dos comentários dos adversários políticos quanto à antipatia de Álvaro Cunhal pela actividade parlamentar. Isso não o impedia de se reapresentar como cabeça de lista no lugar de destaque do costume, como um ritual, nas eleições que se seguissem. Isso tornou a acontecer em Abril de 1983, em Outubro de 1985 e em Julho de 1987, mas a partir daí, Álvaro Cunhal era logo substituído por um seu colega a partir da primeira sessão, numa rotação (normalmente) de seis em seis meses até haver uma discreta renúncia ao mandato: em Maio de 1984 ou em Julho de 1989. Curiosamente, naquilo que terá sido provavelmente um lapso nas contagens de tempo das suspensões de mandatos, Álvaro Cunhal terá voltado a ser um deputado absentista durante quatro sessões entre 14 e 17 de Fevereiro de 1989, no seu último regresso, tão virtual quanto inesperado, a um mundo que ele não apreciaria e onde ele também não era particularmente apreciado.²
Em consequência de tudo aquilo que se contou, e um pouco à semelhança daquelas organizações revolucionárias que possuem uma vertente política e outra militar, o Partido Comunista parece também ter desenvolvido duas tradições, a interna mais clássica e mais discreta, mas também uma outra parlamentar com mais exposição mediática que, mesmo que não se antagonizem, convivem lado a lado numa aliança objectiva com a segunda subordinada à primeira. Os trajectos políticos sempre decepcionantes de parlamentares comunistas como Carlos Brito, Octávio Teixeira ou António Filipe transmitem-nos a desconfiança que todos estes anos ensinaram o PCP a saber viver no parlamento, mas que o partido continua a ser, no seu âmago, incorporando o fantasma de Cunhal, um partido extraparlamentar.
¹ Também se podem identificar nas bancadas Jorge Miranda (7), Diogo Freitas do Amaral (8) e Basílio Horta (9).
² O absentismo de Cunhal foi calculado a partir da consulta metódica dos diários das sessões.

17 novembro 2013

OS POLVOS AMEAÇADORES

No imediato pós-Guerra (1948), ao mesmo tempo que a revista Time exibia na capa a sua inquietação pelo polvo vermelho que parecia ameaçar a Itália, o Partido Comunista Francês através de um cartaz demostrava a sua com o polvo norte-americano que lhes parecia ameaçar a França. Apesar de saborosos no prato e, diz-se, particularmente inteligentes entre os membros do reino animal, a reputação dos polvos é lastimável em termos de propaganda política.

16 novembro 2013

PORTUGAL - SUÉCIA

Na única vez que fui ao IKEA bateu o meio-dia e uma voz no altifalante da loja anunciou que acabara de abrir a cafetaria onde os clientes podiam provar alguns pratos da saborosa gastronomia sueca. Só nesse momento me apercebi que entrara na no-man´s land de uma batalha feroz contra a minha carteira e que a propaganda de guerra, como a de qualquer outra guerra, não tinha escrúpulos.

O ÚLTIMO REI E O ÚLTIMO BOBO

Apesar da pose de quem segura um copo imaginário como por instinto (acima), tenho que reconhecer que há momentos em que os exageros de Vasco Pulido Valente se adequam simetricamente apropriados aos exageros que se fazem ouvir por aí (abaixo, clicar para aumentar, edição do Público de 15/11/2013).

15 novembro 2013

O TESOURO «DEGENERADO»

Esta é mais uma daquelas interessantes histórias modernas que desaparece por detrás dos cabeçalhos. Começa em Hildebrand Gurlitt (1895-1956), que foi um comerciante de arte alemão nascido numa daquelas famílias vocacionadas: o avô era pintor, o pai era um arquitecto e historiador de arte, tinha um irmão musicólogo, a irmã pintava, um tio-avô era compositor, o tio e um primo direito eram seus concorrentes. Calhou estar no local e ter os contactos certos quando o III Reich se começou a desfazer de pinturas que considerava degeneradas (acima e abaixo) e foi um dos que recebeu a permissão de Joseph Goebbels para transaccionar as obras apreendidas assim como outras adquiridas sob coacção a proprietários judeus. No final da Segunda Guerra Mundial, quando as autoridades aliadas que ocuparam a Alemanha foram pelo espólio artístico que ele acumulara durante os anos de guerra (sobretudo em França), Gurlitt explicou-lhes que a maior parte dele desaparecera incinerado em Fevereiro de 1945, quando do bombardeamento de Dresden que praticamente destruíra todo o centro da cidade – com a casa – onde Gurlitt nascera. A história termina provisoriamente por aí: Gurlitt mudou-se para a Baviera (Dresden ficara na zona de ocupação soviética, que viria a tornar-se na República Democrática Alemã), continuando a dedicar-se ao comércio de arte até vir a falecer num desastre de automóvel em 1956 com 61 anos.
A história recomeça mais de 50 anos depois, em Setembro de 2010, quando o septuagenário filho de Hildebrand, Rolf Nicolaus Cornelius Gurlitt (1932- ), foi identificado num comboio vindo da Suíça por funcionários aduaneiros alemães na posse de uma importância significativa mas não escandalosa de numerário (9.000 €). Aquilo que se seguiu foi o resultado de uma investigação desencadeada porque o excêntrico Rolf Gurlitt parecia não existir nos complexos e sofisticados sistema fiscal e de segurança social da Alemanha. E foi a preocupação com eventuais evasões fiscais que fez com que fosse executado um mandato que levou depois à descoberta de 1.400 quadros de autores famosos num discreto apartamento seu de Munique. A colecção – que parece ser a que Hildebrand Gurlitt dera como desaparecida em 1945 – é a parte mais espectacular da notícia. São 121 peças emolduradas e 1.258 por emoldurar de uma profusão de autores, onde aparecem tanto nomes degenerados como clássicos¹. E, para dar um valor a uma colecção que tem literalmente um valor incalculável, avançou-se com um número de mil milhões de €. O interesse informativo da história não se fica por aqui, projecta-se para o futuro e para qual virá a ser o destino de cada uma das peças da colecção, a começar pelas questões associadas à propriedade das obras, consideradas as condições anómalas em que aquelas terão sido adquiridas – se o foram… – por Hildebrand Gurlitt.
Mas existem outros aspectos interessantes desta história que não tenho visto devidamente explorados pela comunicação social. A começar pela discrição de Rolf Gurlitt, que se viu detentor de uma descomunal fortuna em arte aos 24 anos, mas que optou por viver uma vida moderada, vendendo de quando em vez, através dos processos obscuros que viriam a ser a sua perdição, uma das obras da herança, para ir pagando as contas, mas sem mostras de ostentação, nem de egoísmo: após a descoberta do espólio no apartamento em Munique, o cunhado de Gurlitt, Nikolaus Fraessle, viúvo da sua única irmã Renate, veio confessar que também ele tinha 22 quadros da colecção em sua casa em Estugarda. E a outra conclusão interessante tem a ver com o totalitarismo do Estado. Não apenas o totalitarismo do III Reich quando se julgou competente para definir aquilo que era a Arte, ao mesmo tempo que transigia nomeando pessoas como Hildebrand Gurlitt para transaccionar a tal Arte que não o era. Mas sobretudo o totalitarismo do aparelho de Estado da actual República Federal da Alemanha que, ao (não) descobrir nos seus ficheiros a existência de Rolf Gurlitt, se permitiu investigar e intrometer-se na sua vida (até então pacata) sob o pretexto de uma potencial evasão fiscal… É sempre preferível que este tesouro degenerado seja conhecido do Mundo, mas reconheça-se que a sua descoberta resulta de um acaso mas também de um abuso.
¹ Por ordem alfabética, alguns, com aqueles indiscutivelmente degenerados assinalados: Barlach, Beckmann, Canaletto, Chagall, Courbet, Dix, Dürer, Klee, Kokoschka, Liebermann, Kirchner, Macke, Marc, Matisse, Munch, Nolde, Picasso, Renoir, Schmidt-Rottluff, Spitzweg e Toulouse-Lautrec.

14 novembro 2013

A NACIONALIDADE DOS IMPLANTES E A DAS CULPAS

As notícias que anunciaram o escândalo dos implantes mamários PIP nunca se esqueceram de mencionar a nacionalidade do seu fabricante: francesa. Tanto assim, que o próprio presidente (à época) Nicholas Sarkozy se imiscuiu a certa altura na questão, assegurando que as autoridades francesas estavam totalmente empenhadas em garantir que todas as responsabilidades iriam ser identificadas. A justiça francesa tê-lo-á feito hoje, sentenciando que a responsabilidade… é de uma empresa alemã, a que se responsabilizava pelo controlo de qualidade. A objectividade de todo o processo parece-me tão convincente como mamas depois de implantadas…

O HOMEM QUE NINGUÉM SABE QUEM É… NEM DONDE VEIO.

As fotografias protocolares têm destas coisas: juntam pessoas sobremaneira conhecidas com outras que o não são e torna-se uma trabalheira de quem as legenda descobrir de quem se trata. Nesta fotografia de Setembro de 1979, por ocasião da 6ª Conferência dos Países Não Alinhados realizada em Cuba, subentende-se a importância do estadista africano que enverga o fato tropical à esquerda, a quem o anfitrião Fidel Castro concedeu a cortesia protocolar de lhe conceder o lado direito em detrimento do moçambicano Samora Machel. Saber de quem se trata é que é mais difícil… E identificá-lo como Leabua Jonathan (1914-1987), que era então primeiro-ministro do Lesoto, será apenas um passo intermédio para a esmagadora maioria dos leitores deste poste, enquanto procuram saber onde é que fica esse tal de Lesoto

COLIGAÇÃO

Ainda numa onda de fazer analogias entre a actualidade política portuguesa e fotografias de desastres aéreos bizarros da Segunda Guerra Mundial, aprecie-se o instantâneo acima em que um dos motores de um bimotor (de um tipo que não consigo identificar) resolve ir-se embora do avião. Se, no caso precedente, o nome do aparelho tornava-se Rui Machete, este tem todas as condições para, considerado o comportamento dos dois partidos governamentais (agora mais isto...), receber o nome de Coligação.

13 novembro 2013

OH!!!...


Quando comparado com os Óculos de Sol de Natércia Barreto (1968) é uma injustiça que este Oh!!!... de Mafalda Sofia (1967) tenha tido muito menos sucesso e que seja ainda hoje muito menos conhecido. Oh!!!..., ousadíssimo pelos padrões morais da época, pode passar por um predecessor timorato e púdico não só do Je t’aime,moi non plus de Serge Gainsbourg como ainda do famoso monólogo de Meg Ryan em When Harry Mets Sally.

12 novembro 2013

BOMBARDEAR O VIZINHO

Sempre foi uma das dúvidas que se me pôs quando via as imagens dos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial: será que entre aquelas formações densas de B-17, Halifax, ou Lancaster, eles não haviam chegado a bombardearem-se uns aos outros? Esta sequência fotográfica acima, tirada no meio de uma formação de B-17 norte-americanos, esclarece-me que sim: o avião de onde se fazem as fotografias começa a despejar as suas bombas sobre um alvo mas acerta na cauda esquerda de um vizinho que voava ligeiramente mais abaixo. Deixem-me rematar em jeito de laracha: regressado à base, o avião de cima bem podia ser rebaptizado: Rui Machete.

O COLÉGIO MILITAR E A MONARQUIA

Como antigo aluno do Colégio Militar, confesso que não me agradam imagens como a de cima, onde um aluno da escolta a cavalo daquele estabelecimento de ensino aparece a empunhar, durante uma cerimónia, a antiga bandeira nacional monárquica, como se de um estandarte oficial se tratasse. Adicionando um retoque de ironia à cena, reconhecem-se ao fundo as cores de várias bandeiras nacionais (as verdadeiras...) dependuradas de varandas. Vale a pena acrescentar que desconheço as circunstâncias em que a cerimónia terá tido lugar e qual a pertinência – se alguma houver… – para que a bandeira monárquica ali aparecesse. Mas devo concluir este meu raciocínio rematando que o responsável por tal decisão – a de associá-la ao Colégio Militar – devia saber que na actualidade o significado do galardão se cinge apenas a uma causa política: a da monarquia. E que o Colégio Militar é muito mais do que isso.
Tem-se notado nestas últimas décadas uma tendência crescente para uma associação – quiçá uma irmandade natural entre instituições antigas… – entre o Colégio Militar e a monarquia. A imagem recorrente para a ilustrar já no meu (há algum…) tempo costumava ser as fotografias do príncipe herdeiro Luís Filipe (1887-1908) devidamente fardado (acima) como aluno do Colégio Militar de que Luís Filipe era, aliás, Comandante de Batalhão honorário. Mas vale a pena esclarecer que a fotografia pode ser ilusiva: ao contrário do que acontece com os actuais herdeiros dos tronos europeus, que frequentam verdadeiramente os estabelecimentos de ensino militar (embora em regime aligeirado), não tenho nota que ele ou o seu pai, Carlos I, apesar de Comandantes de Batalhão honorários, tenham frequentado pessoalmente, numa rotina diária, os claustros da Luz como os verdadeiros alunos do então Real Colégio Militar.
Vale a pena lembrar que, dos 210 anos de idade com que conta o Colégio Militar, a primeira metade decorreu sob a monarquia. E que a notoriedade do Colégio Militar, aparecido em 1803, ter-se-á vindo a consolidar apenas progressivamente ao longo do Século XIX. Quando apareceu, já existia o estabelecimento de ensino concebido para a formação das elites aristocráticas: era o Real Colégio dos Nobres, fundado em 1761. O Colégio Militar surge num período em que se vive uma Revolução, também na arte da guerra, em que o sucesso dos exércitos napoleónicos (onde os soldados se podiam tornar marechais), impôs a adopção da meritocracia como critério de selecção dos seus quadros, em detrimento das virtudes de nascimento. Este bonapartismo genético do Colégio Militar tê-lo-á tornado certamente malquisto sob o absolutismo miguelista, só apenas mais tolerado sob o constitucionalismo e a regeneração que se lhe seguiram.

O prestígio que o Colégio Militar possa ter gradualmente vindo a adquirir demorou quase um século a evidenciar-se. Note-se que um dos textos que costumam ser dados por mais antigos referentes ao Colégio Militar, escrito por Ramalho Ortigão (ver o vídeo acima), um elogio ao primeiro desfile do batalhão colegial, foi produzido a propósito da cerimónia da visita dos reis de Espanha que teve lugar durante o reinado de Manuel II (1908-1910), já nos anos terminais da monarquia. Para além da ablação do epíteto de Real, os sinais parecem indicar que o regime republicano terá dado toda uma outra importância e projecção ao Colégio Militar – o que é um paradoxo, se nos lembrarmos por onde começámos este poste. De facto, foi sob o novo regime e apenas 118 anos depois da sua criação que o estandarte do Colégio Militar recebeu a sua primeira condecoração, em 1921: a Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
É surpreendente perceber a importância atribuída por essa altura ao Colégio Militar. Nesta fotografia acima, tirada por ocasião da abertura solene do ano lectivo em 21 de Outubro de 1923, uma das primeiras visitas oficiais do recém-empossado Manuel Teixeira Gomes, o chefe de estado é acolhido à entrada não apenas pelo anfitrião, o director do Colégio Militar, mas também pelo próprio presidente do governo, António Maria da Silva. E a cerimónia da atribuição de prémios aos alunos que mais se haviam distinguido no ano anterior conta com a presença dos três (fotografia abaixo), algo que é inédito na história colegial antes ou depois. O prestígio que o Colégio Militar registava nesse período traduziu-se numa expansão dos efectivos do batalhão colegial de menos de 350 alunos em 1910 para mais de 460 (entre 1925 e 1928), números esses que só voltaram a ser realcançados (e muito ultrapassados) nas décadas de 1960 e 70.
Quando o Colégio Militar está a atravessar mais uma das crises da sua história, é perceptível que existe uma ampla maioria de ex-alunos (onde me conto) a quem o assunto não despertará vontade de se manifestar e uma minoria muito mais exuberante e muito mais convicta agrupada à volta da associação de antigos alunos. Como observador interessado, nem tenho adjectivos para qualificar a conduta de José Pedro Aguiar-Branco na pasta da Defesa, e não apenas por causa da forma como tem abordado esta questão dos estabelecimentos militares de ensino. Mas a repulsa por alguém que nem sequer qualificado estará para sobraçar a pasta não me põe do mesmo lado de uma trincheira de onde tenho ouvido, predominantemente, discursos onde não me reconheço, não só pelo seu radicalismo, mas por serem retrógrados e ultramontanos e, como penso ter aqui demonstrado no caso da monarquia, nem sequer terem justificação.