30 setembro 2022

IMAGENS DE COMO PODIA SER COMPLICADO UM NEGRO INSCREVER-SE NUMA UNIVERSIDADE

30 de Setembro de 1962. As imagens acima foram provocadas pela inscrição do primeiro estudante negro na Universidade do Mississippi. Legalmente podia fazê-lo mas anteriormente, e por três vezes, James Meredith, um veterano da Força Aérea de 29 anos, tentara inscrever-se, mas fora fisicamente impedido de o fazer, com a anuência do próprio governador do estado, que se mostrava ostensivamente contrário à política federal de integração racial. Dessa vez, o futuro aluno ia inscrever-se acompanhado e escoltado por 540 agentes federais(!) para lidar com as objecções. Mesmo assim, o contingente acabou por não dissuadir os desacatos. Os estudantes segregacionistas locais, reforçados com activistas vindos do exterior, atiraram cocktails molotov e dispararam sobre os agentes de protecção e os jornalistas que cobriam os acontecimentos. Morreram duas pessoas, um repórter francês e um local. O presidente Kennedy accionou a guarda nacional do próprio Mississippi numa manifestação de força e numa manobra dúplice, já que obrigava as próprias autoridades locais a reprimirem a insurreição que, por seu lado, estavam a fomentar discretamente. James Meredith acabou por se inscrever e começou até as suas aulas no dia seguinte. Em 1968, seis anos depois dos acontecimentos acima, havia cerca de uma centena de estudantes negros a estudar naquela universidade. Actualmente (ano lectivo 2019/20) representam cerca de ⅛ do total. Mesmo assim, é uma percentagem muito inferior aos 37% de população de ascendência africana do Mississippi.

29 setembro 2022

A INDIFERENÇA MEDIÁTICA À DESCREDIBILIZAÇÃO TOTAL DOS GRANDES PROGRAMAS DE INVESTIMENTO

Entre várias outras coisas que caíram em completo descrédito na actividade política portuguesa contam-se estes anúncios pomposos (acima) de grandiosos investimentos em obras públicas que depois nunca se vêm a cumprir. Neste anúncio do comboio de alta velocidade que está (agora) prometido para 2028, a aposta será para que nessa altura ninguém se lembre do que se prometeu em 2022, mas, para exemplo passado daquilo que foi prometido e nunca concretizado, abaixo podemos apreciar um outro desses pomposos anúncios, já com treze anos (2008!), a respeito do novo aeroporto de Alcochete!...
Precisamente! Aquele outro grande investimento - o aeroporto - a respeito do qual o primeiro-ministro e o líder da oposição se reuniram na passada Sexta-Feira onde decidiram... que não se ia decidir nada e que se ia empurrar o assunto mais uma vez! Mas, se a culpa dos protagonistas - Costa e Montenegro - é por demais evidente, a minha crítica neste caso não é para eles, mas para a comunicação social que, em vez de se colocar na posição do observador comum que assiste irritado a todas estas mentiras e que já não acredita nestes anúncios solenes, trata-os sem reservas, como se fosse para os levar a sério!
«Nove novidades»... E depois queixem-se - jornalistas e quem vive de produzir opinião - que há uma grande discrepância entre o que se escreve nas redes sociais e o que se publica na comunicação social tradicional, que há cada vez menos pessoas que votam, e que, entre as que votam, há cada vez mais que votam em organizações populistas de extrema direita... Se os órgãos de informação tradicional parecem conluiados com quem continua a mentir naqueles mesmos formatos da política tradicional de outrora, que é que estão à espera que aconteça?... É que a extrema direita não tem este lastro.

Adenda do dia seguinte:
Isto que acima vemos é a maneira como os jornalistas, fingindo, evitam fazer aquilo que lhes competia. É que, para fazer «comentários à ultima apresentação da alta velocidade», todos não seremos demais a ironizar com «as dezenas que já foram feitas». Contudo, onde os profissionais se diferenciam dos leitores é que eles é que são convidados e estão presentes nas conferências de imprensa, às «dezenas», onde estes calendários nunca cumpridos são impingidos. Se, nas devidas ocasiões, os profissionais confrontassem os apresentadores - o ministro Pedro Nuno Santos, por exemplo - com a falta de credibilidade daquilo que eles estão para ali a dizer, muito provavelmente o descaramento de apresentar tanta aldrabice minoraria.   

A PRIMEIRA VOTAÇÃO DA DESTITUIÇÃO DE FERNANDO COLLOR DE MELLO

29 de Setembro de 1992. Ocorre a votação da destituição do presidente Fernando Collor de Mello na Câmara de Deputados do Brasil. Foi, como se pode observar acima, um processo bastante animado. Eu desconfio que no Brasil existe mais circunspecção, solenidade e decoro a votar na escola de samba que ganhará o desfile do Carnaval do Rio de Janeiro do que em votar na destituição (ou não) do presidente da República em Brasília. Apesar do aspecto algo carnavalesco deste último. A cena do vídeo assinala o momento em que se totalizou o 336º voto, correspondente a ⅔ do total de deputados necessários para que a proposta avançasse. No final da contagem deu 441 votos a favor da destituição e 33 contra, mas a alegria a que assistimos, por muito exuberante que seja, é extemporânea, já que esta mesma proposta só produziria eficácia quando fosse votada (e aprovada por outra maioria qualificada equivalente) na outra câmara legislativa brasileira, o Senado, e isso só virá a ter lugar dali por 3 meses (30 de Dezembro). Só aí é que Collor se demitirá para não ser formalmente destituído. Mas o Brasil é a maior potência mundial das celebrações, haja ou não razão para celebrar. Vamos confirmar isso nestas próximas eleições presidenciais, recuperando aqui o aspecto que os dois principais candidatos tinham naquela época. Bolsonaro já era deputado federal (vêmo-lo abaixo a votar a favor da destituição de Collor) enquanto Lula já fora deputado federal, mas renunciara em Fevereiro de 1991 (enquanto candidato presidencial derrotado precisamente por Collor, o sentido da sua opinião era por demais evidente).

28 setembro 2022

A PROMOÇÃO DA FORMAÇÃO DE UM PARTIDO EANISTA

Ainda 28 de Setembro de 1982. No Diário de Lisboa pode ler-se esta desenvolvida notícia dedicada a um pedido de suspensão de mandato de um vereador camarário de Santarém. O vereador, Hermínio Martinho, fora o mandatário distrital da campanha para a reeleição de Ramalho Eanes, umas eleições que já haviam tido lugar dois anos antes. Mas o Diário de Lisboa empenhava-se em noticiar desproporcionadamente tudo o que se relacionava com a hipotética formação de um novo partido sob a égide do então presidente da República (abaixo, páginas de três edições sucessivas do Diário de Lisboa de finais de Setembro de 1982). Por detrás de tanta insistência, veio a perceber-se depois, estavam os comunistas do PCP que, com a formação deste novo partido esperavam, por um lado, enfraquecer os socialistas do PS, ao mesmo tempo que o aparecimento desta nova formação eanista fizesse os comunistas sair do gueto político para onde aqueles mesmos socialistas os haviam remetido desde 1975 - para o PS de Mário Soares o PCP de Cunhal era um partido com o qual não se podia negociar! Porém, como o entusiasmo aqui expresso pelos comunistas seria, muito provavelmente, superior ao entusiasmo dos eanistas propriamente ditos, a organização só se virá a formar dali a três anos, a tempo de concorrer às eleições legislativas de Outubro de 1985, com a sigla PRD. Por sinal, o primeiro dirigente do partido virá a ser este mesmo Hermínio Martinho a que o Diário de Lisboa de há 40 anos tratava com todo este desvelo - para apreciar a relevância da notícia acima no seu devido contexto, teria convido esclarecer os leitores que havia (e há) mais de 2.000 vereadores em Portugal, e que, naturalmente, os pedidos de suspensão de mandatos ocorrem com bastante regularidade, vários em média, por semana...

A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA RECONHECE A REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA

28 de Setembro de 1982. Nos dias que correm, suspeito que será uma inconveniência recordar que a China aguardou quase sete anos para reconhecer o governo que o MPLA havia proclamado em Luanda em 11 de Novembro de 1975 e isso apesar dos dois regimes se reclamarem do mesmo campo ideológico (comunista). Hoje há uma certa tendência para sobre simplificar as vicissitudes da Guerra-fria, colocando os Estados Unidos capitalistas de um lado e a União Soviética comunista de outro, quando o xadrez da ordem internacional vigente era, como aqui se percebe à evidência, bem mais complexo.

27 setembro 2022

DUAS OU DUAS MIL E DUZENTAS COISAS

O que eu mais aprecio em certos blogues - a palavra, recorde-se é a contracção de web log: diário de rede - é a forma como os seus autores conseguem transmitir, nesses diários, uma sensação de intimidade a quem os segue e lê. Pequenas histórias do passado, grandes opiniões sobre o presente. Por exemplo, a melhor maneira das «notas pouco diárias de Francisco Seixas da Costa» darem conta de um dia passado no tribunal a perder uma acção por difamação é publicar um desenvolvido texto sobre a extrema-direita austríaca de há 20 anos. Sobre o "javardo", tirando o "javardo" propriamente dito, nada apareceu até agora naquele blogue. Vá-se lá compreender as acusações de que há muito de mise en scène na forma como estas pessoas utilizam as redes sociais!...

DE LONDRES A BERLIM EM AVIÃO

27 de Setembro de 1922. Anunciava-se para o 1º de Outubro o início das carreiras aéreas regulares entre Londres e Berlim. A viagem teria uma duração de 7 horas mas, mesmo assim, representaria uma extraordinária redução dos quatro dias que a deslocação entre as duas capitais tomaria então por terra. O custo - muito publicitado - seria de 5 libras e meia. Por curiosidade, fui verificar quanto duraria e quanto custaria um voo Londres Berlim nesse mesmo dia 1 de Outubro, mas de 2022. O voo na Ryanair tomaria 1 hora e 45 minutos e custar-me-ia € 215,70, embora esse preço já inclua o regresso no Sábado seguinte. (Vale a pena ver o primeiro comentário)

26 setembro 2022

A NOTA DA PIDE ACERCA DO TERRORISMO

26 de Setembro de 1972. A PIDE envia uma nota aos jornais fazendo uma avaliação das mais recentes acções terroristas que haviam ocorrido naqueles dois últimos anos de 1971 e 1972. Nessa nota, a polícia política fazia uma diferenciação entre as três principais organizações, identificando as responsabilidades de cada uma: as do PCP, as do PRP - BR e as da LUAR. Um parágrafo adicional era dedicado ao MRPP e a outros grupos de nomes revolucionariamente imaginativos, mas, no fundo, inócuos. Na nota, a PIDE não perdia a oportunidade para ironizar com o facto de que todas as organizações reclamavam agir em nome da classe operária, mas que os membros oriundos dessa classe eram uma minoria entre os quadros dessas organizações. Quanto à identificação dos seus quadros, percebia-se que a PIDE andava bastante aos papéis na identificação de quem era quem dentro das três principais organizações que constituíam o seu alvo principal. Beneficiando nós da clarividência dos acontecimentos depois do 25 de Abril, constata-se agora que a PIDE acerta em Raimundo Narciso no caso do PCP; que também acerta em Carlos Antunes no caso do PRP - BR, mas que, fruto provável do preconceito de género, a PIDE não valoriza devidamente Isabel do Carmo; e que falha rotundamente no caso da LUAR, nomeando uma figura secundaríssima, e deixando de parte figuras como Palma Inácio ou Fernando Marques. Contudo, vale a pena assinalar a publicação desta nota para que se perceba que, antes do 25 de Abril, um vulgar leitor de jornal atento tinha oportunidade de conhecer as actividades das organizações clandestinas. Podiam não querer saber, queixar-se da censura, mas muita informação, como se vê, e apesar de ser transmitida de uma forma parcial e distorcida, estava disponível. Tanto mais que, a forma como hoje é recordada aquela mesma informação, também o é de uma forma parcial e distorcida. 

25 setembro 2022

«NÓS, AS ELITES...»

«Nós, as elites...» é uma locução que aprendi de um conhecido meu, que a empregou despudoradamente ao pretender referir-se a si e a todos aqueles a quem endereçava aquela nota, frequentadores e comentadores activos ou passivos das redes sociais. Aproveitei-a e uso-a, sarcástico, entredentes, pelo excesso ridículo, creio que o utilizador original a iria considerar deturpada do sentido original que lhe dera quando ma endereçou. Neste pedacinho de dissertação pedante de facebook as elites estão à vista: com (mais de) uma hora transcorrida de publicação e com 58 passantes a gostarem, rirem e adorarem o que fora escrito, não apareceu uma alminha caridosa entre essas 58 que chamasse a atenção ao autor do texto que o autor do filme (Voando sobre um ninho de cucos) foi Milos Forman e não o «extraordinário Kubrick». Ou então, até houve quem chamasse, mas mais discretamente que as manifestações dos 58... e sem consequências. Mas, quiçá, o que será mais importante no texto, para o seu autor, será a pose, a analogia da enfermeira Fletcher com a presidente da comissão Leyen. E, por outro lado, há que compreender que rectificar o erro do texto, será chamar indirectamente a alguns dos seus leitores uns ignorantes... de elite.

A NOTÍCIA SOBRE A MORTE DO REI FOI MANIFESTAMENTE EXAGERADA

25 de Setembro de 1962. Em Sanaa, capital do Iémen (país cuja localização escaparia à grande maioria dos leitores do Diário de Lisboa acima), deu-se um golpe de Estado, que terminara com a morte do recém entronizado monarca Muhammad al-Badr e a proclamação da república. Veio-se depois a saber - acima a edição do jornal dois depois - que o golpe se revestira de alguns daqueles aspectos de malandrice traidora que estes episódios costumam conter: quem encabeçara o golpe fora o comandante da própria guarda real e o processo de tomada do poder culminara num bombardeamento de artilharia do palácio real, palácio que ficara em tal estado que os revoltosos presumiam que o rei morrera, soterrado no entulho... Contudo, como se viria depois a descobrir e citando Mark Twain, «a notícia da morte do rei fora manifestamente exagerada»... O monarca escapara, o anúncio da sua morte terá sido um expediente dos revoltosos para atenuar a resistência que enfrentavam, só que a difusão da notícia lhes escapara ao controlo. Essa notícia da pretensa morte do rei resultara no imediato, mas a história está muito longe do fim: seguir-se-á uma guerra civil que perdurará por oito anos (1962-70). Quanto à precocidade do anúncio da morte do rei, ele juntar-se-ia a uma enorme colecção de asneiras idênticas, asneiras factuais de um género que só pessoas com o perfil do actual provedor do Público têm o descaramento de tentar justificar.

UM DAQUELES REFERENDOS EM QUE A CAPITAL É «DERROTADA» PELO RESTO DO PAÍS

25 de Setembro de 1972. Tem lugar na Noruega um referendo sobre a adesão daquele país à então CEE. O desfecho foi a vitória do "Não", o que foi surpreendente, considerada a perspectiva que se antecipava na capital, Oslo, onde a superioridade dos votos "Sim" veio a ser na proporção de 2 para 1. Mas o país rejeitara globalmente a proposta e no dia seguinte, o primeiro-ministro e o governo norueguês confessavam-se derrotados, preparando-se para se demitir (abaixo).

24 setembro 2022

QUANDO OS «DIGITAL INFLUENCERS» MUDAM DA «PEGA DE CARAS» PARA A «PEGA DE CERNELHA»

Sinal dos tempos, aqueles «digital influencers» que se destacaram nos primeiros meses de guerra (da Ucrânia) pelas suas posições frontalmente pró-russas, têm mudado de técnica ultimamente na técnica de pegar o touro (a realidade da guerra), já que os cornos da contra-ofensiva ucraniana e da atitude de Vladimir Putin estão a aleijar aqueles forcados do comentário mais galhardos. É assim que passámos a ver os influenciadores pró-russos a falarem de outras coisas que não o que está a acontecer por lá, a referirem-se ao que se diz de outros influenciadores que ainda serão mais putinistas do que os próprios, um processo evasivo clássico para evitar reconhecer que se estivera enganado mal posicionado até então, e um expediente que poderemos equiparar à pega de cernelha na mesma gíria tauromáquica que temos vir a adoptar até aqui. São muito perspicazes estes forcados do comentário...

A IMPORTÂNCIA PROPAGANDÍSTICA DA BATALHA DE STALINEGRADO

24 de Setembro de 1942. O destaque que as páginas do Diário de Lisboa desse dia dão à batalha de Stalinegrado mostram até que ponto a confrontação entre alemães e soviéticos extravasara o carácter estritamente militar para se transformar numa outra coisa muito mais importante. Subindo assim a parada do que estaria em disputa, uma atitude tomada com a concordância implícita dos dois beligerantes, as consequências do desfecho que ali viria a acontecer teria um significado simbólico maior do que as suas consequências reais. As pessoas tendem a esquecer que decorrerá cerca de um ano e meio de guerra na Rússia até a Alemanha perder esta batalha de Stalinegrado; mas que, depois disso, virão a decorrer ainda mais quase dois anos e meio até à Alemanha ser definitivamente vencida. Stalinegrado foi importante. Stalinegrado esteve muito longe de ser decisivo.

23 setembro 2022

A FRANÇA ADMITE OFICIALMENTE QUE O SEU IDIOMA PASSOU A SER MARGINAL

Independentemente do seu conteúdo, pelo seu simbolismo, esta entrevista dada pelo presidente Macron à CNN poderá ser considerada um marco histórico, apesar de não ter sido assim reconhecida pelos órgãos de comunicação social que adoram assinalar eventos históricos a esmo. Todavia, para aqueles, atentos, que acompanham desde há décadas a incansável batalha dos franceses pela preservação do estatuto internacional do seu idioma em paridade com o inglês, esta comparência do chefe de Estado francês, do sucessor do grande Charles, numa entrevista em que dialoga e se exprime fluentemente em inglês (outra coisa será apreciar o seu sotaque, mas não se pode pedir tudo ao mesmo tempo...), representará a concessão oficial por Paris da primazia do idioma inglês como instrumento de comunicação internacional. Até o próprio presidente francês a utiliza quando quer transmitir a um auditório mundial qual é a posição oficial do governo francês sobre o comportamento da Rússia!

AS CONSEQUÊNCIAS DE UMA GUERRA VÃO PARA ALÉM DO FIM DA MESMA

23 de Setembro de 1947. Mais de dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as autoridades norte-americanas que ocupavam a Alemanha ainda se preocupavam em levar a tribunal aqueles alemães que se haviam excedido em tempo de guerra. Durante a guerra haviam-se cometido inúmeros excessos, de que a maioria deles era agora impossível remir, mas notava-se esta descriminação dos americanos quando a vítima fora um deles. No caso, a vítima fora um membro não identificado da tripulação de um B-17 que se despenhara na Alemanha durante uma missão de bombardeamento a 17 de Março de 1945 - pouco mais de mês e meio antes do fim da guerra. Ao contrário do que a notícia informa, o condenado, Heinrich Franke, não era propriamente um polícia, mas antes um cabo (scharführer) das SS. O tripulante do B-17 saltara de pára-quedas e fora capturado. Franke fora encarregue por um oficial das SS de o escoltar para um posto onde se recolhiam os prisioneiros aliados feitos naquelas mesmas circunstâncias e... não chegou lá. O prisioneiro apareceu executado com um tiro na nuca, alegando Franke que «ele tentara fugir». Depois do fim da guerra, Heinrich Franke refugiara-se na zona francesa de ocupação da Alemanha para tentar fugir à justiça americana, mas, para mais como antigo membro do partido nazi, ele era um exemplar bom demais para que não se fizesse dele um exemplo dos castigos impostos aos que haviam servido o III Reich com demasiado zelo: a sentença foi levada até ao fim e ele foi enforcado a 29 de Outubro de 1948 na prisão de Landsberg.

DESCOBERTA... OU TALVEZ NÃO

Do ponto de vista astronómico, a descoberta de «bolhas de gás quente a orbitar a grande velocidade à volta de buracos negros» é muito bem capaz de ser a novidade que merece o destaque da notícia acima. Contudo, e se se atender à redacção dada à notícia, há que reconhecer que, de um ponto de vista biológico, aquelas mesmas «bolhas de gás quente a orbitar a grande velocidade à volta de buracos negros», poderão ser também uma descrição científica (e imaginativa) dos peidos. O jornalista Guilherme Gonçalves não terá pensado nestes últimos, apenas terá pensado no gás quente, mas não se devia ter descuidado, porque a imaginação popular é tão infinita quanto a densidade da matéria nos buracos negros a que ele se estava originalmente a referir.

22 setembro 2022

O AVIÃO QUE NADA SOFREU

22 de Setembro de 1952. Por esta vez, convido o leitor a não prestar grande atenção ao que aconteceu, e a concentrar-se no formato como o acontecimento é narrado. Hipoteticamente, o jornalista que a escreve poderia ter destacado a tragédia da morte das quatro pessoas («três mulheres e um homem») que viajavam no «automóvel esmagado» em cima do qual aterrou o «avião de transporte militar», presumindo-se, embora o texto também não seja explícito quanto a isso, que a aterragem tenha sido um acidente porque feita de emergência. Mas não. O destaque do título vai para os estragos materiais, o «automóvel esmagado» e, em contraste, «o avião que nada sofreu». É uma felicidade, contrapor assim a ausência de sofrimento do avião com as quatro pessoas que morreram - sem sofrerem muito, deseja-se... Quanto ao conteúdo da notícia, os detalhes complementares sobre o acidente são os seguintes: tratava-se de um C-47 da USAF que operava a partir da base aérea de Truax Field em Madison, no Wisconsin. Nada se sabe sobre o que aconteceu aos pilotos e quem mais viajasse no avião. Como aconteceu com o material, presume-se que também não devem ter «sofrido nada».

21 setembro 2022

ELE COMEÇAVA A HAVER DIAS INTERNACIONAIS DE TANTA COISA...

...que a partir de 1982 se começou a assinalar a 21 de Setembro o Dia Internacional da Paz. Mal não faz. Rima e é verdade. Mas tudo isto acontece no dia em que o presidente russo ameaça recorrer a armamento nuclear. Parece-me (muito pouco) apropriado... 

20 setembro 2022

...QUEM PÔS LISBOA A ARDER

Esta súbita pulsão do novo ministro da Saúde para mostrar um «esforço de descentralização do governo» é uma daquelas notícias que se torna cómica, tal o desplante em evitar falar do elefante do meio da sala. Até apetece tomar o assunto pelo seu valor facial e perguntar ao ministro que locais estaria ele a considerar nesse «esforço de descentralização»? Coimbra? Faro? Funchal? Mas isso - confrontar os ministros com as consequências das suas declaração infelizes - não é para jornalistas, ficará guardado para o programa do Ricardo Araújo Pereira. O elefante de que o ministro Pizarro não quer falar, daí esta evolução descentralizadora súbita, num governo que já tomou posse vai para seis meses, sem que o assunto tivesse sido abordado previamente, terá sido a consequência de uma das condições colocadas pelo mister que vem revolucionar o SNS a partir do exemplo do Norte, Fernando Araújo. Fernando Araújo não é somente um nome que se fala para ocupar o cargo mítico de CEO-que-vai-salvar-o-SNS. É o nome da salvação, já que não se ouve mais nenhum. Sendo um homem do Norte, o seu nome é como aquele clássico slogan da pasta medicinal Couto (que também é do Norte): anda na boca de toda a gente. E, provavelmente por andar na boca de toda a gente, é que Fernando Araújo se sente com a capacidade negocial de não se dispor a vir para Lisboa se aceitar o cargo. Aquela minha metáfora do mister tripeiro cada vez se consolida mais.

OS CHARROS DO CASAL MCCARTNEY

20 de Setembro de 1972. O antigo beatle Paul McCartney e a sua mulher, Linda, são ambos detidos por algumas horas quando se descobriu numa das suas propriedades escocesas uma colecção de vasos, cujas plantas se vieram a revelar ser Cannabis. O casal McCartney veio a ser condenado por «cultura ilegal», sancionado com uma multa de 240 libras, enquanto Paul fazia a figura de ingénuo para a televisão que as imagens abaixo mostram, contando, sem se rir, uma história inverosímil: que um admirador lhe tinha dado as sementes que ele depois plantara sem saber o que dali germinaria... Era tão patusco que nem era sequer para fingir que se acreditava. Na verdade, no ano anterior já Paul fora multado na Suécia por ter sido apanhado com uns charros. Depois desta, voltaria a ser detido em 1975 na Califórnia, Estados Unidos, precisamente pela mesma razão, em 1980 aconteceria no aeroporto de Tóquio, Japão, após lhe revistarem a bagagem, e em 1984 seria na ilha caribenha de Barbados. Nestas duas últimas vezes, algemaram-no e tudo. Sabendo isso tudo, esta (pretensa) contrição de Paul diante das câmaras de TV tem toda uma outra piada...

19 setembro 2022

ELEGÂNCIA CONCISA E HONESTA

O antigo presidente norte-americano, Bill Clinton, durante uma entrevista que ele deu ontem ao canal CNN, foi de uma elegância concisa quando questionado sobre o antigo procurador Kenneth Starr, que faleceu recentemente, e que se havia celebrizado pelo dito Escândalo Lewinsky, desencadeado por um perjúrio do próprio presidente Clinton em 1998, quando, investigado inicialmente por eventuais irregularidades completamente diferentes, acabara questionado a respeito das suas actividades sexuais com uma estagiária da Casa Branca. Essencialmente e a respeito do falecido, Clinton limitou-se a responder que «havia lido o obituário (de Starr), e que se apercebera o quanto a sua (dele) família o amava, o que é sempre qualquer coisa pela qual se deve estar grato. Quando a vida de alguém acaba, é o que há para dizer», rematou. Seco e sincero. Mas elegante. De nada interessaria mostrar os escândalos e as contradições do resto da carreira do defunto. Quem se houvesse interessado pela sua consistência moral, conheceria o percurso posterior de Starr, que viria a passar ainda, com um requinte patético, por integrar a equipa de defesa de Donald Trump no processo de impeachment equivalente ao que ele desencadeara contra Bill Clinton! (Em suma, quanto menos se disser sobre a verticalidade ética de Starr, tanto melhor...) Nestes tempos em que há tanta gente a dizer coisas, com total falta de estilo e sem qualquer preocupação com a própria coerência, há que fazer estas notas assinalando devidamente estes episódios de concisão elegante... e honesta. Tornaram-se raros!

OPERAÇÃO DÂMOCLES

19 de Setembro de 1962. De Munique transcreve-se uma estranha notícia do desaparecimento de dois cientistas alemães (Heinz Krug e Wolfgang Pilz) que estariam associados a projectos para a construção de foguetões de grande porte - derivados da V-2 - para o Egipto. A notícia é dominada pelo que não se sabe - nomeadamente o paradeiro dos desaparecidos e de quem os teria raptado - mas também pela economia na especulação sobre a identidade de quem seriam os principais suspeitos. Afinal, «qualquer país adversário da República Árabe Unida» (como então o Egipto era conhecido), a fórmula encontrada pelo Diário de Lisboa para indiciar os suspeitos, era uma maneira rebuscada e perifrástica de nomear Israel. De facto, este episódio de há sessenta anos, seria apenas um, talvez o primeiro, de tantos outros desencadeados pela Mossad (serviços secretos israelitas), envolvendo raptos e assassinatos (como o de Krug), o envio de encomendas armadilhadas (como acontecerá com Pilz) ou então a intimidação de familiares próximos (como acontecerá com uma filha de um especialista em electrónica chamado Paul-Jens Goercke. Não se sabia então, mas o conjunto de acções foi baptizado em Telavive por Operação Dâmocles, do nome do cortesão grego que experimentou os perigos do exercício do poder com uma espada pendurada por uma crina de cavalo sobre a sua cabeça. Assim era a ameaça que pendia sobre os antigos cientistas do III Reich que estavam a ajudar o Egipto. Contudo, não só certas acções correram mal como, sobretudo, irritaram a Alemanha Ocidental com quem Israel não estava nada interessado naquela altura em dar-se mal: acabara de ser assinado um tratado sobre indemnizações da Alemanha a Israel por causa do Holocausto. Assim, depois de serem incensados pelo rapto e posterior julgamento de Adolf Eichmann, os responsáveis da Mossad vieram a ser demitidos em Março de 1963 pela deficiência de análise e pela inoportunidade da Operação Dâmocles. Coincidência ou não, o pagamento das indemnizações alemãs a Israel só começou a partir daí.

18 setembro 2022

MARCELO A MEIA HASTE

Se vemos hoje a bandeira do palácio de Belém a meia haste é por duas razões, como se apressaria a explicar o inquilino Marcelo Rebelo de Sousa: a primeira é porque a rainha Isabel II morreu e foi decretado luto nacional; a segunda razão é porque a Cristina Ferreira não pode ir ao funeral da rainha. O Marcelo vai ao funeral, eles dão-se tão bem, e por isso ele terá muita pena que ela não possa ir também. Mas, como a própria Cristina reconhece: «...gostava de estar presente no momento e sentir a energia do povo na despedida à rainha mas é o que é. Está o Big Brother primeiro.» Não se sabe se Marcelo Rebelo de Sousa terá telefonado desta vez para Cristina Ferreira... Em directo, como da outra vez, não.

HÁ OITENTA ANOS A ALDRABAR OS CARECAS!

Apesar de naquela altura estar a decorrer uma guerra mundial, isso não queria dizer que não houvesse preocupações com outras questões mais pacíficas. Como a recuperação do cabelo que caíra aos carecas. O Diário de Lisboa anunciava um produto denominado Silvikrine que «fertilizava (sic) o couro cabeludo» e quantificava os resultados que se obtinham: «um aumento de 35% no crescimento dos cabelos». Faz lembrar o António Costa, os números da inflação e os aumentos prometidos por ele para a combater. O dinheiro vai regressar proporcionalmente à carteira dos portugueses como renasceriam os cabelos dos carecas...

COMO SE PASSA RAPIDAMENTE DE «UMA CRISE NAS URGÊNCIAS» PARA «UM DOS MELHORES MOMENTOS DA SAÚDE EM PORTUGAL»

Bastou a anterior titular da pasta, Marta Temido, apresentar a demissão para que, nestes últimos três fins-de-semana, as notícias enumerando os encerramentos das urgências de obstetrícia pelos diversos hospitais de todo o país, tenham perdido a proeminência noticiosa de que haviam beneficiado «nos últimos meses», para não dizer mesmo que aquele género de notícias - os hospitais X, Y e Z têm as urgências de ginecologia encerradas - essas notícias desapareceram abruptamente de todo. Contudo, os operadores do SNS e os utentes que têm de recorrer àqueles serviços sabem que aquelas situações se continuam a verificar. Apenas deixaram de ser noticiadas. Mas a hora noticiosa é agora de mostrar satisfação. Como se lia num patético artigo plantado no Expresso de ontem, em substituição do elenco de serviços de obstetrícia que estariam fechados durante o fim de semana, «Marcelo (está) satisfeito com mudanças na Saúde» e o antecessor de Marta Temido (Adalberto Campos Fernandes) é citado dizendo que «Estamos a viver um dos melhores momentos da saúde em Portugal». Pelos vistos, o antigo ministro não saberá consultar o site informativo posto à disposição dos utentes pela DGS, site informativo esse que nos dá conta que, por exemplo, o bloco de partos do hospital do Barreiro/Montijo está encerrado hoje entre as 09H00 e as 21H00. Se o assunto fosse para ser tratado de boa fé, seria um pormenor. Mas, como já se percebeu que não é, para mim este encerramento daria para mais um cabeçalho a matraquear a opinião pública com «as falhas e fragilidades do Serviço Nacional de Saúde» (sic)... Não me digam que elas se resolveram em menos de três semanas!?

O 75º ANIVERSÁRIO DA CIA

18 de Setembro de 1947. O National Security Act promove uma vasta reorganização dos órgãos de defesa e segurança norte-americanos, nomeadamente a fusão dos Departamentos da Guerra e da Marinha num só, o da Defesa, a criação da Força Aérea como um ramo independente nas forças armadas, a criação de um Conselho de Segurança Nacional para assessorar o presidente nestes assuntos e, last but not least, a criação da Central Intelligence Agency (a famosa CIA). É difícil pensar que a CIA só tem 75 anos e que a incontestada supremacia mundial dos Estados Unidos pouco mais tem do que isso.

17 setembro 2022

«ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA»

Há que concordar que uma expressão da nossa nacionalidade se pode condensar numa fotografia feliz de uma travessa de cozido à portuguesa, a destacar os pedaços gulosos de farinheira, chouriço preto e orelheira, enquanto lá para o fundo a travessa de arroz e o jarro de vinho tinto compõem discretamente o conjunto. Não sei se já havia cozido à portuguesa no século XVI, mas o famoso verso de Camões pode muito bem ser vertido para legenda desta fotografia. Uma visão de uma travessa destas em qualquer parte do Mundo funciona como um estandarte nacional.

16 setembro 2022

PARA QUANDO UM ARTIGO DESTES CONTENDO TAMBÉM OS ENTREVISTADOS QUE NÃO FAZEM A MÍNIMA IDEIA QUEM SÃO OS NOVOS SECRETÁRIOS DE ESTADO?

É que me parece tão importante informar o público sobre o que se consegue saber sobre os novos nomeados, como informar o mesmo público que eles são grandes desconhecidos, como acontece aliás normalmente com os secretários de Estado de um governo. O único aspecto que, para mim, vale a pena destacar é que o secretário de Estado não é do Porto, ao contrário da secretária, do ministro e do prometido futuro CEO do SNS. O mouro (alentejano) está ali a destoar, carago!

A AUSÊNCIA RELEVANTE DE CRISTINA FERREIRA

Uma ausência significativa. Só mesmo um pretexto destes poderia contrariar o meu completo desinteresse pelo funeral de Isabel II: a notícia da ausência de Cristina Ferreira das cerimónias. Devanear não faz mal, mas perder a noção do ridículo é ridículo. Daquele género de ridículo que nos faz ter vergonha pelos outros.

CONTRA O RACISMO, QUEIJADAS FINAS DE SINTRA

15 setembro 2022

ERA EM SETEMBRO...

Embora actualmente a época balnear já se possa prolongar até ao dia 31 de Outubro, a minha referência de fim de Verão permanecerá para sempre este dia 15 de Setembro, quando os concessionários começavam a retirar os toldos, os bares da praia começavam a funcionar em serviços mínimos, as carreiras dos barcos para as ilhas mudavam para o horário de Inverno. E, talvez paradoxalmente, a minha voz preferida para esse estado de espírito de fim de feira é a de Gilbert Bécaud…

A «SINTONIA» ENTRE GOVERNO E OPOSIÇÃO JÁ NÃO É OBRIGATORIAMENTE O FIM DA HISTÓRIA

Antigamente, uma situação de sintonia de opinião entre o governo e a oposição correspondia ao fim da discussão do problema. Neste caso da tributação suplementar das empresas de energia, se Medina e Montenegro se mostram de acordo, não se discutiria mais e quem tivesse outra opinião restar-lhe-ia o protesto de ver o assunto a desaparecer mediaticamente, como por milagre. Só que agora deixou de ser assim. A nossa autonomia política passou a ser condicionada pelo que se pensa em Bruxelas. Dessa forma o assunto incómodo já não pode ser varrido discretamente para debaixo do tapete, porque PS e PSD se vêem confrontados com uma terceira força que também sabe operar muito bem a comunicação social. E a grande ironia é que esta capacidade de interferência de Bruxelas na política portuguesa, esta perda de soberania, foi concedida precisamente por um desses consensos entre governo e oposição, sem que tivesse havido uma verdadeira discussão do problema e um processo eleitoral de legitimação - um referendo. E assim se conclui que a responsabilidade desta triangulação é das próprias direcções políticas que mais se vêem lesadas por ela. Deve ser chato concordarem em alguma coisa para vir depois alguém de Bruxelas estragar-lhes o arranjinho, sem precisar de falar-lhes directamente. Habituem-se, como recomendava o António Vitorino aos jornalistas, só que agora devolvido à precedência e aos dirigentes políticos.

14 setembro 2022

AS FÉRIAS: OUTROS TEMPOS, OUTROS COSTUMES... OU TALVEZ NÃO

14 de Setembro de 1922. Há cem anos, era só agora, meados de Setembro e quando quase todos vieram ou estão para vir de férias, que o Parlamento encerrava os seus trabalhos, para os reabrir dali por mais de um mês. O membros do governo aproveitavam a mesma ocasião para também descansarem. Entretanto, para quem já se tenha esquecido de como era o ambiente político português em Setembro de 1922, o presidente da República também gozava as suas férias mais prolongadas num cruzeiro num paquete que tardava em chegar ao Brasil devido às sucessivas avarias. A cerimónia do centenário da independência brasileira decorrera a 7 de Setembro e uma semana depois ainda o navio se arrastava pelo Atlântico. Este mesmo dia 14 de Setembro assiste a uma das cenas mais embaraçosas a respeito do escândalo, quando o navio presidencial português (o Porto), que ainda ia para as cerimónias, se cruza com o «cruzador» (couraçado!) norte-americano Maryland, que já trazia a delegação norte-americana que estivera presente nessas mesmas cerimónias... O artigo do enviado especial do Diário de Lisboa, Norberto de Araújo, limitando-se a descrever, sem analisar o significado, do que acontecera, é uma demonstração de como a cumplicidade do jornalismo com a política é antiga. Não ia ser pela imprensa que os portugueses se aperceberiam do fiasco que fora aquela visita presidencial ao Brasil...

13 setembro 2022

ATÉ OS COMEMOS, CARAGO! - O MISTER TRIPEIRO

Depois de uma campanha descarada para que ocupasse a pasta da Saúde que não terá convencido António Costa, o mais apropriado que se pode dizer é que a Fernando Araújo, ao não lhe ter saído a taluda, saiu-lhe ao menos a aproximação, com esta sua nomeação para o novo cargo de CEO do SNS (Expresso). Mas tenho a impressão que Fernando Araújo anda com azar com o modo como anda a ser promovido. Se a campanha para ministro foi o descaramento que o encadeado de títulos da esquerda demonstra, António Costa ontem fez-lhe a descortesia de o apresentar com o primarismo de presidente de clube de futebol, com Fernando Araújo a ser uma espécie de novo mister em quem o clube deposita as suas esperanças para esta época 2022/23 que agora arrancou. «Não tenho dúvidas nenhumas que Lisboa tem muito a aprender com o Porto, nomeadamente em relação ao funcionamento das urgências, tem muito a aprender com o Porto». Só que neste caso, em vez do mister ser estrangeiro, o mister é tripeiro, tal como tripeiro é também o novo director do departamento de futebol, o ministro Manuel Pizarro. Mas a simplicidade primária do discurso de António Costa visa mais fundo do que concorrer com qualquer programa de paineleiros da CMTV. Ao simplificar os problemas das urgências a questões que se resolvem no Porto mas não em Lisboa, o que o primeiro-ministro fez foi considerar implicitamente que as causas dos problemas nada terão de estrutural e da competência do governo, trata-se de problemas de gestão. Seria como se fossem novos métodos de treino e novas tácticas de jogo que os do Porto dominam e que os de Lisboa «têm muito que aprender». Não há nada a criticar nas políticas governamentais e nos pedidos para reforçar o plantel, como também não há nada a comentar sobre a formação de jogadores das camadas jovens. Segundo se depreende do diagnóstico de António Costa, grassa a incompetência em Lisboa, os jogadores têm que se aplicar mais. Honestamente, parece-me uma explicação inverosímil, mas também há que dar oportunidade a Fernando Araújo. Afinal, ele há sempre o exemplo recente de Jorge Jesus que chegou ao Brasil e demonstrou aos brasileiros arrogantes, com resultados, que eles não percebiam nada de futebol.

PS - A rematar isto tudo, e brilhando o tópico pela ausência, que é que é feito da nomeação dos secretários de Estado da Saúde que deveriam acompanhar Manuel Pizarro? (Enquanto terminava este texto fiquei de sobreaviso com a advertência noticiada por outros jornais que não o Expresso acima, que, afinal, «Fernando Araújo ainda não aceitou qualquer cargo».)

A EMIGRAÇÃO CLANDESTINA PARA FRANÇA

Esta notícia de 13 de Setembro de 1962 dá uma excelente imagem da marginalidade como então se queria apresentar o fenómeno da emigração clandestina para França. A 29 de Junho daquele ano, o governo português até produzira um par de decretos (44.427 e 44.428) a definirem as bases do regime emigratório e a estabeleceram as normas do condicionamento emigratório em Portugal mas, apesar da actuação da PIDE, a realidade tornara aqueles documentos letra morta mesmo acabados de promulgar. Ainda hoje, os números que se possam dar sobre a emigração para a Europa naqueles anos da década de 60 não passam de estimativas esforçadas. O artigo descreve, em formato condenatório, a (curta) odisseia de 16 potenciais emigrantes e de mais 4 choferes de praça em outros tantos carros (todos identificados metodicamente por nome, idade e residência, o que torna o artigo extenso e enfadonho), todos oriundos da região de Cabeceiras de Basto (Braga), que foram interceptados à saída de Portugal por um agente da PIDE, quando se preparavam para realizar a viagem até França (cinco por carro!), viagem essa pela qual haviam pago entre 8 a 9 contos (cerca de 4 mil euros actualmente). Na notícia, a culpa vem a recair toda no promotor, «um comerciante sem escrúpulos», que recebera uma data de dinheiro («134 contos») e que agora andava «fugido» (à PIDE). A clarividência de conhecer o futuro faz-nos perceber claramente que notícias destas não vão ter qualquer impacto dissuasor na emigração clandestina.

12 setembro 2022

A CRÍTICA E OS CRÍTICOS QUE NÃO SE ENXERGAM ou O SOBRINHO CONDESCENDENTE E AMNÉSICO

Há críticas que, sendo justas, se tornam insuportáveis considerando aquilo que sabemos de quem as faz. É o caso crasso desta crítica acima ao carácter hiperdinâmico da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa e às suas viagens ao exterior. Um actividade francamente excessiva como é evidenciada pela lista anexa. A crítica é justíssima: 110 viagens até agora. O problema é quem eu vejo a promovê-la no facebook: Alfredo Barroso. Conhecido por ser o sobrinho do tio. E o tio era Mário Soares e este seu sobrinho notabilizou-se por ser um contínuo apêndice do seu círculo político próximo. Nos seus tempos de presidente entre 1996 e 2006, essa apendicite crónica consubstanciava-se no cargo formal de chefe da Casa Civil do presidente da Republica. Que, por acaso, era tio dele (não há mais nenhum caso de um parente próximo de um presidente em funções dessa responsabilidade - a este género de abuso chama-se nepotismo). Enfim, reconheça-se que um tal cargo confere a Alfredo Barroso a sua quota-parte de co-responsabilidade naquilo que caracterizou os dez anos da presidência do seu tio. E a presidência do tio caracterizou-se precisamente pela mesma crítica que vemos Alfredo Barroso a assacar agora ao actual presidente: o uso e abuso das viagens ao estrangeiro. Claro que já houve quem tivesse feito e publicado uma compilação metódica de todas as viagens de Mário Soares. E claro que apetece arrumá-las de uma mesma forma, para as chapar nas trombas do sobrinho. Pelo mesmo critério, Mário Soares realizou 152 viagens* (Marcelo ainda vai nas 110). Entre os destinos preferidos de Mário Soares, 25 viagens a Espanha (contra 16 de Marcelo), 21 a França (12), 8 a Itália (5), 7 aos Estados Unidos (8) e à Alemanha (2) e ainda 6 ao Brasil (7).
Tão boas como as danças africanas que celebrizaram Marcelo em Moçambique (e que António Costa procurou recentemente emular), também Mário Soares trouxe das suas 152 viagens ao estrangeiro imagens impressionantes (embora menos dançarinas...), como será o caso desta passeata às costas de uma tartaruga gigante nas ilhas Seychelles que aqui escolho para ilustrar e recordar o exotismo de tal profusão de viagens. E a pergunta que se impõe será: o que é que fez o chefe da Casa Civil de Mário Soares para obstar a uma tal exibição? Ou será o sobrinho a achar que aquilo que era natural no tio é só criticável quando é feito pelos seus sucessores? Aparentemente, Alfredo Barroso, ao manifestar-se a respeito do assunto sem mais, considerará que pessoalmente não necessita de se pronunciar sobre a contradição em que incorre, contradição que, como estamos a ver, é enorme. Para mais, quando uma consequência das deambulações do tio Mário pelo Mundo torna ainda mais evidente o ridículo da crítica que o sobrinho Alfredo faz a Marcelo. Na lista de condecorações recebidas por Alfredo Barroso (constam da sua página da wikipedia), 21 da 22 condecorações que lhe foram concedidas foram-no por governos estrangeiros (abaixo). Ou admitimos que todo este reconhecimento que lhe manifestaram se deverá à reputação mundial alcançada pelo «cronista, jornalista, ex-deputado e ex-secretário de Estado» (sic) Alfredo Barroso (uma ilusão), ou então aceitamos que o mais provável é que toda esta parafernália de Grã-Cruzes (concedidas por países tão díspares e improváveis quanto o Senegal, Chipre, Equador ou a Tunísia) lhe foram concedidas por cortesia quando acompanhava o tio naquelas suas voltas pelo Mundo fora... As mesmas voltas que agora o vemos a criticar a Marcelo... Embora nunca tenha sido capaz disso, Barroso devia enxergar-se. E deixar as críticas a Marcelo Rebelo de Sousa para quem não tenha "telhados de vidro" tão fininhos quanto os dele.
* E mais precisamente: 1 viagem (Angola, Argentina, Áustria, Bulgária, China, Colômbia, Coreia do Norte, Dinamarca, Equador, Egipto, Filipinas, Grécia, Hungria, Índia, Irlanda, Islândia, Israel, Letónia, Luxemburgo, Malta, México, Noruega, Países Baixos, Palestina, Paquistão, Polónia, Seychelles, Suécia, Tunísia, Uruguai, Venezuela e Zaire); 2 viagens (Cabo Verde, Chile, Costa do Marfim, Checoslováquia, Guiné Bissau, Hong Kong, Marrocos, Moçambique, Rússia, São Tomé e Príncipe e Turquia); 3 viagens (África do Sul); 4 viagens (Japão, Macau, Reino Unido e Suíça); 5 viagens (Bélgica); 6 viagens (Brasil); 7 viagens (Alemanha e Estados Unidos); 8 viagens (Itália); 21 viagens (França); 25 viagens (Espanha).

...ESTE FICOU COM O NÚMERO 1509

A prática de destacar o número prisional de um detido para realçar a sua submissão forçada perante a lei é prática antiga e bastante difundida. O senhor da fotografia acima foi colocado decerto num estabelecimento prisional bastante maior que o de Évora, para ter recebido um número assim tão elevado em vez do 44 de José Sócrates. Chama-se Abimael Guzman (1934-2021), era peruano e havia sido, até alguns dias antes de a fotografia ter sido tirada, o líder incontestado de um movimento guerrilheiro de inspiração maoista designado por Sendero Luminoso (Caminho Luminoso). A personalidade de Guzman, muito cultivada como costuma acontecer em qualquer organização genuinamente maoista e que se fazia tratar deferentemente por presidente Gonzalo, pode ser comparada pela ambição, pela brutalidade e pela discricionariedade de como exercia o poder ao angolano Jonas Savimbi da UNITA, mas também pela arrogância e pelo estardalhaço da sua retórica aos nossos estimados camaradas Arnaldo Matos e Garcia Pereira do nosso MRPP. O problema é que, para lá da retórica, os membros do Sendero Luminoso comportavam-se para com as populações das regiões que pretendiam libertar de uma forma tão ou mais repressiva do que os agentes do governo peruano que combatiam. A popularidade do presidente Gonzalo não seria particularmente elevada entre os peruanos quando, em 12 de Setembro de 1992, ele foi capturado escondido num apartamento de um bairro de classe alta dos arredores de Lima. E a fotografia acima, encenada pouco mais de uma semana depois numa conferência de imprensa, destinava-se a diminuir ainda mais essa popularidade, exibindo um presidente num fato riscado de presidiário, atrás de grades, gordo, de óculos e barba e sofrendo de psoríase, uma doença de pele que contribuíra para a sua captura (tubos de pomada vazios encontrados no caixote do lixo aumentaram as suspeitas dos vigilantes de que Guzman – que se sabia sofrer dessa doença – ali se escondia). A raiva do detido não consegue camuflar a humilhação pública de quem fora, até aí, incensado pelos seus seguidores como a Quarta Espada do Marxismo...
Completam-se hoje precisamente trinta anos dessa captura de Abimael Guzman, falecido há um ano, ainda na prisão. Os anos que ali passou tê-lo-ão feito perder alguma raiva, perder toda a barba e perder bastante peso. Quando regressou ao tribunal para novos julgamentos por outros crimes pelos quais fora considerado responsável, até parecia um velhote simpático (a fotografia abaixo é de 2013), algo alheado do que o rodeava, como acontecera com Adolf Eichmann em Telavive. Uma outra imagem que, ao contrário da inicial, nos suscitava a questão se ele teria sido mesmo capaz de ter sido responsável por tudo aquilo de que era acusado. Segundo os melhores cálculos, a insurreição no Peru terá custado a vida a um total de 70.000 pessoas (entre mortos e desaparecidos); segundo outros cálculos, esses mais contestados pelo governo, pela igreja e pelos militares, atribui-se a responsabilidade de ½ das vítimas à guerrilha e ⅓ delas ao governo. De toda a maneira, uma estimativa de 35.000 mortos continua a ser absurda qualquer que seja a causa e qualquer que seja o grande timoneiro.

ROSA MOTA: A PRIMEIRA MEDALHA DE OURO PORTUGUESA NUMA GRANDE COMPETIÇÃO ATLÉTICA

As expectativas do dia anterior eram muito prudentes (uma «pequena alegria?»), mas Rosa Mota superou-as ao conquistar a 12 de Setembro de 1982 o título da maratona feminina no último dia dos campeonatos europeus de atletismo em Atenas. Não se sabia então, mas este foi apenas o primeiro de um conjunto de grandes títulos alcançados pela atleta naquela prova.