30 junho 2019

SÓ HÁ CARROÇA, NEM HÁ BOIS...

Apreciem-se (com olhos de ver!) o que nos mostram as imagens do video acima. Demora sete minutos e a CNN transmitiu-as em directo para a sua audiência doméstica às 03H00 da manhã(!) deste Sábado. Primeiro Donald Trump pára na linha de demarcação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, para aí cumprimentar Kim Jong-Un, que se faz aguardar (pouco, mas o suficiente para ser Trump a esperar, o que é suficiente para os norte-coreanos, que dão imensa importância a estes pormenores). Depois ambos foram ao lado da Coreia da Norte para se tornarem a cumprimentar diante de um batalhão de fotógrafos e operadores de câmara enquanto trocavam cortesias. Depois vieram para o lado da Coreia do Sul para se cumprimentarem uma vez mais, que o batalhão não se cansava, nem o stock de banalidades elogiosas se mostrava em perigo de se esgotar. Já a farândola se perpetuava há cinco minutos e meio, quando o grupo de dançarinos e intérpretes se alargou para o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que, apesar de ser um dos dois anfitriões, estivera esquecido até aí. E o que é que vai acontecer mais? Nada. Gente que sabe dar passou-bens (e elogiar o interlocutor), é o acontecimento! De há anos para cá, entre a comunidade mediática ter-se-á perdido a compreensão da funcionalidade destas cerimónias que se limitam a ser simbólicas. Estou a lembrar-me, por exemplo e porque teve verdadeiro significado histórico para Portugal, da cerimónia da assinatura da adesão de Portugal à CEE nos Jerónimos em Junho de 1985 (abaixo), de como elas constituíam o pináculo de um complicado e demorado processo negocial de que se celebrava a conclusão em cerimónia adequada para o efeito. Ora aqui, no caso dos Estados Unidos e da Coreia do Norte, o que acontece com as negociações é que não aconteceu nada, mas já se celebra, embora não se saiba bem o quê. Dizia o nosso ditado popular que, quando se precipitavam os acontecimentos, se punha a carroça à frente dos bois. Na América de Donald Trump ainda é mais ridículo: nem há bois para atrelar atrás da carroça... Fotografa-se e filma-se a carroça. Mas pior, nem há quem, nesse mesmo meio mediático que é alimentado por estas palhaçadas, se dissocie dele e aponte o ridículo destas cenas. Que é dos bois?...

O MUNDO DO AVESSO?

Dia 30 de Junho. De 1939 e de 1969. Nas notícias do primeiro desses dias, noticiava-se o terrorismo na Palestina. Só que as vítimas dos atentados eram árabes e os seus autores israelitas. E era sobre estes que a repressão incidia (a autoridade tutelar da Palestina era o Reino Unido). Nas notícias do segundo desses dias, os britânicos mostravam-se ansiosos por entrar para a Comunidade Económica Europeia; esperavam que a recente eleição de Georges Pompidou provocasse uma inflexão da atitude francesa que, com Charles de Gaulle, já por duas vezes vetara a admissão do Reino Unido. Que estas duas notícias são o oposto do que se passa na actualidade não restam dúvidas, mas, a tratar-se do Mundo do avesso, com israelitas a aterrorizar árabes com bombas e a serem presos, e britânicos a exercerem todas as pressões possíveis para se juntarem à Europa, qual é o avesso, qual é o direito?

29 junho 2019

«HAMMERTRUMP»

O comportamento abusivo, errático, por vezes inexplicavelmente incoerente, como Donald Trump tem vindo a gerir a política externa dos Estados Unidos, corroborada mais uma vez através dos inúmeros pequenos episódios por ele protagonizados durante a cimeira do G20 no Japão, fez-me lembrar aquele aforismo que estabelece que aqueles que escolhem equipar-se com martelos desenvolvem uma tendência para lidar com o que os confronta como se fosse tudo cabeças de prego. Como Trump abdicou dos fingimentos de que há algum género de multilateralismo na ordem internacional, perde-se o sentido de convocar reuniões deste género em que, com tudo discutido à martelada, uma boa parte dos participantes só lá está a fazer figuração.
É apenas a inércia que empurra ainda para destaque as fotografias de conjunto, mas o teor do que se relata assenta quase exclusivamente no que acontece nos encontros bilaterais, nomeadamente entre Trump e Xi, com a coreografia correspondente, de que está a correr tudo bem. Por exemplo, no caso da fotografia acima, em que não reconhecemos metade dos presentes e em vez dos sorrisos e acenos generalizados, a imprensa norte-americana destacará o passou bem atencioso que é endereçado por Trump ao esquartejador-mor da Arábia Saudita, enquanto a imprensa europeia preferirá concentrar-se na expressão insatisfeita de Jean-Claude Juncker, indício provável que a fotografia foi tomada antes do jantar e que não serviam aperitivos.
Em contrapartida, esta última fotografia é um excelente exemplo de Theresa May a dar satisfação à opinião pública e publicada do seu país, indignada com o facto de os russos andarem a promover operações «à James Bond» no país do James Bond. O desdém exibido por May pelo seu interlocutor, conjugando-se com o facto de ela estar de saída do cargo (algo que a Putin nem lhe passará pela cabeça...), tornou a ocasião única, e a capacidade de reacção das partes assimétrica. Os britânicos, de resto, não deixaram passar a ocasião e um pequeno incidente de Putin andar a beber por um copo próprio, para deixar entendido que envenenamentos e operações afins, tal qual aconteceu no Reino Unido, são receios levados muito a sério pelos dirigentes russos.

28 junho 2019

O CENTENÁRIO DA ASSINATURA DO TRATADO DE VERSAILLES

28 de Junho de 1919. Na mesma galeria dos espelhos que assistira à proclamação do Império alemão em 1871, mas agora propositadamente remodelada para o efeito (acima), tem lugar, a partir das 3 da tarde, a cerimónia da assinatura do Tratado que punha fim ao conflito entre as potências vencedoras e a Alemanha. A dias da cerimónia e perante a relutância do governo alemão em assinar o documento, as potências aliadas endereçaram-lhe um ultimato. Os alemães assinaram resignados, vencidos mas não convencidos, e dispostos a sabotar todas aquelas cláusulas injustas a que se pudessem furtar.

Mas as atenções da ocasião foram todas para os signatários vencedores (abaixo). Mas trata-se de uma excelente ocasião, para mais carregada de simbolismo, para recordar que o jornalismo é apenas... jornalismo, e que os jornalistas...

27 junho 2019

COM A VERDADE ME ENGANAS...

...porque os comunistas têm uns estranhos momentos de lucidez, em que só nessa altura se decidem a reconhecer as limitações das comissões parlamentares de inquérito. É que a «expectativa ingénua» de que alguém se vá incriminar também se aplicaria decerto a Álvaro Sobrinho, a quem o deputado comunista Miguel Tiago dedicou, e apenas à laia de exemplo, um questionário que se prolongou por quase uma hora. Estaria Miguel Tiago à espera que o interrogado admitisse que fora no seu turno de vigia que roubaram 3 mil milhões de euros? E quanto aos «critérios de mediatismo» recorde-se este outro episódio, mais curto, protagonizado abaixo por outro deputado comunista, Bruno Dias, a pretexto de perguntas ao então ministro Álvaro Santos Pereira, um gag que acabou até por lhes sair mal, já que o ministro em questão desatou a rir a bandeiras despregadas e nada solidário com o seu colega de governo que era visado na paródia (Vítor Gaspar). A que auditório é que se dedicava aquele número do almanaque do Borda d´Água?
Entendamo-nos: as testemunhas convocadas para este género de inquéritos parlamentares podem respeitá-los mas apenas se temerem as consequências de cometer perjúrio quando interrogadas. Os casos mais mediáticos são os das comissões especializadas do congresso dos Estados Unidos, em que, em mais do que um caso, altas figuras da administração, o equivalente aos ministros na Europa, foram condenados (Caspar Weinberger) e mesmo encarcerados (John Mitchell) por mentirem em depoimentos que prestaram ao congresso. Sendo apanhados a mentir, já se percebeu o que pode acontecer a todos, e os depoentes que vão ao congresso americano têm bastante cuidado com o que dizem e como o dizem quando testemunham. Ora alguém acredita que alguém venha a ser condenado em Portugal por mentir nestas deposições às nossas comissões parlamentares de inquérito?!... Óbvio. Nem é uma questão de auto-incriminação, é mesmo uma questão de mentir descaradamente para o efeito oposto. E porque é que eu acho que o PCP teve este assomo de lucidez com o que Sócrates teria para dizer? Precisamente por causa do tal de mediatismo, que aqui funcionaria contra o que o PCP pretende. Está estabelecido que José Sócrates é um escroque, só que não passa bem em tal papel na televisão, e ninguém lhe quer conceder mais este palco.

26 junho 2019

SE TRUMP NÃO TEM A VANTAGEM DE UMA CULTURA CLÁSSICA... OS ADMIRADORES DO VASCO TAMBÉM NÃO

Pois quanto a Vasco Pulido Valente, o autor das linhas acima, a ter «a vantagem de uma cultura clássica», não é pela pesporrência do que ali escreveu que se dá por essa tal de cultura clássica: ele que se entretenha a explicar aos seus admiradores o que foi esse grande rival político de Roma por 500 anos a que ele deu o nome de «Germânia». O que foi essa tal de «Germânia»?...
Parece-me que há demasiada elegância contrita a ser dispensada a tanto disparate, atirado assim em jeito de posta de pescada, mas a verdade é que a mediocridade impune de alguns destes ídolos da palavra escrita é também um reflexo da ignorância da nossa opinião publicada. Bleblebleb para o Vasco e para as deferências que lhe fazem...

25 junho 2019

O AFUNDAMENTO DO BATELÃO NO ZAMBEZE

25 de Junho de 1969. Por uma vez excepcional desde 1961, os títulos de primeira página dos jornais vão para um acontecimento no ultramar português e directamente relacionado com as guerras que aí se travavam. Um batelão, que tradicionalmente fazia o transporte entre as duas margens do Zambeze e que na ocasião transportava um destacamento militar, afundara-se por causas que ainda hoje estão por esclarecer. 101 militares e 5 membros da tripulação haviam-se afogado. O desastre representava uma significativa perda de vidas humanas, muitas mais do que qualquer dos pequenos episódios que caracterizavam a guerra, episódios esses que só apareciam nos jornais em pequenas notícias, através dos comunicados oficiais.
Mas, para quem acompanhasse as notícias, a comparação entre aquilo que se noticiava (ou podia ser noticiado...) a respeito destas guerras que envolviam Portugal, e o que era noticiado simultaneamente acerca da guerra no Vietname, não deixava de ser intrigante, porque a lógica parecia ser precisamente a oposta. O destaque do que nos chegava do Vietname via América ia para os combates, ainda que eles por vezes fossem pouco significativos à escala da dimensão do conflito, enquanto os acidentes, ainda que provocassem centenas de vítimas, eram tratados como notícias colaterais. Connosco era o contrário. Deixá-lo-ia de o ser, daí por um ano, com Kaúlza de Arriaga

24 junho 2019

«GLASNOST»

24 de Junho de 1989. A União Soviética de Gorbachev não se distinguia da que a antecedera, da de Brejnev e Andropov, apenas pela questão da Perestroika (Reestruturação), porque a distinção, para quem viveu a época, se constatava sobretudo pela Glasnost (Transparência), de que as notícias acima de há trinta anos são um excelente exemplo. A União Soviética era um país como os outros, onde também existiam (como seria de esperar!) tensões sociais e étnicas. Neste caso, o relato envolve as tensões nas regiões sob domínio colonial da Ásia Central. Mesmo abandonando a nomenclatura colonial, chamando-as de republicas e sob a ficção de que permaneciam voluntariamente ligadas ao império russo, a verdade é que - como se constatava com a Glasnost - o comunismo nunca chegara a alterar o estatuto subalterno das populações daquela região, desde os tempos em que o império predecessor, o do czar, as havia conquistado. E elas reagiam mal. Mas a admissão de que esses problemas existiam, para mais quando admitidas pelo próprio Pravda, o jornal oficial do PCUS, tornavam-se num enorme embaraço para todas as estruturas comunistas obedientes a Moscovo (incluindo os jornais dos partidos satélites) que haviam passado as décadas anteriores elogiando acriticamente e omitindo compulsoriamente aquilo que de negativo lá acontecia.

23 junho 2019

COMO É QUE SE SABE QUE A CIMEIRA DA UNIÃO FOI UM FIASCO? PORQUE, SE NÃO TIVESSE SIDO, O QUE LÁ ACONTECERA TINHA SIDO CANTADO A UMA OUTRA VOZ

É significativa a redacção dada pela agência de comunicação de Bruxelas (euronews) ao que (não) aconteceu na última cimeira ocorrida em 20 e 21 de Junho passados. (abaixo, a transcrição do início da notícia, os bolds são meus) A discrição que se pode ler/ouvir, aparece camuflada pela sobriedade como se descreve tudo o que não se conseguiu resolver. Os encarregados de dar conta do resultado das negociações nem tiveram o bónus de um qualquer pormenor positivo (que sempre se desencanta...) a que se possam agarrar para fazer um spin à notícia.
Os desafios da zona euro estiveram em destaque na sexta-feira, segundo dia de trabalhos, no qual participaram os presidentes do Eurogrupo e do Banco Central Europeu (BCE)

Em suma, a falta de destaque dado ao tema comprova não se conseguiu decidir nada. A notícia aqui é que de Bruxelas não queriam dar notícias. E para que o impasse passasse desapercebido, a guerra que Trump não quis travar até veio a calhar. O fiasco da cimeira também se comprova pelo (bom) artigo a propósito escrito por Teresa de Sousa.

75º ANIVERSÁRIO DA OPERAÇÃO BRAGATION

23 de Junho de 1944. Início da Operação Bragation. Para os soviéticos, o desencadear da Operação Úrano, em Novembro de 1942, foi mais uma proeza de astúcia do que de força, cercando, para o aniquilar, e apenas devido à dispersão das forças do inimigo, o exército alemão que se obcecara em excesso com a conquista de Estalinegrado. Em Julho de 1943, na Batalha do Kursk (a Operação Cidadela, segundo o nome dado pelos alemães), já as forças presentes dos dois lados se equivaliam, e a vitória soviética resultou da habilidade de, conhecendo-lhe as intenções, dar a iniciativa ao inimigo, desgastando-o na sua ofensiva, para depois o contra-atacar depois disso. Mas nesta Operação Bragation, a coincidir com o início do Verão de 1944, já a superioridade passara inteiramente para o lado soviético. A questão já não se poria em saber qual o desfecho da ofensiva que o Exército Vermelho iria desencadear, a dúvida consistia apenas em saber qual a dimensão da derrota táctica da Wehrmacht. Essa derrota será colossal, como os cenários macroeconómicos de Vítor Gaspar. Em duas semanas, pouco mais, serão destruídas 25 divisões, perder-se-ão 400.000 combatentes, haverá uma hecatombe entre os oficiais generais alemães: 9 mortos e 23 prisioneiros (na fotografia abaixo, da capitulação de Vitebsk, os dois generais alemães vencidos do lado direito, são o general Gollwitzer, comandante do 53º Corpo de Exército e o general Hitter, comandante da 206ª Divisão). O avanço soviético cifrou-se em 400 km e alcançou as antigas fronteiras da União Soviética com a Polónia e as repúblicas bálticos, a dinâmica da ofensiva veio a ser mais perturbada pelos problemas da logística de acompanhar um exército fortemente motorizado, do que pela capacidade de resistência das unidades alemãs ainda em condições de combater. No lugar das 25 divisões destruídas restaria o equivalente a 8 enquanto se aguardava a chegada de outras 8 em reforço. Diante delas, o estado-maior alemão enumeraria 126 divisões soviéticas de infantaria e outras 6 de cavalaria, para além de 62 brigadas blindadas. Naquele sector da Frente Leste e em termos de potencial de combate os alemães defrontar-se-ão a partir daí numa desproporção de um para dez! Hitler's Greatest Defeat é um livro já com 25 anos mas que cumpre a sua missão de explicar sucintamente uma tão grande e tão decisiva ofensiva em 170 páginas. Que é muito mais do que se pode dizer de evocações de jornal que mostram que quem as escreveu nem sequer quis perder muito tempo na wikipedia a documentar-se.

22 junho 2019

COMO SE FOSSE A OPINIÃO DAS REDES SOCIAIS DE HÁ CINQUENTA ANOS...

18 e 19 de Junho de 1969. Embora estreado há menos de um mês, o programa televisivo Zip-Zip tornara-se rapidamente um grande sucesso de audiências. Tanto assim que se tornara imperativo ter uma opinião acerca do programa. E as opiniões acumulavam-se nas redacções dos jornais, que lhes procuravam dar vazão. Eis aqui duas páginas fazendo eco do que os portugueses pensavam à época de um programa que se veio a tornar posteriormente numa referência da história da televisão em Portugal.
MVP - Lisboa - Quando repetem o Zip-Zip no 2º programa? Gosto imenso.
FNV - Lisboa - A crítica falou, ou escreveu, sobre os planos do público no programa Zip-Zip, e logo o realizador exagerou. Nos programas seguintes os entrevistados ou entrevistadores são brutalmente cortados por um plano dos espectadores. Nós queremos ver o que se passa no palco. O espectador só interessa quando intervém, pelas palmas. Não será assim?
FLP - Porto - O programa Zip-Zip em televisão não resulta grandemente. Chegamos ao fim cansados de tantas entrevistas.
JCP - Viseu - Zip-Zip não é dinâmico. Causa tanto palavreado...
AM - Évora - O Zip-Zip é essencialmente Raul Solnado. Ele tem de trazer (...) números cómicos, se não talvez não chegue aos 6 meses de vida previstos por Solnado.
FJDAA - Lisboa - O melhor programa que apareceu na televisão.
GP - Lisboa - Um bom espectáculo público mas um mau programa de TV.
DAF - Porto - Seria um bom programa televisivo se se soubesse tirar partido desse espectáculo.
HF - Lisboa - Se em lugar de um Solnado houvesse três... que programa bom poderia ser...
PFN - Lisboa - Este último Zip-Zip... que pena o Solnado se tivesse apagado...
JCS - Lisboa - Zip-Zip vem decrescendo em qualidade assustadoramente.
ASP - Braga - O 1º e o 3º foram bons programas... Solnado é cómico para muitos mais.
LCA - Abrantes - Solnado necessita de fazer vibrar o programa. Neste último esteve lamentavelmente apagado e abaixou o programa.
LVP - Lisboa - Porquê tantas imagens do público?
GB - Coimbra - Acabei de ver o Zip-Zip e escrevo a perguntar se não haverá possibilidade da RTP apresentar na Noite de Cinema o filme, grande êxito de Gino Bechi, «Pronto qui (sic) parla?» (Está lá, quem fala?).
CMP - Coimbra - Zip-Zip é um programa diferente mas não é, tecnicamente, um bom programa de TV.
Quem se deu ao trabalho de ler as opiniões acima, aperceber-se-á que o seu teor pouco difere de uma caixa de comentários das redes sociais da actualidade. Este foi um daqueles momentos em que, lendo o que então se opinava, me apercebi de que a matéria prima de variedade, assertividade, superficialidade, e mesmo pompa, sempre terá afinal existido, como uma espécie de bolsa de magma oculta debaixo de um vulcão, e que o que apareceu nos últimos anos foi apenas uma erupção, novos mecanismos de divulgar todos esses sentimentos.

GENTE QUE SABE ESTAR

A expressão caiu subitamente no goto popular mas precisamente pela causa inversa: por causa da gente que não sabe estar, título e alvo do programa semanal de Domingo de Ricardo Araújo Pereira. O que parece ser injusto para os outros, a gente que sabe estar, de que um exemplo que posso dar é o dos políticos do Bloco de Esquerda, que de há umas quatro semanas para cá, e apesar das eleições europeias de permeio, não conseguiram produzir nada que despertasse a atenção crítica (e cómica) dos autores do popular programa da TVI. Os outros partidos sim, o Bloco não: deve ser por ser um partido dirigido por pessoas que sabem estar. Mas é de outras pessoas que também sabem estar (e porventura saberão ainda melhor do que as do Bloco...) de que aqui quero falar, porque são as atracções de um artigo publicado esta semana na revista Sábado intitulado Os Maiores Acumuladores de Cargos nas Empresas. Onde os melhores "maiores acumuladores" são precisamente aqueles que dão muito na televisão. Artigo onde se podem ler confissões da Gente que sabe estar que são capazes de rivalizar - involuntariamente - com o programa sobre a Gente que não sabe estar. Vejamos o depoimento que se segue:
Não se percebe se Seixas da Costa entretanto se dedicara a estudar retalho nos últimos tempos em que esteve em Paris, razão para vir a aceitar o cargo, mas confesso-vos que sempre considerei misteriosas as causas que levam algumas pessoas prestigiadas a serem convidadas para cargos deste género e, mais do que isso, propensas a acumulá-los, enquanto outras, prestigiadíssimas também, lhes falta o mesmo jeito. Seria magnético, se eu acreditasse no magnetismo do fenómeno. Basta não ir muito longe, às fotos acima escolhidas pela Sábado de Gente que sabe estar, onde aparecem dois ilustres membros do painel do programa televisivo Circulatura do Quadrado, que podem ser conjugados com a nossa certeza empírica, mas absoluta, que o terceiro membro do painel (José Pacheco Pereira) não deve ser administrador de nenhuma dessas grandes empresas cotadas. Os dois primeiros (Lobo Xavier e Jorge Coelho) têm um certo jeito que o último não tem. Uma coisa se sabe porém, e isso é sabido de há muito, desde o tempo do famoso almirante Henrique Tenreiro, que acumulava assentos desses, a ponto de ser comparado numa adivinha/anedota a um autocarro da Carris: é que estes lugares não aparecem com a casualidade que acima nos descreve o sr. embaixador Seixas da Costa, como se fôssemos a caminhar pela rua e nos calhasse pisar acidentalmente uma pastilha elástica - e olha: alguém nos convidou para mais um cargo de administrador! (Usei o eufemismo da pastilha elástica porque a Gente que sabe estar nunca pisa merda, coisa que toda a gente sabe que é sinal de dinheiro...)

21 junho 2019

O AUTO-AFUNDAMENTO DELIBERADO DA FROTA ALEMÃ INTERNADA EM SCAPA FLOW

21 de Junho de 1919. Em retaliação contra as condições que consideravam draconianas impostas pelo Tratado de Versalhes, as tripulações dos navios de marinha de guerra alemã, a Hochseeflotte, que haviam permanecido internadas na base escocesa de Scapa Flow desde Novembro de 1918, à espera de decisão quanto ao seu destino, afundaram deliberada e concertadamente os seus navios. Os esforços dos britânicos para o impedir não tiveram grande sucesso: 52 das 74 embarcações foram afundadas. E por essa vez, as tripulações da Hochseeflotte, que se haviam anteriormente notabilizado pelo seu comportamento insurrecto, corresponderam disciplinada e patrioticamente às ordens do almirante Ludwig von Reuter.

20 junho 2019

O TÉRMINO DA PRIMEIRA VIAGEM TRANSATLÂNTICA DO SS SAVANNAH

20 de Junho de 1819. O SS Savannah (acima), um navio misto à vela e a vapor, que havia sido construído nos Estados Unidos, completa a primeira travessia do Atlântico em que foi utilizado aquele segundo meio de propulsão. A viagem demorou quase um mês. Tendo partido de Savannah no estado da Geórgia, a 24 de Maio, o navio chegou a Liverpool na Inglaterra há precisamente duzentos anos. Durante esses 27 dias, a máquina a vapor esteve em funcionamento durante 80 horas, ou seja, cerca de 12% do tempo de duração da viagem. Depois do Reino Unido, o Savannah seguiu para a Dinamarca, a Suécia e a Rússia, numa viagem de exibição do engenho e tecnologia da construção naval americana. Impressionou, mas não convenceu.. Mesmo nos próprios Estados Unidos, a ideia não arrebatara: para a sua viagem pioneira, o Savannah não trouxera carga, não conseguira qualquer frete, nem trouxera qualquer passageiro. E os estaleiros do resto do Mundo não se apressaram a copiar o modelo. A verdade é que, conforme a precisão técnica que se queira dar ao feito, há quem atribua a proeza da primeira travessia atlântica a vapor a um outro navio holandês em 1826; ou então a um canadiano em 1833; ou ainda a um britânico em 1838. Este tem a particularidade de ser anterior aos outros e sobretudo de ser americano, e se os americanos não eram assim tão bons em construção naval há duzentos anos, a promoverem mundialmente os seus feitos históricos depois disso, nisso não fiquem dúvidas que eles são mesmo muito bons!

19 junho 2019

A DISPOSIÇÃO DOS SOCIALISTAS PORTUGUESES HÁ CINQUENTA ANOS

19 de Junho de 1969. Discursando no Congresso da Internacional Socialista em Eastbourne, no Reino Unido, Mário Soares (então com 44 anos e que era então apenas um dirigente oposicionista português no exílio), anunciava a disposição dos «socialistas portugueses» em «participar nas próximas eleições para deputados, em Novembro». Por seu lado, esta disposição do regime em tolerar a publicação de uma notícia com este teor (acima, à esquerda), transmitia, com a subtileza típica daquela época, que sob a abertura do marcelismo se conceberia admitir, nas futuras eleições do Outono, a comparência de formações que se reclamassem do socialismo, um palavrão que fora totalmente proscrito pelo Estado Novo. Mas as boas intenções ficavam-se por aí, o sistema eleitoral não contemplava a eleição de vozes dissonantes para a Assembleia Nacional, e o equívoco só iria perdurar por mais uns meses, até ao escrutínio que a União Nacional iria vencer com 88% da votação. A fotografia de Soares, tirada precisamente durante o Congresso, é de Rolf Adlercreutz. Ao contrário do que Mário Soares veio a dizer, tentando reescrever a história desses anos, a sua figura era quase completamente desconhecida dos portugueses.

18 junho 2019

ESTAS COISAS PAGAM-SE, MAS MIKE POMPEO AUMENTA A TAXA DE JURO


Ainda há cerca de seis meses, o secretário de Estado Mike Pompeo, em consonância com o resto da Administração americana, recusava-se a aceitar as conclusões dos seus serviços secretos, que ligavam o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi à supervisão directa do príncipe herdeiro saudita (acima). Não: a CIA podia estar a dizer aquilo tudo, havia gravações de som, mas era mentira. Agora, vêmo-lo a usar as conclusões desses mesmos serviços secretos, para tentar persuadir os seus parceiros internacionais e a opinião pública americana e mundial, que o Irão se encontra por detrás dos ataques a navios que têm ocorrido no Estreito de Ormuz. Agora, é verdade, até há fotografias e tudo! Como seria de esperar, houve um ensurdecedor silêncio céptico a acolher a alegação dos americanos, feita não apenas por Pompeo, mas reforçada pelo próprio Trump. O problema é que - e isso já não será culpa de Trump - a credibilidade que os Estados Unidos alguma vez haviam possuído a este respeito foi inteirinha para o caixote do lixo com o episódio da apresentação das provas das armas de destruição maciça com que Colin Powell (o antecessor entre 2001 e 2005 de Pompeo) justificou em 2003 a invasão do Iraque. Não as havia, as tais armas de destruição maciça mostradas por Powell, e as pessoas não se esqueceram disso (tirando eventualmente Vasco Rato, que nunca terá cumprido a promessa de fazer um strip tease porque as não havia, mas isso é toda uma outra história...) Agora com estes requintes de incoerência, em que uma figura de destaque da administração americana se comporta absolutamente ao contrário do que fizera seis meses antes, apenas se confere um carácter caricatural, apalhaçado mesmo, a um descrédito mundial que mesmo oito anos de Administração Obama entre Bush e Trump nunca conseguiram rectificar. Contudo, por detrás do aspecto bufão que cada vez mais conecta Trump e os que lhe estão adjacentes (os sérios já se foram embora...), está a tragédia de se assistir aos Estados Unidos a operarem cada vez mais isolados no panorama internacional. Nenhum país desejará ter os Estados Unidos por inimigo, mas poucos países - só os mais desesperados, os que a têm a Rússia na vizinhança, por exemplo - se disporão a ter estes Estados Unidos como aliados imprevisíveis. Se há seis meses Donald Trump prometia retirar 2.000 soldados americanos da Síria, agora anuncia-se o regresso a um sítio vizinho de mais 1.000 soldados por causa do Irão. Isto não é uma política externa, é uma série televisiva com um enredo rocambolesco, em que os autores do argumento já se esqueceram do que escreveram há seis meses. E o pior de toda esta série televisiva é que o Irão pode mesmo ser culpado!...

DIA DO CARNAVAL CONTRA O CAPITAL

18 de Junho de 1999. Coincidindo com a abertura da 25ª Cimeira do G8, que iria começar nesse dia em Colónia, Alemanha, é convocado um conjunto de manifestações anti-capitalistas e anti-globalização para terem lugar em cerca de trinta cidades do Mundo. O título que foi escolhido para as designar - Dia do Carnaval contra o Capital - ainda hoje resulta mobilizador, embora, como é costume neste género de eventos, a identidade dos organizadores continue a permanecer um pouco difusa, permitindo a especulação quanto às suas intenções, para além da contestação pura e simples a um modelo político, económico, social que há vinte anos parecia não se deparar com alternativas ideológicas sérias. Quanto às manifestações propriamente ditas, onde a de Londres terá sido uma das maiores, senão mesmo a maior, ela terá juntado cerca de quatro mil pessoas (dados policiais), um número insignificante que terá tentado superar esse handicap com a abordagem carnavalesca dos protestos (fotografia intermédia).
Mas aquilo que terá constituído uma revelação na dita jornada de protesto mundial foi a rapidez como a comunicação social mundial se precipitou para lhe dar atenção a partir do momento em que os protestos se tornaram violentos (fotografia abaixo). Parecia ser isso que se esperava que eles - os manifestantes - fizessem e, a partir do momento em que o fizeram, as manifestações ganharam muito mais cobertura mediática do que a que alcançariam se eles se portassem bem. Estava estabelecido um padrão para o século XXI. Uma manifestação anti-qualquer-coisa garantiria cobertura mediática robusta só se os manifestantes começassem a escaqueirar o que tinham à frente e a confrontar-se com a polícia: foi o que aconteceu dali por seis meses na reunião da OMC de Seattle; foi o que aconteceu na cimeira de Praga do FMI e do BM em 2000; foi o que aconteceu na 27ª Cimeira do G8 de Génova em 2001; é aquilo que tem vindo a acontecer, finalmente, embora num contexto nacional e não mundial, com os protestos dos coletes amarelos em França, que se perpetuam sem que se perceba para quê, a não ser deixar as televisões de notícias entretidas ao fim de semana, quando faltam tópicos de que se fale.
E, no entanto, de quando em vez, percebe-se qual é o verdadeiro poder das manifestações de rua quando elas expressam uma verdadeira opinião popular significativa, como o que acabou de acontecer em Hong Kong. Quando cerca de 5% da população vem para a rua manifestar-se contra uma medida legislativa indesejada, não é preciso que os manifestantes partam nada, nem baterem-se contra ninguém, para aparecerem nos telejornais. O acontecimento tem um significado político, não é apenas um espectáculo para passar na televisão, é a sério e os poderes políticos percebem o recado.

17 junho 2019

A PERSEGUIÇÃO A O.J. SIMPSON

17 de Junho de 1994. Como principal suspeito pelo assassinato da ex-mulher, uma antiga estrela de futebol americano, O.J. Simpson (até aí relativamente desconhecido na Europa), é perseguido pela polícia ao volante do seu jeep pelas auto-estradas de Los Angeles, enquanto os helicópteros das várias estações de TV faziam a cobertura em directo da perseguição. Foram mais de duas horas e quase 100 quilómetros de um nada informativo, mas que, ainda assim, terá alcançado uma audiência de 95 milhões de telespectadores. Satisfeita a curiosidade mórbida do auditório norte-americano, com a rendição do foragido O.J. Simpson (para onde haveria ele de ir, com 95 milhões de compatriotas a segui-lo?...), o episódio só teve ressonância nos Estados Unidos, e a repercussão fora dele foi quase nula. O fim da Guerra Fria determinara que desaparecesse uma preocupação anterior, de décadas, de mostrar uma sintonia de interesses entre americanos e o resto do Mundo por certos temas mediáticos, como seriam os casos de acontecimentos desportivos como os Jogos Olímpicos ou então a chegada do primeiro homem à Lua. Ao contrário do que acontecera com a comoção como fora acompanhado o assassinato de John F. Kennedy, ele havia coisas dos americanos que interessavam apenas aos americanos e não ao resto do Mundo, e o contrário também era verdade. Por exemplo, naquele mesmo dia 17 de Junho de 1994 começava em Chicago o Campeonato Mundial de Futebol (com a presença do próprio Bill Clinton), mas os americanos, nem por curiosidade, atribuíram ao evento uma importância comparável à que haviam dedicado a esta perseguição a Simpson. A maior audiência doméstica que o torneio veio a gerar foram 11 milhões de telespectadores para um jogo entre o Brasil e os Estados Unidos a 4 de Julho (e porque era feriado).

16 junho 2019

OS ALIADOS ENDEREÇAM UM ULTIMATO À ALEMANHA

Versailles, 1919. Acima vemos Clemenceau, com a cartola levantada, Wilson, preparando-se para a levantar, e Lloyd George, que, de sorriso malandro e agarrado à bengala, parece não fazer tenção de saudar os presentes como os seus homólogos. Apesar da cortesia sugerida pela imagem, a 16 de Junho de 1919, há precisamente cem anos, os Aliados endereçaram um ultimato à Alemanha: em Berlim tinham cinco dias para se decidirem a aceitar incondicionalmente os termos do Tratado que viera a ser negociado até aí. Negociado sobretudo entre os vencedores, entenda-se. Se Berlim não o fizesse, os Aliados ameaçavam revogar as condições de armistício que se mantinham desde 11 de Novembro de 1918, o que constituía uma forma eufemística e rebuscada de invocar o reinício das operações militares e da ocupação da Alemanha, num momento em que a Alemanha se desmoronara militarmente por dentro. Mas mesmo desmoronada, as reacções populares na Alemanha sobre o assunto eram as que se podem deduzir pela fotografia abaixo, de uma manifestação de protesto diante do Reichstag (de uma certa forma irónica, muito idênticas às que os gregos faziam aqui há uns poucos de anos na praça Sintagma de Atenas). Mas, acompanhado da ameaça expressa que a situação só podia piorar, a aceitação do Tratado lá acabou por passar com uma votação de 237 votos favoráveis versus 138. O Tratado foi assinado dia 28 de Junho, mas o que nos interessa aqui são os bastidores da História.
ADENDA: Nem de propósito e a coincidir com o centenário do ultimato, numa daquelas coincidências que torna a opinião expressa ainda mais ridícula, temos um dos mais desastrados opinadores das colunas de opinião da imprensa portuguesa ((1),(2),(3)), a desprezar os ensinamentos do passado, para reencenar a actualidade, agora com Londres no lugar que há cem anos era de Berlim. A estes opinadores a História não ensina nada, mas creio que eles também não andam nisto para aprender, muito menos ensinar, resume-se a uma questão, como escrevia ontem João Miguel Tavares, de nos fornecer «chaves de interpretação»... embora desconfie que as «portas» onde essas «fechaduras» estão aplicadas, guardam salas onde o conhecimento não é a preocupação principal.  

UMA DAS MAIS FAMOSAS «MUGSHOTS» DA HISTÓRIA POLICIAL DOS ESTADOS UNIDOS

O incidente ocorreu em Março de 2011 numa pequena cidade do Connecticut, o protagonista acima, que se chama David Davis, tinha então 21 anos, e o acidente que o conduziu até à celebridade foi uma altercação em que se envolveu no barbeiro, enquanto cortava o cabelo, na sequência da qual foi detido, sob a acusação de ter esfaqueado o seu adversário com uma tesoura. Mas foi a fotografia que lhe tiraram aquando da detenção, a famosa «mugshot», que elevou Davis ao estrelado, num país em que a mugshot é assumida como um aborrecido assunto administrativo, nada propício a criatividades artísticas, mas que envolve, surpreendentemente, cerca de 30% da população americana. Entre os 70 milhões de cidadãos americanos fotografados naquelas mesmas circunstâncias ingratas, dificilmente se encontrará outro em que a expressão «foi apanhado a meio» (de qualquer coisa...), terá uma expressão visual com mais impacto.

15 junho 2019

MAIS DO QUE DE POETAS E TAXISTAS, SOMOS UM PAÍS DE «JORNALISTAS»

«...eu, ao contrário do Daniel Oliveira, não faço política. Eu escrevo sobre política. Eu falo sobre política. Eu critico políticos. Mas eu não faço política. Certamente que não escondo o meu posicionamento ideológico, e com certeza que dou palpites sobre o que devem ser as prioridades do país. Mas nunca fiz, não faço e não creio que venha a fazer “política”. O que eu faço, com muito orgulho, é jornalismo. Não no sentido estrito do termo, de dar notícias e saber o que diz A e o que diz B, mas no sentido geral, de contribuir de forma independente para uma compreensão do país, oferecendo chaves de interpretação úteis a quem me lê e a quem me ouve.»


A aceitar esta «chave de interpretação» que nos «oferece» João Miguel Tavares então tenho que admitir que José Manuel Fernandes até é mesmo um jornalista, que o Observador é mesmo um jornal, que até o Avante! o pode ser, se se levar a sério aquela perspectiva da oferta das «chaves de interpretação» aos leitores e ouvintes. Mas mais do que isso, e extrapolando para lá do ramo, é muito frequente, cada vez que apanhamos um táxi (ou um uber), depararmo-nos com um jornalista ao volante, disposto a fornecer-me as tais «chaves de interpretação» para «uma compreensão do país» enquanto dura a viagem. Desse, do do João Miguel Tavares ou do do Daniel Oliveira, há jornalismo por todo o lado; pena que o outro, o «do sentido estrito do termo», que se encontra nos jornais propriamente ditos, seja frequentemente uma merda.

O PRESIDENTE POMPIDOU

15 de Junho de 1969. Vitória de Georges Pompidou na 2ª volta das eleições presidenciais francesas. Era uma vitória esperada (como se vê abaixo num jornal publicado dois dias antes das eleições, os resultados das sondagens davam a Pompidou uma vantagem demasiado significativa para chegar a pôr em dúvida o desfecho), mas era sobretudo uma vitória clarificadora quanto ao rumo que viria a ser assumido pela França da V República, após a saída de cena do seu fundador, o general de Gaulle. Com a eleição daquele que era considerado o seu delfim, o gaullismo, mesmo sem de Gaulle, perpetuava-se, pelo menos por mais uns anos. Depois de ontem ter falado de Mbeki na África do Sul, este foi mais um caso de uma transição política sensível, após a saída do fundador do regime.

14 junho 2019

NÃO SE VAI DAR PELA FALTA DA VOZ DA PORTA-VOZ...

...porque há mais de três meses que ela não convoca qualquer conferência de imprensa. Não preocupará os observadores o facto de não haver ainda substituto escolhido: é um cargo que não faz falta nenhuma. Significativamente, o anúncio da saída da porta-voz não foi feito de viva voz, mas por tweet (abaixo). E também significativamente, o anúncio consagra-se com mais uma mentira: Trump ocupa a Casa Branca há menos de dois anos e meio e, além disso, Sarah Sanders já não foi a porta-voz original da administração Trump, mas Sean Spicer, que só lá se aguentou por seis meses. Note-se este paradoxo, de que a legitimidade dos tweets atribuídos a Donald Trump acabam por receber um acréscimo de legitimidade se lá contiverem uma mentira grosseira!

A TOMADA DE POSSE DE THABO MBEKI

14 de Junho de 1999. Com a tomada de posse como presidente de Thabo Mbeki terminava aquilo que se poderia denominar por fase experimental da transição na África do Sul. Aos oitenta anos, Nelson Mandela, que fora o garante dessa transição, afastava-se para dar lugar a uma nova geração - Mbeki era 24 anos mais novo. As duas principais comunidades sul-africanas dão mostram de boa vontade e procuram acomodar-se uma à outra mas a falta de à vontade é patente no vídeo acima (por volta do 01:00), quando Mbeki mostra não saber muito bem como se comportar diante da chefe da guarda de honra, que, ainda por cima, depois tem que se fazer discreta e pequenina para que madame Mbeki também caiba nas fotografias. Mas, embora caricatural, este ainda era o lado benigno do ANC. A degradação estava guardada para daí a dez anos, com a chegada ao poder de Jacob Zuma.

13 junho 2019

EIS O QUE QUEREMOS QUE VOCÊ PENSE

Tem precisamente seis anos e considero-o um dos momentos memoráveis de televisão falada em português. O apresentador fez tudo o que pôde para explicar aos espectadores o que é que deviam votar antes de lançar a pesquisa. Mas os espectadores não colaboraram. Depois o apresentador tentou mudar as regras a meio do jogo. Também não funcionou. A parcialidade era tanta que eu estou convencido que terá excitado as pessoas a votar contra os desejos do apresentador: eu, se estivesse a assistir ao programa teria ido votar pela baderna, e quanta mais baderna melhor, porque o que passara a estar em causa já não eram as imagens, mas as palavras do apresentador recriminando quem não se dispunha a votar conforme ele mandara, sugerindo. Quem é que estes palhaços de ecrã pensam que são?

OS VITALÍCIOS E OS TRUQUES DO COSTUME

A história decorreu toda à nossa frente. O mês passado, Mário Nogueira terá considerado que o seu partido lhe puxou o tapete debaixo dos pés. Agora, ainda a três anos da recondução, dá uma espécie de entrevista em que se arma em caro, um expediente recorrentemente usado pelos vitalícios em Portugal, aprecie-se para comparação a relutância de Pinto da Costa em 2003 (há dezasseis anos!) em permanecer como presidente do FC Porto, ele que lá continua, e cujas apostas, fortes, é que vai morrer a ocupar o cargo... Pelos vistos, o jornalista da Lusa que entrevistou Mário Nogueira acredita que com ele (Nogueira) vai ser certamente diferente, ao fim de trinta e tal anos o homem está mesmo com vontade de ensinar e que não vai aparecer uma vaga de fundo, patrocinada sabe-se lá por quem, pedindo-lhe que continue como sindicalista. Eu suponho que jornalismo, não se precipitando em processos de intenção, é também não publicar histórias tão imbecis quanto esta. A dinâmica da nossa sociedade tem uma outra argúcia: convém que o jornalismo a acompanhe.

AS ELEIÇÕES EM TRIESTE (MAS SÓ NA ZONA A)

13 de Junho de 1949. Realizam-se eleições municipais no território livre de Trieste, região encravada entre a Itália e a Jugoslávia, mas na zona que era administrada pelos Aliados (Zona A). Trieste, cuja história do Século XX já aqui foi contada neste blogue. Na notícia do jornal, a vitória dos partidos italianos é apresentada como se eles se tivessem apresentado conjuntamente, o que não é verdade: os 63% que se mencionam resultam da adição da votação da Democracia Cristã (39%), Socialistas (6%), Neo-Fascistas (6%), Republicanos (5%), Liberais (5%), etc. De qualquer maneira, a maioria que exprimira a sua opção por uma futura reunião com a Itália era significativa, ainda que a eleição em si fosse meramente simbólica: a maioria das decisões administrativas pertenciam ao governo militar. Mas para os países ocidentais, a organização de eleições era um imperativo, na esperança que isso forçasse o padrão do comportamento dos ocupantes soviéticos, que nos países do Leste da Europa se actuasse da mesma forma. Mas não: é verdade que havia eleições, mas não livres. Quanto ao caso particular de Trieste, a situação veio a ficar resolvida em 1954 com a anexação da Zona A pela Itália e da Zona B pela Jugoslávia. Actualmente, os territórios que haviam pertencido a esta última Zona estão divididos entre a Eslovénia e a Croácia.

12 junho 2019

PAPELINHOS AO VENTO EM MÃOS DE POLÍTICOS DESACREDITADOS

É nestas ocasiões que se percebe a dimensão da ignorância de Donald Trump quando acompanhada da sua presunção de que a política só terá começado com a sua chegada à Casa Branca. Não fosse assim e ele teria evitado brandir um papelinho ao vento com um tratado qualquer com o México que daqui por duas semanas já ninguém recordará. É que ele há o precedente histórico igualzinho de um outro político desacreditado a tentar correr atrás dos acontecimentos, brandindo o seu papel (abaixo), pedindo-nos que acreditássemos que aquilo era a paz para o tempo deles. Não foi. Registo porém o quanto a natureza foi generosa para com Trump, ao contrário do que aconteceu com Chamberlain: o vento absteve-se de soprar quando o exibiu, dobrando o papel a que ambos os protagonistas atribuem tanto valor, o que acentua subliminarmente a imagem de fragilidade do troféu exibido.

REFLEXÕES DIANTE DE UMA PORTA POLITICAMENTE FAMOSA

Tantas serão as indefinições que se colocam ao futuro próximo do Reino Unido (isto é, se o Reino Unido chegar a ter um futuro nessas condições: unido)...
...que os desenhos daqueles que serão os próximos potenciais ocupantes da residência oficial do cargo de primeiro ministro, nos transmitem muito menos seriedade e confiança...
...que fotografias que sabemos simuladas de protagonistas do mesmo cargo, feitas outrora em jeito de brincadeira naquele mesmo nº10 de Downing Street.
É que, sinceramente e pela forma como os segundos se conduziram até agora, eu não garanto que Jim Hacker faria pior figura que Boris Johnson ou Jeremy Corbyn.

11 junho 2019

UM «CHEIRINHO» DA VELHA GUERRA FRIA

11 de Junho de 1999. Nesse dia terminava a Guerra do Kosovo. Com a entrada em vigor do cessar fogo, fora previsto que uma força conjunta de manutenção de paz, composta por unidades militares de países da NATO e também russas, se instalassem na antiga região autónoma jugoslava. Os russos haviam querido um sector independente, mas os Estados Unidos, assim como os restantes países europeus da NATO, haviam rejeitado a ideia, com receio que isso predispusesse os russos a dividirem o Kosovo em duas regiões, uma menor de maioria sérvia a norte e a restante, de maioria albanesa, uma espécie de mini Alemanha Oriental balcânica, que esses bons velhos hábitos nunca saem de moda. Mesmo que não fosse essa a ideia dos russos, a sua posição negocial parecer-lhes-ia demasiado frágil na conjuntura da substituição das forças combatentes (sérvios e albaneses), e os russos decidiram-se a um golpe sujo: pela calada da noite de 11 de Junho, pegaram num destacamento seu estacionado na Bósnia vizinha, e mandaram-no percorrer os 600 km que os separavam da capital do Kosovo para ocuparem o aeroporto local, tudo isso sem passar cartão a ninguém da NATO. Apesar de comandado por um general, o destacamento russo era pequeno: cerca de 200 homens e umas 30 viaturas, sem grande potencial de combate. Mas isso seria irrelevante. Aquela era uma guerra para ser travada à frente das câmaras de televisão (acima). Quando as unidades da NATO encarregues dessa mesma missão chegaram, o aeroporto estava ocupado pelos russos, a CNN também já lá estava, ninguém se dispôs a facilitar a vida aos outros, e começava a crise. Era uma coisa nova, depois de dez anos (1989-1999) em que os russos haviam sido nossos amigos. Recorde-se que a Rússia de então era ainda dirigida por um sujeito pachola, permanentemente embriagado que dava pelo nome de Boris Yeltsin (Vladimir Putin só apareceu um ano depois). Mas a gestão de todo o incidente serviu também para exibir outras fracturas, não só as entre o Ocidente e o Leste, como também as entre a América e a Europa, dentro do Ocidente e da NATO. À atitude mais bélica do comando supremo americano da operação, contrapôs-se uma aproximação bem mais pragmática do comando militar britânico que estava no terreno. Apesar daquilo que parecia estar a acontecer na CNN, os 200 russos estavam isolados e impedidos pela aviação da NATO de serem reforçados e de se reabastecerem sequer. O único perigo da situação era ela detonar acidentalmente. Para a NATO, o tempo encarregar-se-ia de solucionar a questão. Foi o que aconteceu: os russos acabaram por ter que ser abastecidos de água e comida pela logística das unidades da NATO que eles não queriam deixar entrar no aeroporto. O impasse durou duas semanas, a Rússia acabou por salvar a sua face politicamente, e o susto passou.

QUANDO SE REFLECTE SOBRE O ASSUNTO, RECONHECE-SE QUE O «FACEBOOK» É MESMO UM CU...

10 junho 2019

É UM HOMEM COM UMA OPINIÃO TÃO «CONSIDERADA», QUE ELE ATÉ LEVITA QUANDO A EMITE

Segunda Feira. Folheia-se um jornal digital, e lá vem o palerma outra vez. Já aqui disse que nunca me esquecia de não ver o programa dominical de Marques Mendes. Também lhe dei o cognome de Marques Mendes, o Impingido. Optei por ser mais concreto e objectivo quanto às críticas que lhe fazia, desmontando-lhe as tretas, que o próprio tempo se encarregava de mostrar o que eram; défices antecipados de 3,7 ou 3,8% acabavam meses depois em 4,5% majorados para 7,2%(!); outras tretas foram tão mais flagrantes que a própria comunicação social tradicional se encarregou delas, como foi o caso do gestor da CGD que numa semana ficaria garantidamente na instituição, para, na semana seguinte, Marques Mendes dar uma pirueta de 180º, desdizendo-se do que havia garantido na semana anterior: o homem já não ia. Também o vimos a tentar limpar os sapatos do cocó de cão que lhe ficara agarrado em casos de corrupção que o rondaram. Pois bem, os anos vão passando e Marques Mendes continua a aproar sobre este mar gelado de erros, enganos e dissimulações com a impunidade e determinação indiferente de um quebra-gelos no pino do Inverno. Nada, no panorama da opinião publicada, parece capaz de perturbar o seu prestígio como comentador. O fenómeno - o da ressonância de tanto erro - é tanto mais surpreendente quando, de há uns anos para cá e à mesma hora e num canal da concorrência, Paulo Portas protagoniza um programa semelhante mas a este cortam-lhe o pio. Paulo Portas, reputado de saber manipular a comunicação social como mais ninguém o sabia fazer, e as suas opiniões, que afinal são tão boas quanto as de Marques Mendes, não tem hipótese alguma de serem retransmitidas no dia seguinte. O que é estranho - embora não tenha também qualquer desejo de ouvir o que Portas tem a dizer - e que me deixa a interrogação é da identidade dos misteriosos poderes omnipotentes que, nestes anos todos, têm controlado as opiniões a que se deve dar ressonância em Portugal. Uma coisa é para mim, certa: não sendo homem de fé, não acredito na capacidade da levitação...

O 75º ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE ORADOUR-SUR-GLANE

10 de Junho de 1944. Ocorre o massacre de Oradour-sur-Glane. Creio que não há nada a acrescentar ao texto que aqui publiquei depois de lá ter passado, no Verão de 2008.
Oradour-sur-Glane (há três povoações na região do Limousin que têm o mesmo nome de Oradour, distinguindo-se pelo curso de água que lhes passa próximo) é uma aldeia francesa situada a cerca de 25 km a Noroeste da cidade de Limoges. O destino dos seus habitantes durante a Segunda Guerra Mundial é um episódio cada vez mais esquecido, mas que permanece, ainda hoje, como um testemunho eloquente das consequências não só dessa Guerra, como de todas as guerras. Vale a pena contar aqui a sua História...

No seguimento do desembarque aliado na Normandia (6 de Junho de 1944) e do apelo dos Aliados à Resistência francesa para que esta dificultasse a progressão das unidades alemãs, um desses grupos clandestinos de guerrilheiros (conhecidos quando operavam em zonas rurais como maquis), organizou um golpe de mão em 9 de Junho em que se apoderou do Sturmbannführer SS (Major) Kämpfe e correu a notícia – que chegou naturalmente aos alemães – que os captores o pretendiam executar numa cerimónia pública.
A notícia, incluindo o local da suposta execução (Oradour-sur-Vayres, que fica a 28 km a Sul-Sueste de Oradour-sur-Glane) era falsa porque, como se veio depois a descobrir, Kämpfe fora executado pelos resistentes imediatamente depois da captura. Contudo, o oficial que ficou encarregue de investigar o caso, o Sturmbannführer SS Adolf Diekmann, pertencente à mesma unidade de elite de Kämpfe (a 2ª Divisão Blindada SS Das Reich - acima), acabou por confundir as duas localidades e conduziu o seu batalhão até Oradour-sur-Glane.

Estava-se a 10 de Junho de 1944, era um Sábado, fazia Sol, servia-se o almoço nos dois hoteis do centro da aldeia, o Hotel Abril e o Hotel Milord. Alguns citadinos, vindos de Limoges, andavam às compras daquelas provisões que tanto escasseavam naqueles tempos de racionamento. Mas, deixo o resto da descrição do que se passou a seguir para o trecho de introdução dos documentários da série O Mundo em Guerra (com a locução de Laurence Olivier):
Vindos desta estrada, num dia soalheiro de 1944… os soldados chegaram. Agora, ninguém cá vive. Ficaram apenas por umas horas. Quando partiram, a comunidade que aqui vivera por mil anos… morrera. Isto é Oradour-sur-Glane, em França. No dia em que os soldados chegaram, os habitantes foram reunidos. Os homens foram levados para garagens e celeiros, as mulheres e crianças foram levadas por esta estrada… e conduzidas… para esta igreja. Aqui ouviram os tiros enquanto os seus homens eram mortos. Então… também elas foram mortas. Algumas semanas depois, muitos dos que haviam matado tinha sido mortos por sua vez em combate. Nunca se reconstruiu Oradour. As suas ruínas são um memorial. O seu martírio representa os milhares e milhares de outros martírios na Polónia,… Rússia,… Birmânia,… China,… num Mundo em Guerra...*

O massacre fez 642 vítimas, com idades compreendidas entre os dezoito dias e os oitenta e cinco anos. Sobreviventes houve sete: uma mulher, cinco homens e uma criança. Valha a verdade que o episódio foi severamente condenado entre os alemães: o superior hierárquico de Diekmann, o Standartenführer (Coronel) Stadler mandou abrir contra ele um processo judicial. Mas a morte de Diekmann 19 dias depois do massacre, a derrota das tropas alemãs na Normandia e o veto de Hitler conduziram os resultados desse processo a nada. Só oito anos e meio depois do massacre (em Janeiro de 1953) é que o caso veio a ser julgado em tribunal, em Bordéus. Dos cerca de 150 a 200 participantes apenas 21 estavam no banco dos réus (abaixo). Além da ausência daqueles que haviam entretanto morrido (especialmente durante a Guerra), tanto a Alemanha Federal como a Alemanha Democrática haviam-se recusado a extraditar os seus nacionais envolvidos nos acontecimentos. E de uma forma que se revelava completamente paradoxal, dos 21 réus, havia 14 que eram franceses!

Tratava-se de franceses originários da Alsácia, a região que havido sido francesa desde os tempos de Luís XIV até 1871, que se tornara alemã entre 1871 e 1918, voltara a ser francesa de 1918 a 1940 e que novamente fora anexada pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Os seus naturais (que habitualmente até falam um dialecto germânico) tinham-se tornado dessa forma cidadãos do Reich e foi assim que muitos se viram incorporados nas unidades militares alemãs – os chamados malgré nous**. O julgamento assumiu assim um carácter político de confronto entre duas regiões de França, com o Conselho de Guerra a pronunciar em Março de 1953 duas condenações à morte (uma de um alsaciano) e ainda doze penas de trabalhos forçados, seguidas de um enorme clamor de protesto na Alsácia, seguidas de discretos despachos administrativos comutando as penas, seguidos de outro enorme clamor de protesto no Limousin... Até aos últimos actos, o massacre de Oradour-sur-Glane nunca se libertou das suas contradições.
Ao contrário de Auschwitz, com cuja escala nem se compara, Oradour-sur-Glane é um memorial que pode transcender a evocação da Segunda Guerra Mundial. É que massacres como aquele podem ter tido lugar em muitos outros locais – quem se recordará hoje do que aconteceu em Kragujevac (Sérvia), Marzabotto (Itália) ou Kortelisy (Ucrânia)? – e em quase todas as Guerras: não poderão os próprios soldados franceses ter procedido posteriormente de uma forma idêntica em alguns locais da Indochina ou da Argélia? Em Oradour-sur-Glane, conhecendo-se a sua História, trata-se da guerra em todo o seu absurdo. Começando por questionar se aquela operação de rapto de um mero oficial superior, quando foi desencadeada pelos maquis, valeria militarmente o risco das previsíveis retaliações alemãs?... Continuando pela troca dos nomes das povoações feita por Diekmann que acabou por massacrar a aldeia errada… E terminando tudo com um processo de apuramento de responsabilidades que teve que ser suavizado por razões superiores de Estado…

* Down this road, on a summer day in 1944. . . The soldiers came. Nobody lives here now. They stayed only a few hours. When they had gone, the community which had lived for a thousand years. . . was dead. This is Oradour-sur-Glane, in France. The day the soldiers came, the people were gathered together. The men were taken to garages and barns, the women and children were led down this road . . . and they were driven. . . into this church. Here, they heard the firing as their men were shot. Then. . . they were killed too. A few weeks later, many of those who had done the killing were themselves dead, in battle. They never rebuilt Oradour. Its ruins are a memorial. Its martyrdom stands for thousands upon thousands of other martyrdoms in Poland, in Russia, in Burma, in China, in a World at War... ** A tradução da expressão, não literal, será apesar da nossa vontade. Note-se contudo que no total dos 642 mortos em Oradour-sur-Glane, se contam 9 pertencentes a 3 famílias alsacianas que ali se tinham refugiado por causa da guerra.