30 junho 2019

SÓ HÁ CARROÇA, NEM HÁ BOIS...

Apreciem-se (com olhos de ver!) o que nos mostram as imagens do video acima. Demora sete minutos e a CNN transmitiu-as em directo para a sua audiência doméstica às 03H00 da manhã(!) deste Sábado. Primeiro Donald Trump pára na linha de demarcação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, para aí cumprimentar Kim Jong-Un, que se faz aguardar (pouco, mas o suficiente para ser Trump a esperar, o que é suficiente para os norte-coreanos, que dão imensa importância a estes pormenores). Depois ambos foram ao lado da Coreia da Norte para se tornarem a cumprimentar diante de um batalhão de fotógrafos e operadores de câmara enquanto trocavam cortesias. Depois vieram para o lado da Coreia do Sul para se cumprimentarem uma vez mais, que o batalhão não se cansava, nem o stock de banalidades elogiosas se mostrava em perigo de se esgotar. Já a farândola se perpetuava há cinco minutos e meio, quando o grupo de dançarinos e intérpretes se alargou para o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que, apesar de ser um dos dois anfitriões, estivera esquecido até aí. E o que é que vai acontecer mais? Nada. Gente que sabe dar passou-bens (e elogiar o interlocutor), é o acontecimento! De há anos para cá, entre a comunidade mediática ter-se-á perdido a compreensão da funcionalidade destas cerimónias que se limitam a ser simbólicas. Estou a lembrar-me, por exemplo e porque teve verdadeiro significado histórico para Portugal, da cerimónia da assinatura da adesão de Portugal à CEE nos Jerónimos em Junho de 1985 (abaixo), de como elas constituíam o pináculo de um complicado e demorado processo negocial de que se celebrava a conclusão em cerimónia adequada para o efeito. Ora aqui, no caso dos Estados Unidos e da Coreia do Norte, o que acontece com as negociações é que não aconteceu nada, mas já se celebra, embora não se saiba bem o quê. Dizia o nosso ditado popular que, quando se precipitavam os acontecimentos, se punha a carroça à frente dos bois. Na América de Donald Trump ainda é mais ridículo: nem há bois para atrelar atrás da carroça... Fotografa-se e filma-se a carroça. Mas pior, nem há quem, nesse mesmo meio mediático que é alimentado por estas palhaçadas, se dissocie dele e aponte o ridículo destas cenas. Que é dos bois?...

O MUNDO DO AVESSO?

Dia 30 de Junho. De 1939 e de 1969. Nas notícias do primeiro desses dias, noticiava-se o terrorismo na Palestina. Só que as vítimas dos atentados eram árabes e os seus autores israelitas. E era sobre estes que a repressão incidia (a autoridade tutelar da Palestina era o Reino Unido). Nas notícias do segundo desses dias, os britânicos mostravam-se ansiosos por entrar para a Comunidade Económica Europeia; esperavam que a recente eleição de Georges Pompidou provocasse uma inflexão da atitude francesa que, com Charles de Gaulle, já por duas vezes vetara a admissão do Reino Unido. Que estas duas notícias são o oposto do que se passa na actualidade não restam dúvidas, mas, a tratar-se do Mundo do avesso, com israelitas a aterrorizar árabes com bombas e a serem presos, e britânicos a exercerem todas as pressões possíveis para se juntarem à Europa, qual é o avesso, qual é o direito?

29 junho 2019

«HAMMERTRUMP»

O comportamento abusivo, errático, por vezes inexplicavelmente incoerente, como Donald Trump tem vindo a gerir a política externa dos Estados Unidos, corroborada mais uma vez através dos inúmeros pequenos episódios por ele protagonizados durante a cimeira do G20 no Japão, fez-me lembrar aquele aforismo que estabelece que aqueles que escolhem equipar-se com martelos desenvolvem uma tendência para lidar com o que os confronta como se fosse tudo cabeças de prego. Como Trump abdicou dos fingimentos de que há algum género de multilateralismo na ordem internacional, perde-se o sentido de convocar reuniões deste género em que, com tudo discutido à martelada, uma boa parte dos participantes só lá está a fazer figuração.
É apenas a inércia que empurra ainda para destaque as fotografias de conjunto, mas o teor do que se relata assenta quase exclusivamente no que acontece nos encontros bilaterais, nomeadamente entre Trump e Xi, com a coreografia correspondente, de que está a correr tudo bem. Por exemplo, no caso da fotografia acima, em que não reconhecemos metade dos presentes e em vez dos sorrisos e acenos generalizados, a imprensa norte-americana destacará o passou bem atencioso que é endereçado por Trump ao esquartejador-mor da Arábia Saudita, enquanto a imprensa europeia preferirá concentrar-se na expressão insatisfeita de Jean-Claude Juncker, indício provável que a fotografia foi tomada antes do jantar e que não serviam aperitivos.
Em contrapartida, esta última fotografia é um excelente exemplo de Theresa May a dar satisfação à opinião pública e publicada do seu país, indignada com o facto de os russos andarem a promover operações «à James Bond» no país do James Bond. O desdém exibido por May pelo seu interlocutor, conjugando-se com o facto de ela estar de saída do cargo (algo que a Putin nem lhe passará pela cabeça...), tornou a ocasião única, e a capacidade de reacção das partes assimétrica. Os britânicos, de resto, não deixaram passar a ocasião e um pequeno incidente de Putin andar a beber por um copo próprio, para deixar entendido que envenenamentos e operações afins, tal qual aconteceu no Reino Unido, são receios levados muito a sério pelos dirigentes russos.

28 junho 2019

O CENTENÁRIO DA ASSINATURA DO TRATADO DE VERSAILLES

28 de Junho de 1919. Na mesma galeria dos espelhos que assistira à proclamação do Império alemão em 1871, mas agora propositadamente remodelada para o efeito (acima), tem lugar, a partir das 3 da tarde, a cerimónia da assinatura do Tratado que punha fim ao conflito entre as potências vencedoras e a Alemanha. A dias da cerimónia e perante a relutância do governo alemão em assinar o documento, as potências aliadas endereçaram-lhe um ultimato. Os alemães assinaram resignados, vencidos mas não convencidos, e dispostos a sabotar todas aquelas cláusulas injustas a que se pudessem furtar.

Mas as atenções da ocasião foram todas para os signatários vencedores (abaixo). Mas trata-se de uma excelente ocasião, para mais carregada de simbolismo, para recordar que o jornalismo é apenas... jornalismo, e que os jornalistas...

27 junho 2019

COM A VERDADE ME ENGANAS...

...porque os comunistas têm uns estranhos momentos de lucidez, em que só nessa altura se decidem a reconhecer as limitações das comissões parlamentares de inquérito. É que a «expectativa ingénua» de que alguém se vá incriminar também se aplicaria decerto a Álvaro Sobrinho, a quem o deputado comunista Miguel Tiago dedicou, e apenas à laia de exemplo, um questionário que se prolongou por quase uma hora. Estaria Miguel Tiago à espera que o interrogado admitisse que fora no seu turno de vigia que roubaram 3 mil milhões de euros? E quanto aos «critérios de mediatismo» recorde-se este outro episódio, mais curto, protagonizado abaixo por outro deputado comunista, Bruno Dias, a pretexto de perguntas ao então ministro Álvaro Santos Pereira, um gag que acabou até por lhes sair mal, já que o ministro em questão desatou a rir a bandeiras despregadas e nada solidário com o seu colega de governo que era visado na paródia (Vítor Gaspar). A que auditório é que se dedicava aquele número do almanaque do Borda d´Água?
Entendamo-nos: as testemunhas convocadas para este género de inquéritos parlamentares podem respeitá-los mas apenas se temerem as consequências de cometer perjúrio quando interrogadas. Os casos mais mediáticos são os das comissões especializadas do congresso dos Estados Unidos, em que, em mais do que um caso, altas figuras da administração, o equivalente aos ministros na Europa, foram condenados (Caspar Weinberger) e mesmo encarcerados (John Mitchell) por mentirem em depoimentos que prestaram ao congresso. Sendo apanhados a mentir, já se percebeu o que pode acontecer a todos, e os depoentes que vão ao congresso americano têm bastante cuidado com o que dizem e como o dizem quando testemunham. Ora alguém acredita que alguém venha a ser condenado em Portugal por mentir nestas deposições às nossas comissões parlamentares de inquérito?!... Óbvio. Nem é uma questão de auto-incriminação, é mesmo uma questão de mentir descaradamente para o efeito oposto. E porque é que eu acho que o PCP teve este assomo de lucidez com o que Sócrates teria para dizer? Precisamente por causa do tal de mediatismo, que aqui funcionaria contra o que o PCP pretende. Está estabelecido que José Sócrates é um escroque, só que não passa bem em tal papel na televisão, e ninguém lhe quer conceder mais este palco.

26 junho 2019

SE TRUMP NÃO TEM A VANTAGEM DE UMA CULTURA CLÁSSICA... OS ADMIRADORES DO VASCO TAMBÉM NÃO

Pois quanto a Vasco Pulido Valente, o autor das linhas acima, a ter «a vantagem de uma cultura clássica», não é pela pesporrência do que ali escreveu que se dá por essa tal de cultura clássica: ele que se entretenha a explicar aos seus admiradores o que foi esse grande rival político de Roma por 500 anos a que ele deu o nome de «Germânia». O que foi essa tal de «Germânia»?...
Parece-me que há demasiada elegância contrita a ser dispensada a tanto disparate, atirado assim em jeito de posta de pescada, mas a verdade é que a mediocridade impune de alguns destes ídolos da palavra escrita é também um reflexo da ignorância da nossa opinião publicada. Bleblebleb para o Vasco e para as deferências que lhe fazem...

25 junho 2019

O AFUNDAMENTO DO BATELÃO NO ZAMBEZE

25 de Junho de 1969. Por uma vez excepcional desde 1961, os títulos de primeira página dos jornais vão para um acontecimento no ultramar português e directamente relacionado com as guerras que aí se travavam. Um batelão, que tradicionalmente fazia o transporte entre as duas margens do Zambeze e que na ocasião transportava um destacamento militar, afundara-se por causas que ainda hoje estão por esclarecer. 101 militares e 5 membros da tripulação haviam-se afogado. O desastre representava uma significativa perda de vidas humanas, muitas mais do que qualquer dos pequenos episódios que caracterizavam a guerra, episódios esses que só apareciam nos jornais em pequenas notícias, através dos comunicados oficiais.
Mas, para quem acompanhasse as notícias, a comparação entre aquilo que se noticiava (ou podia ser noticiado...) a respeito destas guerras que envolviam Portugal, e o que era noticiado simultaneamente acerca da guerra no Vietname, não deixava de ser intrigante, porque a lógica parecia ser precisamente a oposta. O destaque do que nos chegava do Vietname via América ia para os combates, ainda que eles por vezes fossem pouco significativos à escala da dimensão do conflito, enquanto os acidentes, ainda que provocassem centenas de vítimas, eram tratados como notícias colaterais. Connosco era o contrário. Deixá-lo-ia de o ser, daí por um ano, com Kaúlza de Arriaga

24 junho 2019

«GLASNOST»

24 de Junho de 1989. A União Soviética de Gorbachev não se distinguia da que a antecedera, da de Brejnev e Andropov, apenas pela questão da Perestroika (Reestruturação), porque a distinção, para quem viveu a época, se constatava sobretudo pela Glasnost (Transparência), de que as notícias acima de há trinta anos são um excelente exemplo. A União Soviética era um país como os outros, onde também existiam (como seria de esperar!) tensões sociais e étnicas. Neste caso, o relato envolve as tensões nas regiões sob domínio colonial da Ásia Central. Mesmo abandonando a nomenclatura colonial, chamando-as de republicas e sob a ficção de que permaneciam voluntariamente ligadas ao império russo, a verdade é que - como se constatava com a Glasnost - o comunismo nunca chegara a alterar o estatuto subalterno das populações daquela região, desde os tempos em que o império predecessor, o do czar, as havia conquistado. E elas reagiam mal. Mas a admissão de que esses problemas existiam, para mais quando admitidas pelo próprio Pravda, o jornal oficial do PCUS, tornavam-se num enorme embaraço para todas as estruturas comunistas obedientes a Moscovo (incluindo os jornais dos partidos satélites) que haviam passado as décadas anteriores elogiando acriticamente e omitindo compulsoriamente aquilo que de negativo lá acontecia.

23 junho 2019

COMO É QUE SE SABE QUE A CIMEIRA DA UNIÃO FOI UM FIASCO? PORQUE, SE NÃO TIVESSE SIDO, O QUE LÁ ACONTECERA TINHA SIDO CANTADO A UMA OUTRA VOZ

É significativa a redacção dada pela agência de comunicação de Bruxelas (euronews) ao que (não) aconteceu na última cimeira ocorrida em 20 e 21 de Junho passados. (abaixo, a transcrição do início da notícia, os bolds são meus) A discrição que se pode ler/ouvir, aparece camuflada pela sobriedade como se descreve tudo o que não se conseguiu resolver. Os encarregados de dar conta do resultado das negociações nem tiveram o bónus de um qualquer pormenor positivo (que sempre se desencanta...) a que se possam agarrar para fazer um spin à notícia.
Os desafios da zona euro estiveram em destaque na sexta-feira, segundo dia de trabalhos, no qual participaram os presidentes do Eurogrupo e do Banco Central Europeu (BCE)

Em suma, a falta de destaque dado ao tema comprova não se conseguiu decidir nada. A notícia aqui é que de Bruxelas não queriam dar notícias. E para que o impasse passasse desapercebido, a guerra que Trump não quis travar até veio a calhar. O fiasco da cimeira também se comprova pelo (bom) artigo a propósito escrito por Teresa de Sousa.

22 junho 2019

COMO SE FOSSE A OPINIÃO DAS REDES SOCIAIS DE HÁ CINQUENTA ANOS...

18 e 19 de Junho de 1969. Embora estreado há menos de um mês, o programa televisivo Zip-Zip tornara-se rapidamente um grande sucesso de audiências. Tanto assim que se tornara imperativo ter uma opinião acerca do programa. E as opiniões acumulavam-se nas redacções dos jornais, que lhes procuravam dar vazão. Eis aqui duas páginas fazendo eco do que os portugueses pensavam à época de um programa que se veio a tornar posteriormente numa referência da história da televisão em Portugal.
MVP - Lisboa - Quando repetem o Zip-Zip no 2º programa? Gosto imenso.
FNV - Lisboa - A crítica falou, ou escreveu, sobre os planos do público no programa Zip-Zip, e logo o realizador exagerou. Nos programas seguintes os entrevistados ou entrevistadores são brutalmente cortados por um plano dos espectadores. Nós queremos ver o que se passa no palco. O espectador só interessa quando intervém, pelas palmas. Não será assim?
FLP - Porto - O programa Zip-Zip em televisão não resulta grandemente. Chegamos ao fim cansados de tantas entrevistas.
JCP - Viseu - Zip-Zip não é dinâmico. Causa tanto palavreado...
AM - Évora - O Zip-Zip é essencialmente Raul Solnado. Ele tem de trazer (...) números cómicos, se não talvez não chegue aos 6 meses de vida previstos por Solnado.
FJDAA - Lisboa - O melhor programa que apareceu na televisão.
GP - Lisboa - Um bom espectáculo público mas um mau programa de TV.
DAF - Porto - Seria um bom programa televisivo se se soubesse tirar partido desse espectáculo.
HF - Lisboa - Se em lugar de um Solnado houvesse três... que programa bom poderia ser...
PFN - Lisboa - Este último Zip-Zip... que pena o Solnado se tivesse apagado...
JCS - Lisboa - Zip-Zip vem decrescendo em qualidade assustadoramente.
ASP - Braga - O 1º e o 3º foram bons programas... Solnado é cómico para muitos mais.
LCA - Abrantes - Solnado necessita de fazer vibrar o programa. Neste último esteve lamentavelmente apagado e abaixou o programa.
LVP - Lisboa - Porquê tantas imagens do público?
GB - Coimbra - Acabei de ver o Zip-Zip e escrevo a perguntar se não haverá possibilidade da RTP apresentar na Noite de Cinema o filme, grande êxito de Gino Bechi, «Pronto qui (sic) parla?» (Está lá, quem fala?).
CMP - Coimbra - Zip-Zip é um programa diferente mas não é, tecnicamente, um bom programa de TV.
Quem se deu ao trabalho de ler as opiniões acima, aperceber-se-á que o seu teor pouco difere de uma caixa de comentários das redes sociais da actualidade. Este foi um daqueles momentos em que, lendo o que então se opinava, me apercebi de que a matéria prima de variedade, assertividade, superficialidade, e mesmo pompa, sempre terá afinal existido, como uma espécie de bolsa de magma oculta debaixo de um vulcão, e que o que apareceu nos últimos anos foi apenas uma erupção, novos mecanismos de divulgar todos esses sentimentos.

GENTE QUE SABE ESTAR

A expressão caiu subitamente no goto popular mas precisamente pela causa inversa: por causa da gente que não sabe estar, título e alvo do programa semanal de Domingo de Ricardo Araújo Pereira. O que parece ser injusto para os outros, a gente que sabe estar, de que um exemplo que posso dar é o dos políticos do Bloco de Esquerda, que de há umas quatro semanas para cá, e apesar das eleições europeias de permeio, não conseguiram produzir nada que despertasse a atenção crítica (e cómica) dos autores do popular programa da TVI. Os outros partidos sim, o Bloco não: deve ser por ser um partido dirigido por pessoas que sabem estar. Mas é de outras pessoas que também sabem estar (e porventura saberão ainda melhor do que as do Bloco...) de que aqui quero falar, porque são as atracções de um artigo publicado esta semana na revista Sábado intitulado Os Maiores Acumuladores de Cargos nas Empresas. Onde os melhores "maiores acumuladores" são precisamente aqueles que dão muito na televisão. Artigo onde se podem ler confissões da Gente que sabe estar que são capazes de rivalizar - involuntariamente - com o programa sobre a Gente que não sabe estar. Vejamos o depoimento que se segue:
Não se percebe se Seixas da Costa entretanto se dedicara a estudar retalho nos últimos tempos em que esteve em Paris, razão para vir a aceitar o cargo, mas confesso-vos que sempre considerei misteriosas as causas que levam algumas pessoas prestigiadas a serem convidadas para cargos deste género e, mais do que isso, propensas a acumulá-los, enquanto outras, prestigiadíssimas também, lhes falta o mesmo jeito. Seria magnético, se eu acreditasse no magnetismo do fenómeno. Basta não ir muito longe, às fotos acima escolhidas pela Sábado de Gente que sabe estar, onde aparecem dois ilustres membros do painel do programa televisivo Circulatura do Quadrado, que podem ser conjugados com a nossa certeza empírica, mas absoluta, que o terceiro membro do painel (José Pacheco Pereira) não deve ser administrador de nenhuma dessas grandes empresas cotadas. Os dois primeiros (Lobo Xavier e Jorge Coelho) têm um certo jeito que o último não tem. Uma coisa se sabe porém, e isso é sabido de há muito, desde o tempo do famoso almirante Henrique Tenreiro, que acumulava assentos desses, a ponto de ser comparado numa adivinha/anedota a um autocarro da Carris: é que estes lugares não aparecem com a casualidade que acima nos descreve o sr. embaixador Seixas da Costa, como se fôssemos a caminhar pela rua e nos calhasse pisar acidentalmente uma pastilha elástica - e olha: alguém nos convidou para mais um cargo de administrador! (Usei o eufemismo da pastilha elástica porque a Gente que sabe estar nunca pisa merda, coisa que toda a gente sabe que é sinal de dinheiro...)

21 junho 2019

O AUTO-AFUNDAMENTO DELIBERADO DA FROTA ALEMÃ INTERNADA EM SCAPA FLOW

21 de Junho de 1919. Em retaliação contra as condições que consideravam draconianas impostas pelo Tratado de Versalhes, as tripulações dos navios de marinha de guerra alemã, a Hochseeflotte, que haviam permanecido internadas na base escocesa de Scapa Flow desde Novembro de 1918, à espera de decisão quanto ao seu destino, afundaram deliberada e concertadamente os seus navios. Os esforços dos britânicos para o impedir não tiveram grande sucesso: 52 das 74 embarcações foram afundadas. E por essa vez, as tripulações da Hochseeflotte, que se haviam anteriormente notabilizado pelo seu comportamento insurrecto, corresponderam disciplinada e patrioticamente às ordens do almirante Ludwig von Reuter.

20 junho 2019

O TÉRMINO DA PRIMEIRA VIAGEM TRANSATLÂNTICA DO SS SAVANNAH

20 de Junho de 1819. O SS Savannah (acima), um navio misto à vela e a vapor, que havia sido construído nos Estados Unidos, completa a primeira travessia do Atlântico em que foi utilizado aquele segundo meio de propulsão. A viagem demorou quase um mês. Tendo partido de Savannah no estado da Geórgia, a 24 de Maio, o navio chegou a Liverpool na Inglaterra há precisamente duzentos anos. Durante esses 27 dias, a máquina a vapor esteve em funcionamento durante 80 horas, ou seja, cerca de 12% do tempo de duração da viagem. Depois do Reino Unido, o Savannah seguiu para a Dinamarca, a Suécia e a Rússia, numa viagem de exibição do engenho e tecnologia da construção naval americana. Impressionou, mas não convenceu.. Mesmo nos próprios Estados Unidos, a ideia não arrebatara: para a sua viagem pioneira, o Savannah não trouxera carga, não conseguira qualquer frete, nem trouxera qualquer passageiro. E os estaleiros do resto do Mundo não se apressaram a copiar o modelo. A verdade é que, conforme a precisão técnica que se queira dar ao feito, há quem atribua a proeza da primeira travessia atlântica a vapor a um outro navio holandês em 1826; ou então a um canadiano em 1833; ou ainda a um britânico em 1838. Este tem a particularidade de ser anterior aos outros e sobretudo de ser americano, e se os americanos não eram assim tão bons em construção naval há duzentos anos, a promoverem mundialmente os seus feitos históricos depois disso, nisso não fiquem dúvidas que eles são mesmo muito bons!

19 junho 2019

A DISPOSIÇÃO DOS SOCIALISTAS PORTUGUESES HÁ CINQUENTA ANOS

19 de Junho de 1969. Discursando no Congresso da Internacional Socialista em Eastbourne, no Reino Unido, Mário Soares (então com 44 anos e que era então apenas um dirigente oposicionista português no exílio), anunciava a disposição dos «socialistas portugueses» em «participar nas próximas eleições para deputados, em Novembro». Por seu lado, esta disposição do regime em tolerar a publicação de uma notícia com este teor (acima, à esquerda), transmitia, com a subtileza típica daquela época, que sob a abertura do marcelismo se conceberia admitir, nas futuras eleições do Outono, a comparência de formações que se reclamassem do socialismo, um palavrão que fora totalmente proscrito pelo Estado Novo. Mas as boas intenções ficavam-se por aí, o sistema eleitoral não contemplava a eleição de vozes dissonantes para a Assembleia Nacional, e o equívoco só iria perdurar por mais uns meses, até ao escrutínio que a União Nacional iria vencer com 88% da votação. A fotografia de Soares, tirada precisamente durante o Congresso, é de Rolf Adlercreutz. Ao contrário do que Mário Soares veio a dizer, tentando reescrever a história desses anos, a sua figura era quase completamente desconhecida dos portugueses.

18 junho 2019

ESTAS COISAS PAGAM-SE, MAS MIKE POMPEO AUMENTA A TAXA DE JURO


Ainda há cerca de seis meses, o secretário de Estado Mike Pompeo, em consonância com o resto da Administração americana, recusava-se a aceitar as conclusões dos seus serviços secretos, que ligavam o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi à supervisão directa do príncipe herdeiro saudita (acima). Não: a CIA podia estar a dizer aquilo tudo, havia gravações de som, mas era mentira. Agora, vêmo-lo a usar as conclusões desses mesmos serviços secretos, para tentar persuadir os seus parceiros internacionais e a opinião pública americana e mundial, que o Irão se encontra por detrás dos ataques a navios que têm ocorrido no Estreito de Ormuz. Agora, é verdade, até há fotografias e tudo! Como seria de esperar, houve um ensurdecedor silêncio céptico a acolher a alegação dos americanos, feita não apenas por Pompeo, mas reforçada pelo próprio Trump. O problema é que - e isso já não será culpa de Trump - a credibilidade que os Estados Unidos alguma vez haviam possuído a este respeito foi inteirinha para o caixote do lixo com o episódio da apresentação das provas das armas de destruição maciça com que Colin Powell (o antecessor entre 2001 e 2005 de Pompeo) justificou em 2003 a invasão do Iraque. Não as havia, as tais armas de destruição maciça mostradas por Powell, e as pessoas não se esqueceram disso (tirando eventualmente Vasco Rato, que nunca terá cumprido a promessa de fazer um strip tease porque as não havia, mas isso é toda uma outra história...) Agora com estes requintes de incoerência, em que uma figura de destaque da administração americana se comporta absolutamente ao contrário do que fizera seis meses antes, apenas se confere um carácter caricatural, apalhaçado mesmo, a um descrédito mundial que mesmo oito anos de Administração Obama entre Bush e Trump nunca conseguiram rectificar. Contudo, por detrás do aspecto bufão que cada vez mais conecta Trump e os que lhe estão adjacentes (os sérios já se foram embora...), está a tragédia de se assistir aos Estados Unidos a operarem cada vez mais isolados no panorama internacional. Nenhum país desejará ter os Estados Unidos por inimigo, mas poucos países - só os mais desesperados, os que a têm a Rússia na vizinhança, por exemplo - se disporão a ter estes Estados Unidos como aliados imprevisíveis. Se há seis meses Donald Trump prometia retirar 2.000 soldados americanos da Síria, agora anuncia-se o regresso a um sítio vizinho de mais 1.000 soldados por causa do Irão. Isto não é uma política externa, é uma série televisiva com um enredo rocambolesco, em que os autores do argumento já se esqueceram do que escreveram há seis meses. E o pior de toda esta série televisiva é que o Irão pode mesmo ser culpado!...

16 junho 2019

OS ALIADOS ENDEREÇAM UM ULTIMATO À ALEMANHA

Versailles, 1919. Acima vemos Clemenceau, com a cartola levantada, Wilson, preparando-se para a levantar, e Lloyd George, que, de sorriso malandro e agarrado à bengala, parece não fazer tenção de saudar os presentes como os seus homólogos. Apesar da cortesia sugerida pela imagem, a 16 de Junho de 1919, há precisamente cem anos, os Aliados endereçaram um ultimato à Alemanha: em Berlim tinham cinco dias para se decidirem a aceitar incondicionalmente os termos do Tratado que viera a ser negociado até aí. Negociado sobretudo entre os vencedores, entenda-se. Se Berlim não o fizesse, os Aliados ameaçavam revogar as condições de armistício que se mantinham desde 11 de Novembro de 1918, o que constituía uma forma eufemística e rebuscada de invocar o reinício das operações militares e da ocupação da Alemanha, num momento em que a Alemanha se desmoronara militarmente por dentro. Mas mesmo desmoronada, as reacções populares na Alemanha sobre o assunto eram as que se podem deduzir pela fotografia abaixo, de uma manifestação de protesto diante do Reichstag (de uma certa forma irónica, muito idênticas às que os gregos faziam aqui há uns poucos de anos na praça Sintagma de Atenas). Mas, acompanhado da ameaça expressa que a situação só podia piorar, a aceitação do Tratado lá acabou por passar com uma votação de 237 votos favoráveis versus 138. O Tratado foi assinado dia 28 de Junho, mas o que nos interessa aqui são os bastidores da História.
ADENDA: Nem de propósito e a coincidir com o centenário do ultimato, numa daquelas coincidências que torna a opinião expressa ainda mais ridícula, temos um dos mais desastrados opinadores das colunas de opinião da imprensa portuguesa ((1),(2),(3)), a desprezar os ensinamentos do passado, para reencenar a actualidade, agora com Londres no lugar que há cem anos era de Berlim. A estes opinadores a História não ensina nada, mas creio que eles também não andam nisto para aprender, muito menos ensinar, resume-se a uma questão, como escrevia ontem João Miguel Tavares, de nos fornecer «chaves de interpretação»... embora desconfie que as «portas» onde essas «fechaduras» estão aplicadas, guardam salas onde o conhecimento não é a preocupação principal.  

UMA DAS MAIS FAMOSAS «MUGSHOTS» DA HISTÓRIA POLICIAL DOS ESTADOS UNIDOS

O incidente ocorreu em Março de 2011 numa pequena cidade do Connecticut, o protagonista acima, que se chama David Davis, tinha então 21 anos, e o acidente que o conduziu até à celebridade foi uma altercação em que se envolveu no barbeiro, enquanto cortava o cabelo, na sequência da qual foi detido, sob a acusação de ter esfaqueado o seu adversário com uma tesoura. Mas foi a fotografia que lhe tiraram aquando da detenção, a famosa «mugshot», que elevou Davis ao estrelado, num país em que a mugshot é assumida como um aborrecido assunto administrativo, nada propício a criatividades artísticas, mas que envolve, surpreendentemente, cerca de 30% da população americana. Entre os 70 milhões de cidadãos americanos fotografados naquelas mesmas circunstâncias ingratas, dificilmente se encontrará outro em que a expressão «foi apanhado a meio» (de qualquer coisa...), terá uma expressão visual com mais impacto.

15 junho 2019

MAIS DO QUE DE POETAS E TAXISTAS, SOMOS UM PAÍS DE «JORNALISTAS»

«...eu, ao contrário do Daniel Oliveira, não faço política. Eu escrevo sobre política. Eu falo sobre política. Eu critico políticos. Mas eu não faço política. Certamente que não escondo o meu posicionamento ideológico, e com certeza que dou palpites sobre o que devem ser as prioridades do país. Mas nunca fiz, não faço e não creio que venha a fazer “política”. O que eu faço, com muito orgulho, é jornalismo. Não no sentido estrito do termo, de dar notícias e saber o que diz A e o que diz B, mas no sentido geral, de contribuir de forma independente para uma compreensão do país, oferecendo chaves de interpretação úteis a quem me lê e a quem me ouve.»


A aceitar esta «chave de interpretação» que nos «oferece» João Miguel Tavares então tenho que admitir que José Manuel Fernandes até é mesmo um jornalista, que o Observador é mesmo um jornal, que até o Avante! o pode ser (outro jornal...), se se levasse a sério aquela perspectiva da oferta das «chaves de interpretação» aos leitores e ouvintes. Mas mais do que isso, e extrapolando para lá do ramo, é muito frequente, cada vez que apanhamos um táxi (ou um uber), depararmo-nos com um jornalista ao volante, disposto a fornecer-me as tais «chaves de interpretação» para «uma compreensão do país» enquanto dura a viagem. Desse, do do João Miguel Tavares ou do do Daniel Oliveira, há jornalismo por todo o lado; pena que o outro, o «do sentido estrito do termo», que se encontra nos jornais propriamente ditos, seja frequentemente uma merda. Eu tenho uma ideia do que é jornalismo: não preciso de pedir a João Miguel Tavares nenhuma «chave de interpretação». Mais: tenho a certeza que a dele está errada.

O PRESIDENTE POMPIDOU

15 de Junho de 1969. Vitória de Georges Pompidou na 2ª volta das eleições presidenciais francesas. Era uma vitória esperada (como se vê abaixo num jornal publicado dois dias antes das eleições, os resultados das sondagens davam a Pompidou uma vantagem demasiado significativa para chegar a pôr em dúvida o desfecho), mas era sobretudo uma vitória clarificadora quanto ao rumo que viria a ser assumido pela França da V República, após a saída de cena do seu fundador, o general de Gaulle. Com a eleição daquele que era considerado o seu delfim, o gaullismo, mesmo sem de Gaulle, perpetuava-se, pelo menos por mais uns anos. Depois de ontem ter falado de Mbeki na África do Sul, este foi mais um caso de uma transição política sensível, após a saída do fundador do regime.

14 junho 2019

NÃO SE VAI DAR PELA FALTA DA VOZ DA PORTA-VOZ...

...porque há mais de três meses que ela não convoca qualquer conferência de imprensa. Não preocupará os observadores o facto de não haver ainda substituto escolhido: é um cargo que não faz falta nenhuma. Significativamente, o anúncio da saída da porta-voz não foi feito de viva voz, mas por tweet (abaixo). E também significativamente, o anúncio consagra-se com mais uma mentira: Trump ocupa a Casa Branca há menos de dois anos e meio e, além disso, Sarah Sanders já não foi a porta-voz original da administração Trump, mas Sean Spicer, que só lá se aguentou por seis meses. Note-se este paradoxo, de que a legitimidade dos tweets atribuídos a Donald Trump acabam por receber um acréscimo de legitimidade se lá contiverem uma mentira grosseira!

13 junho 2019

EIS O QUE QUEREMOS QUE VOCÊ PENSE

Tem precisamente seis anos e considero-o um dos momentos memoráveis de televisão falada em português. O apresentador fez tudo o que pôde para explicar aos espectadores o que é que deviam votar antes de lançar a pesquisa. Mas os espectadores não colaboraram. Depois o apresentador tentou mudar as regras a meio do jogo. Também não funcionou. A parcialidade era tanta que eu estou convencido que terá excitado as pessoas a votar contra os desejos do apresentador: eu, se estivesse a assistir ao programa teria ido votar pela baderna, e quanta mais baderna melhor, porque o que passara a estar em causa já não eram as imagens, mas as palavras do apresentador recriminando quem não se dispunha a votar conforme ele mandara, sugerindo. Quem é que estes palhaços de ecrã pensam que são?

OS VITALÍCIOS E OS TRUQUES DO COSTUME

A história decorreu toda à nossa frente. O mês passado, Mário Nogueira terá considerado que o seu partido lhe puxou o tapete debaixo dos pés. Agora, ainda a três anos da recondução, dá uma espécie de entrevista em que se arma em caro, um expediente recorrentemente usado pelos vitalícios em Portugal, aprecie-se para comparação a relutância de Pinto da Costa em 2003 (há dezasseis anos!) em permanecer como presidente do FC Porto, ele que lá continua, e cujas apostas, fortes, é que vai morrer a ocupar o cargo... Pelos vistos, o jornalista da Lusa que entrevistou Mário Nogueira acredita que com ele (Nogueira) vai ser certamente diferente, ao fim de trinta e tal anos o homem está mesmo com vontade de ensinar e que não vai aparecer uma vaga de fundo, patrocinada sabe-se lá por quem, pedindo-lhe que continue como sindicalista. Eu suponho que jornalismo, não se precipitando em processos de intenção, é também não publicar histórias tão imbecis quanto esta. A dinâmica da nossa sociedade tem uma outra argúcia: convém que o jornalismo a acompanhe.

12 junho 2019

PAPELINHOS AO VENTO EM MÃOS DE POLÍTICOS DESACREDITADOS

É nestas ocasiões que se percebe a dimensão da ignorância de Donald Trump quando acompanhada da sua presunção de que a política só terá começado com a sua chegada à Casa Branca. Não fosse assim e ele teria evitado brandir um papelinho ao vento com um tratado qualquer com o México que daqui por duas semanas já ninguém recordará. É que ele há o precedente histórico igualzinho de um outro político desacreditado a tentar correr atrás dos acontecimentos, brandindo o seu papel (abaixo), pedindo-nos que acreditássemos que aquilo era a paz para o tempo deles. Não foi. Registo porém o quanto a natureza foi generosa para com Trump, ao contrário do que aconteceu com Chamberlain: o vento absteve-se de soprar quando o exibiu, dobrando o papel a que ambos os protagonistas atribuem tanto valor, o que acentua subliminarmente a imagem de fragilidade do troféu exibido.

REFLEXÕES DIANTE DE UMA PORTA POLITICAMENTE FAMOSA

Tantas serão as indefinições que se colocam ao futuro próximo do Reino Unido (isto é, se o Reino Unido chegar a ter um futuro nessas condições: unido)...
...que os desenhos daqueles que serão os próximos potenciais ocupantes da residência oficial do cargo de primeiro ministro, nos transmitem muito menos seriedade e confiança...
...que fotografias que sabemos simuladas de protagonistas do mesmo cargo, feitas outrora em jeito de brincadeira naquele mesmo nº10 de Downing Street.
É que, sinceramente e pela forma como os segundos se conduziram até agora, eu não garanto que Jim Hacker faria pior figura que Boris Johnson ou Jeremy Corbyn.

10 junho 2019

É UM HOMEM COM UMA OPINIÃO TÃO «CONSIDERADA», QUE ELE ATÉ LEVITA QUANDO A EMITE

Segunda Feira. Folheia-se um jornal digital, e lá vem o palerma outra vez. Já aqui disse que nunca me esquecia de não ver o programa dominical de Marques Mendes. Também lhe dei o cognome de Marques Mendes, o Impingido. Optei por ser mais concreto e objectivo quanto às críticas que lhe fazia, desmontando-lhe as tretas, que o próprio tempo se encarregava de mostrar o que eram; défices antecipados de 3,7 ou 3,8% acabavam meses depois em 4,5% majorados para 7,2%(!); outras tretas foram tão mais flagrantes que a própria comunicação social tradicional se encarregou delas, como foi o caso do gestor da CGD que numa semana ficaria garantidamente na instituição, para, na semana seguinte, Marques Mendes dar uma pirueta de 180º, desdizendo-se do que havia garantido na semana anterior: o homem já não ia. Também o vimos a tentar limpar os sapatos do cocó de cão que lhe ficara agarrado em casos de corrupção que o rondaram. Pois bem, os anos vão passando e Marques Mendes continua a aproar sobre este mar gelado de erros, enganos e dissimulações com a impunidade e determinação indiferente de um quebra-gelos no pino do Inverno. Nada, no panorama da opinião publicada, parece capaz de perturbar o seu prestígio como comentador. O fenómeno - o da ressonância de tanto erro - é tanto mais surpreendente quando, de há uns anos para cá e à mesma hora e num canal da concorrência, Paulo Portas protagoniza um programa semelhante mas a este cortam-lhe o pio. Paulo Portas, reputado de saber manipular a comunicação social como mais ninguém o sabia fazer, e as suas opiniões, que afinal são tão boas quanto as de Marques Mendes, não tem hipótese alguma de serem retransmitidas no dia seguinte. O que é estranho - embora não tenha também qualquer desejo de ouvir o que Portas tem a dizer - e que me deixa a interrogação é da identidade dos misteriosos poderes omnipotentes que, nestes anos todos, têm controlado as opiniões a que se deve dar ressonância em Portugal. Uma coisa é para mim, certa: não sendo homem de fé, não acredito na capacidade da levitação...

08 junho 2019

A CRIAÇÃO DE MAIS OUTRO GOVERNO PROVISÓRIO

8 de Junho de 1969. Constituição do Governo Provisório Revolucionário da República do Vietname do Sul, uma metamorfose (com aspecto mais institucional) da Frente Nacional para a Libertação do Vietname, que a comunicação social norte-americana (e a do resto do Mundo, atrás dela) designava por os Vietcongs. Descobre-se neste gesto, paradoxalmente ou talvez não, uma inspiração francesa, a antiga potência colonial do Vietname. Como vimos neste blogue ainda há poucos dias, a proclamação de um governo provisório fora um expediente em tempo de guerra do general de Gaulle para lhe conferir uma pompa e circunstância reforçadas entre as populações e à mesa das negociações. Aqui a intenção era também essa (e foi conseguida na medida em que este governo foi reconhecido como parceiro nas negociações, a par dos governos dos dois Vietnames e dos Estados Unidos), mas as circunstâncias eram completamente outras: este governo não se destinava a prosperar, nunca deixou de estar sob o controle de Hanói, que não tolerava outra que não a narrativa da reunificação. Ao contrário daquele que o inspirara 25 anos antes, este governo provisório (e revolucionário) era um governo verdadeiramente provisório, no sentido que estava destinado a desaparecer depois de cumpridas as funções para que fora concebido. Instalado na povoação fronteiriça de Lộc Ninh (assinalada a vermelho no mapa abaixo), mesmo assim, o governo provisório (e revolucionário) não deixou de constituir uma certa inspiração entre movimentos guerrilheiros aparentados, caso da Guiné-Bissau em 1973, por exemplo.

07 junho 2019

A DIFERENÇA DA CNN PARA A BBC

Há ocasiões em que poucas imagens podem explicar quase tudo. O assunto é o mesmo, noticiado acima pela CNN e abaixo pela BBC. Acima, são três minutos e meio a repetir as mesmas imagens e uma senhora que passa por especialista a dizer porra nenhuma. Abaixo, a BBC dispensando a senhora da porra nenhuma, diz mais numa frase que os três minutos e meio da CNN: o nome dos dois navios envolvidos e uma localização aproximada do local do incidente. É que, mesmo antecipando que os capitães do navios vão atribuir as responsabilidades ao outro, quando se estão a ver as imagens da CNN, é de nos mordermos com tanta incompetência para saber ao menos qual é um deles: o número de identificação (pennant number) do navio russo está ali mesmo à vista e a wikipedia à distância de um clique para o identificar...

A PENDÊNCIA SUSCITADA POR MOTIVO DUMA DISCUSSÃO AUTOMOBILÍSTICA

«Pedem-nos a publicação da seguinte acta:

Acta Única: Aos sete dias do mês de Junho de mil novecentos e vinte e nove, ás quinze horas e trinta minutos se reuniram numa dependência do Club Tauromáquico os srs. tenente-coronel Cristóvão Aires de Magalhães e Pedro Bordallo Pinheiro, como representantes do sr. João de Ortigão Ramos (à esquerda), e os srs. drs. Manuel de Queiroz e Raul Barbosa Viana, como representantes do sr. Henrique Lehrfeld (à direita) a fim de derimirem (sic) uma pendência de honra entre os seus constituintes suscitada. Trocadas as respectivas credenciais pelos representantes do sr. João de Ortigão Ramos, foi presente como matéria prévia e antes de entrarem propriamente na discussão dos motivos da pendência a afirmação por parte do seu constituinte de que não obstante não ter sido acatada pelo sr. Henrique Lehrfeld a doutrina expressa nos Códigos de Honra na parte em que estes estabelecem prazos improrrogáveis para resposta ao envio de testemunhas, essa facto não impede que mesmo fora desses prazos o sr. João de Ortigão Ramos continue a insistir pela reparação a que se julga com direito, tendo as testemunhas deste julgado atendíveis as explicações dadas ácerca dessa falta pelas testemunhas do sr. Henrique Lehrfeld.
Entrando em matéria da pendência, pelos primeiros signatários foi dito que o seu constituinte se julgava ofendido na sua honra pela seguinte expressão contida numa carta publicada na revista O Volante, de 19 de Maio do corrente ano, assinada pelo sr. Henrique Lehrfeld:
«efectivamente tenho sangue alemão, com o que me honro bastante, e já não diria o mesmo se tivesse sangue de preto.»
Desta expressão exigem uma absoluta retratação ou reparação pelas armas.
Pelos representantes do sr. Henrique Lehrfeld foi declarado, em nome do seu constituinte, que este ao escrever a referida frase não teve a mínima intenção de ofender levemente o sr. João de Ortigão Ramos, pelo facto de que ignora a sua ascendência não podendo assim justificar-se qualquer sentido pejurativo (sic) que possa ter sido atribuído a essa frase.
Dadas estas explicações, pelos quatro signatários foi considerada finda esta pendência com honra para ambas as partes.
aa Cristóvão Aires de Magalhães
aa Pedro Bordallo Pinheiro
aa Manuel de Queiroz
aa Raul Barbosa Viana»
A "pendência", que é apresentada em ante-título como «entre dois "sportsmen"», é cómica de ridícula e não foram precisos terem-se passado noventa anos para que isso se torne evidente. Tão evidente quanto o elevado estatuto social que se depreende ser o de todos os envolvidos (não só os potenciais duelistas, como também as testemunhas), quando se reúnem no Club Tauromáquico(!), porque têm influência suficiente para que a acta da reunião se torne notícia de jornal. Nessa acta, por outro lado, convivem alegremente evocações aos Códigos de Honra (assim mesmo, em maiúsculas) com pontapés na gramática como dirimir com e e pejorativo com u. Mas o ápice do ridículo é a atitude do ofensor da pendência, Henrique Lehrfeld, que se retrata com uma explicação inverosímil: a sua evocação do «sangue de preto», se não era uma sugestão ofensiva, faz naquele contexto tanto sentido quanto uma viola num enterro. Ainda uma explicação adicional a respeito das ascendências: ter-se sangue alemão em 1929 não possuía a reputação que outrora gozara entre nós. Precisamente nesse mesmo dia, 7 de Junho de 1929, os vencedores da Grande Guerra reunidos em Paris engendravam o Plano Young, com o fito de ver se a Alemanha começava a pagar as dívidas do Tratado de Versalhes.

06 junho 2019

A VÉSPERA DO DIA DA OPERAÇÃO OVERLORD

A propósito da data de hoje, dia do 75º aniversário dos desembarques da Normandia, permitam-me a transcrição de um esquema simplificado (mas, mesmo assim, particularmente extenso para o que costuma aparecer publicado num blogue) daquela que foi baptizada por Operação Neptuno, a fase preparatória do desembarque propriamente dito, a famosa Operação Overlord. As cinco zonas de desembarque que haviam sido escolhidas não eram nem adjacentes nem idênticas. Cada uma apresentava um problema particular e teve de ser objecto de um plano específico.

Começando pela situada mais a oriente, a que fora baptizada com o nome de código de Sword, ela estendia-se desde a embocadura do rio Orne até à pequena estância balnear de Lion-sur-Mer. A costa apresenta-se ali uniformemente plana e arenosa. A estrada costeira, a EN 814, estava ladeada de casas e vivendas contínuas que se concentravam nas pequenas aglomerações de Riva-Bella e de Ouistreham, que é também o término do canal marítimo oriundo de Caen. A forma envolvente da praia facilitava a concentração do fogo de artilharia sobre os navios de desembarque. É essa a razão por que se colocou ali um poderoso apoio naval, compreendendo nomeadamente o HMS Warspite, o HMS Ramillies ou o monitor HMS Roberts, encarregues de neutralizar as baterias alemães postadas em Villerville, Berville e Houlgate. Para guiar o desembarque da 3ª Divisão de Infantaria britânica e da 27ª Brigada Blindada que a acompanhava, havia-se enviado o submarino de bolso X-23, com dois tripulantes a bordo, postados sob as águas da foz do Orne. Devia emergir na manhã do desembarque e orientar os comboios navais. A importância especial de Sword advém da sua proximidade da cidade de Caen, que é considerada a porta de saída da Normandia em direcção a Paris. Por causa disso, a sua captura era de uma prioridade extrema.
Tarefa complicada mas que era suplementada por um assalto aerotransportado. Os protagonistas (estreantes) deste eram os homens da 6ª Divisão Aerotransportada britânica que eram comandados pelo general Richard Gale. A missão dos homens vindos do céu era a de ocuparem a margem direita do Orne para cobrirem o flanco esquerdo da invasão. As 3ª e 5ª Brigadas de Para-quedistas saltariam ou seriam depositadas em três dropping zones: V, perto de Varaville, K, perto de Touffréville e N, perto de Anfréville. O plano de operações consistia em conquistar de surpresa as pontes sobre o Orne e o canal marítimo em Bénouville e Rainville, fazer explodir as pontes sobre o Dives em Périers, Robehomme e Troarn e finalmente destruir a bateria alemã de Merville, postada na embocadura do Orne. A hora prevista para a chegada dos comboios aéreos trazendo os para-quedistas e as tropas dos planadores até às costas de França era a meia noite.
A zona denominada por Juno começa a oito quilómetros a oeste de Lion-sur-Mer (onde acaba Sword). A costa é precedida de baixios rochosos que tornam mais difícil realizar ali um desembarque com a maré totalmente vaza, facto que levou os planificadores a atrasarem ligeiramente a hora do desembarque em relação às outras praias. Um outro submarino de bolso, o X-20, esperava a chegada do comboio naval que trazia a 3ª Divisão Canadiana, cuja frente de desembarque se estendia de Saint-Aubin até Corseulles-sur-Mer. A missão dos canadianos durante o primeiro dia seria a de progredir para o interior, cortando a estrada (EN 13) que ligava Bayeux a Caen e, sobretudo, capturar a base aérea desta última cidade, Carpiquet.
Na zona Gold, as unidades protagonistas seriam a 50ª Divisão de Infantaria britânica e a 8ª Brigada Blindada. A sua área de desembarque estendia-se da localidade de La Riviére até à de Le Hamel. A costa é muito menos povoada e hospitaleira do que em redor de Riva-Bella. Por detrás das praias estendem-se pântanos que a EN 814 costeira contorna. O plano previa que as tropas desembarcadas se expandiriam para Oeste, com o objectivo de conquistarem Arromanches-les-Bains, onde estaria previsto construir um dos portos artificiais Mulberry. Simultaneamente, uma outra ala do ataque iria procurar capturar a vila da Bayeux.
Depois, prosseguindo a descrição, há vinte e cinco quilómetros a separar a mais ocidental das praias britânicas da mais oriental das duas praias americanas. A geologia da costa muda e os problemas do desembarque e do pós-desembarque também.
Omaha estende-se de Port-en-Bessin até a ponta de Percée. A praia está espartilhada dos dois lados por falésias com uma trintena de metros de altura. Diante de quem irá desembarcar, apresenta-se uma espessa colina de dunas que algumas pistas arenosas rasgam, conduzindo a pequenas povoações como Grand-Hameau, Colleville-sur-Mer, Saint-Laurent-sur-Mer e Vierville-sur-Mer. A estes caminhos, sulcos profundos no relevo, os documentos de preparação do Estado Maior deram o nome (bem americano) de draws. Mas eles são os únicos eixos possíveis de progressão para o interior para as tropas da 1ª Divisão de Infantaria (The Big Red One). Mais para o interior, o terreno continua a mostrar-se desfavorável para as operações de um exército que aposta muito na sua mecanização. Aquilo que haviam sido as planícies que rodeavam Caen, mudam aqui o aspecto para um arvoredo formado por campos de macieiras, cortado por caminhos fundos, compartimentado numa profusão de parcelas muradas por elevações de terra a mais das vezes encimadas por sebes espessas - o bocage normando. A este dédalo, que favorece naturalmente quem tiver de defender, acrescenta-se um fosso, o formado pelo rio Aure que, desde Bayeux, corre paralelo à costa. Naturalmente pantanoso, e ainda por cima inundado propositadamente pelos alemães, o seu vale é intransponível entre a povoação de Trévières e a pequena vila de Isigny. A planificação previa que as duas localidades seriam atingidas ainda na noite do dia do desembarque. Contornando Trévières ultrapassar-se-ia a região inundada, contornando Isigny do outro lado, atingir-se-ia a foz do rio Vire e aí seria o local da junção com o resto dos americanos.
A ponta de Hoc era para ser objecto de um tratamento especial. A bateria erguida sobre esta alta falésia triangular era considerada «a mais perigosa de toda a Mancha». As sua seis peças de 155 mm, com um alcance de 22 quilómetros, poderiam manter debaixo de fogo não apenas Omaha Beach mas também, já na costa do Contentin, Utah Beach. Por consequência ir-lhe-ão ser reservados o poder de fogo dos obuses de 14 polegadas (356 mm) do USS Texas, que irá ser complementado por um assalto, por escalada, de um destacamento de Rangers comandado pelo tenente-coronel James Earl Rudder. À hora H, os homens desembarcarão no sopé da ponta do Hoc, exposto pela maré baixa. Um canhão lança amarras engatará escadas às paredes verticais da falésia e, a essa reencenação moderna de um assalto medieval a um castelo, não faltarão duas escadas magirus, emprestadas pelos bombeiros de Londres. Os ensaios executados nas falésias da ilha de Wight mostraram que o exercício é possível... mas não é possível antecipar a reacção de um inimigo que dispõe de muito mais meios de resposta do que o tradicional azeite a ferver.
Quanto a Utah Beach, a praia de desembarque mais ocidental, ela ganhou, na classificação de Eisenhower (que, comandando a invasão, as conhecia a todas), o pior qualificativo de todas as cinco: «miserável». É larga, mas lodosa e bloqueada por uma cintura de pântanos que só são transponíveis por estreitos aterros que a conectam a pequenos lugares espalhados ao longo de uma estrada ainda mais secundária que as outras, a Estrada departamental 14. Quatro dos aterros foram seleccionados como as saídas nevrálgicas e baptizados saídas nº 1, 2, 3 e 4. Mas é apenas o início do problema. Segue-se o pequeno planalto onde se situa Sainte-Mère-Eglise e para além dele estão dois pequenos rios, o Douve e o Merderet, tão esponjosos e inoportunos na localização quanto o Aure por detrás de Omaha, para aquele mesmo exército motorizado que ia procurar apoderar-se do resto da península do Contentin - com o porto de Cherburgo.
A grande operação aerotransportada americana que foi concebida para este flanco do desembarque, vai ter por objectivo obviar às dificuldades acima apresentadas. Irá envolver duas divisões, 13.200 pára-quedistas, 822 aparelhos de transporte e reboque e ainda 900 planadores.
Aos estreantes da 101ª Divisão Aerotransportada, do general Maxwell Taylor, competirá tomar as saídas oriundas de Utah, para que a 4ª Divisão de Infantaria, que irá desembarcar na praia, não se arrisque a ser detida em estradas tão estreitas que um punhado de defensores e de armamento conseguiria barrar. Aos veteranos da 82ª Divisão Aerotransportada, do general Matthew Ridgway, competirá instalar-se no planalto de Sainte-Mère-Eglise e, além disso, adquirir uma testa de ponte para lá dos dois rios, Douve e Merderet.
Para os páras americanos, a hora H é, como para os seus colegas britânicos, a meia noite. Abordarão a península do Contentin não pelo leste, mas pelo oeste, como se a esquadra aérea tivesse partido para a Bretanha e a meio do Canal da Mancha tivessem mudado de opinião. Neste flanco, é tudo a dobrar: as dropping zones são seis, quatro a leste e duas a oeste do Merderet. Cada uma delas tem uma configuração oval, com uma milha (1.600 metros) de comprimento por 460 metros. Precedendo em 20 minutos o grosso das tropas, os batedores terão por missão balizá-las com as suas lanternas de bolso, para orientação dos pilotos. Às 00H15 de dia 6 de Junho de 1944, esses primeiros pathfinders da 101ª Divisão começam a saltar, e a Operação Overlord não tardará a ofuscar a Operação Neptuno.

(O presente texto é uma adaptação das páginas 161-163 do 3º Volume de A Segunda Mundial de Raymond Cartier)
Em relação ao anterior, este outro mapa mostra os resultados alcançados ao fim do dia de 6 de Junho. O desembarque foi um sucesso mas quase todos os objectivos definidos pela Operação Neptuno não foram alcançados.