31 março 2023

TESTE AS SUAS CAPACIDADES DE DETECTIVE

Exemplo evidente que não prestamos atenção àquilo em que não estamos interessados. E que uma narrativa criada propositadamente para nos atrair o interesse, pode nos distrair de tudo o resto. O efeito conjugado de ambos, protagonizado quer pelos actores políticos, quer pelos actores mediáticos, tem o resultado que, muitas vezes aquilo que satura o panorama noticioso vem a revelar-se com o distanciamento, não ter qualquer importância.

UMA VERDADEIRA «DIGITAL INFLUENCER»

A culpa dos meus sorrisos sarcásticos para com a expressão digital influencer em nada se devem à expressão em si, mas devem-se antes à liberalidade despropositada como o estatuto é outorgado. Que as há, as ditas digital influencers que me influenciam, comprova-se pelo exemplo de Susana Peralta. Para além do que escreve e vai dizer às televisões, que é o mais importante, ela tem outros aspectos que a favorecem a meus olhos. Por exemplo, ter mantido os mesmos óculos de massa que lhe dão um aspecto de nerd, mesmo depois de ter passado a ser presença regular nas tvs, ou então não se ter preocupado em fazer um tuning de erudição à sua estante de livros (acima) para que parecesse mais intelectual nas intervenções em que aparece em vídeochamada a partir de casa. Hoje, Susana Peralta faz uma análise assaz céptica ao impacto da aplicação da taxa de 0% de IVA num conjunto seleccionado de produtos, uma medida que foi galhardamente propagandeada pelo governo toda a semana que agora termina, mas cujos efeitos só se virão a sentir daqui por 15 dias.

FANTASIAS EDITORIAIS

31 de Março de 1973. Trata-se de um anúncio de página inteira, mas os números mencionados são uma completa fantasia.

30 março 2023

OS DOIS HINOS ANTAGÓNICOS DO PASSADO DA ITÁLIA

Acima «Giovinezza» (juventude) era o hino do partido fascista e foi um espécie de hino nacional associado durante a vigência desse regime, entre 1924 e 1943. Depois tornou-se o hino oficial da títere República Social Italiana (1943-45) que se sucedeu no Norte de Itália à queda do fascismo. Em contraste e abaixo, «Bella Ciao» (adeus miúda) foi adoptada como hino pelos resistentes italianos (onde a presença comunista era significativa, senão mesmo predominante), resistência a essa mesma República Social Italiana e à ocupação alemã a partir daquela mesma altura do colapso do fascismo, em 1943. Este último é muito mais conhecido do que aquele, mas os dois em conjunto representam um concepção do passado antagónico da Itália de há 80 anos. E explicam o significado do acolhimento hostil à primeira-ministra Giorgia Meloni aqui há duas semanas, num congresso sindical, em que alguns dos presentes irromperam a cantar Bella Ciao antes de ela começar a sua intervenção.

«...O MUNDO PULA E AVANÇA...»

Como se lê numa passagem final d'A Pedra Filosofal de António Gedeão, é maravilhoso vermos o Mundo pular e avançar, como bola colorida entre as mãos de uma criança. No caso, o avanço faz-se da mudança dos hábitos alimentares, que levam partidos como o PAN reclamar da exclusão do seitan e do tofu da lista de produtos alimentares a serem abrangidos futuramente pela taxa de IVA de 0%. No mesmo espírito mas numa perspectiva ligeiramente diferente, ocorreu-me que, se os livros dos Cinco de Enid Blyton sofressem uma revisão alimentar (veja-se acima, à direita), então talvez não tivessem sido objecto de um tão feroz ostracismo, como se soube, recentemente, terem sido sujeitos

TROFÉU «CAGALHÃO DE OURO»

A notícia é verdadeira, não é para ser considerara brincadeira do próximo 1º de Abril, e o concurso mundial entre casas de banho públicas terá mesmo existido - apenas a atribuição do troféu (apropriado) é que foi acrescento meu... Foi há cinco anos, estas notícias esquecem-se, mas não deviam ser esquecidas. 

29 março 2023

(QUASE TODA) A HUMANIDADE versus (MUITOS D)OS HABITANTES DOS ESTADOS UNIDOS

Esta segunda-feira, houve uma mulher norte-americana de 28 anos que entrou numa escola na cidade de Nashville, no Tennessee, armada com três armas de fogo e que, num quarto de hora, matou seis pessoas, antes de a polícia a ter morto a tiro, por sua vez. No dia seguinte, em Lisboa, um refugiado afegão irrompeu por um centro assistencial da comunidade ismaelita e assassinou duas pessoas com uma arma branca. O atacante ficou ferido. Crê-se hoje que qualquer dos atacantes destes dois incidentes separados estaria mentalmente perturbado e seriam, portanto, imprevisíveis.
Em circunstâncias igualmente difíceis de antecipar, parece poder-se concluir com uma lógica cristalina, que os meios à disposição do atacante - uma arma de fogo semi-automátíca versus uma faca - têm um impacto directo e significativo no número de vítimas resultantes destes infelizes episódios. Essa lógica cristalina não inclui uma substancial percentagem dos habitantes dos Estados Unidos. Sempre que um destes episódios se repete por lá, é um exercício grotesco ver os seus parlamentares estenderem-se em explicações porque é que não promulgam legislação restringindo o acesso a armas de fogo.
Neste assunto em concreto, aquela designação colectiva, o Ocidente (ou o Mundo Ocidental) não faz qualquer sentido.

A SAÍDA DAS ÚLTIMAS TROPAS COMBATENTES NORTE-AMERICANAS DO VIETNAME

Republicação
29 de Março de 1973. Cumprindo os calendários do que fora estabelecido pelos Acordos de Paris, os soldados das últimas unidades de combate norte-americanas abandonam o Vietname do Sul. A saída realiza-se com muito menos panache do que acontecera à chegada. Costuma ser sempre assim (veja-se os franceses na Argélia, os britânicos no Iémen) e com os portugueses não iria ser diferente dali por dois anos, que entre a opinião doméstica apenas a má-fé se superioriza à ignorância do que aconteceu previamente, quando a disposição é a de criticar. Os ex-combatentes que, de malas na mão e descontraidamente se concentram nos locais de embarque, só se distinguem de uma qualquer outra excursão militar pelo exotismo...
...de alguns dos souvenirs que carregam consigo, caso o daquela carabina SKS (que terá sido mais do que provavelmente capturada ao vietcong) a que o orgulhoso militar seu proprietário parece dispensar mais atenção do que ao resto da sua bagagem. Numa última nota à última fotografia, já junto à escada de embarque para o avião e só para os mais atentos, a supervisionar identifica-se um graduado norte-americano (de bivaque na cabeça), acompanhado de um militar sul-vietnamita (de boina vermelha) e de dois militares norte-vietnamitas envergando o seu tradicional capacete, que ali estavam em plena zona inimiga, a base aérea de Tan Son Nhut (perto de Saigão), em funções de fiscalização do cumprimento dos Acordos.

28 março 2023

AFINAL JÁ NÃO ESTAMOS NA CAUDA DA EUROPA (2)

Streik. Os trabalhadores alemães dos transportes também se queixam e fazem uma das maiores greves dos últimos 30 anos por causa da perda de poder de compra causada pela inflação. E cá, porque nos queixamos do mesmo, afinal somos um país moderno, integrado nas grandes tendências europeias! Esqueça-se lá aquele lamento do «...só neste país».

OS PROTESTOS POPULARES EM FRANÇA E EM ISRAEL

As imagens televisivas da expressão dos protestos até se podem assemelhar. Aquilo que os protestantes alegam para se manifestarem é que em nada se assemelha nos dois países, só que isso requer uma explicação desenvolvida. E o que está errado é que a comunicação social costuma ficar-se apenas pela primeira parte, a das imagens, eventualmente legendadas, porque é isso que capta as audiências. Se for somente pelas imagens, tudo isto que vemos abaixo é mais ou menos a mesma coisa. E não é.

AQUILO QUE VERDADEIRAMENTE EXCITA A CURIOSIDADE DAS PESSOAS...

...ou a constatação que, por detrás dos interesses intelectualmente sofisticados dos leitores do Público, haverá uma maioria com uma mentalidade rural hereditária, verdadeiramente curiosa por saber o desfecho de acontecimentos típicos da aldeia, como o que aconteceu àquele gato que subiu à árvore e agora não consegue sair dali.

A SÉTIMA «AVALIAÇÃO» DA TROIKA

28 de Março de 2013. Já lá vão dez anos, e os sebastianistas pelo regresso de Pedro Passos Coelho mostram-se incansáveis em reconstruir o passado à sua maneira. Naqueles dias, a sétima avaliação da troika vinha a Portugal constatar que os indicadores demonstravam que a economia e as finanças públicas não se comportavam de todo como os modelos tinham antevisto. Mas, presos na armadilha de terem o seu homem - Vítor Gaspar - na pasta das Finanças, como é que os avaliadores poderiam reagir de outra maneira senão avalizar tudo o que fora feito?...

AYRTON SENNA GANHA PELA ÚLTIMA VEZ O GRANDE PRÉMIO DO SEU PAÍS

28 de Março de 1993. Ayrton Senna, ao volante deste McLaren vence o Grande Prémio do Brasil de Fórmula 1, que se disputou no circuito de Interlagos em São Paulo. Como paulistano, Ayrton correu e venceu em casa. Apesar da foto, acabou por ser uma corrida predominantemente seca, embora tenha chovido copiosamente entre a 27ª e a 36ª volta (das 71 totais), ocasião em que esta fotografia terá sido tirada.

27 março 2023

O MUNDO DA ENCENAÇÃO NAS CERIMÓNIAS DOS ÓSCARES DE HOLLYWOOD

27 de Março de 1973. Na cerimónia da atribuição dos óscares daquele ano, aquando da atribuição do óscar para melhor actor, ganho por Marlon Brando pelo seu desempenho em O Padrinho, aparece uma jovem vestida de índia nativa para receber - e recusar - o galardão. Dizendo chamar-se Sacheen Littlefeather (pena pequena) e ser de ascendência apache, a representante do actor faz um pequeno discurso de protesto em prol da causa dos índios americanos. Foi um momento insólito, mas também se viviam tempos em que se tinha toda uma outra tolerância para com estes episódios, uma tolerância decorrente da ingenuidade. A verdade - que não foi escrutinada de imediato pela comunicação social - é que miss pena pequena (como foi tratada pela locução da cerimónia) se chamava, na verdade, Maria Louise Cruz e não tinha nada a ver com a tribo apache. Era uma contestatária profissional e tudo não passara de uma encenação dentro de outra encenação - a da cerimónia. Mas isso durou anos a ser reconhecido.

O JAPÃO ABANDONA A SOCIEDADE DAS NAÇÕES

(Republicação)
27 de Março de 1933. O Japão abandona a Sociedade das Nações, depois das censuras públicas expressas pela Assembleia da organização, a respeito da sua conduta expansionista na China. Em O Lótus Azul, aventura de Tintin que se desenrola na China e que estava a ser desenhada nessa época, Hergé (o seu autor) refere-se ao incidente de uma forma que, não sendo rigorosa, é bastante credível. Compare-se com as imagens abaixo.

26 março 2023

O PROBLEMA DA VITÓRIA TANGENCIAL DE EMMANUEL MACRON

Tradução de um artigo da The Economist que, ao menos, me parece possuir algum grau de equidade
Qualquer presidente francês que se atreva a pedir aos seus concidadãos para se aposentarem mais tarde, fá-lo por sua própria conta e risco. Já quando Jacques Chirac tentou fazê-lo em 1995 (há 28 anos!), as reacções foram tais que ele abandonou o projecto e ano e meio depois os eleitores demitiram o seu governo. Formaram-se pilhas de lixo a apodrecer nas ruas, como hoje tornou a acontecer nas avenidas de Paris. Os apanhadores do lixo foram uns dos que aderiram à greve contra a decisão do actual presidente, Emmanuel Macron, de aumentar a idade mínima de reforma dos 62 para os 64 anos. É por isso que terá sido com algum alívio que, em 20 de Março, o seu governo minoritário sobreviveu por pouco a dois votos de desconfiança, abrindo caminho para que esta sua reforma seja finalmente promulgada.

Mas o presidente francês ainda não se safou. A lei deve ser ainda aprovada pelo conselho constitucional. E os franceses mais activistas ainda sabem melhor do que muitos como usar a força dos protestos quando tudo mais falha. Em 2006, protestos por todo o país forçaram o então primeiro-ministro , Dominique de Villepin, a revogar novas regras trabalhistas para os jovens, mesmo depois delas terem entrado em vigor. Agora, mais uma vez, os líderes da oposição estão a agitar as ruas para derrubar uma reforma da qual não conseguiram bloquear no parlamento. E não se pode excluir o risco de uma confrontação continuada, como a que a França testemunhou durante o movimento dos gilets jaunes.

Macron parece determinado a não se mostrar pressionado pelos manifestantes – e com toda a razão. A sua reforma da previdência social pode ser imperfeita, mas é essencial. A França gasta agora 14% de seu PIB em pensões públicas, quase o dobro da média dos países da OCDE. E esse fardo está aumentando à medida que a população envelhece. A França abriga hoje 17 milhões de aposentados, ou seja, 4 milhões a mais do que em 2004. Aumentar a idade de aposentadoria é uma das maneiras mais segura de colmatar a lacuna de financiamento do sistema, como já se provou em vários outros países europeus (incluindo Portugal).

No entanto, a vitória tangencial do presidente teve um alto custo político. Depois de não conseguir persuadir o público, os sindicatos ou a oposição da necessidade imperativa da sua reforma, Macron julgou que não se poderia arriscar a uma votação parlamentar normal. Em vez disso, recorreu a uma disposição constitucional extraordinária que colocou em risco a sobrevivência do seu governo. Note-se que o processo é perfeitamente legal: já foi usado 100 vezes desde que Charles de Gaulle o introduziu, inclusive para construir a dissuasão nuclear da França. Mas está a ser brandido cada vez como uma forma de impor uma decisão contra a vontade do povo. Para Macron, cujo estilo arrogante e sobranceiro de governar (idêntico ao de vários dos seus antecessores) irrita muita gente, o uso neste caso da medida extraordinária reforça a impressão de que ele não está disposto ouvir reclamações.

Isso é perigoso, porque a vitória tangencial de Macron não deve ser o fim de suas ambições de reformar a França. Ainda haverá muito a ser feito, desde a meta das emissões líquidas zero, à obtenção do pleno emprego até um melhor sistema educativo em áreas difíceis e remotas. O presidente de (apenas) 45 anos ainda está no primeiro ano de seu segundo mandato, cheio de energia e de ideias. Mas os observadores políticos já estão especulando em 2027, e para a ameaça sombria que ele pode ter de entregar as chaves do palácio do Eliseu a alguém dos extremos, como Marine Le Pen. A menos que Macron possa melhorar a vida de seus concidadãos, ele não conterá o caldo de cultura que alimenta o populismo.

Mesmo aí, um perfil de reformador pode não ser o suficiente. Uma liderança democrática necessita da dinâmica constante e cuidadosa da autoridade mas também do consentimento. Agora, mais do que nunca, Macron precisará corrigir seu jeito solitário e mostrar aos franceses que não desrespeita nem o parlamento, nem o povo.

Com a guerra na Ucrânia, a Europa beneficia-se com a existência de uma França forte e estável, que é a segunda maior economia da UE e o seu único peso pesado militar. Para a França, impor a reforma da previdência social sempre seria o seu segundo melhor resultado. Para Macron, é uma nota que em política nem sempre é suficiente estar-se certo.

Porém, a lição é mais vasta do que isso. Aqueles que em França querem que o seu próximo presidente provenha de um centro democrático, e não da extrema-direita, não se podem agora dar ao luxo de ficarem calados. Não é apenas Macron que é o culpado pela confusão. Um grupo de parlamentares republicanos de centro-direita, muitos dos quais apoiam esta reforma, estão a tentar fazer-se de esquecidos nesta fase. O seu silêncio político, significativo quando sabem muito bem que a França precisava desta mudança, está a ser míope e cobarde. E eles podem acabar por pagar um preço alto por tanto manobrismo.
O último parágrafo do texto acima visa criticar os protagonistas políticos franceses pertencentes às áreas Democráticas, mas a admoestação assenta que nem uma luva a variadíssimas opiniões que se têm vindo a exprimir por cá, a começar e só por exemplo, por esta acima, emitida pelo Guru a quem se atribuiu a responsabilidade pela última maioria absoluta do PS, o salvador da actual situação enrascada. Um gajo que é um profissional a inventar as tretas que se promovem em campanhas e que sabemos ser um cínico quanto à sua sinceridade, aparece-nos agora, armado em ingénuo, a cobrar pelo valor facial as tretas impigidas pela campanha de Macron!?...

EU AINDA HAVEREI DE COMPREENDER OS CRITÉRIOS COMO AS EDITORAS PORTUGUESAS SELECCIONAM AS OBRAS A TRADUZIR...

Hoje passei por uma livraria e encontrei estas duas novidades editoriais deste mês, livros que li e a que me referi apreciativamente, aqui no Herdeiro de Aécio. Recordando-os, A China depois de Mao é o mais recente de uma tetralogia do mesmo autor que cobre a História da China depois da Segunda Guerra Mundial. Na altura em que os apreciei, disse e mantenho, que este é o mais fraco da série. Contudo, foi por ele que a editora começou a tradução, a versão portuguesa aparece apenas um ano depois da inglesa. Os outros três livros sobre a História da China de Frank Dikötter - o mais antigo data de 2011 - continuam por traduzir... Em contrapartida, A Cortina de Ferro de Anne Applebaum foi publicado originalmente em 2012 e esperou até 2023 para que surgisse a sua versão em português. Na apreciação que então lhe fiz, ainda em Novembro desse ano, considerava-o um livro que recomendava... quando saísse. Saiu agora, onze anos depois... Estes critérios desconcertantes (ainda um outro exemplo) para traduzir este género de livros terão decerto uma lógica, tanto mais que estão envolvidas editoras diferentes. Só que me falta ainda compreendê-la para que me possa dar à preguiça de os ler já traduzidos.

O CREPÚSCULO DA REPUTAÇÃO DOS OFICIAIS GENERAIS

À esquerda o general putinista, à direita o general zelenskista, ao centro a moderadora que faz figura de corpo presente. Leia-se o título e os argumentos de cada um dos generais e comprove-se como qualquer um deles é paupérrimo, cada um preocupado em ressaltar as deficiências do inimigo e em evitar referir-se às dificuldades do seu lado. Isto é remeter a densidade da análise do conflito ucraniano a um nível ultra-simplificado, apenas marginalmente mais sofisticado do que aquele que se ouve nos programas de comentário de futebol, nos mesmos canais de TV. Realce-se que neste caso dos comentadores escolhidos para a guerra da Ucrânia, ao contrário dos do futebol, a aquisição da condição de oficial general resulta de uma selecção entre os melhores oficiais das forças armadas, uma selecção feita pela própria instituição. Ao contrário dos programas de futebol, em que as condições de admissão de comentadores são várias e muito subjectivas, neste caso teremos ali os membros da elite militar. Mas se isto pretende passar pela elite das forças armadas, então que vergonha para as forças armadas!

A BATALHA NAVAL DAS ILHAS KOMANDORSKI

26 de Março de 1943. A batalha naval das ilhas Komandorski (russas) travou-se há oitenta anos entre as marinhas de guerra dos Estados Unidos e do Japão no Norte do Pacífico, no local assinalado no mapa da direita. A esquadra japonesa, composta por dois cruzadores pesados, dois ligeiros, e quatro destróieres, escoltava um comboio de navios de reabastecimento para as guarnições japonesas nas ilhas Aleutas. A esquadra norte-americana, composta por um cruzador pesado, um ligeiro e quatro destróires (portanto, em inferioridade numérica e de poder naval) atacou os navios mercantes do comboio japonês na ignorância de que a sua escolta era-lhe superior. A batalha começou pela manhã - as primeiras salvas foram às 08H40 - duraram cerca de quatro horas. Cinco dos navios envolvidos foram atingidos mas nenhum foi afundado. O resultado táctico foi um empate, mas o resultado estratégico foi favorável à US Navy. A Marinha Imperial Japonesa considerou excessivos os custos para sustentar as suas guarnições nas Aleutas e acabou por as evacuar. Devido à localização remota da batalha, nenhuma das esquadras teve uma assistência aérea ou submarina, o que torna este uma dos poucas batalhas navais exclusivamente entre navios de superfície na Guerra do Pacífico e um dos últimos duelos puros de artilharia entre esquadras de grandes navios de superfície na História Naval.

25 março 2023

OS CONCORRENTES AO «MASTER CHEF» DOMINICANO

De há uns anos para cá, quando da realização destas importantes cimeiras internacionais, adoptou-se o hábito de mascarar os ilustres visitantes com o trajo local. Às vezes produz impressões colaterais, como acabou de acontecer na Cimeira Ibero-Americana, acabada de realizar na República Dominicana. Ao ver Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa vestidos com aquelas fatiotas brancas locais, a minha impressão instintiva é que qualquer dos dois se preparava para concorrer, com outros, ao concurso do Master Chef local. Aliás, quem não se lembra ainda da famosa receita de cataplana crua do primeiro-ministro?...

O RELÓGIO DE MACRON E A PUSILANIMIDADE DO COMENTADORISMO DOMÉSTICO

Estive muito atento às reacções - especialmente às reacções críticas - à entrevista de Emmanuel Macron e acabei a concluir que o tópico mais criticado não foi o das contas que ele ali apresentou sobre a garantida insustentabilidade do regime vigente da segurança social francesa. A crítica mais contundente e propagada foi... sobre o seu relógio. O relógio estava no pulso ao princípio da entrevista (à esquerda), mas, porque o proprietário terá considerado (segundo fontes do palácio do Eliseu) que ele fazia um barulho irritante no tampo da mesa quando ele gesticulava, retirou-o discretamente por debaixo da mesa por volta do décimo minuto da entrevista (à direita, depois disso). Porque (desconfio) nada haveria a refutar ao que ele disse, o relógio de Macron tornou-se a estrela da entrevista para os media e as redes sociais. O relógio foi apreçado, mas as avaliações variam disparatadamente 50 vezes, entre os €80.000 e os €1.600. Em suma, um disparate, em que se visa pessoalmente Macron porque não há propriamente argumentos para refutar aquilo que tem que ser feito, sem que alguém apresente formas alternativas de o fazer. Mas aquilo que mais me incomoda é ver, com tantos comentadores que temos por cá nos media e nas redes sociais, eu não ter dado conta nem de um, sequer, que se atreva a dizer aquilo que eu considero óbvio: aquele milhão de franceses que têm alimentado com os seus protestos o espectáculo mediático, podem estar muito chateados, mas tenho a certeza que não vão conseguir nada quanto à questão das reformas. E este aqui abaixo, qualificado como «editor de Internacional da CNN/Portugal», é apenas um caso de tantos que eu tenho visto em cima do muro, sem se comprometerem.

QUANDO OS BISPOS QUEREM EXERCER AUTORIDADE... EXERCEM-NA

A alusão desta discreta notícia de há cinquenta anos serve apenas para comprovar que, quando os bispos querem exercer a sua autoridade sobre os padres da sua diocese, e sancioná-los, sabem-no fazer. Diga-se, por curiosidade, que um dos pontos da contenda entre o arcebispo de Braga (Francisco Maria da Silva) e os cinco padres castigados, a eventual criação de uma diocese de Viana do Castelo, formada pela secessão de uma parte da histórica arquidiocese de Braga, veio mesmo a verificar-se dali por por quatro anos e meio, em Novembro de 1977. Mas o importante é que, tendo em conta estas referências que mostram uma enorme severidade disciplinar para com insubordinações, percebe-se melhor quanto é inexplicável esta inércia a que se tem assistido por parte da hierarquia da igreja católica, nas reacções adoptadas para com aqueles padres indiciados pelo relatório da comissão de inquérito para o estudo dos abusos sexuais de crianças. Embora nestes últimos dias se pareça estar a verificar uma inflexão nessa atitude, a começar por um primeiro comunicado de penitência, que foi publicado precisamente e por coincidência por essa mesma arquidiocese de Braga.

24 março 2023

A «MENTAL COACH» QUE "QUASE" MARCOU O GOLO DO ÉDER PELO ÉDER

Em Portugal há (por ordem decrescente de importância):
1º) o Golo do Éder,
2º) o Éder que marcou o golo
3ª) uma senhora chamada Susana Torres que se aproveitou do Golo do Éder para se promover como Mental Coach (escrito em estrangeiro) do Golo do Éder.

Naturalmente é esta última, a Mental Coach, a que aparece mais vezes na televisão a explicar porque é que o Golo quase se deve a ela.
Mas ontem, a Joana Marques, sem ser Extremamente Desagradável, aproveitou o seu programa de rádio para perguntar ao Éder, convidado do programa, que verdade havia nas efabulações da sua antiga Mental Coach. Pelos vistos, é tudo mentira. Não é que não se suspeitasse, mas são tantas as vezes que se evita chamar a estas figuras bullshiters (escrito em estrangeiro), que estes momentos de revelação se tornam momentos de catarse.

CELEBRAÇÕES TARDIAS A PRETEXTO DO DIA MUNDIAL DA POESIA

No passado dia 21 de Março celebrou-se o dia mundial da poesia. E houve quem se dispusesse a assinalar a data escrevendo um poema. Pior: publicou-o numa das redes sociais. A poesia não merecia.

QUEM NÃO LÊ... CHAPÉU!

24 de Março de 1973. Um grande anúncio de jornal promovia uma nova colecção de livros de bolso que saíam semanalmente, resultado de uma associação entre algumas grandes editoras. E o slogan era esse: «quem não lê... Chapéu!» Implícito estaria uma associação entre a leitura regular de livros e a sofisticação intelectual que seria a ambição (de parecer) dos leitores do Diário de Lisboa. E não só: recordo-me de ver este mesmo anúncio em televisão. O slogan popularizou-se. Ganhou uma conotação maliciosa, como aqui contei. Hoje os tempos estão muito mudados. Quem não lê não se incomoda nada com isso. E não se importa sequer de o manifestar com sobranceria. Aquilo que sabe vem de audiovisuais, vê televisão e a sofisticação intelectual que ambiciona é a de equiparar-se a estrelas dessa mesma televisão, como, por exemplo, Cristina Ferreira ou Georgina Rodriguez que, como se lê abaixo, «nunca fez "cocó num avião comercial"». «Por esta é que ninguém esperava». O mundo está a dar uma grande volta: em vez de ler as biografias ou memórias dos famosos, ficamos suspensos por saber das suas caganitas ou cagalhões...

23 março 2023

PARA ESTE PEDITÓRIO JÁ TODOS TEREMOS DADO...

Comprovando que, para a maioria da comunicação social portuguesa Lisboa é Lisboa, e o resto do país é paisagem, e para que o assunto dos (poucos) padres que têm vindo a ser afastados preventivamente (e a conta gotas) como consequência do relatório sobre o abuso de menores ganhasse uma outra dinâmica mediática, devidamente fulanizada, foi preciso que um dos afectados pertencesse a uma das mais importantes paróquias lisboetas. (Até parece que a este padre temos a obrigação de o conhecer...) Não temos, mas ao padre em destaque acresce o interesse de ele pertencer, aparentemente, à corrente ultramontana (ultraconservadora) da igreja católica. E de contar com André Ventura entre os fiéis do seu rebanho. Será tudo isso que conferirá tanta ressonância mediática aos seus votos de protesto pela decisão cautelar que foi assumida pela hierarquia da arquidiocese lisboeta de o suspender. Todavia, no campo das mais veementes proclamações de inocência no meio mediático, a sociedade portuguesa tem o subconsciente saturado de proclamações do género, até mesmo, ou especialmente quando, o assunto é a pedofilia, recorde-se o Caso Casa Pia e o palco infinito que foi - e continua a ser... - concedido a Carlos Cruz, mau grado as sentenças judiciais que desmentem tantas e tão veementes proclamações de inocência. Mas, sobretudo, o que estes epifenómenos mediáticos podem ocasionar (e não o deviam), é desviar-nos as atenções do que me parecem ser as conclusões mais importantes da investigação que foi levada a cabo sobre os abusos sexuais de menores na igreja católica: os casos foram, na sua grande maioria, abafados institucionalmente durante décadas; exposto isso, o comportamento das hierarquias da instituição não parece ter-se modificado substantivamente depois disso

O ANÚNCIO DA INICIATIVA DE DEFESA ESTRATÉGICA («STAR WARS«)

23 de Março de 1983. Num discurso televisionado, o então presidente americano Ronald Reagan anuncia a sua intenção de desenvolver um dispositivo de defesa contra um ataque nuclear soviético. O próprio explicava que esse "escudo de defesa", instalado tanto à superfície, quanto no espaço, iria ser complexo e custoso. O empreendimento recebeu o título de Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI em inglês), mas a comunicação social não tardará a rebaptizá-lo de «Star Wars», inspirado nos filmes da série. E, eloquente do quanto a compreensão e a explicação dos conteúdos mais significativos de um discurso pode passar completamente ao lado dessa mesma comunicação social, o artigo que aparece no dia seguinte no Diário de Lisboa, dedicado ao discurso de Reagan, não dedica nem uma linha ao tema! É completamente possível que hoje esteja a acontecer qualquer coisa de muito significativo e que não será a ler os jornais (ou a ouvir as rádios ou as televisões) do dia que nos aperceberemos disso.

22 março 2023

«LA FRANCE EST UNE NATION QUI S'ENNUIE»*

Eu não consigo ver estas imagens abstraindo-me do facto de que estes protestos são contra a alteração de regras das reformas, regras essas que foram estabelecidas quando a pirâmide demográfica da França era completamente diferente da actual. Em que, proporcionalmente, havia muitos mais a descontar para muitos menos. Quem protesta acima, não me parece fazê-lo acompanhando esses protestos de argumentos desmontando os apresentados por aqueles que querem reformar o sistema, considerando-o insustentável no futuro. Vemos adultos a manifestarem-se e os estragos que fazem são impressionantes, mas, no fundo, tudo isto parece não passar de uma birra de crianças (grandes). Será por isso que ele há momentos da entrevista de hoje de Emmanuel Macron (abaixo) em que este parece estar a dar uma descompostura aos franceses mais recalcitrantes. E sobre este último, confesso com admiração, que é raro nos dias de hoje, ver um político empenhar-se assim na concretização daquilo em que acredita. (Versão total da entrevista no original)
* "A França é uma nação que se aborrece" - frase atribuída ao poeta e político francês Alphonse de Lamartine.

O FIM DA ESCRAVATURA EM PORTO RICO

22 de Março de 1873 é a data em que foi decretado o fim da escravatura na ilha de Porto Rico, que era então uma colónia espanhola. A lei abolicionista previa uma indemnização aos proprietários de escravos, a ser paga em títulos do Tesouro, remunerados a 6% ao ano, como este exemplar que vemos acima. Mas o detalhe para que queremos chamar a atenção, que nos parece digno de um Fernando Medina a descativar verbas é o facto do título ter sido emitido a 6 de Abril de 1876, mais de três anos depois! Ainda é pior do que a dinâmica do Ministério das Finanças português!

21 março 2023

O «ROMBO» DE 0,01% NO «FUNDO DA SEGURANÇA SOCIAL»

Para educar o leitor sobre a escala do assunto, esclareça-se que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social a que esta notícia alude tinha 23.180 milhões de euros em 2021. Portanto, estes 2,6 milhões representam qualquer coisa como 0,0001 do total, ou 0,01%. É essa a verdadeira dimensão do rombo. Grande só mesmo o título da notícia e a desfaçatez e mesmo má fé de quem a redigiu desta maneira.

Adenda: Elogie-se quem noticia o mesmo assunto à escala apropriada.

DOENTES DE PRIMEIRA E DOENTES DE SEGUNDA CLASSE

Daquilo que se percebe sobre as causas da sanção que é aplicada aos dois hospitais particulares, nestes dois hospitais o acesso à saúde não será propriamente igual para todos e será só por uma questão de pudor e de marketing que não o escarrapacham à entrada do estabelecimento, como o faz a CP nas suas carruagens. Há doentes de primeira e segunda classe. Os doentes com ADSE servem para completar a facturação. Não faz mal que assim seja, o que está mal é que esta discriminação seja prática corrente, sem ser assumida por quem a pratica. A multa é pela hipocrisia. O que o artigo não esclarece é qual o montante das multas que a ERS aplicou, não se revelem elas tão (pouco) pesadas quanto aquelas que, em valores ridículos e como aqui vimos há dias neste mesmo blogue, a FPF aplica aos clubes de futebol.

NEM GUERRA NEM PAZ, A POPULARIDADE DA LOTARIA NUM PAÍS DESMORALIZADO

(Republicação)
A 21 de Março de 1943, em França, andava à roda. A França de há oitenta anos era um país estranho e isso não apenas por causa da degradação crescente do estatuto do regime que, só aparentemente, a governava. As prepotências das autoridades alemãs eram comuns e multiplicavam-se, os comboios só circulavam irregularmente, o mesmo acontecia com a circulação postal, a vida quotidiana das pessoas centrava-se na preocupação com o que comer e que vestir, contornando os limites incomportáveis que eram impostos pelo racionamento, havia falta de tudo, até mesmo de papel, mas essas carências não se pareciam reflectir na qualidade e quantidade dos cartazes da publicidade da Lotaria Nacional cujo ritmo das extracções, haviam passado nesse ano, de mensal a semanal. A atenção dada ao jogo ainda é um bom parâmetro para aferir a moral de uma sociedade.

OS DISPARATES DO COSTUME...

Mesmo se qualquer das moções de censura apresentadas ontem na Assembleia Nacional francesa tivesse passado, Emmanuel Macron continuaria sobrevivo, já que ele é presidente da República. Foi eleito por sufrágio universal. O seu cargo não depende da aprovação parlamentar. A incompetência do jornalismo é isto...

20 março 2023

UMA M**** DE ARTIGO E UM ARTIGO DE M**** SOBRE A PRODUÇÃO DE M****

Além daquilo tudo que se lê em título, o artigo é absurdo por mais do que uma razão. A primeira é que o artigo é fraudulento: destaca uma pergunta para a qual não tem resposta. À pergunta «Quantas vezes por dia?» responde «depende de muitos factores», «as opiniões dividem-se», «não existe uma resposta certa». Em segundo lugar, porque, da leitura do artigo, que assenta nas opiniões de uma tal «Hana Patel, uma médica especialista em saúde feminina», se retira a vaga impressão que existirá um aparelho digestivo distinto para homens e mulheres. E este artigo será só para mulheres - veja-se a sugestão da imagem - e para as suas excreções. Em terceiro lugar, escreva-se aquilo que é óbvio: que o acto de defecar é dos actos mais pessoais e intransmissíveis que existem. Não é por acaso que costuma ser referido polidamente como «uma coisa que ninguém pode fazer por mim». Que sentido fará então o alerta para que a leitora «saiba quando pedir ajuda». Ajuda para quê? Só se for para limpar, mas isso é já depois da coisa feita. Daí talvez a importância dada ao rolo que a cagadora tem nas mãos. Em quarto e último lugar: qual é o problema se nos limitarmos a fazermos apenas quando temos vontade?... Uma merda de artigo. Um artigo de merda. Sobre a produção de merda.

O INCIDENTE SUBMARINO DA PENÍNSULA DE KOLA

(Republicação)
A península de Kola tem 100.000 km² e situa-se a Noroeste da Rússia, quase toda ela situada a Norte do Círculo Ártico. A sua importância para a Rússia advém da existência do porto de Murmansk que, apesar da sua localização no Mar de Barents, parte do Oceano Glacial Ártico, dispõe da grande vantagem das suas águas não congelarem durante o Inverno, ao contrário daquilo que acontece com todos os portos russos no Báltico. Apesar da sua localização remota em relação ao núcleo da Rússia (1.500 km até Moscovo), Murmansk é, ainda assim, o quarto porto da Rússia e é por tudo isso que ali se localiza uma das mais importantes bases navais russas, onde nomeadamente se albergam a esmagadora maioria dos seus submarinos. A abertura do filme A Caça ao Outubro Vermelho de 1990 (abaixo) enfatiza essa paisagem gelada que, como se pode observar no mapa acima, rodeia o prolongado fiorde que separa Murmansk do mar aberto.

Mas aquilo que aconteceu perto daquelas paragens a 20 de Março de 1993, há precisamente trinta anos, embora envolvendo também um submarino russo e outro norte-americano, já não foi propriamente do domínio da ficção. Enquanto um submarino russo, o Novomoskovsk de 11.700 toneladas (abaixo, na foto superior) realizava submerso manobras de treino no Ártico, havia um submarino americano, o Grayling de 4.200 toneladas, que o seguia discretamente, evitando ser detectado. Com tanta discrição que, a certa altura, o próprio Grayling perdeu o Novomoskovsk de vista (de ouvido, já que o meio de detecção é o sonar) e quando deu por ele, este fizera uma viragem de 180º e os dois estavam em rota de colisão! O comandante norte-americano ainda tentou desviar a rota e emergir - afinal, o seu navio é que era o prevaricador e, sobretudo, o seu navio tinha apenas ⅓ do deslocamento do seu opositor! - mas a manobra não conseguiu evitar que os dois submarinos colidissem, ainda só que de raspão.
Felizmente, apesar dos danos materiais, não houve danos pessoais em qualquer das tripulações, mas o incidente deixou a imagem dos americanos em péssimos lençóis. Já no ano anterior houvera um incidente semelhante também naquele local e, nessa altura, o secretário de Estado James Baker acorrera a Moscovo para acalmar um irritadíssimo Boris Yeltsin, que constatava que, para a US Navy, aquela história do fim da Guerra-Fria não era afinal para levar a sério. Apesar das promessas então feitas, agora em 1993, sob uma nova administração (Clinton), tudo parecia ter continuado na mesma. Como uma qualquer outra burocracia que funciona por inércia, a máquina de guerra norte-americana recusou-se a abdicar do seu ganha-pão apesar da tão propagada alteração da situação estratégica. E claro que há uma outra burocracia que cuida que não se dê atenção desmesurada a estes incidentes e que a sua memória não se prolongue por demasiado tempo...

DESCONTANDO A SEMÂNTICA DE CADA ÉPOCA...

...os problemas com que se confrontam os governos têm uma certa tendência para se perpetuar, porque falhos de resolução. Reconheça-se que não estou a imaginar António Costa a empregar o eufemismo «classes menos abastadas» que acima se lê no título do jornal, mas «a necessidade de se resolver o problema da habitação» parece ter permanecido uma constante destes últimos 70 anos. Agora engendram-se uma encenações com trios dinâmicos (de ministros), mas a essência do problema, parece ainda ser sempre a mesma.

19 março 2023

O ACTO ELEITORAL PARA A APROVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1933

Domingo, 19 de Março de 1933. Tinha lugar o acto eleitoral para a aprovação da Constituição do Estado Novo. O Diário de Lisboa dava destaque de primeira página aos momentos em que Óscar Carmona, presidente da República, e Oliveira Salazar, presidente do Conselho, votavam (entregavam a sua lista, como então se dizia). O ritmo do escrutínio era outro. No dia 11 de Abril o Diário do Governo publicava os resultados oficiais: 1.292.864 a favor, 6.190 contra, 666(?) nulos e 30.538 abstenções. Eram resultados inverosímeis, mas essa era a prática aceite para actos eleitorais em ditaduras onde ocorriam vitórias esmagadoras de 99.5%!

A ABDICAÇÃO DO PRIMEIRO IMPERADOR DO MÉXICO

19 de Março de 1823. Abdicação do Imperador Agostinho I (Iturbide) do México. O seu reinado durara apenas dez meses, de Maio de 1822 a Março de 1823. Com esta abdicação colapsava um modelo de organização monárquica de inspiração napoleónica* (aprecie-se o estilo do retrato do Imperador...) que fora adoptado por ele e pelos seus apoiantes como modelo político inspirador para aquela que fora a colónia espanhola do México. Como se percebe pelo mapa, este breve Império do México era bastante mais extenso do que o México actual: para além de abranger todo o Sul dos actuais Estados Unidos (incluindo os estados da Califórnia, Texas, Arizona, Novo México e Nevada), incluía também ainda cinco países da América Central (Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica).

* Em contraste com o Brasil, onde o monarca (também Imperador) Pedro I ia buscar a sua legitimidade ao facto de pertencer à casa real da antiga metrópole portuguesa.

NÃO É UM (DES)"CONSOLO PARA A ALMA" LER ESTA NOTÍCIA A DEZ ANOS DE DISTÂNCIA?...

19 de Março de 2013. Estes dois «melhores CEO da Europa» de há dez anos tornaram-se hoje pessoas de interesse de algumas investigações em curso... Isso sim, é que é um assunto que se segue com interesse. Quanto aos concursos para melhor CEO da Europa, esses deixaram de ser interessantes para a comunicação social portuguesa. Estamos numa equilíbrio medíocre: ainda não temos nenhum CEO ou aparentado condenado pela justiça, mas também os jornais já se deixaram de os promover como dos melhores da Europa.

18 março 2023

LEGENDAS DE FOTOS QUE DESCREDIBILIZAM O ARTIGO E A AUTORA

Vale a pena esmiuçar a legenda que o Público escolheu para a fotografia que ilustra este seu artigo acima sobre a desclassificação das actas do Conselho Superior de Defesa do tempo do Marcelismo. António de Spínola com as tropas na Guiné já depois de ter sido demitido de vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas por Marcello Caetano na sequência da publicação do livro Portugal e o Futuro. Há aqui tanto erro que é difícil saber por onde começar a crítica. Optei por o fazer pela ordem em que os disparates são mencionados. António de Spínola foi demitido do seu cargo de vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas em Março de 1974. O pretexto invocado para a sua demissão foi a sua falta de comparência a uma cerimónia em que todos os oficiais generais vieram manifestar junto de Marcello Caetano o seu apoio à política ultramarina prosseguida pelo presidente do Conselho. A cerimónia e os seus participantes ficaram ironicamente conhecidos pela «brigada do reumático». Mas o que importa reter é que medeia um escasso mês entre essa demissão e o 25 de Abril de 1974. Conceber que, nesse mês, o demitido general Spínola regressasse à Guiné (onde aliás havia um novo comandante-chefe...) para se envolver em operações, é um disparate indicativo que quem escreve esta legenda não faz a mínima ideia sobre o que está a falar. E depois há a fotografia, que é relativamente conhecida, data de Outubro de 1969 - ou seja quatro anos e meio antes da demissão do general Spínola! - e foi publicada numa das edições de Novembro da revista francesa Paris-Match. A jornalista que assinava a reportagem associada à foto é precisamente Geneviève Chauvel, cujo nome aparece referido em rodapé. Podemos perceber que a fotografia foi ali colocada apenas com o propósito de ilustrar a guerra colonial, cujas actas desclassificadas são o verdadeiro tema do artigo. Mas escrever tanta asneira ignorante numa legenda que precede a leitura do artigo propriamente dito, descredibiliza obrigatoriamente tudo aquilo que a jornalista - Helena Pereira - venha a escrever sobre o assunto.

OS PRIMÓRDIOS DO «CASO PROFUMO»

18 de Março de 1963. O Diário de Lisboa dá o destaque que a imagem acima documenta àquilo que denomina por «um "mistério" que envolve um diplomata russo (e que) apaixona a opinião pública britânica». O dito "mistério" envolve «um manequim de 21 anos» (uma designação de salão para uma prostituta de luxo), «um diplomata soviético (entretanto) chamado a Moscovo», «um cidadão da Jamaica ciumento» (por sinal, era antiguano, mas isso é pormenor), mas o protagonista verdadeiramente interessante que os jornais britânicos ainda não se atreviam a mencionar pelo nome era John Profumo, o secretário de Estado da Guerra do governo conservador de Harold Macmillan. Era ele que conferia todo o interesse ao "mistério" e será ele que emprestará o seu nome ao caso, o «Caso Profumo», caso esse que terá como consequência, dali por dois meses e meio, a demissão do titular que há 60 anos ainda não se mencionava(abaixo), por ele ter mentido ao Parlamento quando à questão do seu envolvimento com a «manequim» Christine Keeler. Todo o episódio veio a constituir mais um factor de desgaste do governo britânico de então.

17 março 2023

EXPLOSÃO DE ALEGRIA

Republicação
Explosão de Alegria (Burst of Joy, no original) foi o título dado a uma fotografia premiada, tirada em 17 de Março de 1973 numa Base Aérea da Califórnia, por ocasião do retorno a casa dos pilotos que haviam sido aprisionados pelos norte-vietnamitas durante a Guerra do Vietname. Nela vê-se uma família americana típica de classe média (com a esposa e mais quatro filhos) correndo para abraçar o pai/marido acabado de chegar e que, visto de costas, ali parece personificar simbolicamente todos os militares naquela mesma situação, simultaneamente pondo um ponto final ao envolvimento norte-americano no Vietname. Ao contrário de outros casos, a versão editada da fotografia (a que se vê no inicio do poste) não difere muito da que foi originalmente tirada pelo fotógrafo Sal Veder (imediatamente acima). Apenas uns retoques, fazendo desaparecer uma parte do lado esquerdo da fotografia, mas sem que se fizesse perder o lugar central a Lorrie Stirm, então com 15 anos, a filha mais velha do regressado Tenente-Coronel Robert L. Stirm (que tinha então 39) e, visivelmente, a que se mostrava mais entusiasmada a acolher o pai que já não via há 6. Só depois vêm os irmãos Bo (Robert Jr.) e Cindy, a esposa Loretta e por fim o irmão Roger. Robert L. Stirm era um oficial piloto-aviador da USAF que havia sido abatido sobre o Vietname do Norte em 27 de Outubro de 1967. O avião que pilotava, um F-105 como o da fotografia acima, é um daqueles casos em que ainda hoje permanece controversa a razoabilidade do seu emprego nas situações de combate em que foi usado. Concebido para ser extremamente rápido e para operar a baixas altitudes, comprovou-se repetidamente que era uma presa fácil para as defesas anti-aéreas norte-vietnamitas. No global, perderam-se 320 F-105 em situações de combate nos céus do Vietname, o que representa 38% de todos os F-105 construídos! Stirm foi mais um desses pilotos abatidos que, tendo tido a sorte de se conseguir ejectar a tempo, não teve a sorte de conseguir ser resgatado pelos helicópteros enviados para o efeito, vindo a ser capturado pelos norte-vietnamitas no solo. Permaneceu 1965 dias como prisioneiro de guerra e veio a ser libertado no dia 14 de Março de 1973, ou seja, três dias antes daquela fotografia ter sido tirada. E, como prova que estas fotografias famosas raramente são aquilo que mostram, juntamente com a alegria da libertação chegou-lhe também uma carta da sua mulher, Loretta, a comunicar-lhe a intenção de pedir o divórcio… Sabendo isto, um dos enigmas da fotografia (que ficará para sempre por resolver) será saber se a expressão de Robert L. Stirm seria tão sorridente como a que aqui aparece, naquele momento em que Sal Veder o apanhou de costas e fez dele o exemplo do soldado americano desconhecido, de regresso (finalmente) a casa…