14 março 2023

A GREVE DA FUNÇÃO PÚBLICA

14 de Março de 1923. O governo português de então vivia momentos difíceis por causa de uma greve «de braços caídos» da função pública. Só que as greves da função pública de há cem anos em quase nada se assemelham àquelas cerimónias coreografadas de agora, protagonizadas por profissionais do protesto. A partir das notícias que o Diário de Lisboa publicava, ficava-se a saber que a greve eclodira no ministério das Colónias, porque «não tinha sido dado ainda cumprimento ao despacho do respectivo ministro (Alfredo Rodrigues Gaspar) que equiparava o vencimento daquele pessoal aos dos seus colegas das Finanças. (...) Embora todos os funcionários comparecessem nos seus lugares, o expediente esteve completamente paralisado». Mais abaixo lia-se que, provavelmente por não ter nada para fazer, mas também por se sentir desautorizado, «o sr. ministro das Colónias não (ia) ao seu gabinete há dois dias e hoje não assisti(ra) ao conselho de ministros». Aparentemente tratar-e-ia de um «braço de ferro» entre os ministros das Colónias e das Finanças (Vitorino Magalhães) Só que, para piorar a situação, «os funcionários do ministério da Instrução» - sem ser preciso aparecer um avô do Mário Nogueira! - «resolveram unanimemente dar a sua solidariedade aos seus colegas das Colónias, declarando-se hoje em greve».

A coluna do lado direito acima dá-nos as notícias do que estaria a ser a reacção governamental. Na Câmara de Deputados, um dos deputados da maioria governamental (Torres Garcia), em jeito de peão de brega, dava o mote para a reacção do chefe do governo: «...afirma ter-se iniciado em alguns ministérios a greve de braços caídos.(...) Pergunta ao sr. presidente do Ministério (António Maria da Silva) (...) quais as providências que tenciona tomar para evitar que o movimento se transforme numa greve geral»(!)... A resposta do presidente está à altura do ambiente criado: «os funcionários públicos andam há muito tempo a arrepiar caminho. (...) Na classe dos funcionários do Estado estão anarquistas antigos, indivíduos que escrevem em "A Batalha" - jornal anarquista - incitadores de crimes que o Estado tem tido a complacência de ter ao seu serviço. Refere-se a "um tal Monteiro" do ministério das Colónias e diz que se o apanha em qualquer coisa, não deve ficar com vontade de se meter noutra». Em suma, e mesmo que o jornalista houvesse feito a transcrição do discurso completo de António Maria da Silva, dá para perceber que nele não se incluiria quaisquer pistas de como solucionar o impasse de uma greve que, ao contrário destas greves modernas, paralisaria mesmo a actividade de alguns ministros.
Mas substantivamente nada acontecera (nem acontecerá nos próximos dias) para resolver a greve que se declarara dentro dos próprios ministérios. No edição do dia seguinte do mesmo jornal, para além do "tal Monteiro" (ficamos a saber que se tratava do sub-director geral das colónias do Oriente) ter esta manifestação de desagravo que se lê acima, pedindo «uma sindicância aos seus actos», no ministério das Colónias tudo continuava como dantes e o ministro sem aparecer sequer no gabinete. Qualquer analogia que se queira fazer com o actual dinamismo governamental para resolver as greves no Ensino, na Justiça, na Saúde, comparar a retórica inconsequente de António Maria da Silva com a de António Costa, terá sido uma mera coincidência...

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