Através do Água Lisa descobri que outro dia ocorreu um lapso numas declarações da Ministra da Saúde. O episódio foi considerado com tal relevância pela redacção do Portugal Diário que esta lhe resolveu dar o destaque que se pode observar nas suas páginas. Parece-me ser um daqueles casos em que creio que se percebe automaticamente qual terá sido a causa da asneira de Ana Jorge: habituada a referir-se por rotina à Checoslováquia (que, contudo, é um país que já não existe há 16 anos…), corrigiu o engano referindo-se a um dos dois países resultantes da cisão, a Eslováquia, precisamente o errado, aquele onde não fica Praga.
Talvez também tenha influenciado a correcção o facto da outra metade do país ter uma designação pesada que não se pode simplificar: República Checa. São países (como a República Dominicana ou a República Centro-Africana) em que é quase preciso alterar o ritmo ao discurso para os designar. E, já que estamos numa de asneiras, vale a pena evocar aqui uma das cómicas, a do comentador da Antena 1 que relatava o República Checa 1 - Portugal 0, dos quartos de final do Europeu 1996 que, em cimada irritação do golo de Poborsky, ainda insistia em designar os jogadores adversários por republicanos checos… É que, se calhar, devia haver uma selecção rival composta por checos monárquicos…
Em suma, como em tudo, em geografia também há pequenos e grandes disparates e o enorme relevo dado pela redacção do Portugal Diário à gaffe da Ministra da Saúde ao localizar Praga na Eslováquia mereceria que eles fossem brindados também com um pequeno, famoso e arrasador inquérito aos conhecimentos de geografia mundial que apareceu num episódio da série Yes, Prime Minister:
1- Onde fica o Alto Volta? 2- Qual é a capital do Chade? 3- Que língua falam no Mali? 4- Quem é o presidente do Peru? 5- Qual é a religião nacional dos Camarões?
Claro que o inquérito é para se responder sem consulta… e eu gostaria muito de ouvir as respostas dos membros da redacção do Portugal Diário para também as afixar na Net... A sério e muito mais importante, vale a pena reflectir sobre o assunto que levou Ana Jorge a referir-se a Praga e às universidades espanholas: a previsível falta de médicos que virá a ocorrer no futuro em Portugal. E, sobre esse assunto, a redacção do Portugal Diário terá para entrevistar uma extensa sucessão de antigos Ministros da Saúde, do tempo em que ainda havia Checoslováquia e onde em Portugal se reduziam os lugares de acesso ao ensino superior em Medicina até se ter criado o problema actual…
ADENDA (de 3 de Fevereiro):
Porque não tenho a pretensão de que o Herdeiro de Aécio seja lido em toda a parte, tive a oportunidade de inserir o comentário abaixo na caixa dos ditos do artigo do Portugal Diário que se indignava com a ignorância da ministra:
Dado o destaque que deram nesta notícia à gaffe da ministra quando localizou Praga na Eslováquia, gostaria de verificar como estão os conhecimentos de geografia aí dos membros da vossa redacção - pois parece-me que é a redacção que colectivamente assina essa notícia onde se mostram impressionados com a ignorância ministerial.
São apenas cinco perguntas elementares sobre geografia política - para responder sem consulta... - que retirei dum episódio da série Yes, Prime Minister:
1- Onde fica o Alto Volta? 2- Qual é a capital do Chade? 3- Que língua falam no Mali? 4- Quem é o presidente do Peru? 5- Qual é a religião nacional dos Camarões?
Fico à espera das vossas respostas (sem batota...) para o meu e-mail. Entretanto, talvez não fosse mau que aí na redacção moderassem as vossas indignações com as ignorâncias alheias...
Antes de lá ir espreitar, alguém quer fazer uma aposta sobre o que aconteceu ao comentário?...
A música do vídeo acima assinala a primeira vitória de uma concorrente irlandesa no Festival da Eurovisão em 1970. A canção chamava-se All Kinds of Everything, a intérprete Dana, então com 18 anos. Veja-se o vídeo e os mais nostálgicos recordarão como era um tempo de uma outra ingenuidade e não me refiro apenas à infantilidade da letra da música ou à piroseira da orquestração: onde é que hoje em dia seria possível que Dana fosse a um Festival da Eurovisão sem que não passasse antes por um dentista que lhe corrigisse o buraco que ela tem no meio dos dois dentes da frente?
Por detrás de toda essa inocência, tinham começado os anos terríveis dos confrontos entre os católicos e os protestantes na Irlanda do Norte, e Dana, por muito que a sua canção se dedicasse ao seu namorado e a todas as coisas da natureza que a faziam lembrar-se dele, também se tornou um factor, ainda que involuntário, dessa disputa. É que, apesar de se ter apresentado a concurso representando a Irlanda, Dana era uma católica originária da cidade de Derry (veja-se no mapa abaixo) na Irlanda do Norte e como tal, vencera-o representando um país que não o seu (que era o Reino Unido).
Desnecessário será dizer que o entusiasmo com que Dana foi recebida na sua cidade natal terá superado em muito aquele com que havido sido acolhida em Dublin, a capital da Irlanda. Entre os políticos da comunidade católica da Irlanda do Norte aproveitou-se a ocasião para que o acontecimento e a jovem intérprete fossem os pretextos para a propaganda da sua causa: a reunificação da Irlanda! Os acontecimentos subsequentes evoluíram para um progressivo aumento da hostilidade entre as duas comunidades numa guerra surda que veio a atingir o seu apogeu entre os anos de 1972 e 1976. A propósito do ano de 1972, de Derry e de hoje ser 30 de Janeiro, completam-se nesta data 37 anos sobre a data do Bloody Sunday(*), um incidente bastante grave, ocorrido precisamente em Derry, onde pára-quedistas britânicos dispararam sobre uma multidão de manifestantes católicos, tendo morto 14 e ferido mais outros 13 entre participantes e alguns assistentes que estavam no local da manifestação. O incidente veio a tornar-se mundialmente conhecido por causa da banda irlandesa U2 e do seu sucesso de 1983, Sunday Bloody Sunday, aqui abaixo cantada ao vivo no vídeo do Concerto Live Aid de 1985.
Se a associação da canção de letra ingénua de Dana com os problemas irlandeses será surpreendente, também a canção de letra engajada de Bono, o vocalista dos U2, tem algo para nos surpreender. É que, tendo como pretexto um incidente que resulta da aplicação desproporcionada da força pelos militares britânicos, esse facto não devia fazer esquecer que, de entre as 3.523 vítimas mortais que o conflito na Irlanda produziu entre 1969 e 2001, 58% delas foram da autoria dos nacionalistas católicos (2.055), 29% dos lealistas protestantes (1.020), mas menos de 11% (368) da responsabilidade das forças de segurança(**)…
(*) Domingo Sangrento
(**) É uma questão distinta do comportamento posterior das autoridades britânicas, quando tentaram, de forma inadmissível, encobrir as responsabilidades dos pára-quedistas no incidente.
A História também se faz, por vezes, de imagens fortes, que é que parece ser o caso da fotografia acima, bastante conhecida, onde aparece um europeu vestido de trajes tradicionais árabes. Trata-se de T.E. Lawrence (1888-1935), um arqueólogo que, durante a Primeira Guerra Mundial, se tornou conhecido por causa do seu papel de agitador durante a insurreição que os britânicos fomentaram junto dos árabes contra o Império Otomano. A figura de Lawrence veio depois a popularizar-se ainda mais com o aparecimento de um filme em 1962, baseado não muito rigorosamente nesse período da sua vida e intitulado precisamente Lawrence da Arábia(abaixo), onde o seu papel é interpretado pelo actor Peter O´Toole.
Nesse mesmo filme, o segundo papel mais importante foi atribuído ao actor Alec Guiness, que representou o papel do Príncipe Faiçal (1883-1933), o principal dirigente da coligação de tribos árabes que, construída sob a inspiração de Lawrence, se bateu e contribuiu para derrubar o domínio otomano. Depois da Guerra e da divisão do Império Otomano, o Príncipe veio a tornar-se a partir de 1921 o Rei Faiçal I do Iraque, depois de ter sido escolhido por um plebiscito onde venceu com 96% de votos favoráveis… A fotografia de baixo é a fotografia oficial do Rei Faiçal dessa época. Ao invés da outra, muito mais popular, em vez de vermos um europeu vestido de trajes tradicionais árabes, temos um árabe vestido à ocidental…
A fotografia oficial do verdadeiro Faiçal pode ser menos exótica do que a de Lawrence, mas será porventura mais significativa da importância dos padrões e dos valores que estavam então em vigor naquela época. Um soberano devia fazer-se retratar vestido apropriadamente, e isso implicava um fato talhado impecavelmente por um alfaiate de nomeada. Além das fortes, a História também se deve fazer das imagens verdadeiras…
Sem dizer uma única palavra, um homem armado assaltou, esta sexta-feira, à hora do almoço, uma agência da Caixa Geral de Depósitos, em Vila Nova de Gaia. Segundo o JN apurou, tudo aconteceu poucos minutos antes das 13 horas, na dependência situada na Avenida da República, próximo a Soares dos Reis. O assaltante, que usava um chapéu azul e foi descrito por testemunhas como alto e magro, começou por se dirigir ao balcão, colocando em cima da mesa um papel onde estava escrito: Isto é um assalto. Eu sou mudo.
O texto é uma transcrição parcial de uma notícia do Jornal de Notícias de 24 de Janeiro e o vídeo é uma cena de um filme de 1969, Take the Money and Run. O Mudo de Gaia saiu-se melhor do assalto do que Woody Allen... Provavelmente porque, apesar de mudo e ao contrário do desastrado Allen do filme, não terá tido problemas com a caligrafia, nem mostrado receio em empunhar a caneta...
Entre aquelas pequenas coisas misteriosas que me intrigam no mundo editorial, conta-se as causas para o sucesso fulgurante do livro O Erro de Descartes de António Damásio, quando ele foi publicado em Portugal, vai para uns 14 anos. Saído em Maio de 1995, três meses depois o livro já atingira a 12ª Edição! O que, convenhamos, para livros de carácter científico é uma coisa raríssima… Ora o meu mistério, mesmo não me pronunciando sobre o seu conteúdo científico, que para tal não estou habilitado, é que, apesar do sucesso, tenho do referido livro uma opinião muito negativa...
Tratando-se de uma tradução do original inglês, a forma como se abordam os assuntos naquele livro, tornam-no num exemplo acabado do livro maçudo para quem o leia como informação geral. Nem o acabei de ler. Desconfio também que os que aguentaram até ao fim terão sido uma minoria ínfima entre os vários milhares de compradores que justificaram aquelas 12 edições. Mas, mesmo desistente, ainda retenho do que li n´O Erro de Descartes a questão do mapeamento das diversas áreas funcionais do cérebro, nomeadamente onde se produzem as emoções.
Não sei se Damásio já terá identificado a área que no cérebro dos intelectuais está afecta aos momentos delirantemente escapistas e irracionais, que se costumam exprimir em comentários descaradamente tendenciosos sobre o desempenho do seu clube de futebol. Sei que, caso exista essa área no cérebro, então os intelectuais, como Francisco José Viegas ou António Pedro Vasconcelos, tê-la-ão hipertrofiada, conforme se constata pelas suas intervenções públicas na televisão ou pelos seus comentários na blogosfera. Mas há uma excepção a esta regra: José Pacheco Pereira. José Pacheco Pereira, ao confessar-se honestamente pessoa totalmente desinteressada do fenómeno do futebol (e não estou a falar da sua prática…), acaba por não ter actividade onde sublimar a sua parcialidade oriunda da tal área do cérebro que, quase de certeza, existe, apenas não sei se Damásio já a terá descoberto… Conclusão: acabam por ser as suas análises da situação política nacional que sofrem com isso, com momentos delirantementetendenciosos, parecidos com qualquer apreciação do desempenho de uma qualquer equipa de arbitragem que prejudicou o nosso (dele) clube… o PSD.
Ou seja, segundo o Abrupto, aquilo do Freeport foi um penalti que ficou por marcar!...
A famosa Queda de Constantinopla, conquistada pelos turcos, aconteceu a 29 de Maio de 1453. O acontecimento foi escolhido pelos historiadores não só para assinalar o fim definitivo do Império Romano (do Oriente) acompanhado da morte heróica do último Imperador (Constantino XI) de armas na mão, como também se convencionou que esse ano de 1453 serviria para assinalar o fim da Idade Média e o início do Renascimento. Mas uma outra maneira de contar precisamente a mesma história, poder-nos-ia fazer concluir que o Império Romano do Oriente já havia acabado quase precisamente 250 anos, com uma muito mais embaraçosa e discreta Queda de Constantinopla, a 13 de Abril de 1204.
A razão principal do embaraço é que os que desempenharam o papel de conquistadores nessa prévia Queda de Constantinopla foram os cruzados oriundos de toda a Europa ocidental que a partir de 1202 se haviam reunido para a realização da Quarta Cruzada. A cidade de Jerusalém voltara ao controle muçulmano em 1187. Em reacção a isso, o Ocidente europeu organizara uma nova Cruzada, a Terceira (1189-1192), recheada de quase todas as vedetas coroadas do continente: os Reis de França e de Inglaterra e mesmo o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Frederico Barbarossa. Foi um fiasco. Frederico morreu afogado no Leste da Turquia em 1190 e depois disso gerou-se a confusão total na expedição...
Esta Quarta Cruzada, de que se começara a falar em 1199, pretendia corrigir alguns dos vícios da anterior, com menos vedetas coroadas (não participava nenhum monarca), mas arranjou outros, porque a direcção política desta Cruzada era muito pouco perspicaz e rapidamente ela tornou-se um joguete dos interesses venezianos, a cidade-estado que se encarregara da logística naval da expedição. E foi assim que uma expedição concebida para combater muçulmanos se viu engajada contra cristãos ortodoxos, apenas para fazer um jeitinho aos venezianos que, por acaso, eram, conjuntamente com os genoveses, os grandes rivais comerciais de Constantinopla no comércio marítimo no Mediterrâneo.
Os cruzados conquistaram pela primeira vez Constantinopla em 18 de Julho de 1203, para lá instalar um novo Imperador Romano, Aleixo IV. O pretexto para a interferência dos venezianos e dos cruzados fora uma disputa dinástica entre o novo Imperador e o seu tio (Aleixo III). Dessa vez, pelo menos formalmente, os cruzados foram ainda apenas um instrumento de uma das facções do poder político bizantino. Mas quando voltaram a atacar e a (re)conquistar a cidade nove meses depois, a 13 de Abril de 1204, já agiram autonomamente, contra o poder político que haviam anteriormente instalado e com quem, entretanto, já se haviam incompatibilizado.
Dessa segunda vez a cidade foi metódica e brutalmente saqueada para pagamento dos serviços dos venezianos e dos próprios cruzados, cujo incumprimento havia provocado as incompatibilidades que haviam conduzido aquele desfecho. O Império Romano do Oriente foi substituído pelo Império Latino de Constantinopla, cujo primeiro soberano foi um dos cruzados, Balduíno I. Mas a designação Império é enganosa (veja-se acima): tratava-se de uma estrutura feudal clássica, com a sua estrutura em pirâmide e as inerentes fraquezas por assentarem numa população que era hostil à nova nobreza. Houve mesmo várias secessões de partes do território imperial que passaram a obedecer a monarcas locais.
Houve dois deles que assumiram mesmo o título, pretensioso naquelas circunstâncias, de Imperador (em grego Basileus), como se se tratasse daquilo que hoje designaríamos como um de governo no exílio: foram os soberanos de Niceia e de Trebizonda. Foi em 25 de Julho de 1261 que se registou mais uma Queda de Constantinopla, desta vez nas mãos de um pequeno destacamento ao serviço do Imperador de Niceia, Miguel VIII. Este último, mal pôde, partiu para Constantinopla onde se fez coroar novamente a 15 de Agosto de 1261. Por essa altura, depois de 57 anos de administração latina, com uma população estimada em 35.000 habitantes, a cidade era uma sombra do que fora.
Apesar do título, apesar da fama da sua capital, este Império Romano restaurado, nem na época do seu maior apogeu ultrapassou a extensão de um Reino de média dimensão, instalado em regiões não particularmente prósperas. Mas houve vários interesses que se conjugaram para que a ficção política e histórica da continuidade se mantivesse. Por um lado, era do próprio interesse dos gregos pretender que não houvera qualquer ruptura na continuidade que vinha desde os tempos de Constantino. Por outro, os acontecimentos de 1204 são um descomunal embaraço político e ideológico para todo o Ocidente e para a Cristandade, ao ferir de morte aquele que era o seu mais importante aliado na luta contra o Islão.
É por isso que convém aceitar com cautela algumas ideias que se difundiram sobre a Queda de Constantinopla que ficou mais famosa, a de 1453. É que a cidade que os turcos conquistaram não possuía quase nada do esplendor imperial de outrora. As várias Quedas anteriores haviam-na despojado de muita da magnificência dos períodos de ouro. Nem as suas muralhas eram assim tão inexpugnáveis, que só os enormes canhões do Sultão, armas que só haviam sido inventadas depois da descoberta das aplicações militares da pólvora, podiam agora derrubar. Os acontecimentos de 1203 e 1204 mostraram como as operações de cerco medievais, quando eram devidamente preparadas, podiam ser bem sucedidas…
Os três mapas apresentados são reproduções parciais do Sudeste da Europa do The TimesAtlas of European History para os anos de 1180, 1223 e 1270.
Há inúmeras maneiras de apresentar divisões internas que existam na Europa. Resolvi apresentar em poste a do mapa abaixo (pode clicar em cima para o aumentar), traçada a azul-escuro, porque foi uma novidade para mim. Trata-se de uma linha de alturas – é uma divisão geográfica física, portanto – que separa as redes hidrográficas que fazem desaguar as suas águas no Oceano Atlântico ou nos seus anexos (como o Mar Báltico), que se situa a Norte e Ocidente, das redes que estão orientadas para o Mar Mediterrâneo e seus respectivos anexos (como o Mar Negro), que se situam a Sul e Oriente da linha divisória.
As conclusões que se podem tirar da observação do mapa são curiosíssimas. Assim, a Suíça aparece como uma reentrância, com quase toda a sua rede hidrográfica orientada para o Atlântico. Em contrapartida, além naturalmente dos Balcãs, países que nos habituámos a classificar como da Europa Central (a Áustria, a Hungria, a Eslováquia) estão orientadas para o Mediterrâneo. A França é um país decididamente Atlântico, à excepção daquela cunha cavada pelo Rio Ródano, assim como o será a maioria da Península Ibérica, mas numa configuração alternativa à que agora existe, com Castela aliada a Portugal e um Aragão autónomo.
Há marcas e símbolos que reconhecemos indiscutivelmente portuguesas pela sua perenidade e pela sua imutabilidade. Um caso exemplar disso é o Licor Beirão, originário da Lousã, fabricado de acordo com uma fórmula criada em 1940 e que se popularizou através da publicidade que era afixada ao longo das estradas. Abaixo podemos ver o anúncio que se tornou o logótipo identificativo do produto, que ainda hoje permanece o mesmo.
Outro caso semelhante são as crónicas de Vasco Pulido Valente, fabricadas de acordo com uma fórmula de 1941, que se popularizaram por serem de travo ácido, ao arrepio do senso comum e publicadas ao fim-de-semana. Abaixo podemos ver uma crónica publicada há mais de 30 anos a um Sábado num Expresso e que é quase indistinguível no estilo e até tem o mesmo destinatário (o 1º Ministro…) daquela que hoje, Sábado também, saiu no Público…
Pessoalmente, só de forma muito ocasional bebo licor beirão e muito de quando em vez concordo com o que Vasco Pulido Valente escreve numa crónica sua… Raramente tenho tido oportunidade de ouvir opiniões que aprofundadamente defendam a qualidade de qualquer daqueles dois produtos, mas reconheço que ambos caíram nos hábitos de consumo dos portugueses, que, se calhar, acabaram a consumi-los apenas por uma certa rotina…
O que me atrai nesta música é o seu início, como se estivéssemos a meio de uma gigantesca espreguiçadela que nos levasse a uma tal inércia que fizesse com que a variação das notas musicais fosse extremamente hesitante e vagarosa, em que não nos apetecesse reagir à pressão da marcação acelerada do ritmo que a música tem. Trata-se de um daqueles vídeo-clips clássicos (1981), assim como o é o cabriolet que nele aparece, um Volkswagen Karmann Ghia, uma raridade dos anos 50. A letra, que me perdoem, mas não vale o trabalho de tradução…
SOUVENIR It's my direction It's my proposal It's so hard It's leading me astray
My obsession It's my creation You'll understand It's not important now
All I need is Co-ordination I can't imagine My destination My intention Ask my opinion But no excuse My feelings still remain My feelings still remain
O último programa Sociedade das Nações da SIC contou com a presença do Chefe de Estado-Maior da Armada, o Almirante Melo Gomes. Falou-se do renascido problema da pirataria no mar e foi um programa interessante. Mas houve uma parte que quero para aqui destacar quando, por volta dos 17 minutos de programa (ele pode ser visto na sua totalidade aqui) e apesar de precavidamente ter-se considerado tendencioso, o Almirante Melo Gomes afirmou que a verdadeira arma dissuasória que possuímos em Portugal é a arma submarina. E a afirmação, apesar da presença de Nuno Rogeiro, não recebeu qualquer pedido de esclarecimento…
Lembrei-me de uma conversa da famosa série Yes, Prime-Minister entre o Primeiro-Ministro e um velhote de aspecto excêntrico e sotaque carregado (chamava-se Isaac Rosenblum...), que ocupava o cargo honorífico de seu Chefe dos Consultores Científicos, a respeito dos objectivos da guerra nuclear: - Acredita na dissuasão nuclear, Sr. Primeiro-Ministro? - Sim. - Porquê? - Porque… dissuade. - Quem? - Perdão? - Quem? Quem é que dissuade? - Os russos. De nos atacarem. - Porquê? (…)
Enfim, o diálogo continua. É muito engraçado e para quem o quiser continuar a seguir e saiba inglês, coloquei-o aqui. Mas o que me interessa agora é que, regressando à questão dos submarinos e à afirmação do Chefe de Estado-Maior da Armada, ao contrário do que acontecia com o Primeiro-Ministro James Hacker, eu não tenho qualquer resposta para a pergunta a quem é que os submarinos dissuadem… Terá o Almirante Melo Gomes a amabilidade de nos indicar, para um horizonte temporal de 15 a 20 anos, uma lista dos potenciais inimigos de Portugal cuja conduta para connosco poderá ser condicionada pela existência do par de submarinos encomendados pelo Dr. Paulo Portas? É que, como muito bem fazia o Professor Isaac Rosenblum na sua avaliação, mais importante do que o instrumento de dissuasão, importa saber antes a quem ela se destina...
Hesitei bastante antes de me decidir se valeria a pena escrever sobre o documentário As Duas Faces da Guerra, sobre a que se travou na Guiné-Bissau e que passou na semana passada na RTP1. Não vale porque, objectivamente, aquilo que vi não é, nem provavelmente seria para ser, um documentário genuíno. Mas creio que, no meio das críticas que resolvi não fazer, vale a pena chamar a atenção para um detalhe, que é sintoma das distorções que o jornalismo, quando misturado com ideologia em excesso , introduz em documentos como este suposto documentário que teria pretensões a possuir algum valor histórico.
O detalhe que quero realçar está associado à escolha, entre a vintena de depoimentos de pessoas do lado português, de Mário Pádua (*), um alferes miliciano médico que, por razões ideológicas, desertou do Exército português e foi oferecer os seus préstimos à causa nacionalista anti-colonial, no caso, a do PAIGC. Não se pretende questionar o interesse do seu depoimento, nem será arriscado suspeitar que aquela sua atitude receba a simpatia e o respeito pessoal da jornalista responsável pelo documentário, Diana Andringa, naqueles tempos militante do MRPP, organização fortemente anti-colonialista (**).
Mais do que isso, terá havido inúmeras maneiras que os incorporados adoptaram para manifestar a sua relutância em relação à Guerra, desde a evasão ao recrutamento à deserção antes ou depois do embarque. Mas o que me interessa aqui questionar é a representatividade do gesto de Mário Pádua que o torne importante no conjunto, quando se toma em consideração que terá havido cerca de 100.000 soldados europeus que prestaram serviço na Guiné. Ou seja, destes, quantos desertaram, e dos que desertaram, quantos se ofereceram para trabalhar com o antigo inimigo? Terá havido duas dúzias (0,024%)?
Estas perguntas podem não passar de pormenores, mas são o tipo de pormenores que estabelecem uma distância infinita entre o que é o trabalho em jornalismo e o de produzir documentos com rigor histórico. É que o interesse jornalístico principal parece ser o de produzir documentos em que, como aconteceu com o percurso de Mário Pádua, foi o homem que mordeu o cão, enquanto que a História, como a da Guerra na Guiné-Bissau, costuma ser feita das sensaboronas histórias de cães que morderam os homens, homens esses a quem, na sua esmagadora maioria, nem lhes passou pela cabeça desertar…
(*) – Mário Pádua também aparece como depoente na série A Guerra, também apresentada pela RTP1.
(**) – Conhecida pelas suas pinturas murais imediatamente posteriores a 25 de Abril de 1974: Nem mais um soldado para as colónias.
Recebi o vídeo que coloquei mais abaixo pelo correio. À medida que o estava a ver, comecei a lembrar-me de um Concurso que se chamava Quantos cabem dentro de um Mini? Nesse concuros, semana após semana, aparecia um novo lote de concorrentes (cada vez mais) que se espremia para caber dentro de um Mini, como se prepara para acontecer na fotografia abaixo.
Ora o vídeo pareceu-me a primeira sessão de um concurso semelhante só que ao contrário: Que arsenal se consegue guardar num par de calças? Depois de 10 pistolas e revolveres, uma espingarda caçadeira e uma pistola-metralhadora Uzi, ao concorrente só ficou a faltar que lhe lá coubesse um Lança Granadas Foguete, do tipo RPG-7 (na fotografia mais abaixo)... Talvez o próximo o conseguisse... Mas seria para ser batido pelo concorrente vencedor que traria de certeza dentro das calças um daqueles Morteiros de 82...
Agora, tentando atribuir alguma seriedade a algo que a perdeu completamente: Com este exagero, quaisquer explicações que se ouçam em off (que creio que fazem parte de uma campanha contra a violência nas escolas) só se tornam ridículas... Ainda para mais quando o ponto da explicação é a vantagem dos alunos trazerem as blusas por dentro das calças...
A Região Autónoma Judia, situada na região ao redor da cidade de Birobidjan, no Extremo Oriente russo (ver mapa abaixo), foi uma unidade política da União Soviética criada em 1934 para vir a albergar uma parte da população judia da União que ali se quisesse instalar. Essa Região, pertencente à República Socialista Federativa Soviética Russa fora destinada a conferir um espaço territorial próprio (com uma área de cerca de 36.000 km²) a uma das nacionalidades soviéticas (os judeus) que se caracterizava precisamente por viver disseminada entre todas as outras.
O sionismo – a difusão do ideal que incentivava a migração dos judeus para a Palestina – era então evidentemente proibido na União Soviética. E a Região Autónoma Judia foi a resposta do socialismo soviético ao sionismo trabalhista, a facção mais esquerdista do sionismo, que hoje é frequentemente esquecido mas que já foi muito enaltecido, especialmente através das sociedades igualitárias que se formaram para desenvolver as colónias agrícolas na Palestina – conhecidas por kibbutz ou moshav – embora hoje, haja menos de 5% da população israelita a viverem em colónias desse tipo. Essa espécie de terra prometida para os judeus soviéticos era também um território de aquisição recente, cuja posse os soviéticos procuravam ainda consolidar. Num território que fazia fronteira com a China, Birobidjan, a capital, fora fundada apenas em 1915 e fora inicialmente a povoação que ficava à volta de mais uma estação do caminho-de-ferro transiberiano que liga Moscovo a Vladivostok. Desejava-se que a motivação nacional judaica fosse um factor a contribuir para o povoamento de um território onde a densidade populacional mal chegava a atingir os 2 habitantes por km². Nas aparências, o idioma oficial da Província era o iídiche(*) escrito com o alfabeto hebreu (à direita), mas os resultados da imigração judaica, apesar das inúmeras campanhas lançadas para o efeito, foram um desapontamento. Em 1939 nas vésperas da Segunda Guerra Mundial e quando a situação estava muito tensa entres os soviéticos e os japoneses (que então ocupavam a China), os judeus eram 17.700, ou seja apenas 16% dos 109.000 habitantes. Em 1959, já depois da fundação de Israel (1948), enquanto a população total aumentara para 163.000, a judaica diminuíra para 14.300 (9%)…
Na actualidade, tendo-se mantido a designação de Região Autónoma Judia mesmo depois da desagregação da União Soviética, o seu uso é uma ironia, quando se sabe que os judeus eram apenas 2.400 ou seja 1,2% da população total (191.000) no último censo ali realizado (2002). Entretanto, como foi restabelecida a liberdade religiosa, verifica-se que a esmagadora maioria da população local pratica o cristianismo ortodoxo… Não estando directamente associada à questão israelo-palestiniana de que tanto se fala, vale a pena lembrar esta terra prometida a que os judeus não se agarraram…
(*) Idioma germânico normalmente usado pelos judeus da Europa Central e Oriental. Os da Europa Meridional costumavam usar o ladino. Os fundadores de Israel preferiram que o idioma oficial do novo Estado fosse o hebraico, que era a língua religiosa de todas as comunidades.
Desde a origem dos tempos que terá havido uma guerra entre as mães e os filhos que não gostam de leite. E de há uns 70 anos para cá (serão uns 50 anos entre nós), houve quem pretendesse convencer as mães que o problema se resolveria adicionando um preparado com sabor achocolatado ao leite. O axioma que se esconde por detrás dessa certeza é o de que todas as crianças gostam de chocolate. Por vezes, com certas crianças, o axioma falha, mas isso agora não interessa nada… Este poste é uma pequena resenha desses preparados que há 50 anos fazem a alegria da pequenada…
Como estabelecem as regras do Marketing, quando mais semelhantes os produtos forem com os da concorrência, maior é o esforço que se é obrigado a atribuir à componente promocional do produto – à publicidade. É o caso típico destes preparados que facilmente conhecemos por serem tão publicitados. Comecemos precisamente por aquele que será o mais discreto, embora faça parte do grupo dos históricos, dos mais antigos, o Milo, com a sua embalagem verde e que pertence à multinacional suíça Nestlé, embora, vim a descobrir, a fórmula tenha sido inventado na Austrália e seja uma bebida nacional na Malásia… Genuinamente suíço, mas intrinsecamente germânico no seu sabor, é o Ovomaltine, bebida que ainda hoje desenvolve em mim reacções olfactivas traumáticas, associadas a madrugadas de inverno em que tinha de me levantar cedíssimo e ainda estava tudo escuro, a que se juntava aquela beberagem de sabor indefinido… O terceiro dos históricos é o Toddy, que vinha de uma origem diametralmente oposta: o Brasil. Dos três mencionados, suponho que seria o que então mais apostaria na publicidade, com a de locução a ser feita em português com sotaque brasileiro o que, no Portugal da altura, lhe trazia um cunho de exotismo…
Talvez esteja enganado, mas já não associo o Nesquik à mesma geração dos três anteriores. Apesar de também pertencer à Nestlé suíça, é um preparado de origem norte-americana e tudo nele, a começar pela cor dominante (amarelo) até à mascote (o coelho) me faz associar a produto daquela origem transposto para a Europa… Finalmente, mais recente que os outros, temos o Cola Cao, que é de origem espanhola. Só veio a ser lançado em Portugal na década de oitenta, com uma ampla campanha de publicidade alicerçada num programa de televisão de sucesso da mesma origem que se chamava Um, Dois, Três e que era apresentado por Carlos Cruz.
Já aqui há uns quatro meses aqui tinha deixado uma sugestão para que os leitores que quisessem, fizessem a comparação entre as inclinações eleitorais dos estados norte-americanos nas eleições presidenciais que então se aproximavam e o seu grau de esforço financeiro para o funcionamento da União, dos Estados Unidos no seu conjunto. E eu fornecia a matéria-prima, que era composta por dois mapas com os 48 estados contíguos dos Estados Unidos.
Um continha então as previsões eleitorais, que agora substituí pelos resultados reais das eleições de Novembro de 2008 (mapa acima), com os estados vencidos por Obama pintados a cor azul e os ganhos por McCain a vermelho. O outro mapa era menos exuberante, e havia sido retirado da página 280 de um livro intitulado Political Geography da autoria de Kevin R. Cox (Blackwell 2002) e era um pouco mais difícil de ser interpretado (mais abaixo).
Cada estado contribui com uma parcela dos seus impostos para o orçamento federal e é também dali recebe que a maioria dos seus fundos. O número que consta do mapa abaixo associado a cada estado é o rácio entre aquilo que cada estado recebe, comparado com o que ele paga. Se o indicador estiver acima de 1, então o estado recebe mais do que paga, e quanto maior do que 1, mais ele recebe proporcionalmente, e a lógica inversa aplica-se para os índices abaixo de 1.
A minha sugestão da altura foi para que, quem quisesse, fizesse uma comparação entre um mapa e outro. Foi o que resolvi fazer hoje, já com os verdadeiros resultados eleitorais, a pretexto de ser o dia da posse de Barack Obama. No quadro abaixo, os 48 estados estão ordenados dos mais pagadores para os mais recebedores e respeita-se a convenção das cores estabelecida pelo mapa acima (cor azul para Obama e vermelha para McCain):
ESTADOS e Índices
New Jersey...............................................................0,69 Connecticut...............................................................0,71 Nevada .....................................................................0,75 Minnesota ................................................................0,75 Illinois .......................................................................0,75 New Hampshire .........................................................0,75 Michigan ...................................................................0,77 Delaware ...................................................................0,83 Wisconsin ..................................................................0,84 New York ..................................................................0,88 Massachusetts ..........................................................0,88 California ...................................................................0,92 Indiana ......................................................................0,92 Oregon .......................................................................0,93 Ohio ............................................................................0,93 Colorado .....................................................................0,95 Washington ................................................................0,98 Texas ..........................................................................0,99 Georgia .......................................................................0,99 Utah ...........................................................................1,00 Nebraska ...................................................................1,00 North Carolina .............................................................1,02 Kansas ........................................................................1,03 Pennsylvania ...............................................................1,04 Vermont ......................................................................1,04 Florida ........................................................................1,05 Iowa ............................................................................1,11 Arizona .......................................................................1,13 Tennessee ..................................................................1,15 Rhode Island ...............................................................1,16 Wyoming ....................................................................1,17 Idaho ...........................................................................1,18 Missouri ......................................................................1,24 South Carolina .............................................................1,25 Arkansas .....................................................................1,33 Louisiana .....................................................................1,33 Alabama .......................................................................1,33 South Dakota ................................................................1,36 Maine ...........................................................................1,41 Oklahoma .....................................................................1,45 Kentucky ......................................................................1,46 North Dakota ................................................................1,52 Virginia .........................................................................1,54 Maryland ......................................................................1,54 Montana .......................................................................1,56 Mississippi ....................................................................1,57 West Virginia ................................................................1,64 New Mexico ..................................................................1,93
Como se constata, Barack Obama venceu em 17 dos 19 estados que são contribuintes líquidos para a União. E venceu em todos aqueles onde esse esforço é mais significativo. Só lhe faltou ganhar no Texas e na Geórgia. Visto nesta perspectiva, além de uma decisão democrática, a eleição de Barack Obama também foi especialmente validada por parte da população dos estados que entram com o dinheiro para a coesão federal…
A História é fértil em narrativas que provam a influência da personalidade daqueles que detiveram o poder para a forma como os acontecimentos se desenrolaram. Então naqueles regimes onde o poder se tendeu a concentrar numa só pessoa, a importância da personalidade dessa pessoa torna-se decisiva. A União Soviética do stalinismo, por exemplo, só é concebível com os traços de personalidade de Staline.
Contudo, em certas ocasiões e em certos pormenores, os próprios ditadores acabam por ter de se vergar a quem mostra ter traços de carácter bem vincados... Este poste destina-se a dar o destaque que é merecido ao mau feitio do cavalo branco que aparece no centro da fotografia acima, que foi tirada quando ele estava a ser montado pelo marechal Zhukov durante a parada da Vitória que teve lugar na praça Vermelha a 24 de Junho de 1945.
Originalmente, a cerimónia fora concebida para que fosse Staline em pessoa, como o Vencedor da Grande Guerra Patriótica, a comandar as tropas em parada. Contudo, nos ensaios, Staline, que era um cavaleiro medíocre, vira-se em tais dificuldades para dominar o cavalo branco que lhe fora destinado que, para evitar o enorme embaraço que seria uma queda sua durante a cerimónia, acabou por preferir que fosse Zhukov a dominar o fogoso cavalo (acima).
Para se desforrar e reafirmar a sua primazia, três dias depois da parada Staline fez-se promover de marechal ao novo posto de generalíssimo da União Soviética. O pior da sua nova patente era mesmo o uniforme correspondente, que o até próprio Staline achou ridículo demais, com o seu casaco branco e as calças duplamente listadas a vermelho (acima), a fazer lembrar (palavras do próprio generalíssimo) um porteiro de um restaurante de luxo…
Ouvir na BBC era uma expressão coloquial muito usada durante o antigo regime. Havia a capa dos meios de comunicação tradicionais portugueses, que apenas passavam a informação oficial autorizada e censurada, mas, quem pretendesse estar realmente bem informado, tinha de ouvir a BBC e ouvir na BBC, por mérito dos britânicos, tornou-se numa expressão que era uma chancela de uma informação fidedigna. Depois do 25 de Abril, recordo-me que um dos sintomas mais sérios em como o PREC havia entrado numa deriva totalitarista que controlava praticamente toda a informação existente em Portugal foi a constatação que havia pessoas que haviam recomeçado a ouvir a BBC... É coisa que não me esqueço nem convém esquecer especialmente quando se ouve a expressão as mais amplas liberdades democráticas… Nem de propósito, isto acontece num país onde os naturais são socialmente muito propensos a dar muita atenção a tudo o que venha do estrangeiro – incluindo as opiniões. Não é em vão que a designação consagrada para treinador de futebol é o Mister. Já somos exportadores de treinadores de futebol, mas em clubes que são tipicamente portugueses, as soluções continuam a vir lá de fora, ¿no es verdad? Em futebol, como nos outros assuntos, não sou um grande defensor das opiniões/soluções vindas do exterior, até prova da sua valia. Em treinadores de andebol, por exemplo, temos ainda muito a aprender com as escolas dos países de Leste... Mas em previsões macroeconómicas – assunto onde haverá mais especialistas do que em andebol… – o país sempre se bastou para as despesas, com umas saudáveis divergências ocasionais… Em compita interna há sempre os números do Governo e os do Banco de Portugal e, para desempatar, os de algumas organizações internacionais, a mais utilizada costuma ser a OCDE. Agora, em momentos de grande apreensão em relação ao futuro, como é o caso actual, quando o primeiro avança com previsões e o segundo ainda não se pronunciou, parece criar-se uma situação de indecisão, a que as nuvens de dúvida que pairam sobre a figura do seu Governador, Vítor Constâncio, não ajudam nada... Talvez seja isso que justifique o recurso a ir ouvir na BBC o que se diz sobre as nossas perspectivas macroeconómicas, como se comprova em qualquer destas duas notícias de jornal (aqui e aqui). Ambas as previsões divergem significativamente das apresentados pelo governo. E tradicionalmente, quando se ouve na BBC, tende-se a acreditar na BBC…
Adenda de dia 21: A novidade desta notícia de dia 20 não é o facto de se noticiar que, quanto a previsões, a organização que Vítor Constâncio governa anda a apanhar bonés; a novidade é que quem o noticia é a Lusa, a agência de informação que está completamente controlada pelo governo...
A Guerra-Fria não teve piada nenhuma, mas tinha momentos engraçados onde se estabelecia uma espécie de coreografia entre rivais. Entre esses momentos cúmplices contavam-se as tradicionais paradas militares de Moscovo na Praça Vermelha (acima), ocasião que o Exército Vermelho aproveitava para expor o seu mais recente material de guerra. Ciente disso, a espionagem ocidental aproveitava a ocasião para o fotografar. Cientes disso, os soviéticos aproveitavam a ocasião para fazer desfilar todo o seu material mais impressionante (abaixo), mesmo que ainda não tivesse saído do estado de protótipo.
O que importa reter desta evocação é que, não se avaliando exclusivamente desse modo, a qualidade dos equipamentos de umas forças armadas são um bom indicador de qual poderá ser o seu desempenho. É por isso que havia aquela espionagem. Claro que o equipamento custa dinheiro, assim como custa dinheiro um segundo aspecto importante que também costuma ser avaliado nessas circunstâncias: o da moral dos membros das forças armadas. E o terceiro parâmetro importante que costuma ser considerado nessas avaliações, substancialmente mais intangível (e mais barato…) que os anteriores, é o da organização das forças armadas.
Recentemente, consultei um jornal da data do início deste blogue (4 de Novembro de 2005), onde uma notícia tinha o seguinte título: Chefes militares aprovam reforma das Forças Armadas. O Ministro da Defesa à época era Luís Amado (acima). Hoje, numa longa entrevista a outro jornal, pouco mais de três anos passados, o Ministro da Defesa actual (Nuno Severiano Teixeira) congratula-se pela recente aprovação pelo Parlamento das duas grandes reformas da Defesa e das Forças Armadas. Parece que, medido em termos de reformas – e, portanto de organização – Portugal deve possuir uma das Forças Armadas mais dinâmicas do Mundo…
É uma pena que nos outros dois aspectos acima citados (o da moral e dos equipamentos) não seja bem assim… E tanto frenesim reformador até faz pensar que, como não se querem despender recursos em vencimentos ou equipamentos (excepção contrariada feita ao par de submarinos de Paulo Portas...), se criou no Ministério uma terapia ocupacional centrada nas reformas… Vale a ironia, mas a demonstração da pujança das nossas Forças Armadas – o equivalente aos desfiles na Praça Vermelha – até parece ser a entrevista auto-congratulatória do Ministro dada hoje ao programa Diga Lá, Excelência e mais um grupo de putos a cantar as janeiras ao 1º Ministro…
Se já aqui mencionei duas despedidas e duas nostalgias musicais, desta vez quero falar de três enigmas. Trata-se de três canções que, não só na altura como depois, se tornaram verdadeiramente carismáticas, que saíram simultaneamente (foram as três editadas entre os meses de Maio e Junho de 1967) e cujas letras são verdadeiramente herméticas, onde permanecem ainda hoje abertas as interpretações sobre os seus significados.
As canções em questão são (por ordem de edição) A Whiter Shade of Pale dos Procol Harum, Lucy In The Sky With Diamonds dos Beatles e White Rabbit dos Jefferson Airplane e a imprensa especializada da época apressou-se a classificá-las como Rock Psicadélico… Embora a classificação possa ajudar a caracterizar o estado mental dos autores das letras quando as escreveram, não é de grande ajuda sobre o seu significado.
Por esse motivo, neste caso excepcional apenas fiz a transcrição das letras originais, sem qualquer tradução. Uma pequena nota final para o vídeo dos Jefferson Airplane (que começa sem som), que se percebe ser um descaradíssimo play-back, só possível nos primórdios, onde dois dos membros da banda até se sentam no chão enquanto a vocalista se passeia pelo palco completamente desconcentrada – e não falha uma nota!
(Algumas explicações estão em links sobre o título das canções)
We skipped the light Fandango Turned cartwheels 'cross the floor I was feeling kind of seasick But the crowd called out for more The room was humming harder As the ceiling flew away When we called out for another drink The waiter brought a tray And so it was that later As the Miller told his tale That her face, at first just ghostly Turned a whiter shade of pale
She said there is no reason And the truth is plain to see But I wandered through my playing cards And I would not let her be One of the sixteen vestal virgins Who were leaving for the coast And although my eyes were open They might just as well've been closed And so it was that later As the Miller told his tale That her face, at first just ghostly Turned a whiter shade of pale
Picture yourself in a boat on a river With tangerine trees and marmalade skies Somebody calls you, you answer quite slowly A girl with kaleidoscope eyes
Cellophane flowers of yellow and green Towering over your head Look for the girl with the sun in her eyes And she's gone
Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Aaaaahhhhh...
Follow her down to a bridge by a fountain Where rocking horse people eat marshmellow pies Everyone smiles as you drift past the flowers That grow so incredibly high
Newpaper taxis appear on the shore Waiting to take you away Climb in the back with your head in the clouds And you're gone
Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Aaaaahhhhh...
Picture yourself on a train in a station With plasticine porters with looking glass ties Suddenly someone is there at the turnstyle The girl with the kaleidoscope eyes
Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Aaaaahhhhh... Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Aaaaahhhhh... Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds Lucy in the sky with diamonds
One pill makes you larger And one pill makes you small And the ones that mother gives you Don't do anything at all Go ask Alice When she's ten feet tall
And if you go chasing rabbits And you know you're going to fall Tell 'em a hookah smoking caterpillar Has given you the call Recall Alice When she was just small
When men on the chessboard Get up and tell you where to go And you've just had some kind of mushroom And your mind is moving low Go ask Alice I think she'll know
When logic and proportion Have fallen sloppy dead And the White Knight is talking backwards And the Red Queen's off with her head! Remember what the dormouse said;
Esta evocação parcial da letra de uma famosa música de José Mário Branco (Eu vim de longe/ demuito longe/ o que eu andei p' ra'qui chegar…) aplica-se neste caso a Clint Eastwood, que hoje está transformado num realizador iconográfico de Hollywood.
Depois dos Westerns Spaghettis (acima), já por mim abordados previamente neste blogue, sucedeu-se uma fase que pretendia passar por policial mas que mais não era do que outros Westerns, agora em ambiente urbano moderno (na cidade de São Francisco). Eastwood tornou-se no detective Harry Callahan (Dirty Harry) e o seu melhor atributo para as investigações era um enorme pistolão Smith & Wesson Modelo 29, Calibre .44 (abaixo), que costumava roubar as cenas a quem com ele contracenava (acima)... Aproveito para adicionar duas dessas cenas a este poste. Os conhecimentos de inglês não são importantes para as compreender. Note-se como ambas acabam com os bandidos todos abatidos a tiro (excepto um. em cada caso) e que os bandidos são todos negros...
Para além da recordação das duas punch lines (Do You Feel Lucky, Punk? e Go Ahead. Make My Day!) fica a de como, há muito, muito tempo, o hoje inatacável Clint Eastwood ganhava a vida protagonizando filmes que eram de um racismo e reaccionarismo insuportáveis…