30 janeiro 2009

MÚSICA E POLÍTICA IRLANDESAS


A música do vídeo acima assinala a primeira vitória de uma concorrente irlandesa no Festival da Eurovisão em 1970. A canção chamava-se All Kinds of Everything, a intérprete Dana, então com 18 anos. Veja-se o vídeo e os mais nostálgicos recordarão como era um tempo de uma outra ingenuidade e não me refiro apenas à infantilidade da letra da música ou à piroseira da orquestração: onde é que hoje em dia seria possível que Dana fosse a um Festival da Eurovisão sem que não passasse antes por um dentista que lhe corrigisse o buraco que ela tem no meio dos dois dentes da frente?

Por detrás de toda essa inocência, tinham começado os anos terríveis dos confrontos entre os católicos e os protestantes na Irlanda do Norte, e Dana, por muito que a sua canção se dedicasse ao seu namorado e a todas as coisas da natureza que a faziam lembrar-se dele, também se tornou um factor, ainda que involuntário, dessa disputa. É que, apesar de se ter apresentado a concurso representando a Irlanda, Dana era uma católica originária da cidade de Derry (veja-se no mapa abaixo) na Irlanda do Norte e como tal, vencera-o representando um país que não o seu (que era o Reino Unido).
Desnecessário será dizer que o entusiasmo com que Dana foi recebida na sua cidade natal terá superado em muito aquele com que havido sido acolhida em Dublin, a capital da Irlanda. Entre os políticos da comunidade católica da Irlanda do Norte aproveitou-se a ocasião para que o acontecimento e a jovem intérprete fossem os pretextos para a propaganda da sua causa: a reunificação da Irlanda! Os acontecimentos subsequentes evoluíram para um progressivo aumento da hostilidade entre as duas comunidades numa guerra surda que veio a atingir o seu apogeu entre os anos de 1972 e 1976.
A propósito do ano de 1972, de Derry e de hoje ser 30 de Janeiro, completam-se nesta data 37 anos sobre a data do Bloody Sunday(*), um incidente bastante grave, ocorrido precisamente em Derry, onde pára-quedistas britânicos dispararam sobre uma multidão de manifestantes católicos, tendo morto 14 e ferido mais outros 13 entre participantes e alguns assistentes que estavam no local da manifestação. O incidente veio a tornar-se mundialmente conhecido por causa da banda irlandesa U2 e do seu sucesso de 1983, Sunday Bloody Sunday, aqui abaixo cantada ao vivo no vídeo do Concerto Live Aid de 1985.
Se a associação da canção de letra ingénua de Dana com os problemas irlandeses será surpreendente, também a canção de letra engajada de Bono, o vocalista dos U2, tem algo para nos surpreender. É que, tendo como pretexto um incidente que resulta da aplicação desproporcionada da força pelos militares britânicos, esse facto não devia fazer esquecer que, de entre as 3.523 vítimas mortais que o conflito na Irlanda produziu entre 1969 e 2001, 58% delas foram da autoria dos nacionalistas católicos (2.055), 29% dos lealistas protestantes (1.020), mas menos de 11% (368) da responsabilidade das forças de segurança(**)

(*) Domingo Sangrento
(**) É uma questão distinta do comportamento posterior das autoridades britânicas, quando tentaram, de forma inadmissível, encobrir as responsabilidades dos pára-quedistas no incidente.

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