31 maio 2022

O CONCURSO DE «MISSES» E A «ANTI-MISS»

Segunda-Feira, 31 de Maio de 1982. O concurso que elegera a Miss Portugal 82 fora já na antevéspera à noite, mas o Diário de Lisboa não deixava de dispensar uma parcela substancial da sua página 24 ao tópico, embora não propriamente ao que acontecera no Casino Estoril. O artigo, a quatro colunas, e da autoria do jornalista de Abril (de Abril era o código da época para comunista) Eduardo Miragaia, tinha o título de: Já não nos falta tudo - Portugal tem miss 82. Estava muito longe de ser um primor de informação: o jornalista discorria sobre imensos assuntos e pessoas - a jornalista Vera Lagoa, o ministro Ângelo Correia - mas acabava o texto sem ao menos informar os leitores como se chamava a nova Miss Portugal 82 (Ana Wilson). Uma lástima! Faltou-lhes espaço para isso, mas sobrou-lhes espaço para dedicar ao aditamento que se pode ler abaixo, uma entrevista a Maria Teresa Horta, que fora «uma das camaradas da informação presentes no Casino» e que «tivera (...) uma recepção hostil». O feminismo exuberante de Maria Teresa Horta era conhecido... e é a própria a reconhecer que terão sido até algumas das concorrentes a tomarem a iniciativa de protestarem pela sua presença em trabalho nos bastidores do certame. A visada é que não «concebia» porque é que «protestavam contra a presença dela» se ela «não tinha nada contra elas», mas contra «um sistema social (...) que explora a mulher...». Não tendo concorrido, há ali involuntariamente um fenómeno de consagração irónica de Maria Teresa Horta como uma chatarrona, eleita espontaneamente e por aclamação a Miss Antipatia 82!
Para quem desconheça, é tradicional nestes concursos de misses, as concorrentes elegeram entre si por votação, aquela que consideram mais simpática e que recebe o título de Miss Simpatia.

30 maio 2022

O MASSACRE DO AEROPORTO DE LOD

30 de Maio de 1972. Eram já 10 da noite quando três passageiros japoneses chegaram ao aeroporto de Lod vindos de Roma num voo da Air France. O aeroporto de Lod - hoje baptizado de Ben Gurion - é o principal aeroporto de Israel, servindo simultaneamente Tel Aviv, a capital administrativa, e Jerusalém, o principal destino turístico. Os três passageiros estavam vestidos discretamente, à ocidental, e traziam consigo, cada um, um estojo fino de violino. Ao chegarem à sala de espera, abriram-nos e de lá tiraram uma arma automática vz. 58 de concepção checa (abaixo) sem coronhas, para que coubessem nos estojos de violino. E começaram a disparar indiscriminadamente contra passageiros e funcionários do aeroporto, a começar por um grupo próximo de peregrinos (cristãos) de Porto Rico. Foi entre aquele grupo que se registaram 17 dos 26 mortos do ataque terrorista. Mas além dos mortos, o tiroteio provocou cerca de 80 feridos. No final, as autoridades israelitas nunca publicaram os resultados das perícias dos ferimentos, para que não se admitisse, pública e oficialmente que uma percentagem das vítimas havia sido alvejada por fogo das autoridades. Apenas um dos terroristas sobreviveu ao ataque.O processo de subcontratação dos atentados terroristas foi uma completa surpresa para os serviços de segurança de todo o mundo. A começar pelo Mossad, que é sempre tão cuidadoso a promover-se pelos seus sucessos. Mas o meu comentário final vai a fotografia acima, da sala de espera do aeroporto onde o tiroteio começou, com as bagagens perdidas e dispersas e onde o chão se encontra ainda sujo do sangue das vítimas, e em que, com grande probabilidade, o estojo do violino que se vê esquecido, teria pertencido a um dos assaltantes.

29 maio 2022

AS PARTES DA ANATOMIA MASCULINA COMO ARMAS DO CONFLITO RUSSO UCRANIANO

A revista Newsweek da semana passada queixava-se, a certa altura (na passagem sublinhada), de ter sido incapaz de verificar o que é que, num vídeo russo, o público do concerto estivera a dizer. Só deve ter acontecido porque, pudicamente, não tiveram coragem de perguntar ao José Milhazes. Reconheça-se o óbvio nesta questão controversa, mesmo que ninguém ganhe uma guerra aos palavrões, aqui não foi uma questão do caralho (como Milhazes popularizou a emissão da SIC), foi uma questão (de falta) de colhões dos editores da revista norte-americana.

A TAÇA EUROPEIA QUE SÓ SE TORNOU IMPORTANTE POR CAUSA DE TER SIDO MOURINHO A GANHÁ-LA

Ainda sobre futebol, mas agora fale-se sobre uma competição europeia de clubes de segundo nível que quase ninguém sabia que existia até ser ganha pelo Mourinho. A página da wikipedia que se lhe refere - à competição - começa por justificar assim a sua criação: «Desde, pelo menos, 2015, que a UEFA terá considerado criar uma competição de terceiro escalão, acreditando que um torneio de nível inferior poderia ser um meio de dar aos clubes de países membros da UEFA que estão pior classificados uma hipótese de progredir para além da eliminação habitual na liga dos campeões e na liga europa*.» Esta foi a primeira época em que essa «competição de terceiro escalão» se disputou e a taça foi ganha pelo Mourinho, acessoriamente ajudado pela equipa que ele anda a treinar, o AS Roma. Ao contrário da liga dos campeões, a que nos referimos no poste anterior, esta taça da liga da conferência é a das sobras dos repescados. Mas isso é apenas a comparação do valor desportivo das duas competições. Agora, quanto a atitude e a riqueza coreográfica, José Mourinho, com a AS Roma atrás de si, vale por dois Carlo Ancelotti, atrás do Real Madrid.

QUANDO O NOME DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PORTUGUESA É USADO PARA «CATAR CLIQUES» NUMA NOTÍCIA DE FUTEBOL

Num sítio de notícias de futebol assiste-se a este expediente de recorrer à semelhança do nome do presidente da República portuguesa com um dos jogadores da equipa vencedora da liga dos campeões, para atrair o interesse de mais leitores que se disponham a clicar para saber o que é que o Marcelo fez, desta vez?... Só faz sentido porque está estabelecida uma reputação em que há que esperar quase tudo do outro Marcelo, o de Belém, que não joga no Belenenses...

28 maio 2022

O BASTÃO DE MARECHAL DE ÓSCAR CARMONA

28 de Maio de 1947. As comemorações do 21º aniversário do golpe do 28 de Maio assinalavam-se pela entrega do bastão de marechal ao presidente da República, Óscar Carmona. Os 21 anos que já haviam decorrido depois do acto fundador do regime, esvaziara a propaganda do Estado Novo da sua aura renovadora, e agora havia que recorrer a estes apontamentos de cenografia, que nada representavam de evolução política. Nos 21 anos futuros até à morte de Salazar (1968), o Estado Novo iria continuar a ser o que sempre fora, aquilo que se mudava era por força das circunstâncias externas. De assinalar, na cerimónia de há 75 anos, o destaque dado ao Colégio Militar, a instituição de ensino frequentada pelo presidente Carmona.

27 maio 2022

UMA CIMEIRA NATO RÚSSIA

Tem um certo toque irónico invocar nas circunstâncias presentes, o 25º aniversário desta Cimeira NATO Rússia que se realizou em Paris e onde se assinou um documento intitulado «Acto fundador sobre as relações, a cooperação e a segurança mútua entre a Federação da Rússia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte» com versões em inglês, francês, alemão, russo e, significativamente, ucraniano. Mas desengane-se quem esperar que o documento contenha mais do que banalidades bem intencionadas. Fosse diferente e esta data não teria passado desapercebida, com a parte interessada - fosse ela a NATO ou a Rússia - a brandir o documento como prova acusatória contra o outro lado. Claro que os diplomatas não o reconhecem, mas este Mundo contém bibliotecas cheias de tratados e documentos similares esquecidos por não valerem sequer o papel em que estão escritos - veja-se apenas este exemplo de um tratado firmado entre a Alemanha e a Dinamarca, em que a primeira prometia não invadir a segunda, e que foi assinado menos de um ano antes de a Alemanha o rasgar.

O ATENTADO CONTRA REINHARD HEYDRICH

Há precisamente 80 anos, um comando de dois homens que chegara à Checoslováquia de avião vindo clandestinamente de Inglaterra montou uma emboscada para assassinar aquele que era o mais alto representante do III Reich no país. A fotografia acima é da viatura original depois do atentado, o vídeo abaixo uma reconstituição recente do mesmo. De um ponto de vista estrito, pelos padrões do frenesim noticioso da actualidade, o atentado foi um fracasso: a arma encravou, a bomba deixou apenas Reinhard Heydrich ferido, embora com gravidade. Heydrich veio a morrer oito dias depois, o que era o objectivo original da operação, mas quando, pelos padrões modernos de avaliação do sucesso destas operações, já perdera os cabeçalhos e a abertura dos telejornais.

26 maio 2022

UM CAMPEONATO EUROPEU DISPUTADO EM PORTUGAL QUE NÃO PODIA TER SIDO PIOR

26 de Maio de 1982. Depois de, aqui há três dias, termos assinalado o 75º aniversário de um campeonato europeu disputado em Portugal, em que a selecção portuguesa se sagrou campeã (a de hóquei em patins), para contraste vamos recordar a de um outro campeonato europeu de uma outra modalidade (basquetebol) em que a selecção portuguesa teve um desempenho embaraçosamente mau. Os títulos do jornal de há 40 anos falam por si.

25 maio 2022

A PRIMEIRA APOPLEXIA DE LENINE

25 de Maio de 1922. Lenine sofre o seu primeiro AVC (Acidente Vascular Cerebral). Perde o controlo da metade direita do corpo (braço e perna) e perde mesmo, por alguns dias, a capacidade de falar - também a de escrever e de comunicar com os outros, já que o braço direito está paralisado. A sua incapacidade é um susto para o regime e um segredo de Estado. Quando se torna público, dali por duas semanas - a notícia acima, à esquerda, é da edição de 8 de Junho do Diário de Lisboa - já Lenine sofrera um segundo ataque, esse mais benigno, mas mais significativo do que está para acontecer. O Verão de 1922 que se seguirá vai ser passado num esforço das autoridades comunistas soviéticas em promover as boas condições físicas e mentais do seu dirigente, por intermédio de fotografias tranquilizadoras, que, evidentemente, se percebem ter sido encenadas, como haviam sido anteriormente (entre 1919 e 1921) as do presidente norte-americano Woodrow Wilson. A grande diferença entre os dois é que as regras de sucessão de Wilson estavam escritas e as de Lenine não estão, apesar da superioridade científica do marxismo-leninismo e ir-se-ão tornar um campo aberto à intriga política entre Trotsky, Staline, Kamenev e Zinoviev (pelo menos estes...).     

24 maio 2022

A «INTELIGÊNCIA» QUE SE ENGANOU REDONDAMENTE SOBRE PORTUGAL

Este exercício de pegar num Henry Kissinger cada vez mais velho e degradado - à beira de completar 99 anos! - e atribuir-lhe a autoria dos recados sobre política internacional que se querem passar a outros é um processo irritante, ao vê-lo tão repetido. Claro que, na versão oficial, Henry Kissinger está mais lúcido do que nunca. Claro que, o exercício não se confronta com questões pertinentes, como a de questionar esta insistência nas opiniões alegadamente atribuíveis a Kissinger, quando há seis outros antigos secretários de Estado norte-americanos, mais novos e mais lúcidos, para exprimirem as suas opiniões sobre os problemas correntes de política internacional: James Baker III (1930), Condoleezza Rice (1954), Hillary Clinton (1947), John Kerry (1943), Rex Tillerson (1952) e Mike Pompeo (1963). (E então sobre académicos americanos que sejam especializados em política internacional, a lista é mesmo infindável.) E, finalmente, claro que no caso específico português (acima protagonizado pelo exercício de maria-vai-com-as-outras do jornal Observador), Kissinger foi o protagonista que, mesmo nos seus anos de poder e de lucidez (1973-77), se enganou redondamente quanto ao desfecho da Revolução portuguesa. Foi você que pediu a opinião de Henry Kissinger?...Eu também não, que ela não merece confiança.

UMA PRIMEIRA PÁGINA DEDICADA ÀS PERNAS DE JUDITE DE SOUSA

«As pernas das nossas actrizes de revista começam a desnudar-se. Estamos no início de grandes revelações. Dantes, timidamente, só se mostravam braços e colos que os olhos percorriam para chorarem condoídos sobre tão pálidos alabastros. A crise das subsistências vem prejudicando muito estas exibições. A plástica das mulheres correlaciona-se com uma boa alimentação. Ontem, porém, na revista "Tiro ao Alvo", no último quadro, se não estamos em erro, a jovem actriz Judite de Sousa, que o nosso "Diário de Notícias" chama um amor de rapariga, apresentou à admiração do público umas pernas fortes, sólidas, que muito hão de concorrer para refrescar as almas sequiosas de perfeição.» Era assim que o Diário de Lisboa de há cem anos projectava para a sua primeira página as pernas da Judite de Sousa. Não existem registos de como a dita Judite de Sousa terá acolhido tal projecção, mas esse é assunto que se tornou, por uma enorme e estranha coincidência, francamente actual, ao constatar-se a atitude maldisposta recentemente manifestada por uma outra Judite Sousa (esta sem de...), quando se viu projectada para o estrelato por um programa humorístico de rádio. Não por causa de ter umas pernas bonitas, mas por ser parodiada pela pedante convencida que é.

23 maio 2022

PORTUGAL CAMPEÃO EUROPEU E MUNDIAL DE HÓQUEI EM PATINS

23 de Maio de 1947. Com uma jornada de antecedência, Portugal tornava-se pela primeira vez campeão europeu e mundial de hóquei em patins. A competição estava a disputar-se em Lisboa e a identidade das sete selecções em competição (Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, Suíça, França e Bélgica, todas europeias) explicava por que razão o título era duplo. Até aí a modalidade fora dominada pela Inglaterra, que conquistara. desde 1926, os doze títulos precedentes. A interrupção provocada pela Segunda Guerra Mundial resultara numa mudança das hierarquias na modalidade. Primeiro Portugal, por quatro vezes consecutivas (1947/48/49/50), e depois a Espanha, a partir da década de 1950, tornar-se-ão nas suas grandes potências, conquistando a grande maioria dos títulos disputados nestes últimos 75 anos. Contudo, simultaneamente, a modalidade não se tem popularizado.

22 maio 2022

O ÚLTIMO QUADRADO LEMBRA-ME ALGO QUE ME ACONTECEU ONTEM...

...embora eu, ao contrário do Gregório, já não goze dos encantos de infância, da inocência desconfiada de que algo de desconfortável se preparava. Eu já sabia ao que ia...

TORRALTA - A tentativa gorada da criação de um capitalismo popular português

Edição de Maio de 1972 da edição portuguesa da revista Selecções do Reader's Digest, revista essa que representava então numa das mais reconhecíveis armas de propaganda dos Estados Unidos. Numa das suas página interiores aparece o anúncio da direita, a promoção da sociedade Torralta, um empreendimento turístico então em construção na península de Tróia, que assumia a sua intenção de se financiar captando poupanças privadas dispersas - daí o cupão para recortar a pedir informações no canto inferior direito. Era um exemplo do que poderia ser o capitalismo popular, formado por uma dispersão de muitos milhares de pequenos accionistas, mas foi uma história que não acabou bem. Talvez houvesse optimismo a mais na perspectiva de captar poupanças, talvez fossem as circunstâncias e a recessão de meados da década de 70, amplificada em Portugal com as perturbações geradas pelo 25 de Abril. A Torralta colapsou, intervencionada pelo Estado e tudo, mas a falência e desmontagem daquilo que ela fora foi um processo que se arrastou no tempo: as últimas torres semi-construídas só vieram a ser demolidas em 2009, num episódio estúpida e ostensivamente explorado pelo 1º ministro de então, José Sócrates, que foi lá fingir que era ele que accionava os explosivos. Mas, se aquelas implosões da península de Tróia assinalavam simbolicamente o fim do capitalismo popular, desconhecia-se então que a breve futuro (2014) e para as paragens imediatamente a sul da península, na herdade da Comporta, os tempos estavam a chegar ao fim também para o capitalismo aristocrático dos Espírito Santo... O que haverá que concluir é que, se calhar, em Portugal não existe capitalismo de espécie alguma. Há quem diga que não existe capitalismo porque não existe capital. Eu não sei se concordo, mas deste género popular que se procurava fomentar há cinquenta anos, esse é que não é sociologicamente ao nosso estilo, de certeza. O capitalismo das tias e dos tios, também me parece que é mais aparência que substância... 

21 maio 2022

A «PIETÀ» DE MICHELANGELO

Foi há precisamente 50 anos que, bem antes de ter tido oportunidade de descobrir que havia uma estátua muito elegante de Michelangelo designada por Pietà, descobri que ela existia porque um australiano de ascendência húngara de 33 anos (a quem depois se atribuiu fortes distúrbios mentais), se notabilizou por a martelar na basílica de São Pedro em Roma enquanto clamava ser Cristo.
Como é costume nestas circunstâncias, a belíssima peça deve ter sido mais fotografada amputada e desfigurada nos dias imediatamente seguintes do que o havia sido em todas as décadas anteriores em que lá permanecera - inteira. A peça foi cuidadosamente restaurada; o pretenso Cristo foi internado durante dois anos em Itália e depois deportado para a Austrália, onde veio a falecer em 2012.
Existir uma belíssima peça de escultura não é notícia; martelá-la sim. Mas, quando existe vontade, tudo pode ser pretexto para aprender.

20 maio 2022

GRANDES CITAÇÕES DO SÉCULO XX QUE SE DESCOBRIU NO SÉCULO XXI SEREM AFINAL UM DISPARATE

«A Guerra! É uma coisa demasiado grave para a confiar a militares.» - Georges Clemenceau (1841-1929)
A conhecida frase de Clemenceau terá recuperado a sua pertinência quando da eclosão nos ecrãs de um robusto estado maior de generais pró russos, que nos apareceu a comentar a invasão da Ucrânia. Os seus comentários que mostravam uma equidistância que era equivalente à de um João Gobern (antes do seu outing benfiquista) ou então à dos comentadores da Benfica TV, geraram desconforto, tanto mais que os acontecimentos militares subsequentes os descredibilizaram completamente.
Arruinadas assim as reputações castrenses, e a meu ver com muita injustiça, porque ao longo desse mesmo período compareceram em estúdio muito outros militares que produziram comentários mais interessantes e balanceados do que os daqueles três, há que reconhecer que ficou o caminho aberto para os civis, civis esses que levarão as coisas com a seriedade que a guerra merece, corroborando afinal o ditado de Clemenceau, com a respeitabilidade dos seus mais de cem anos de existência.
Só que afinal percebe-se que não, e eu exibo aqui três exemplos idiotas demonstrativos disso: Marques Mendes, Diana Soller e Maria Vieira, que só hoje se pronunciou publicamente sobre por quem torce no conflito da Ucrânia, e a quem há que reconhecer a contenção de ter aguardado quase três meses para se pronunciar. Pensando bem, até me sinto em falta por só agora ter reparado que a generala parrachita ainda não havia tornado pública a sua opinião sobre o que pensar sobre a invasão da Ucrânia.

A INDEPENDÊNCIA DE TIMOR E ONDE É QUE HAVIA ESTADO MÁRIO SOARES ANTES DO 25 de ABRIL

Mário Soares, Portugal Amordaçado, 1972, p.457 (edição portuguesa de 1974)

20 de Maio de 2002. Há precisamente 20 anos Timor Leste tornava-se independente. 30 anos antes disso (1972), Mário Soares, no seu livro Portugal Amordaçado, avaliara os desejos para a auto-determinação dos seus habitantes da forma que se pode ler acima: ««...Timor, que é uma ilha indonésia com bastante pouco a ver com Portugal.» Humilhando ainda mais as considerações completamente superficiais de Mário Soares em 1972, o percurso dos timorenses depois da ocupação indonésia (1975), estavam as circunstâncias dificílimas, únicas de sofridas, que haviam conduzido a nova nação de Timor à primeira independência formal do século XXI. Entre as celebrações da independência de Timor cabe esta referência à superficialidade de Mário Soares. Excelente nos instintos, de uma mediocridade confrangedora em tudo o que envolvesse reflexão. Era o seu estilo, simples: inspirando-se no que acontecera com as possessões portuguesas na Índia em 1961, Mário Soares tirava umas pelas outras e prognosticava também ali a anexação da colónia portuguesa de Timor Oriental pelo grande vizinho... Ficara escrito, mas, para o engrandecer, faltou ouvi-lo depois - e teve 30 anos para isso! - confessar que se enganara redondamente. Há grandes figuras da nossa História que nos aparecem atranvacadas de pequenezas destas nas suas grandezas.

19 maio 2022

QUANDO O INTERESSE PELOS PROTAGONISTAS DE UMA FOTOGRAFIA SE DEIXA SUPERAR...

...pelos adereços que aparecem pendurados na parede.
Ninguém se incomodará com o pormenor de que uma das fotografadas apareça com os olhos completamente cerrados.
E não, pelo que aparece na parede, não me estarei a referir ao poster do tigre...
...e contudo, para que finalidade servirá aquele objecto curvo mais acima, com duas mãos em poses estranhas?...

(prometo afixar as respostas de todos os que quiseram comentar, excepto, naturalmente, as do Lavoura, previamente desclassificado por estupidez excessiva...)

OS MAIS FAMOSOS «PARABÉNS A VOCÊ»

19 de Maio de 1962. Quem os canta. aos «Parabéns a Você», é a actriz e sex-symbol Marylin Monroe (1926-1962) e o destinatário desses quentes votos é o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy (1917-1963) que, por sinal, só fazia verdadeiramente os anos que ali celebravam dali por dez dias. Mas que interessa isso, não é verdade?... A ocasião vale porque dali por poucos meses estavam os dois mortos e isso é um passaporte para a eternidade.

18 maio 2022

UMA VELINHA PARA ILUMINAR A OBTUSIDADE/PARCIALIDADE DE COMENTADORES PRÓ RUSSOS DAS REDES SOCIAIS

São obviamente ridículas, mas este género de manifestações não surpreenderá quem conheça o estilo de manifestações populares da Europa oriental. O que é estupidamente desonesto é vê-las publicadas pelos comentadores pró-russos das redes sociais portuguesas, em fotografias sugerindo o ridículo do tema e induzindo nos leitores a opinião de que se tratará de uma especificidade ucraniana, e contudo, sem mostrar que a prática do culto de personalidade é corrente há décadas entre os russos, como se comprova pela variedade dos gadgets com a imagem de Putin que se comercializam na Rússia (abaixo). Façam a vossa propaganda mas com menos aldrabices!
Tinteiros e facas corta-papel.
Cadernos escolares
Anéis
Bonecos representando-o como o super-homem ou o pai natal
Em estilo de agente secreto 007
Ou em estilo de Rambo
Como homem de acção e de reflexão
Mas também a embrulhar tabletes de chocolate
Como um ícone religioso, no domínio do quase divino
Mas também do fedorento, a enfeitar os pés
E até como guardião do café de casa 
E a representação mais controversa desta colecção: como tapete de sala...

A PIRATARIA DOS SARAUÍS E DE COMO O ANTIGAMENTE NUNCA É AQUILO QUE DELE FAZEMOS...

18 de Maio de 1922. Uma das notícias daquele dia é esta acima, em que se dá conta que a tripulação de um navio de pesca português que se encontrava a pescar nas costas sarauís (veja-se o mapa abaixo, o famoso cabo Bojador de Camões aparece expressamente assinalado) fora capturada por piratas oriundos daquele território. Na entrevista em que dá conta do sucedido, a frustração do ministro dos Negócios Estrangeiros de então é evidente, tanto mais que, supostamente, os piratas deviam estar sob uma tutela colonial - espanhola ou francesa - que, comprovadamente, é apenas teórica. Por outro lado, a política da canhoneira, que as potências europeias tanto gostavam de evocar na época, não se pode aplicar dada as circunstâncias específicas dos reféns estarem na posse dos piratas. Conclusão: há que pagar os resgates pedidos pelos piratas. O consolo moral que o Diário de Lisboa acaba por dar aos seus leitores é remetê-los para um antigamente, um antigamente que nunca existiu. A pirataria, assim como a recuperação de salvados era uma prática tradicional e disseminada por aquelas paragens onde os naufrágios eram frequentes.
Mas não apenas o antigamente nunca fora o que o Diário de Lisboa de 1922 sugeria que tinha sido. O futuramente também não o será. O mesmo Diário de Lisboa, mas em 1980, voltará a publicar uma outra história de pirataria dos sarauís e de outros pescadores portugueses raptados quando pescavam por aquelas mesmas paragens. O acontecimento era essencialmente o mesmo, mas o jornalistas e o jornal é que haviam mudado tanto, que agora os piratas haviam passado a ser bons. De uma forma dialéctica, no Diário de Lisboa passou a haver pirataria boa e pirataria . E quando a pirataria era boa, quem era mau era o «governo português» que era «obrigado a negociar com...» os piratas. Era tudo uma questão de contemporizar com a nomenclatura: os reféns passavam a denominar-se «prisioneiros de guerra»...

17 maio 2022

QUEM VÊ UM BURACO NEGRO, JÁ TERÁ VISTO TODOS...

O mundo noticioso-científico terá sido muito recentemente abalado com a revelação da primeira imagem do buraco negro existente no centro da nossa galáxia. No frenesim noticioso, terá ficado ofuscado o facto de já se tratar da terceira vez que o assunto da primeira imagem de um buraco negro saltava assim para a ribalta noticiosa. Como se constata acima, antes de 12 de Maio de 2022, já em 10 de Abril de 2019 e outra vez repetida em 23 de Setembro de 2020 se evocara o carácter histórico desse outro buraco negro que estava situado no centro da galáxia M87. O pormenor que escapará aos leitores em geral é que a galáxia M87 se situa a 53 milhões de anos-luz da Terra. Este buraco negros que agora foi descoberto - ou melhor fotografado - no centro da nossa galáxia, a Via Láctea, situa-se apenas a 26 mil anos-luz de nós. Portanto, pode ser - hipoteticamente - muito mais ameaçador, embora estas dimensões verdadeiramente galácticas perturbem completamente aquilo que possamos realmente compreender sobre o fenómeno e a ameaça de sermos engolidos pelo dito cujo. Ou, como diziam os gauleses de Astérix a propósito da catástrofe do céu lhes vir a cair em cima da cabeça: amanhã não há de ser a véspera desse dia. Concretamente é apenas isto que se me ocorre sobre o tema. Mas superficialmente e sobre aquilo em que a comunicação social tem posto o maior empenho em nos dar a conhecer, o aspecto do buraco negro, acho muito honestamente, e para os padrões de tecnologia à vista, quem já viu um buraco negro, já viu todos...

A CONDECORAÇÃO DO GENERAL SPÍNOLA E O RESTO

17 de Maio de 1972. Por portaria do ministro da Defesa Nacional, Horácio José de Sá Viana Rebelo, é condecorado com a medalha de ouro de Valor Militar com palma o general António Sebastião Ribeiro de Spínola «pelos serviços prestados no exercício das funções de governador e comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné». Tratava-se de uma condecoração militar de elevado significado - superior, por exemplo, à cruz de Guerra - mas era impossível não compreender as fundamentações políticas que haviam estado por detrás da sua atribuição. Tanto assim, que o nome de António de Spínola nem aparece na lista dos agraciados por aquela alta condecoração militar na respectiva página da wikipedia. Dois dias depois organizava-se uma «sessão de cumprimentos das forças vivas da província» (da Guiné) onde o distinguido «proferirá» um «improviso» que, como se constata pela «reprodução» abaixo, não se afigura muito improvisado a começar pela alusão ao padre António Vieira. Implacáveis, os cinquenta anos que entretanto passaram tornaram ridículas estas cerimónias coreografadas para auditórios que nos perguntamos hoje se chegaram a existir. Como decerto nos perguntaremos, daqui por cinquenta anos, se havia alguém a quem se destinasse certo género de intervenções do primeiro-ministro António Costa quando ele se contradiz num intervalo de menos de 48 horas...