2 de Outubro de 1919. Woodrow Wilson, o então presidente dos Estados Unidos, sofre um extenso AVC (acidente vascular cerebral) que o deixa paralisado do lado esquerdo, incluindo a perda da visão do olho desse mesmo lado. O organismo de Wilson já lhe dera previamente sinais do desgaste físico a que o próprio se estava a submeter. Durante o mês anterior, o presidente propusera-se realizar uma gigantesca volta pelos Estados Unidos, promovendo directamente junto das populações a adesão dos Estados Unidos à Sociedade das Nações, proposta que estava a merecer uma grande resistência por parte dos senadores republicanos. As imagens acima são de um desses comícios, no caso aquele que teve lugar em 19 de Setembro em San Diego, na Califórnia. Como se pode ler nas legendas, tratava-se do 20º discurso que o presidente proferira nos últimos 15 dias... A 25 de Setembro, Woodrow Wilson, que contava então 62 anos, teve um colapso quando se preparava para discursar em Pueblo, no Colorado. O resto da tournée foi cancelada, e o presidente discretamente evacuado de volta à capital, Washington D.C., para tratamento e repouso. Viajando de comboio, o mais eficaz meio de transporte naquela época, só lá chegou dia 28 e poderá sido tarde demais. Na manhã deste dia de há cem anos, Edith Bolling, a esposa do presidente, foi a primeira a dar por ele inconsciente. Chamado, Cary T. Grayson, o médico pessoal do presidente encontrou-o com uma hemiparesia e fez o diagnóstico. Outros quatro médicos corroboraram-no.
O facto de Woodrow Wilson se encontrar naquelas condições era uma questão humana e clínica, mas o facto de ele ser também e sobretudo o presidente dos Estados Unidos tornava-a incontornavelmente política. A gravidade da condição do presidente não foi escondida, como se constata pela notícia deste jornal publicado no dia seguinte. Mas essa admissão só servia para ofuscar os aspectos mais pertinentes da questão da doença presidencial: saber como haviam sido afectadas as capacidades do presidente, não apenas as de continuar a desempenhar o seu cargo, como também as de regressar ao que fora. Sobre esses dois aspectos sensíveis, a esposa e o médico pessoal de Wilson conseguiram montar um verdadeiro baluarte intransponível à volta do enfermo, que não permitiu que os restantes membros da administração se apercebessem directamente do estado do presidente. Durante meses a fio, não foi permitida a admissão dos membros do executivo à presença do presidente e o país foi governado através de Edith Wilson, que levava as questões ao quarto do marido, dali saindo depois com instruções verbais para os destinatários e/ou com uma assinatura garatujada. A encenação não convenceu todos, mas a personalidade do vice-presidente Thomas R. Marshall, que seria o indigitado para assumir o cargo naquelas circunstâncias, mas que não o queria fazer em confronto aberto com o próprio presidente, acabou por possibilitar o arrastamento da situação enquanto Woodrow Wilson vagarosamente recuperava.
Apesar de isso ser ignorado do grande público, o ciclo próximo do presidente rapidamente deixou de se iludir pelo expediente e, em surdina, pululavam os comentários pela Casa Branca que era Edith Wilson que, na prática, dirigia os Estados Unidos(!). Nesta fotografia acima publicada em Junho de 1920 (ou seja, nove meses depois do AVC), onde aparecia casualmente Woodrow Wilson a assinar um documento como se estivesse totalmente recuperado, olhos atentos reparam que é a sua mulher que segura o documento e é notório que o presidente não faz qualquer uso do lado esquerdo do corpo. Embora Woodrow Wilson tenha recuperado progressivamente, a situação manteve-se essencialmente na mesma pelos oito meses seguintes, até à posse do presidente seguinte, Warren G. Harding, em Março de 1921. A recuperação de Wilson nunca foi total: nesta última fotografia abaixo, feita a 11 de Novembro de 1921, ele parece ter muito mais do que os 64 anos que teria. Woodrow Wilson morreu em Fevereiro de 1924 e Edith Wilson em Dezembro de 1961. Mas a questão de como fora exercido o poder no último ano e meio do mandato do marido, e de como o poder podia ser capturado pelas pessoas do círculo próximo de qualquer próximo presidente, tornou-se motivo para que fosse incluída uma emenda à Constituição dos Estados Unidos (a 25ª), clarificando as circunstâncias em que um presidente pode ser substituído por incapacidade de desempenho do cargo. O processo teve o seu percurso paulatino: só foi aprovado em 1967, 48 anos depois(!) do AVC que atingiu Woodrow Wilson e o assunto permaneceu uma minudência legal pelos 50 anos seguintes... até à eleição de Donald Trump para a Casa Branca. Vá-se lá saber porquê.
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