Há quarenta e quatro anos o Outono que assistiu ao encerramento do PREC foi assinalado por um sucesso musical que se denominava, sem ironia, L'Été Indien (o Verão Indiano), uma estação que, conforme se escutava na letra, existia apenas existia na América do Norte (o que até nem é verdade: é o equivalente ao nosso Verão de São Martinho). Cantada em francês por Joe Dassin, num estilo entre o cantado e o declamado (um antepassado que terá vindo a inspirar Pedro Abrunhosa...), criando um ambiente apelante ao romantismo mais extremado, a canção tornou-se num sucesso do Outono tépido que se seguiu ao Verão Quente, em contraste com o predomínio do canconetismo revolucionário que imperava nas rádios. Aliás, e para quem compreendesse o francês, a petulância intelectual do que era declamado/cantado, acabava por funcionar como um desafio ao que por cá se escrevia para canções, com letras redigidas para serem claramente compreendidas pela classe operária. Joe Dassin clamava por coisas completamente burguesas: a páginas tantas, surgia uma evocação às «aguarelas de Marie Laurencin», o que só conferia robustez cultural às referência do apaixonado, mas nos deixava na mesma sob o padrão estético da amada.
Quem seria a Maria Laurencin e com que se pareceriam as suas aguarelas? É através de casos concretos como este que se percebe a diferença que as tecnologias modernas trouxeram hoje ao que é a nossa capacidade de conhecer, avaliar e escrutinar o que nos apresentam. Aquilo que há quarenta e quatro anos obrigaria a uma visita obrigatória a uma boa biblioteca, hoje está ao alcance de uma pesquisa internáutica. Não tive a resposta na altura, tive-a várias décadas depois: Marie Laurencin (1883-1956) foi uma pintora francesa (já desconfiava...) que se popularizou por um certo estilo (abaixo, uma das aguarelas que terá inspirado a comparação de Joe Dassin) nas década de 1920 e 1930. A Wikipedia dá-a como influenciada por Picasso e Braque e atribui-lhe um estilo cubista. Mas a mesma Wikipedia guarda aquele segredo de não publicar nada que seja verdadeiramente crítico. O que neste caso é uma pena, porque as aguarelas de Marie Laurencin, por muito que tenham estado na moda há noventa anos, me parecem ser obras medíocres: as fisionomias são estilizadas, os olhos inexpressivos, parece até que a pintora terá tomado para modelos uma colecção de bonecas. Tanto pior para a evocação de Joe Dassin, de que não conhecíamos o original.
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