28 fevereiro 2019

O TERRAMOTO DE 1969

28 de Fevereiro de 1969. 03H41 da madrugada. Portugal (continental) é abalado por um terramoto que teve uma magnitude de 7,9 graus na Escala de Richter. A Escala de Richter, conjuntamente com a de Mercalli, são aquelas coisas a que os jornais fazem referência nestas ocasiões sem as explicar, como se o leitor tivesse a obrigação de saber do que se tratam. Normalmente o leitor não sabe, mas o que acabei por constatar é que, se o jornalista também não explica, é porque também não sabe, nem está com paciência para se ir informar (confesso que, na época, julguei que era só ignorância minha). Nos dias que correm, uma página da wikipedia, abre-nos o mundo das escalas sísmicas (7 opções!). Aprendo até, retroactivamente, que há uma escala sísmica inspirada no marxismo-leninismo chamada EMSK, criada em 1964 por um russo (soviético), um alemão (de Leste) e um checo(slovaco). Não sei se o sismo político que derrubou o Muro de Berlim terá derrubado também a reputação científica dessa escala sísmica...

27 fevereiro 2019

UMA GUERRA QUE TERMINAVA, OUTRA QUE SE ADIVINHAVA

27 de Fevereiro de 1939. Esta página do Diário de Lisboa de há oitenta anos sintetizava a transição de mau para pior que a situação política na Europa prognosticava. A Guerra Civil de Espanha estava virtualmente no fim: Franco aguardava o reconhecimento do regime nacionalista pela França e pelo Reino Unido, que permaneciam os últimos obstáculos da admissão dos rebeldes espanhóis na ordem internacional. Ordem internacional essa que se mostrava ameaçada de uma perspectiva mais global, já que a notícia do lado antecipava o envio de um novo corpo expedicionário britânico para França (à semelhança do que acontecera em 1914), na eventualidade da eclosão de uma nova Grande Guerra na Europa. Ainda não se sabia mas, chegado o momento, que ocorreria dali por seis meses, os britânicos iriam superar as promessas, enviando não os 100 mil homens anunciados pela notícia, mas 152 mil soldados, e isso logo no primeiro mês de guerra (Setembro de 1939), acompanhados de mais de 21 mil viaturas, equipamentos de combate e munições. Na grande ordem das coisas, porém, hoje é patente que o feito ir-se-ia revelar irrelevante em Maio/Junho de 1940.

26 fevereiro 2019

LEITURAS ATENTAS E RÁPIDAS

Como se pode concluir pela notícia que ontem publiquei no Herdeiro de Aécio, os skills que agora se exigem a um jornalista millenial é que tenha uma capacidade de leitura atenta e rápida, mas não propriamente que chegue a perceber aquilo que esteve a ler...

25 fevereiro 2019

COMO A ESTUPIDEZ PODE SER INTERPLANETÁRIA

Atente-se à notícia acima, copiada do site Notíciasaominuto, especialmente a imagem escolhida para a ilustrar, onde se nota neve e umas formações esverdeadas do lado direito. Se o jornalista Miguel Patinha Dias percebesse fosse o que fosse do assunto sobre o qual escreveu, aperceber-se-ia que a grande notícia que aquelas imagens exibem seria a existência de neve e de clorofila em Marte! Só que afinal não há perspectivas sérias de encontrarmos marcianos... Foi apenas estupidez, ignorância e incompetência crassa de quem escreveu a notícia. Uma visita à notícia original vêem-se as verdadeiras fotografias marcianas (abaixo). Mostram aquilo que terão sido os antigos cursos de algum líquido que terá fluído há milhares de milhões de anos na superfície marciana. Uma dessas fotos está até artificialmente colorida, realçando a topografia. E a fotografia com neve é, afinal, a de um rio tibetano (na Terra), que é usada como referência dos contornos que um curso de água pode assumir.

24 fevereiro 2019

ODILE E O CHEGAR A FINGIR QUE É DOR, A DOR QUE DEVERAS SE SENTE

O livro de bolso de Georges Simenon passeava-se cá por casa, esquecido, comprado para posterior e eventual leitura num impulso que só a etiqueta afixada na contracapa consegue datar de Agosto de 2001. Quando os preços ainda podiam ser expressos em escudos (e francos) e as Twin Towers eram apenas um par de edifícios de Nova Iorque! Como seria o seu destino certo, foi um acaso que o fez ser lido e muitos anos depois, um romance curto (180 páginas), mesmo ao estilo do autor. No entanto, não apenas, a síntese afixada na contracapa...
«Aos dezoito anos, cansada de uma família onde ela se sente totalmente incompreendida, Odile decide partir de Lausana para Paris. A carta que deixa ao seu irmão indica claramente que ela está a pensar em suicidar-se.»
...mas também o desenrolar da trama acumulam as coincidências com aquilo que conheço da família Simenon, e Odile a assemelhar-se à filha do autor, Marie-Jo Simenon. Tantas são as semelhanças, que o editor não hesitou (embora não o anunciando) em colocar uma fotografia que descubro depois ser da própria Marie-Jo na capa. Por uma vez, aqueles dizeres precavidos que acompanham as obras de ficção, que personagens e factos são puramente imaginários (abaixo, à esquerda), são uma mentira flagrante. Odile tem a mesma idade (18 anos) e aparência e estilo de vestir que Marie-Jo teria na altura em que o livro foi escrito (1970/71), tem um irmão quatro ou cinco anos mais velho a quem tratam por Bob (na realidade, Johnny Simenon), vive em Lausana, na Suíça, tem um pai que se dedica à escrita. Pai esse que, de resto, nem se incomodou muito a dissimular as semelhanças com o que se sabia da sua intimidade. Só que as 180 páginas do enredo acabam bem: Odile ainda ensaia o suicídio, cortando os pulsos, mas é salva e tem um novo sobressalto de entusiasmo pela vida por causa do seu salvador, um estudante de medicina. Mas no romance mais extenso e não paginado da vida de Marie-Jo Simenon o desfecho viria a ser diferente: dali por sete anos, em 1978 com 25 anos, ela suicidar-se-ia com um tiro. Foi uma descoberta curiosa esta exposição própria disfarçada de ficção. Mas não foi uma descoberta estranha: Fernando Pessoa explicara-nos a atitude de Georges Simenon muitos anos antes.

23 fevereiro 2019

O DIA EM QUE OS MILITARES ENTRARAM PELO PARLAMENTO DENTRO

Há cem anos, a Alemanha calcorreava penosamente os dias que se seguiram à derrota da Grande Guerra. A 19 de Janeiro de 1919 haviam-se realizado eleições para uma Assembleia Nacional constituinte onde os social-democratas do SPD haviam alcançado a maior representação (163 deputados), mas onde as formações da direita somadas mantinham uma maioria absoluta (229 lugares em 421). Falhos de segurança em Berlim, que fora e permanecia a capital, decidira-se que os trabalhos de elaboração da nova Constituição teriam lugar na pequena e discreta cidade de Weimar na Turíngia (35.000 habitantes). O teatro local foi rapidamente adaptado e a sessão inaugural teve lugar a 6 de Fevereiro de 1919 (fotografia acima, com Friedrich Ebert a discursar). Mas os tempos políticos da Alemanha de então eram particularmente violentos. Por exemplo: a 21 de Fevereiro de 1919 o ministro-presidente do estado da Baviera, o social-democrata Kurt Eisner, foi assassinado a tiro em plena rua, em Munique. Seguira-se uma troca de tiros em plena sessão do parlamento regional... Portanto, não é assim de estranhar que a elevada conflitualidade política conseguisse penetrar no ambiente (que se pretendia recatado) dos trabalhos da própria Constituinte. 23 de Fevereiro de 1919, há precisamente cem anos, foi um desses dias: tal terá sido a exuberância das intervenções de alguns dos parlamentares alemães que, para além dos trabalhos terem sido interrompidos, a mesa teve que convocar forças militares para virem ao teatro repor a ordem, expulsando os deputados mais recalcitrantes. É uma daquelas histórias que nem sequer a wikipedia lhes confere a dignidade de uma referência de rodapé. Actualmente, a imagem que retemos de um parlamentar alemão é a de alguém tradicionalmente bem comportado. Mas, sendo esta data de 23 de Fevereiro (de 1981) tradicionalmente consagrada, por acaso, à invasão de um outro parlamento (espanhol) por forças militares, é de toda a justiça recuperar estes outros incidentes, para chamar a atenção que episódios destes, mesmo quando esquecidos, acontecem até nas melhores famílias... Umas fazem-se eco disso, outras escondem-no.

22 fevereiro 2019

«O FUGITIVO»


22 de Fevereiro de 1969. Pelas 23H00 a RTP transmitia mais um episódio de O Fugitivo, série que se tornara um tremendo sucesso televisivo das noites de Sábado. O episódio intitulava-se «O Regresso», podemo-lo ver acima e nunca me cessa de surpreender a banalização com que os meios actualmente à nossa disposição nos permitem o acesso e o regresso a esses que foram os sucessos de outrora, hoje tão desprezados, mas que congregavam tanta atenção de uma tão substancial parcela da sociedade portuguesa.

O BOMBARDEAMENTO DE NIMEGA


22 de Fevereiro de 1944. Uma formação de bombardeiros de USAAF bombardeia o centro da cidade holandesa de Nimega deixando o rasto de destruição que as imagens do vídeo acima documentam. O bombardeamento terá provocado a morte de cerca de 800 pessoas, a esmagadora maioria delas civis. São números que se comparam com os 900 mortos causados pelo bombardeamento que a Luftwaffe realizara sobre Roterdão logo no início da guerra (Maio de 1940) e que tanta impressão causara à época. Se a evolução da guerra banalizara a destruição causada pelos bombardeamentos, não alterara o seu aproveitamento como instrumentos de propaganda: o cartaz abaixo, produzido pela propaganda pró-alemã, aproveita o episódio para comentar ironicamente: você tem que escolher os seus amigos! Os amigos americanos em causa deixaram pairar a dúvida durante muitos anos depois do fim da Guerra, que o bombardeamento se terá devido a erros de navegação, dada a proximidade de Nimega da fronteira alemã (a 8 km); a documentação que veio sendo desclassificada muitos anos depois veio a provar que isso não era bem verdade.

21 fevereiro 2019

O PRIMEIRO ENSAIO DO FOGUETÃO N1

21 de Fevereiro de 1969. Tem lugar no cosmódromo de Baikonur o primeiro ensaio do gigantesco foguetão N1, que se tornara numa peça de hardware indispensável para que a União Soviética se mantivesse na corrida para a Lua.

O ensaio foi um fracasso e o fracasso foi um segredo. Tivesse sido de outro modo e as imagens do primeiro minuto do vídeo acima poderiam fazer parte, hoje, de um hipotético documentário épico a respeito da chegada do primeiro homem soviético à Lua...

20 fevereiro 2019

A PROPOSTA DE RICHARD NIXON

20 de Fevereiro de 1969. Acabado de tomar posse há um mês, o presidente Richard Nixon apresenta ao Congresso uma proposta de reformar constitucionalmente o sistema eleitoral para a presidência. A proposta era um pouco mais detalhada e complexa do que a discreta notícia publicada nos jornais no dia seguinte (acima). Nas considerações do documento que enviara ao Congresso, o novo presidente mostrava-se preocupado em rectificar "os defeitos realçados pelas circunstâncias das eleições de 1968" (as eleições que o próprio Nixon vencera), sugerindo que, ou se passasse a dividir os votos eleitorais* de cada estado numa "maneira que reflectisse melhor o voto popular" (o vencedor de cada estado recebe todos os votos eleitorais desse estado) ou então que fosse considerado vencedor aquele candidato que alcançasse a maioria da totalidade dos votos, desde que a percentagem da votação recebida ultrapassasse os 40%; em caso contrário, realizar-se-ia uma segunda volta eleitoral com os dois candidatos mais votados. Como se constata, qualquer destas propostas de alteração do sistema eleitoral acabaram por adormecer algures. Caso tivessem avançado (especialmente a segunda opção, a do voto popular), a História posterior dos Estados Unidos teria sido algo diferente e, ironicamente, em detrimento dos candidatos republicanos (como Nixon): a) Al Gore teria ganho as eleições de 2000 a George W. Bush e b) Hillary Clinton teria ganho as de 2016 a Donald Trump.

* A eleição do presidente dos Estados Unidos efectua-se de forma indirecta: os eleitores de cada estado elegem um conjunto de delegados estaduais que se hajam comprometido previamente a votar pelo seu candidato. Para a constituição dessa assembleia eleitoral de 538 membros e pelas normas vigentes em 48 dos 50 estados, o candidato vencedor elege o número total de delegados e os perdedores não elegem nenhum, independentemente da distribuição dos votos.

19 fevereiro 2019

O ATENTADO CONTRA GEORGES CLEMENCEAU

19 de Fevereiro de 1919. O presidente do conselho francês é alvo de um atentado quando saía de sua casa pelas 8H30. Como legenda para a montagem acima, explique-se que Georges Clemenceau foi atingido por um primeiro disparo, mas que conseguiu entrar no automóvel que o aguardava, e que este arrancou perseguido pelo atirador que disparou por mais oito vezes enquanto a viatura se afastava à velocidade que lhe era possível. Clemenceau, que já tinha então 77 anos, fora atingido três vezes. Nenhum dos ferimentos fora fatal, mas uma das balas alojara-se num local tão sensível que os médicos preferiram não a remover cirurgicamente. Mas recuperará: quando vier a falecer, em 1929, com a bonita idade de 88 anos, as causas não se deverão a sequelas do que lhe acontecera naquela manhã de há cem anos. Quanto ao autor dos disparos, tratava-se de um jovem de 22 anos chamado Émile Cottin, que se veio a assumir várias coisas ao longo do julgamento, entre elas anarquista e bolchevique. Uma das omissões que eu acho bizarras sobre o que se escreve a seu respeito, é o que não se diz sobre o que lhe teria acontecido durante os anos da Guerra que acabara de terminar, dado que, como cidadão francês e considerada a sua idade, Cottin teria sido obrigatoriamente mobilizado, a não ser que tivesse invocado razões para ser dispensado. De facto, uma tal falha de pontaria - uma piada recorrente da época, parodiada até pelo próprio Clemenceau - indicia-o pouco treinado no uso de armas de fogo. Mas, sobretudo, o que se pode destacar do episódio é a completa falta de sintonia de pessoas visionárias como Cottin com o pensamento do cidadão médio. Ter escolhido para alvo um venerável ancião de 77 anos que corporizava naqueles tempos, como mais ninguém em França, a tão ansiada Vitória (e Desforra) sobre a Alemanha, era um absurdo. A história do que imediatamente se sucedeu ao atentado comprova-lo-á: apanhado sem munições, os transeuntes que tinham assistido aos disparos terão caído sobre Cottin e sovado violentamente o atirador. Terá sido a chegada da polícia que o terá salvo de ser linchado. É, pelo menos, plausível. Há umas vezes por outras em que o preso aparece em muito mau estado aquando da fotografia da detenção (abaixo) e até pode nem ter sido a polícia a molhar a sopa...

17 fevereiro 2019

O INÍCIO DA GUERRA SINO VIETNAMITA

17 de Fevereiro de 1979. Soldados da República Popular da China invadem a República Socialista do Vietname. A invasão tem lugar ao longo de uma alargada frente na fronteira comum de 1.280 km que delimita os dois países. O acontecimento é uma surpresa para as opiniões públicas mundiais, não o é tanto para os círculos diplomáticos informados, que haviam assistido à degeneração acelerada das relações entre os dois países, depois da invasão vietnamita do Camboja em Dezembro de 1978, e com a questão sobre quais haviam sido os propósitos da visita de Deng Xiaoping aos Estados Unidos, duas semanas antes. A ofensiva chinesa ia para além de tudo o que os Estados Unidos haviam ousado fazer durante o longo período de permanência: os Estados Unidos nunca haviam tentado derrubar o regime de Hanói, apenas sustentar o de Saigão. Mas agora fora apenas uma questão de somar dois mais dois. Essa adição (o Camboja e Deng em Washington), tornando previsível qual seria a atitude dos Estados Unidos no conflito, não respondia a quais seriam os objectivos estratégicos da China ao promover aquela invasão, nem garantiam absolutamente o comportamento da União Soviética. Há quarenta anos, havia muitos aspectos interessantes sobre os quais especular.
Ainda hoje, os objectivos da China não são claros. Uma guerra entre duas potências comunistas não é uma guerra como as outras em termos informativos. Não há espaço para a Verdade (acima, um poster de propaganda vietnamita equiparando os chineses de 1979 aos franceses de 1954 e aos americanos de 1975). Tudo o que é narrado, filmado, fotografado, tem de ser conformado pela causa e pela sua propaganda. O valor do espólio que existe a respeito desta guerra pode ser sintetizado pelo poster de cima e pela fotografia de baixo, mostrando os blindados chineses atravancados de infantaria a atravessar um rio numa ponte que havia sido construída pela sua engenharia! Mas a melhor síntese quanto ao seu desfecho provavelmente será a que consta do título do outro livro abaixo: «Uma Guerra que Ninguém Ganhou». Se aceitarmos que a intenção original da China era condicionar o comportamento do Vietname no Camboja, então o desfecho foi uma derrota para a China. Mas, se a intenção original de Beijing era chegar a Hanói e aí instalar um regime que lhe fosse simpático, então tratou-se de uma grande derrota da China. Mas, se por outro lado, o Vietname contasse com o apoio activo dos soviéticos no caso de uma confrontação militar aberta, o comportamento destes últimos foi uma derrota evidente para o Vietname. Fica por descobrir como se comportaria a União Soviética (e, já agora, os Estados Unidos) se os chineses chegassem a Hanói...
Isto do ponto de vista estratégico. Do ponto de vista táctico, porém, dispersada a propaganda, é hoje pacífico constatar a superioridade vietnamita. Estes contavam com a superioridade moral e anímica de estarem a defender o seu país, possuírem uma organização militar testada na prática e possuírem uma superioridade qualitativa quanto ao material, muito dele de origem norte-americana, deixado no país para equipar as forças sul-vietnamitas. Mas tudo isso de nada teria valido se os chineses se tivessem decidido a despejar a sua superioridade numérica no terreno. Um último disparate a respeito é a opinião de que o elevado volume de baixas sofridas terá condicionado a decisão estratégica dos chineses de se conterem: para quem assumira ter sofrido 183.000 mortos na Guerra da Coreia e que naquele conflito virá a assumir uns 8.500 mortos, a explicação não é, nem sequer, tema.

A PROPÓSITO DA CONTROVÉRSIA A RESPEITO DO «CROWDFUNDING» PARA FINANCIAR A GREVE DOS ENFERMEIROS...

... é oportuno e interessante ir ao passado verificar as razões pelas quais o sindicalismo português não se interessou no passado pela constituição de fundos de reserva que, financiados pelos descontos dos seus associados, amparassem estes últimos em caso de mobilização para uma greve. Nesta edição do Diário de Lisboa de 17 de Fevereiro de 1979, vemos o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Setúbal (uma estrutura distrital, portanto) a pagar uma página inteira de publicidade naquele jornal, com uma «Saudação à Conferência da Organização» complementada por duas moções (tudo aprovado por unanimidade e aclamação!).
Em formato menos exuberante e noutras páginas podemos ainda encontrar anúncios do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria dos Tabacos (com duas convocatórias separadas para uma assembleia geral ordinária e para outra extraordinária...), do Sindicato dos Fogueiros de Mar e Terra do Sul e Ilhas Adjacentes (uma convocatória normal), da União dos Sindicatos do Distrito de Setúbal (que entendera publicitar uma saudação - aprovada por unanimidade e, adivinhem?, aclamação!) e do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (que propusera uma moção de solidariedade com a luta dos trabalhadores dos TLP - não diz, mas desconfio que a moção também terá sido aprovada por... unanimidade e aclamação). O conjunto representaria quase uma outra página inteira de publicidade, numa edição que continha 24 páginas.
Publicidade deste mesmo género era comum em todas as edições do jornal naquela época e contribuía para a sustentação económica do Diário de Lisboa, um jornal que, pelo seu alinhamento político pró comunista, não seria atreito a receber outra publicidade, mais convencional. Mas quanto chegou a altura dos sindicatos mostrarem outra robustez, para além da retórica, na defesa dos interesses dos seus associados os seus dirigentes haviam esgotado os seus recursos financeiros em disparates como as publicações acima. O que é paradoxal é que, como o movimento sindical esteve sempre subordinado em Portugal à luta politica, notoriamente à agenda táctica do PCP, nunca chegou a haver um verdadeiro pedido de satisfações por esta má gestão dos recursos dos trabalhadores. Mas isso não impediu a sanção: veja-se o quadro abaixo com a evolução da taxa de sindicalização em Portugal desde essa época, como foi publicada no Expresso em 2015.
Numa década, os sindicatos perderiam metade dos seus membros. Dez anos depois, na edição de 17 de Fevereiro de 1989, o Diário de Lisboa ainda existia (embora já se debatesse nas vascas da agonia - acabaria no ano seguinte), mas essa edição não contém um único anúncio que seja de um sindicato! Mas tanta fora a desresponsabilização de sindicatos e dirigentes, que saíra definitivamente de agenda a obrigação moral dos sindicatos ampararem os seus associados nas lutas laborais para que os convocassem. Actualmente, imaginar Mário Nogueira a bancar qualquer coisinha para compensar os seus professores pelo que perdem quando fazem as greves que ele convoca parece ser uma ideia... delirante. Os outros que entrem com qualquer coisinha, o sindicato (e as receitas dos associados) é que não. E é sobre essa impressão - distorcida - que se tem discutido a questão do crowdfunding para financiar a greve dos enfermeiros. Antes de recorrer ao exterior, ninguém se pergunta sequer porque não se dispõem as estruturas sindicais a amparar financeiramente os seus associados que estão em greve.

16 fevereiro 2019

A MORTE DE MARK SYKES DO ACORDO SYKES-PICOT

16 de Fevereiro de 1919. Morria Sir Tatton Benvenuto Mark Sykes (acima, à esquerda), 6º baronete do título, político conservador discreto, que alcançara a patente de coronel durante a Guerra que acabara de terminar. Considerado especialista em assuntos orientais, mas ainda desconhecido à data da sua morte, o nome de Mark Sykes, (conjuntamente com o do francês François Georges-Picot - à direita), vai ganhar gradual relevância histórica e política à medida que os anos passarão, por causa do acordo que ambos haviam negociado em 1916, em que dividiam as esferas de influência britânica e francesa no Médio Oriente, numa configuração que irá definir até hoje as fronteiras internacionais naquela região (abaixo). Mas a razão para evocar a sua morte há cem anos é muito mais pueril do que as convulsões da Grande Estratégia. Mark Sykes encontrava-se então em Paris, fazendo parte da equipa de negociadores britânicos para a Conferência de Paz que ali decorria. Tinha então apenas 39 anos e morreu vítima da Gripe Espanhola, que continuava a ceifar tão discreta quanto metodicamente milhares de vidas todos os dias*, como que complementando as desgraças do conflito que terminara. No caso de Mark Sykes, que já era tenente-coronel, comandante do 5º batalhão dos Green Howards em 1914, acrescia o remate irónico que, por causa das suas conexões, ele conseguira passar os quatro anos da Grande Guerra sem ter exercido, uma vez que fosse, o comando de tropas nas trincheiras...
* Este gráfico mostra uma evidente ressurgência dos casos mortais entre os pacientes londrinos em Fevereiro de 1919.

15 fevereiro 2019

AS CERIMÓNIAS DA RETIRADA DAS ÚLTIMAS TROPAS SOVIÉTICAS DO AFEGANISTÃO

15 de Fevereiro de 1989. Tinham lugar as cerimónias que assinalavam a retirada das últimas tropas soviéticas estacionadas no Afeganistão. Era um momento triste para o imperialismo russo/soviético mas isso não obstava a que esse momento fosse coreografado com o maior cuidado possível para que ele não parecesse aquilo que era: uma humilhante derrota, que replicava na simetria, aquela que os rivais norte-americanos haviam sofrido havia catorze anos no Vietname do Sul. Note-se, através das fotografias acima, o cuidado dedicado à cenografia, com as bandeiras desfraldadas, o cartaz afixado num dos arcos da ponte, destinado a ser lido pelas câmaras que recebem os veteranos e o enxame de fotógrafos e operadores de câmara que os acolhe do lado soviético da fronteira, cuidadosamente cortados da fotografia da esquerda.

Os canais das televisões dos Estados Unidos dão eco a todas essas cenas, incluindo o beijo e o ramo de flores do filho de 15 anos que acolheu o último comandante soviético, o general Boris Gromov (um general fotogénico, quase escolhido como se tivesse havido um casting, com apenas 45 anos...). A complacência dos norte-americanos em retransmitir tanta propaganda não escondia, porém, uma certa volúpia pelo significado do que transmitiam. Tanta (falsa) alegria não escondia o facto de que o marxismo-leninismo e o internacionalismo proletário não viviam os seus melhores dias. Eloquente quanto a isso, até no nosso conhecido Diário de Lisboa, o prognóstico que se dava quanto à sobrevivência a curto prazo do regime que os soviéticos haviam deixado em Cabul era muito reservado. Curiosamente, e numa última reviravolta dialéctica, esse regime vai iludir inimigos e aliados e subsistir por mais três anos.

A FRANÇA MOSTRA-SE IRRITADA COM A ATITUDE ALEMÃ

15 de Fevereiro de 1969. «A França, irritada por ser ignorada pelos associados no Mercado Comum, ameaça abandonar a União da Europa Ocidental, constituída por sete países e que liga a Grã-Bretanha e os «seis». A ameaça está expressa num comentário não oficial - mas, contudo, claro como cristal - feito a noite passada pela France-Presse.» Dois dias depois do apoio público dado pela Alemanha à candidatura britânica ao Mercado Comum, a reacção francesa de de Gaulle não podia ser mais clara. Contudo, o espavento da ameaça não camuflava o facto de, ao contrário de outras atitudes precedentes da França, como a saída da estrutura militar da NATO em 1966, a UEO ser uma organização irrelevante e, como tal, a ameaça da saída da França outra irrelevância.

14 fevereiro 2019

A BATALHA DE BEREZA KARTUSKA

14 de Fevereiro de 1919. Na pequena cidade de Biaroza (actualmente conta com 30.000 habitantes e situa-se na Bielorrússia ocidental) trava-se aquela que alguns autores consideram a primeira batalha de um conflito polaco-soviético que se irá prolongar pelos dois anos seguintes. Ficou conhecida com a designação da mesma povoação, mas em polaco: Bereza Kartuska. Tratou-se de um engajamento táctico menor: cerca de 60 polacos confrontaram-se com um destacamento soviético de efectivos um pouco superiores (80). Mas foram os polacos que venceram.
Em condições normais, o poder militar polaco não teria qualquer capacidade de se opor ao russo. Mas as condições de há cem anos estavam longe de ser normais. A Primeira Guerra Mundial acabara há três meses. E a Polónia reconstituída, reunindo territórios que haviam pertencido aos Impérios russo, alemão e austríaco, era um país apenas em nome, sem instituições nem fronteiras. As forças armadas vencedoras da batalha existiam mas ainda não possuíam sequer enquadramento legal, que apenas virá a ser aprovado pelo parlamento polaco (Sejm) dali a duas semanas, a 26 de Fevereiro de 1919.
Do lado dos russos, o regime era mais antigo mas nem tanto assim: a famosa revolução que levara os bolcheviques ao poder tivera lugar em Novembro de 1917, há apenas quinze meses. E a partir daí o poder soviético confrontara-se com uma guerra civil. Se os meios militares dos soviéticos eram muito superiores aos polacos, também é verdade que aqueles tinham que os dispersar por causa da multiplicidade dos seus inimigos. Se na Europa Ocidental já se negociavam os termos da Paz, do outro lado do continente, a sua instauração ainda iria demorar mais uns dois ou três anos...

13 fevereiro 2019

O «BENNY HILL» DA POLÍTICA PORTUGUESA

Benny Hill (1924-1992) foi um comediante britânico que protagonizou um show televisivo com o seu nome (The Benny Hill Show) que foi transmitido pela TV britânica ao longo de 20 anos, entre 1969 e 1989. Significativamente, o programa alcançou a sua maior audiência doméstica logo em 1971 quando registou uma assistência de 21,67 milhões de telespectadores! Depois disso, o programa passou a ser exportado, e tornou-se um sucesso mundial, transmitido em mais de cem países! Mas em todos eles - e o mesmo aconteceu em Portugal quando o programa cá foi transmitido - assistiu-se a uma rápida saturação da audiência pela repetição e previsibilidade dos gags. Assistir a três episódios era conhecê-los a todos, assistir a meia dúzia era a confirmação que o reportório se repetia com uma regularidade previsível (constate-se a enésima vez em que Benny Hill recorre ao gag da bicicleta que perde o selim antes do ciclista se sentar...). Havia uma esmagadora maioria das audiências televisivas que se saturava com as mesmas piadas, mas havia também uma minoria que lhe permanecia fiel precisamente por as piadas serem sempre as mesmas. Pois bem, descontando o sucesso internacional (que Santana Lopes não tem) e não se tratar aqui de comédia mas de coisa pretensamente séria, parece-me que acontece precisamente o mesmo fenómeno do Benny Hill Show com Santana Lopes. O homem, estando muito longe de se situar na vanguarda intelectual, é considerado como tendo sempre uma audiência televisiva cativa que gosta dos seus gags. Falta aferir aquilo em que o Benny Hill original nunca foi avaliado: será que isso se concretiza em votos?

HÁ CINQUENTA ANOS, A IDEIA ERA ACELERAR A ENTRADA DA GRÃ BRETANHA NA CEE...

13 de Fevereiro de 1969. «O primeiro-ministro britânico, Harold Wilson e o dr. Kurt Georg Kiesinger, o chanceler alemão ocidental, concluem hoje dois dias de conversações, tendo prometido um ao outro tentarem conseguir que a Grã-Bretanha entre o mais depressa possível para o Mercado Comum Europeu.» É impossível lermos esta notícia de há cinquenta anos sem esboçar um sorriso irónico: na situação que se vive, a modernidade consiste no gesto de Theresa May ir a Berlim pedir a Angela Merkel que a ajude a sair com alguma coisa de tangível na mão...

11 fevereiro 2019

A ASSINATURA DO TRATADO DE LATRÃO

11 de Fevereiro de 1929. Assinatura em Roma do Tratado de Latrão que regulariza as relações entre a Itália e a Santa Sé. A diplomacia do Vaticano, célebre pela sua paciência, já havia esperado 58 anos pela resolução da Questão Romana, mas apercebera-se que naquele caso o tempo não se apresentava, decididamente, a seu favor. A Pio IX, que em 1871 se recusara a reconhecer a perda da sua soberania temporal sobre Roma e as regiões históricas adjacentes do papado, haviam-se sucedido quatro outros papas (Leão XIII, Pio X, Bento XV e, agora, Pio XI) que se haviam obrigado a passar todo o seu pontificado encerrados no Vaticano. O Tratado que era então assinado (assinale-se, por curiosidade, que era véspera de Carnaval) juntava as assinaturas do Cardeal Pietro Gasparri, secretário de Estado (1º ministro) do Vaticano e do Duce Benito Mussolini, pelo lado italiano. Apesar do destaque que se pode apreciar abaixo (Portugal era um país católico, a resolução da questão era um facto importante), o acontecimento só foi noticiado em Portugal dois dias depois. As ULTIMAS NOTICIAS eram então uma realidade diferente...

10 fevereiro 2019

PRÓXIMO! (O JORNALISTA DESCARTÁVEL)

Esta semana António Costa deu uma entrevista à SIC. E o entrevistador foi José Gomes Ferreira, prosseguindo uma tradição a que aquela estação nos habituou. O problema para a SIC é que, como pode acontecer com os combates de boxe quando eles se repetem e com resultados consistentemente a favor de um dos contendores, o histórico dos matches anteriores afecta o interesse pelo embate (e o consequente volume das apostas... mas isso aqui não interessa nada). Quando apanhamos o primeiro ministro com aquela expressão falsamente simpática na imagem acima, está ele apenas a reavivar as cicatrizes que deixara no entrevistador em embates prévios:
- (...) mas, para já, fico muito satisfeito com uma coisa:
- O quê?
- Há três anos atrás, o que (o José Gomes Ferreira) anunciava é que vinha aí uma enorme tormenta, porque regressavam os terríveis socialistas, que iam fazer obras públicas ao disparate, iam arruinar e endividar o país, com as obras públicas todas... Vejo que agora, três anos depois, está bastante mais sereno, quanto a este receio...
- (falando por cima) Não estou, mas também estou a fazer eco de quem acha que não há obra...
- ...e pelo contrário, crítica a ausência de obra. Eu registo e fico satisfeito (...).
Veja-se a cena nesta ligação. A pergunta que aparece em rodapé, sobre os investimentos ferroviários, até parece assaz pertinente e a resposta não se afigurará fácil, só que o histórico do entrevistador a martelar gráficos e a arriscar-se a fazer profecias catastrofistas que depois não se concretizaram permitiram a António Costa deflectir o problema para o antagonista. Obviamente que o momento não se conta entre os sete momentos seleccionados pela SIC para destacar a entrevista concedida pelo primeiro ministro...
Este é o problema do jornalismo espectáculo praticado pelas televisões, em que o entrevistador se crê um parceiro em pé de igualdade com o entrevistado. É um estilo que nem sei se vingará a curto prazo como elas, televisões, pretenderão. Mas, no longo prazo, de forma geral, mas mais especificamente neste caso, e enquanto António Costa ocupar o cargo de primeiro ministro, a pessoa de José Gomes Ferreira como jornalista político tem tanta utilidade para a SIC como uma Gillette romba ou uma BIC sem tinta... O jornalismo espectáculo produz jornalistas descartáveis.

09 fevereiro 2019

O PRIMEIRO VOO DO BOEING 747

9 de Fevereiro de 1969. Tem lugar o primeiro voo do Boeing 747. Se em finais de Setembro do ano passado evocámos o cinquentenário da primeira exibição pública da aeronave, em cerimonia muito badalada, convém deixar claro com esta outra evocação, quatro meses passados, como as fases de lançamento de um modelo de avião comercial são ritualizadas e têm os seus ritmos, até ao momento em que o avião realiza pela primeira vez aquilo para que foi verdadeiramente concebido: voar... Como em tantas outras coisas na vida, nem sempre é o que é mais publicitado aquilo que contém mais significado. No caso do Boeing 747, seguir-se-iam vários meses de voos de teste e formação da tripulação, até à sua efectiva entrada ao serviço dali por quase um ano.

08 fevereiro 2019

A PROMOÇÃO DISPARATADA AO DISPARATE

A série televisiva M*A*S*H passou na nossa televisão vai para uns 40 anos. Como o filme original que a inspirara (MASH, de 1970) também ali a acção (num registo cómico e, ao mesmo tempo, irónico) se desenrolava num hospital de campanha norte-americano durante a Guerra da Coreia (1950-53). Já aqui mostrei no Herdeiro de Aécio que não era um grande admirador da série. Isso não impede que recorde, quando a propósito, algumas das cenas e personagens mais vincadas do filme e da série.
Na série, uma das personagens que mais dava nas vistas era o cabo Maxwell Klinger, que se notabilizava por aparecer vestido com roupas femininas. A intenção confessa do cabo Klinger era a de ser passado mais cedo à disponibilidade ao abrigo de uma cláusula aplicável a quem mostrasse desequilíbrios mentais. Como se adivinha, nunca teve essa sorte, e a piada do gag foi-se desgastando à medida que se repetia de episódio em episódio. Mas, mesmo cansada, a história ressurgiu-se-me por ocasião de uma polémica ontem noticiada pelo Jornal de Notícias.
Hoje tornou-se comum haver mulheres nas forças armadas. Mas que não se fardam como o cabo Klinger. Muito se terá evoluído em quarenta anos mas o Meridiano do bom senso não evoluiu tanto assim. E insolências atrevidas de alunos do 11º ano sempre as terá havido nesses quarenta anos. O que não tem sentido algum é que agora haja organizações políticas como o Bloco de Esquerda a dar-lhes uma seriedade e que haja órgãos de informação (porque injectados pelos partidos sem qualquer controle editorial) a facultar uma promoção disparatada ao disparate.

O PROGRAMA DO MARCELO

Nunca é demais frisar as vantagens da concorrência na TV: é por ela existir que aquilo que para uns era merecedor de ir para o lixo, é para outros merecedor de lhe continuar a ser dado utilidade. O programa Quadratura do Círculo, extinto na SIC, transitou para a TVI e passou a denominar-se Circulatura do Quadrado. Ontem foi a primeira emissão do velho formato no novo local e contou com a presença do presidente da República. Em suma, foi uma coisa completamente diferente: foi um programa do presidente da República... O presidente da República quando vai à TV é que não tem concorrência...

06 fevereiro 2019

CENAS DO OCASO DE UM DITADOR

5 de Fevereiro de 1969. Salazar abandonava a clínica onde estivera internado durante os últimos cinco meses. O velho ditador deixara de ser notícia. Só as edições mais tardias dos jornais daquele dia publicavam uma muito breve notícia a respeito do assunto. Apesar do antigo presidente regressar à sua residência oficial de São Bento, no entretanto, o poder e as consequentes disputas à sua volta haviam migrado para outro lado. A edição do dia seguinte dos jornais nada tinham a acrescentar à breve nota que se vê abaixo.

05 fevereiro 2019

A FOTOGRAFIA É UMA ARMA...

Há quarenta e tal anos, durante o PREC e ainda por uns tempos depois de ressaca, houve uma canção revolucionária que marcou a memória pela intensidade do refrão: A Cantiga é uma Arma. Hoje que se vivem os tempos da ressaca do PREC de direita, os revolucionários nostálgicos deste nosso século XXI, também têm uma Arma, só que agora se trata da Fotografia. Reflicta-se sobre esta fotografia de lançamento da campanha do CDS-PP às próximas eleições europeias: cria-se uma photo-op para que os fotógrafos da imprensa (as sombras no chão...) fotografem Assunção Cristas e Nuno Melo a autofotografarem-se diante de um grande cartaz dominado pela fotografia do cabeça de lista Nuno Melo. Onde os outros usavam (e abusavam) do som, hoje, com estes, parece cingir-se à imagem...

O CENTENÁRIO DA PRODUTORA UNITED ARTISTS


5 de Fevereiro de 1919 é considerada a data de fundação da United Artists, um dos grandes estúdios de cinema de Hollywood. A denominação - artistas unidos - foi-a buscar à composição inicial do capital social da empresa, detida em partes iguais pelos actores Charlie Chaplin (1889-1977), Douglas Fairbanks (1883-1939), Mary Pickford (1892-1979) e pelo realizador David Griffith (1875-1948). A ideia original da associação era associar os protagonistas da indústria cinematográfica para que eles fizessem frente ao poder crescente das grandes corporações cinematográficas. Não foi bem assim, mas a história destes cem anos é extensa e irrelevante para esta evocação. Para mim, na década de 80, a United Artists tinha este belíssimo logo que aparecia no princípio dos filmes que produzia.

04 fevereiro 2019

UMA CURIOSA OBSERVAÇÃO A RESPEITO DA VERSÃO DISPONIBILIZADA DA AUDITORIA À CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS

Quando os documentos são censurados antes da sua disponibilização pública (vamos utilizar a expressão sanitizados, tradução directa da expressão em inglês), existem duas grandes escolas de apresentação do documento resultante. As que deixam as parcelas omitidas em tinta escura, realçando o que foi feito (acima à esquerda, no documento A), e as que procuram ser subtis nas consequências do que deixa de estar acessível do documento original (é o caso em B). Pode parecer uma questão meramente estética, mas a experiência demonstra que raramente o é. Os autores da tinta escura normalmente assumem o que fizeram e porque o fizeram, os da tinta clara costumam ser os sonsos. É por isso que, quando fui ver as páginas do relatório da Auditoria à Caixa Geral de Depósitos (esta abaixo é apenas a página 48 das 263 que o compõem), fiquei francamente desagradado mesmo ainda antes de deduzir aquilo que fora sanitizado. Para além da constatação que, mais do que os protagonistas, até os próprios números foram censurados, deu-me logo uma má ideia da atitude preocupada como o documento fora disponibilizado, e não deve ter sido preocupação com a poupança de toner no caso de vir a ser fotocopiado...

«PAPO SECO SEM MIOLO»

«...é como um papo seco sem miolo». Foi como ontem ouvi ser descrito um daqueles opinadores que povoam o nosso espaço mediático com redobrada insistência sem que, desde sempre, se descortinem as razões que o guindaram a tal estatuto e lá o perpetuam. Não apenas pela falta do miolo, mas também pela aparente robustez (mediática) da crosta, «papo seco sem miolo» é uma metáfora memorável, uma descrição estarrecedora, naquele caso, referindo-se a Daniel Oliveira, mas aplicável a uma espécie específica de pães ocos que pululam por aí, produzidos por um empresa de panificação que os protege e promove, sem que se percebam as razões para tal contínua aposta na falta de qualidade do pão.

03 fevereiro 2019

REFLEXÕES SOBRE FRASES CÉLEBRES LHANAS

Mesmo que Luís Montenegro tenha hipotecado as suas hipóteses de ascender no PSD com este seu desafio recente (e francamente prematuro) ao presidente em funções Rui Rio, creio que ele já havia conquistado o seu direito à notoriedade intelectual neste ciclo político por causa de uma frase sua de há cinco anos, pretendendo que a melhoria do país era uma realidade paralela à de quem nele vive - A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor. Nestes cinco anos o seu autor foi - merecidamente - gozado, mas sem que as críticas produzissem uma resposta simetricamente lhana que a refutasse, encaixando-se perfeitamente na sofisticação do debate político. Demorou cinco anos, mas encontrei hoje, e no jornal El País, na opinião de um senhor chamado Joaquín Estefanía (que nem sei quem é) aquilo que considero a mais feliz antítese à famosa tese montenegrina de 2014: Uma das razões pelas quais a gente percebe que está pior, ainda que o PIB cresça, é porque está pior. Não é elaborado, mas não foi de elaboração que andei à espera cinco anos...

A FOTOGRAFIA QUE TORNOU DENG XIAOPING SIMPÁTICO AOS AMERICANOS

A aliança entre os Estados Unidos e a China, que fora forjada pela tão gabada quando inesperada visita de Nixon à China em Fevereiro de 1972, só veio a ser completamente incorporada pela opinião pública norte-americana sete anos depois, já Nixon caíra em completa desgraça e Mao morrera. Para isso foi indispensável uma viagem do sucessor deste último, Deng Xiaoping, aos Estados Unidos e umas imagens fortes de propaganda como esta acima, do pequeno líder chinês de chapéu de cowboy na cabeça, uma oferta quando da sua visita a Houston no Texas. Comprovativo do sucesso da operação mediática então lançada a forma despeitada como o acompanhamento da visita era registado na edição de há quarenta anos de um jornal português (Diário de Lisboa) cujas simpatias eram indisputavelmente pró-soviéticas (sublinhado abaixo, do lado direito - Deng Xiaoping no país da coca cola). Aliás, não seria coincidência a oportunidade como, na mesma página, o mesmo jornal fazia questão de recordar como o combate político ainda não se encerrara na cúpula do partido comunista chinês, ao destacar o episódio da autocrítica de Hua Guofeng. (Hoje já ninguém sabe quem foi Hua Guofeng, embora o Herdeiro de Aécio ajude...) Mas deixei a verdadeira nota irónica para o fim: se a fotografia de Deng pretendia induzir na percepção da opinião pública dos Estados Unidos uma afinidade para com os valores do oeste americano, a Verdade é que era o seu grande rival Leonid Brejnev quem possuía genuinamente (quase de forma infantil) essa afinidade com o Oeste, como já tive oportunidade de lembrar aqui no Herdeiro de Aécio. Mas, como não me canso de repetir e demonstrar, a propaganda política só se socorre da verdade quando ela lhe é conveniente.

02 fevereiro 2019

UM LENINE MODERNO, MAIS A GOSTO DOS BLOQUISTAS?

Faz hoje precisamente uma semana que José Pacheco Pereira escreveu um artigo a que deu o título «A esquerda "identitária" (ou seja, o Bloco) diz adeus a Marx». «Resumindo de forma simplificada: a nação não conta, a religião não conta, a origem social não conta, a condição social não conta, a classe social conta cada vez menos, mas a raça, a cor, o sexo e o género contam muito, quase tudo.» E, vai daí, o (nosso) célebre barbudo (José Pacheco Pereira) virou 180º a fotografia do (internacionalmente consagrado) célebre barbudo (o original: Karl Marx). O que está incorrecto. No Bloco não haverá densidade teórica para se lerem os clássicos do século XIX e debater com o autor de As lutas operárias contra a carestia de vida em Portugal, mas há decerto a sensibilidade estética para se acautelarem as imagens icónicas do século XX. E, em vez de se inverter uma imagem de Marx, perguntamo-nos se no Bloco não preferem ver a coisa de forma mais progressista: que tal montar uma imagem de Lenin mais acomodatícia com a narrativa bloquista a respeito dos acontecimentos do bairro da Jamaica? (acima) Ou contribuir com uma nova linha de roupa para o esclarecimento do proletariado sobre o quem é quem na esquerda? (abaixo)