28 fevereiro 2009

O MISTERIOSO PRESIDENTE WA

Noite dentro, a SIC Notícias transmitiu ontem um dos quatro episódios em que se desdobrou uma longa entrevista que o já então ex-presidente norte-americano Richard Nixon deu ao famoso entrevistador britânico David Frost em 1977. Quanto a Richard Nixon, creio que dispensa apresentação, quanto a David Frost, vale a pena dizer que a sua projecção mediática foi feita à custa de muitas cotoveladas aos colegas de profissão, incluindo mesmo os que faziam parte da sua equipa. Foi azar de Frost que entre os que ele aleijou nessa ascensão se contavam os membros dos Monty Python que lhe dedicaram depois um sketch onde o retratavam de uma forma particularmente maldosa (abaixo*)…
Mas, como se dizia no famoso separador de assuntos inventado precisamente pelos Monty Python (and now for something completely different**), o teor da parte da entrevista de Frost a Nixon que ontem estive a seguir dedicava-se a um assunto completamente diferente, à visita que Nixon havia realizado à China em 1972, às opiniões que ele formara dos contactos pessoais com os dirigentes chineses da época, Mao Zedong e Zhou Enlai, e às perspectivas que Nixon teria então de como seria evolução da China, sabendo-se que, à data da entrevista, se estava no ano imediatamente a seguir ao da morte daqueles dois dirigentes - ambos haviam morrido em 1976, Zhou em Janeiro e Mao em Setembro.
Durante essa parte da entrevista, diversas vezes Nixon fez referência a um misterioso presidente Wa – pelo menos era assim que o seu nome aparecia escrito nas legendas… Quem conheça a história recente da China certamente que não deve conhecer nenhum destacado líder chinês que se tivesse chamado Wa. Uma hipótese mais plausível é que o tradutor daquela entrevista percebesse imenso de fonética inglesa mas fosse completamente ignorante sobre a história moderna da China e tivesse aplicado as regras da primeira especialidade para escrever o primeiro nome daquele que se havia tornado o sucessor de Mao Zedong, de seu nome Hua Guofeng (acima, uma fotografia dos dois)…
A avaliação feita por Nixon sobre a situação chinesa da época serviu para me relembrar a extraordinária importância – que, por acaso, hoje está praticamente esquecida na historiografia oficial chinesa... – da pessoa de Hua Guofeng durante o quinquénio de transição entre a época dos extremismos do período final da vida de Mao (1966-1976), protagonizada sobretudo por aqueles que vieram depois a ser baptizados por Bando dos Quatro (Wang Hongwen, Yao Wenyuan , Zhang Chunqiao e a mulher de Mao, Jiang Quing), até à efectiva consolidação do poder nos princípios da década de 1980 por parte de Deng Xiaoping e dos seus aliados e protegidos, Hu Yaobang e Zhao Ziyang.
Curiosamente, fazendo uma análise do ponto de vista etário, era o reformador Deng Xiaoping (abaixo, nascido em 1904) que aparecia muito mais como uma continuação geracional da geração de Mao Zedong (nascido em 1893) e de Zhou Enlai (em 1898) do que os revolucionários do Bando dos Quatro (nascidos entre 1914 e 1933) ou mesmo do que a solução de continuidade e de compromisso então representada por Hua Guofeng (nascido em 1921). Em termos ideológicos, contudo, Deng viria a representar uma ruptura substancial com as concepções de organização económica que haviam prevalecido até então na China. Mas isso ainda era o futuro na altura em que David Frost entrevistou Nixon.
Mas, porque o auto-convencimento em excesso o pede, não consegui resistir a dar o devido destaque neste poste àquele episódio do misterioso presidente Wa... Para mais quando, conforme estamos habituados a ouvir àquele que tem sido recentemente elevado a um estatuto parecido com o de David Frost, mas à portuguesa (Mário Crespo, abaixo), isso acontece numa estação de televisão que se ufana da excelência dos seus conteúdos
* De notar especialmente o genérico final, onde a autoria é atribuída inteiramente a Timmy Williams com material adicional de dezenas de outras pessoas. David Frost era conhecido (criticado e desprezado) por plagiar descaradamente ideias alheias.
** E agora, para uma coisa completamente diferente.

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