05 fevereiro 2009

ÀS TRÊS PANCADAS



Saído em 1974, o terceiro disco de Sérgio Godinho foi baptizado de à queima roupa mas desconfio que também poderia ter recebido o nome de às três pancadas, tanta era a pressão para a edição de mais um disco com músicas revolucionárias para passar nas rádios que então viviam com um reportório limitado de músicas daquele género. Por isso, as canções mais conhecidas de à queima roupa, como Liberdade e Os Pontos nos Iis tornaram-se grandes hits musicais que se integravam plenamente no espírito do PREC que atingia todo o Portugal.

De menor rigor revolucionário era a maioria das outras canções do mesmo disco, onde se nota a falta de maturação nos arranjos e nas letras, consequência provável da premência da edição do disco em detrimento da qualidade do seu conteúdo. Um dos casos em que isso é mais evidente é numa canção que se chama Independência, em que o tema da letra é a, então candente, questão colonial. Apesar de paupérrima(*), a letra é inequívoca quanto à opinião de Sérgio Godinho sobre aquela questão: A África é dos africanos, já chega quinhentos anos.

É um truísmo como o tempo e as circunstâncias demonstraram. Só que essas circuntâncias evoluíram tanto desde aí que não deixaria de ser irónico e não seria surpreendesse se se visse actualmente organizações extremistas de direita a recuperar, distorcer e readaptar um slogan tão simplista quanto o usado por Sérgio Godinho naquela sua música (A África é dos africanos) para o empregar numa sua campanha racista e xenófoba - A Europa é para os europeus. A demagogia é mesmo transversal ao espectro político…

(*)
Quem diz que sim quem diz que não
Quem diz que sim quem diz que não
São os movimentos de libertação
São os movimentos de libertação

E ainda anda tanto português
A dizer talvez, a dizer talvez
A dizer talvez, a dizer talvez

Independência
Independência

A África é dos africanos
já chega quinhentos anos
já chega quinhentos anos
A África é dos africanos

Quem diz que sim quem diz que não
Quem diz que sim quem diz que não
São os movimentos de libertação
São os movimentos de libertação

E ainda tanto português
A dizer talvez, a dizer talvez
A dizer talvez, a dizer talvez
E a dizer “pois sim”
E a dizer “pois é”
E a dizer “que remédio”
E a dizer “Rodésia”
E a dizer “mas sabe”
E a dizer “que pena”
E faz e acontece

Independência

1 comentário:

  1. Agora quando alguém diz que Portugal é dos Portugueses já é uma chatice.







    Em todo o caso defendo que a nossa Pátria é o Planeta Azul.

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