30 setembro 2012

O IMPERADOR VASCO

Nesta história acima de Lucky Luke, Dean Smith era um rancheiro rico de uma cidade do velho Oeste que tinha pancada. Julgava-se o Imperador dos Estados Unidos e a esse título mandava proclamações para o jornal local, que as publicava em local de destaque para aumentar as suas tiragens. O Público faz o mesmo às proclamações do imperador Vasco. O que não será análogo é que, ao contrário dos habitantes de Grass Town, não tenho a certeza que todos os leitores do jornal se consigam aperceber que o Vasco, dito Pulido Valente, também tem pancada. Este fim-de-semana, a propósito da extinção das fundações, foi-se meter com aquela que será provavelmente a única fundação a sério que existe em Portugal: a Gulbenkian.
Num primeiro dia (Sexta-Feira, 28 de Setembro), Vasco questiona-se retoricamente: Mas quem me explica a mim por que misteriosa razão a Gulbenkian (que é uma das fundações mais ricas da Europa) recebeu do Estado, entre 2008 e 2010, 13 483 milhões de euros¹? E quem me dá uma justificação aceitável do facto inaceitável de a Gulbenkian continuar a ser uma "fundação pública de direito privado", em vez de ser, numa sociedade democrática, simplesmente uma fundação de direito privado (…)? Pelos vistos explicaram-lhe, que no dia seguinte ele corrige-se: Fonte fidedigna garante que a Gulbenkian é uma fundação privada. E no outro dia torna a corrigir-se: Afinal, a Gulbenkian não recebeu qualquer apoio do Estado entre 2008 e 2010.
Esta analogia do imperador Vasco com o imperador Smith não é originalmente minha. Foi-me argumentada por alguém noutro momento em que eu me indignava com esta repetida atitude ligeira do cronista às suas argoladas: - Olha?! Os dados usados para sustentar a opinião afinal estavam todos errados… Como me fizeram concluir, o Vasco  no seu estado normal, é inimputável (outro...). Das suas crónicas, assim como das pretensões de Smith, não virá mal nenhum ao mundo. No fim da aventura, Lucky Luke parece disposto a perdoar a todos, ao louco e aos outros que o seguiam acriticamente e a única condenação vai para o lúcido outlaw: – Ouve, cow-boy, eu não tenho pancada! – Pois! Por isso é que vais para os trabalhos forçados!
Depois de Fernando Nogueira, suspeito que não haja outro lúcido outlaw que se queira servir do Vasco para alguma coisa… Dos seus seguidores acríticos não se sente porém a falta.

¹ Comprovando que não se tem a mínima noção da grandeza do montante que se escreveu, diga-se, para comparação, que ele é superior ao PIB de Moçambique…

EM MEMÓRIA DOS VESPERTINOS

John Fitzgerald Kennedy foi assassinado à hora de almoço de sexta-feira, 22 de Novembro de 1963, em Dallas no Texas. Ao cair da noite, ao regressarem a casa em véspera de um fim-de-semana, todos os passageiros deste comboio suburbano algures no Connecticut são fotografados de jornal na mão a procurarem informar-se das últimas novidades. Hoje, os jornais vespertinos – i.e. saídos à tarde – não passam de uma abstracção em Portugal.

29 setembro 2012

VIRTUDES D«ESTA DEMOCRACIA»

Li por aí, depreciativamente escrita, a expressão esta democracia. Para exemplo que a refute, é bom que nos apercebamos como as tropelias da assembleia geral do Benfica – que já se baptizou de moção de censura... – acabam por não ter quaisquer consequências práticas por causa de uma revisão recente dos estatutos e que Luís Filipe Vieira se arrisca, depois de nove anos como presidente, a reconduzir-se mais uma vez no cargo pese a contestação. É por estes episódios laterais que devemos aprender, quando os assuntos são a sério, a prezar esta nossa democracia e as suas regras pela alternância, porque parece haver uma tendência antropológica portuguesa para que quem preside lá se perpetue com o endosso das vanguardas (e das entidades): porque os nove anos a presidir ao Benfica de Luís Filipe Vieira são uma bagatela quando comparados com os trinta de Jorge Nuno Pinto da Costa. E felizmente que os trinta anos de presidência deste último (mesmo que o Futebol Clube do Porto seja uma naçom!) não estão a ter o mesmo impacto que os trinta e seis anos da presidência do conselho de ministros de António de Oliveira Salazar…

28 setembro 2012

O PROBLEMA DA PREDESTINAÇÃO

Só recentemente descobri a obra de Francesc Català Roca (1922-1998), um fotógrafo catalão que fiquei a apreciar, não apenas por causa da estética das suas fotografias, mas também por causa dos seus temas sociais da Espanha do franquismo. Descubro, por exemplo, neste instantâneo de um jogo de futebol disputado por seminaristas trajados a rigor um problema apropriadamente teológico e profundo: o da predestinação. Houve vontade divina para que aquela bola chegasse a entrar ou não?... Adenda: Há quem atribua a autoria da foto a Francesc Català Roca e descobri depois que há também quem a atribua a Ramón Masats. Fica a dúvida.

27 setembro 2012

«É O CLOUSEAU. MATEM-NO. AH AH AH AH...»


A propósito na notícia da morte o actor Herbert Lom (1917-2012), conhecido por ser o desgraçado chefe do inspector Clouseau, lembrei-me desta inesquecível cena acima, e de como seria apropriado que nas repartições de finanças também houvesse botijas de óxido nitrosoidênticas para ministrar aos contribuintes. Como Lom, quando lhe arrancaram o dente são, todos nós permaneceríamos risonhos mesmo depois de liquidar as notas de cobrança do IRS ou do IMI. E como a intenção assassina de Lom, também as nossas imprecações dirigidas a Vítor Gaspar se revestiriam de um certo surrealismo se seguidas de gargalhadas incontroladas...

INDIGNAÇÕES DE UM INIMPUTÁVEL


Por muito que a reputação da benemerência de Fernando Nobre possa não ter saído beliscada depois do encadeamento das suas duas candidaturas (primeiro à presidência e depois como deputado nas listas do PSD), creio que a sua correspondente intelectual se afundou até ao nível de uma inimputabilidade obtusa às consequências das suas afirmações públicas. Não me surpreendeu por isso lê-lo, qualificando de mal-entendido a redução de 30% que a sua AMI virá a sofrer nos subsídios estatais: Não me passa sequer pela cabeça, não quero acreditar e muito menos aceitar que tal pudesse acontecer numa situação de emergência social.
Porém, se se fizerem as contas ao impacto da medida com os dados constantes da própria notícia, a redução representará apenas cerca de 5,4% das receitas globais da organização (18% x 30%), ou seja, é ainda menos do que a bolada prometida por Vítor Gaspar aos rendimentos anuais de um português médio – note-se, para referência, que, qualquer dos subsídios (1/14) equivale a 7,1% dos rendimentos anuais de um trabalhador. Como um aristocrata, Fernando Nobre lamenta-se altaneiro por as dificuldades lhe baterem à porta. Mas que moral tem ele para se referir à insensibilidade social alheia?…  

O MEU MOMENTO «CATCH-22»

Catch-22 é o título de um famoso livro de Joseph Heller - por sinal, achei-o intragável, de um humor falhado. O que o tornou famoso terá sido o conceito ali forjado, que se tornou depois numa expressão idiomática usando o título do livro, equivalente a uma lógica absurda que acaba por se contradizer a ela própria, que se pode desencadear quando da aplicação estrita de regulamentos. Concretamente, o herói da história, piloto de combate em guerra, estava louco e não devia voar, porém, no momento em que requeresse isso ao abrigo do tal Artigo 22, mostrava sanidade mental suficiente para que o seu pedido fosse indeferido…
 
No momento em que me vi envolvido numa situação Catch-22 eu era demasiado novo para saber do que se tratava, nem imaginava sequer o que era a burocracia. Acabado de concluir o ensino pré-escolar num externato de Lisboa, munido de um pomposo diploma que informava que eu passara para a 1ª Classe com 20 valores (!), tive que me inscrever para o ano lectivo seguinte – malhas que o Império tece – na escola oficial – a única existente – de uma remota cidade de uma província ultramarina – para empregar a terminologia do Império… E a inscrição foi rejeitada porque eu não tinha a idade convencionada naquela província…
Fui assim despromovido a frequentar uma classe intitulada Pré-Primária, onde se ensinariam uns rudimentos de português, a começar pela expressão oral – estava-se numa província ultramarina e o português não era o idioma de casa de muitos alunos… Entretanto, os recursos quanto à minha situação mostravam-se infrutíferos. As perspectivas só começaram a melhorar quando na classe nos pediram para desenhar a nossa escola. E eu desenhei-a, bonita, colorida e devidamente identificada com o letreiro ESCOLA. E assim começou o meu Catch-22: para estar naquela classe, eu não podia saber escrever Escola
 
A professora veio embaraçada e discretamente sugerir-me que eu apagasse aquela parte do desenho. As negociações não foram fáceis: apesar do fascismo e do colonialismo vigentes até uma criança de seis anos é naturalmente pela liberdade de expressão artística. Apaguei os dizeres mas vim para casa queixar-me da Censura. Por instruções familiares, a partir daí os meus desenhos passaram a ter todos palavras escritas, incluindo vários diálogos circunscritos em filacteras conforme aprendera na BD. Na hierarquia escolar, alguém foi final e felizmente sensível ao ridículo e passado pouco tempo fui transferido para a 1ª Classe…   

26 setembro 2012

«TOO LITTLE, TOO LATE»

Há expressões que só perdem com a tradução. A de cima, inglesa no original, equivale a dizer que uma solução deixou de o ser, tanto pela insuficiência na intensidade/quantidade de como veio a ser aplicada, como pela perda da oportunidade em que o foi. Creio que a expressão é perfeita para sintetizar a apreciação à decisão governamental de extinguir quatro fundações – depois de mais de um ano dedicado, certamente, a uma madura reflexão sobre a utilidade de duzentas e trinta. Apesar de todas as suas penas e padecimentos, e só para exemplo, tenho a certeza que o povão se teria consolado republicanamente com o espectáculo de uma figura como Mário Soares a rabiar por causa dos cortes nas subvenções (reportadas numa média de 425.000 €/ano entre 2008 a 2010) que a fundação que leva o seu nome teria deixado de receber. Agora o governo já não tirará grande proveito desse consolo

ISTO NÃO É UMA PRAIA...

Inspirados porventura em René Magritte (1898-1967), Andreas Gursky fez esta fotografia em 2003 e eu dei-lhe o título acima em 2012... Uma praia é para ser frequentada de uma forma razoavelmente anárquica, não com este alinhamento de guarda-sóis que parece saído de uma parada militar na praça central de Pyongyang. A agravar o caso, a fotografia é da praia de Rimini em Itália, maculando indelevelmente uma reputação multicentenária para a bagunça daquele grande povo...

25 setembro 2012

A ANGÚSTIA DAS ENFERMEIRAS

Filipinas, ilha de Cebu, Agosto de 1945. Em formatura, estas enfermeiras japonesas aguardam com visivel apreensão o seu destino imediato às mãos dos militares norte-americanos nesta cerimónia de rendição. Compreende-se: as suas referências sobre o aprisionamento e posterior tratamento das mulheres em situações como esta restringiam-se ao exemplo do exército japonês, cuja prática era perfeitamente medieval.

COMUNISMO, HIPNOTISMO E OS BEATLES

Este best-seller de 1965, com o teor que se adivinhará pelo título, foi escrito por um senhor - David A. Noebel - que nos aparece descrito na Wikipedia como um líder religioso perfeitamente normal, que até foi candidato republicano ao Congresso. Trata-se de um excelente exemplo de como os Estados Unidos sempre contiveram nas raízes da sua sociedade correntes fundamentalistas religiosas que estão filosoficamente tão apartadas dos valores de democracia e tolerância de que o Ocidente tanto se orgulha quando os extremismos islâmicos, que vieram a ser considerados o inimigo principal da civilização após o fim da Guerra-Fria. Que fique claro que acho que os fundamentalismos não se podem desculpar reciprocamente. Mas também que acho manipulador o abismo que existe no tratamento mediático entre as repetidas evocações do atentado das torres gémeas (2001) e as persistentes omissões ao atentado de Oklahoma City (1995).

24 setembro 2012

PROCESSOS MODERNOS DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA – DAS CARTAS PERSONALIZADAS NO «FACEBOOK» AO DISCURSO DO «CHECKERS»

Ainda a propósito do Pedro, primeiro-ministro, que deixou este desabafo acima no facebook para que não deixássemos de o considerar um gajo porreiro acidentalmente obrigado a fazer-nos cenas lixadas como aquela coisa da modulação da TSU, dá-se a coincidência de se terem completado recentemente 60 anos sobre um outro político que se serviu de outra tecnologia de ponta (à época…) para fazer passar a mensagem de como ele era também um dos nossos, um gajo porreiro e um pai extremoso: Richard Nixon (abaixo, um pequeno trecho desse discurso televisivo).
 Ao contrário dos insultos a Passos Coelho, Nixon teve um enorme sucesso, embora se desconfie que no fim do seu discurso televisionado quase ninguém se lembrasse de qual fora o tema que o provocara: acusações de financiamento ilícito. Tudo isso porque a meio do mesmo, Nixon habilmente evocara um donativo que anunciava não se dispor a devolver: um pequeno cocker spaniel manchado de preto e branco (convenientemente para os tons da televisão…), que a filha mais nova já baptizara de Checkers. O nome colou-se ao cão e ao discurso, sobreviveu ao cão e perdurou até à actualidade.
Se os seus assessores de imagem andarem sem ideias nestes dias difíceis que correm, pergunto-me porque não se dá um desses cães fofinhos a Pedro Passos Coelho? Já pode ser a cores…

ELOGIO A UMA ATITUDE QUE NÃO AOS ARGUMENTOS DE QUEM A TOMOU

Será possível respeitar-se uma atitude de alguém sem que se concorde com a forma como essa pessoa a justifica? Maria Teresa Horta é a responsável por esta elaboração quase bizantina de um dilema. É uma proeza apreciável especialmente quando vinda de alguém por quem já aqui mostrei não ter consideração. Este blogue exaltou-lhe a bisonhice, quando resolveu escrever para o director do jornal reclamando do conteúdo de um artigo de… O Inimigo Público. Nessa altura realcei (aí pela décima vez) o facto (que aparecerá mencionado talvez pela milésima vez) de Maria Teresa Horta ser sempre a Maria de serviço quando de qualquer alusão às três ditas, todas autoras de igual destaque do livro das Novas Cartas Portuguesas (abaixo).
É esta indiciada propensão para um exibicionismo não justificável, ainda por cima a cavalo de um livro fortemente datado, que tornam mais antipáticos os discursos enfadonhamente assertivos de Maria Teresa Horta. Aquele em que ela fundamenta a sua recusa em receber o prémio literário que lhe atribuíram das mãos de Passos Coelho está repleto dessas exuberâncias: o primeiro-ministro está determinado a destruir tudo aquilo que conquistámos com o 25 de Abril – com liberdade poética, Pedro Passos Coelho torna-se assim uma encarnação do Mal; sou uma mulher de esquerda, (…), sempre lutei pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores – esclareça-se que uma coisa não implicará a outra, há quem tenha lutado pela liberdade sendo de direita, há quem seja de esquerda e o tenha feito pela implantação da ditadura do proletariado.
Porém, dislates à parte, tenho que respeitar a atitude de Maria Teresa Horta em rejeitar a cenografia que a Fundação Casa de Mateus havia montado para a outorga do prémio. No meio de tanta proclamação apaixonada, a premiada foi suficientemente cuidadosa para distinguir entre o prémio e o júri e a operação de charme montada pela Fundação junto do poder político. Afinal, nunca foi indispensável um primeiro-ministro para entregar um prémio literário, pois não?... Para rematar, divididos entre aquela eterna querela se é o prémio que confere prestígio ao premiado se o inverso, o comportamento do presidente da Fundação, Fernando Albuquerque, não mostra dúvidas qual a sua opinião anunciando o cancelamento da cerimónia. Nada melhor que uma decisão despeitada para reforçar a categoria da atitude de Maria Teresa Horta…    
 
Agora, só para chatear quem ainda queira apreciar este episódio numa lógica de trincheiras esquerda/direita e se sinta vitorioso com o seu desfecho, assinale-se que o vencedor do mesmo prémio de há dois anos foi a História de Portugal de Rui Ramos (e Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro)…

23 setembro 2012

JOHN KEEGAN

Só por informação de um amigo é que ontem fiquei a saber da morte em princípios de Agosto do historiador militar britânico John Keegan (1934-2012). Poderia ter sido mais outra desatenção minha mas, depois de outro caso recente com o desenhador belga Eddy Paape (1920-2012), a idade está a deixar-me com cada vez menos predisposição para acreditar em coincidências. O acumular destas omissões parecem-me ser uma constatação quanto a nossa agenda cultural mediática doméstica é medíocre e quanto os seus protagonistas o são. Duvido que a maioria daqueles que têm a petulância de fazer parte de painéis que nos recomendam os livros que todos deveríamos ler saibam sequer quem foi John Keegan. Suspeito que muitos menos terão lido realmente uma das suas obras. Só que, para que a sua selecção de qualquer antologia tivesse consistência, deviam tê-lo feito, pelo menos no caso de O Rosto da Batalha (1976), de que se mostra abaixo a capa de uma edição portuguesa, publicada já há 25 anos…

UM MOMENTO DE IMAGINAÇÃO

Não será a primeira vez que me refiro aqui à minha predilecção infanto-juvenil pelos comboios eléctricos em miniatura. Mas foi reencenando a imaginação que nos acompanha naquelas idades (e que depois acabamos infelizmente por perder), que identifiquei na fotografia aérea de cima um pequeno circuito ferroviário fechado, semelhante a uma réplica em tamanho natural – com muito mais adereços do que aqueles que alguma vez alguém teve! – daqueles que tantas vezes montei em casa.

22 setembro 2012

ONDE É QUE BAPTISTA BASTOS ESTAVA NO 1 DE MAIO DE 1975?

Baptista Bastos é um individuo com sorte: para além da propensão natural que os portadores de papillons têm para não serem levados a sério, Herman José pasteurizou-lhe o discurso quando o popularizou a perguntar a propósito e despropósito onde é que todos estavam no 25 de Abril. Foi assim que os seus pergaminhos do jornalismo e do antifascismo se transformaram numa grande paródia a que o próprio Baptista Bastos teve que se render. Mas ocorreu-me reeditá-los, a propósito de um artigo seu, aparecido num blogue da vizinhança, originalmente publicado na primeira edição do semanário O Jornal, aparecida nas bancas a 2 de Maio de 75. Ainda bem que o fez, porque estas coisas da memória têm muito de amnésico quando o tema são as opiniões pouco democráticas de democratas de outras estirpes de democracia.
Pelo seu conteúdo, até parece que Baptista Bastos estivera a acabar o artigo à pressa e nem se dera conta do que acontecera no dia anterior no Estádio 1º de Maio, quando a delegação do PS fora impedida de entrar na tribuna (acima) por não haver lugar nos camarotes para os partidos divisionistasCGTP dixit. Quanto ao artigo (abaixo, clicar em cima para o ampliar), é uma tentativa canhestra de reinterpretação dos resultados eleitorais das eleições que tinham acabado de ter lugar no 25 de Abril (de 75!) e para tentar desvalorizar a vitória eleitoral do PS. Já lá se reconhece o estilo que mais tarde se popularizaria em forma de farsa, com Baptista Bastos a forjar uma cumplicidade próxima com Mário Soares que nunca existiu (ao menos não tem a lata de o tratar por tu…), mas o melhor é mesmo ler o artigo na íntegra para não perder pitada.
Depois de ler isto que está aqui em cima, apetece lembrar como foi bom que tivesse havido um 25 de Novembro para que hoje nos possamos rir das farçoladas de Baptista Bastos… E quando ouvi um senhor presente na vigília de ontem a berrar que a democracia tem que acabar, apeteceu-me mandá-lo… para o Baptista Bastos.

21 setembro 2012

AS MICRO-CONFERÊNCIAS DO QUINCY

Em Fevereiro de 1945, quando de regresso da Conferência em Yalta, o Presidente Franklin D. Roosevelt resolveu aproveitar a ocasião da sua vinda à Europa para promover umas outras micro-conferências com dirigentes de países não europeus. Para que ele fosse tecnicamente o anfitrião, as reuniões tiveram lugar no cruzador norte-americano USS Quincy, fundeado no Grande Lago Amargo do Canal do Suez. Foi aí que Roosevelt recebeu o jovem rei Faruk que, nem de propósito, era técnica( e teórica)mente o soberano do Egipto que rodeava o Quincy
Outro convidado foi Hailé Selassié, imperador da Etiópia. Apesar de terem sido os britânicos a reconduzirem este último ao trono em 1941, toda esta coreografia do Aliado àqueles que classificava de actores marginais aborrecia sobremaneira Winston Churchill, um imperialista convicto, sem disposição para as sensibilidades do que viria a ser conhecido por Terceiro Mundo. E tinha alguma razão: para memória futura, daquelas reuniões só perdurou a tida com o rei Ibn-Saud da Arábia Saudita, o início de uma estreita relação entre os Estados Unidos e o petróleo saudita…

O SACRIFICADO

Se internacionalmente pegar a versão dos acontecimentos do Setembro Quente que hoje aparece publicada na The Economist, isso será bom para a imagem de Portugal. É pior para Pedro Passos Coelho, ao acartar com as culpas de uma obtusidade política que não conseguiu localizar os limites sociais da aceitação da austeridade. Porém, sabíamos de antemão como o nosso primeiro-ministro se dispusera, em caso de necessidade, a sacrificar-se pelos superiores interesses nacionais. Não foram dele as declarações que Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país (…) que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal? Nestes tempos difíceis, os sacrifícios tocam a todos, excepcionalmente não nos tocam nos bolsos...

A ARMA RIDÍCULA DO IMPÉRIO DO SOL NASCENTE

Não fossem as intenções com que foi criada e uma das armas secretas que o Japão lançou contra os Estados Unidos e o Canadá seria cómica: balões. Tipicamente com uns dez metros de diâmetro (abaixo), o Japão enviou, ao longo da guerra, uns 9.000 balões com bombas clássicas e incendiárias contra as costas ocidentais dos seus dois inimigos da América do Norte.
Voando livremente sem hipóteses de serem dirigidos, a maioria deles perdeu-se no oceano, nem chegaram a terra, e entre os que o conseguiram, muitos acabaram esvaziados à volta de árvores onde se haviam enredado. Surpreendente mesmo é descobrir como eles chegaram a causar seis mortos entre a população civil, para além de alguns incêndios sem grande desenvolvimento.

20 setembro 2012

«ABSOLUTE BEGINNERS»


Andava há uns tempos decidido a colocar um poste musical e indeciso sobre qual seria a música. A reunião desta noite entre PSD e CDS, mais a decisão deles em criar um Conselho de Coordenação da Coligação, precipitou a minha: Absolute Beginners (principiantes absolutos) de David Bowie. Agora sou eu que não posso ser cínico, pareceu-me apropriado a um episódio vácuo que muito se assemelhou a uma encenação de videoclip… É que, para comparar com um outro órgão coordenador da história política portuguesa recente, quando a Comissão Coordenadora do MFA foi instituída a 27 de Abril de 1974, ao menos aí identificava-se quem é que a constituía...

«PSD e CDS-PP reúnem-se às 19h sem Passos e Portas»


Por muito séria que seja a situação torna-se-me irresistível: com uma notícia com o título do poste, vale a pena recordar as habilidades à Tullius Detritus de Paulo Portas, conforme o gag dos Gato Fedorento de há uns cinco anos atrás, só que aquilo era apenas com um partido. Já imaginaram o que Paulo Portas e os seus amigos conseguem fazer agora com dois?...

UM MARXISTA SEVERO NO GOVERNO

 A ser verdade que Vítor Gaspar foi para Berlim elogiar o carácter das manifestações que tiveram lugar este fim-de-semana em Portugal, qualificando-as como demonstração de carácter e não de ruptura, então há que admirar a sua habilidade para manipular os instrumentos da argumentação dialéctica, surpreendentemente superiores às do primo. Por exemplo, quando o ouvimos anunciar recentemente que as transferências para paraísos fiscais serão tributadas de uma forma mais severa, ficámos a perceber como ele guarda a severidade – apreciem a sua expressão abaixo... – para os titulares dos rendimentos de capital, embora as receitas, em taxas concretamente definidas como os 18% da TSU, se vão sacar aos titulares dos rendimentos do trabalho…

OS TRAÇADOS DA CORTINA DE FERRO

Embora a metáfora da Cortina de Ferro tivesse um excelente impacto, o seu traçado dividindo a Europa sempre foi questão imprecisa. Neste mapa acima, datado da primeira metade da década de 1950, o percurso retratado é tão generoso (incluindo a Jugoslávia socialista no lado de ) quanto cauteloso (com um traçado duplo que envolve a zona de ocupação soviética da Áustria com a capital, Viena). A linha recta a vermelho liga Stettin no Báltico a Trieste no Adriático, as duas cidades mencionadas no famoso discurso de Winston Churchill de 1946. Como se vê, Churchill não antecipou que a Alemanha se dividiria nem que Tito na Jugoslávia se conseguiria autonomizar de Estaline. Até ao fim da Guerra-Fria sempre subsistiu a questão ingrata do estatuto anómalo da Jugoslávia num campo que se reclamava da verdadeira Democracia, que por acaso até englobou outras ditaduras de sinal contrário em Portugal, Espanha ou na Grécia até meados da década de 1970.

19 setembro 2012

«EL TABACALERO»

Esta será uma muito superficial homenagem ao recém-falecido Santiago Carrillo (1915-2012), mas ele há pessoas que conquistam as nossas simpatias instintivas, para além das ideologias, apenas pela forma como eles estão na vida. Santiago Carrillo foi um fumador inveterado, aquilo que se qualifica como uma chaminé, era difícil fotografá-lo sem que tivesse um cigarro na mão e, segundo se lê nos obituários, continuou a fumar até ao fim da vida – com 97 anos…
Santiago Carrillo fez parte de um clube muito restrito, de nonagenários fumadores ferozes com Deng Xiaoping (1904-1997) e o ainda (felizmente) sobrevivente Helmut Schmidt (1916-....) que, pela sua projecção mediática e só por existirem, são um desafio completo à sabedoria convencional e ao cancro de pulmão. É de saudar a despedida de uma destas pessoas genuínas e livres que desafiam as convenções, numa época em que impera a hipocrisia

UMA GRANDE CARREIRA POLÍTICA

Entenda-se a expressão supra em qualquer dos dois sentidos que ela pode assumir: uma carreira tão extensa quanto bem-sucedida. Quando a extensão se prolonga por vários decénios, como é o caso de François Mitterrand (1916-1996)...
...poderemos acompanhar, em alguns apertos de mão espaçados e simbólicos, os milhares que ele terá dado vida fora, mas também as circunvoluções que as carreiras políticas puderam ter, ao sabor da evolução das novas ideias.
Mitterrand começou por aderir a uma direita nacionalista conservadora (foto inicial com Pétain) mas, ainda antes do fim da guerra, bandeou-se para um centrismo pró-colonial (foto seguinte como ministro do interior na Argélia¹). 
Emergiu, na V República, como o líder natural dos socialistas e da esquerda francesa, veio a ser presidente da França (foto seguinte, no debate contra Giscard d'Estaing), atingindo o clímax como um grande europeísta (penúltima foto, com Helmut Kohl).
Para seu azar, mas para sorte da sua reputação, afectada por vários aspectos melindrosos, sobreviveu por pouco mais de seis meses ao fim da sua magnífica carreira. Há pessoas que não imaginaríamos a resignarem-se à obscuridade natural da reforma
¹ No título de jornal lê-se, citando um discurso radiofónico de Mitterrand: A Argélia é a França e a França não reconhece em sua própria casa outra autoridade que não a sua.

18 setembro 2012

O FILME…

Este fotógrafo anónimo resolveu apontar a sua máquina fotográfica para o auditório a meio da sessão de cinema para descobrir que, de entre a meia dúzia de espectadores que apanhou, apenas um, o mais novo, é que se interessava realmente pelo que estaria a acontecer na tela. Mais próximo de nós, um outro espectador fixa atentamente… a objectiva da máquina e atrás dele um casal de namorados estão fixados… neles mesmos, com o marinheiro a parecer preparar-se para propiciar um bom momento à companheira… sob o olhar reprovador e desagradado de um outro espectador mais atrás. Por fim, ao lado deste e numa obscuridade que será politicamente incorrecta realçar, um negro ressona de boca aberta apontada para cima, alheado a tudo o que o rodeia: ao filme, à marmelada e ao fotógrafo…

PRÍNCIPES DE CONTOS DE… PRÍNCIPES

Abaixo, à esquerda, trata-se de uma fotografia de Luís Filipe de Bragança, herdeiro do trono português entre 1889 e o seu assassinato em 1908, fardado de aluno comandante de companhia do Colégio Militar, ainda hoje um prestigiado estabelecimento de ensino, que à época já era quase secular mas que, por acaso, o príncipe nunca frequentou… Estas honorificências sempre me despertam uma antipatia instintiva porque o Colégio Militar, a assumir-se de alguma herança monárquica (incontornável, porque fundado em 1803...), o será de uma outra tradição monárquica, a bonapartista, que assenta na meritocracia e na ascensão social dos que o merecessem¹.
Mais de cem anos depois de Luís Filipe, ainda há quem continue a manter viva esta brincadeira ficcional das honorificências no Reino Unido, agora com um faz-de-conta ainda mais complexo, pretendendo-se que há membros da família real que vão mesmo à guerra, como acontece no caso do príncipe Harry e as suas comissões de serviços no Afeganistão. Claro que a verdade veio ao de cima quando as coisas passaram a ser a sério: com a sua presença a tornar-se conhecida do inimigo, Sua Alteza tornou-se um alvo, uma atrapalhação para os camaradas e houve que o esconder… A realeza bem tenta compartilhar a dificuldade com os seus súbditos, mas nem sempre é possível…            
 
¹ Especificamente destinado à aristocracia havia, à época da fundação do Colégio Militar, o Real Colégio dos Nobres, que fora fundado em 1761 pelo Marquês de Pombal.

17 setembro 2012

CHEGADA A MARTE


Os créditos do vídeo devem ir todos para Bard Canning, o autor da montagem que dinamiza e dá som às fotografias da chegada da sonda Curiosity a Marte a 6 de Agosto passado. Há algo naquela paisagem intocada que me leva instintivamente à minha praia da infância e à sensação matinal que estaria a pisar areia virgem de contacto humano enquanto desfazia com as passadas a capa ainda dura que se formara na areia por causa da humidade da madrugada...

O MENINO DA SUA MÃE – 2

 Não conhecendo o seu autor, conhece-se ao menos as circunstâncias que conduziram ao tema da fotografia acima: um último e desesperado ataque suicida diante das bocas-de-fogo norte-americanas levou a juncar uma praia de Saipan de cadáveres japoneses (abaixo), à mercê de serem lambidos e devolvidos pelo ciclo interminável das marés. Mas a maior crueldade da fotografia talvez seja a facilidade com que se esquece que o soldado era um soldado, pela pose defensiva, inocente, até mesmo infantil como a morte o fixou. Era a fotografia ideal para ilustrar O Menino da Sua Mãe, que não cheguei a encontrar, quando a ele aqui me referi. Permitam-me a repetição... 
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».


Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"

(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

16 setembro 2012

O HOMEM QUE SABIA COMO SE ALCANÇAVA A FELICIDADE DOS FRANCESES

Com os desembarques norte-americanos nas colónias francesas do norte de África em 8 de Novembro de 1942 a frágil neutralidade que o regime de Vichy mantivera depois da derrota do Verão de 1940 desapareceu como por magia. Na própria noite da véspera do desembarque, o Marechal Pétain (acima) recebera consecutivamente uma mensagem pessoal do Franklin Roosevelt entregue pelo encarregado de negócios Sommerville Pinkney Tuck e, algumas horas depois, outra de Adolf Hitler, entregue pelo cônsul-geral alemão, Roland, Krug von Nidda. O objectivo de ambas era levar o Chefe do Estado a optar mas, enquanto a primeira procurava ser persuasiva, a segunda era autoritária e, além disso, convocava o chefe de governo Pierre Laval para o dia seguinte em Munique, onde estava a decorrer uma cimeira germano-italiana.
À volta do Marechal, como numa corte, havia dois clãs com duas concepções antagónicas quanto à participação da França no conflito. Nas intrigas, antecipava-se o endurecimento das medidas impostas pelo ocupante alemão, havia quem sugerisse que se aproveitasse o pretexto delas para que Pétain partisse para um exílio em Argel, e que a França regressasse às suas alianças naturais. Enquanto um intranquilo Pierre Laval se preparava para a obrigatória viagem de 850 km (por estrada…) deixando atrás de si uma corte fervilhante, um dos expoentes da facção anti-alemã, o General Maxime Weygand, trocou com o antagonista um diálogo tão ácido quanto memorável: – Senhor Laval, tem contra si noventa e cinco por cento dos franceses.Pode mesmo dizer noventa e oito por cento, senhor General, mas fá-los-ei felizes apesar disso.
A viagem, atrasada pelo nevoeiro, durou quase um dia inteiro. Só às 4 da madrugada de 10 de Novembro é que um Pierre Laval esgotado chegou a Munique. Mas desde as 11 horas da manhã que se postou à espera naqueles mesmos salões onde, quatro anos antes, um outro chefe de governo francês, Édouard Daladier, havia oferecido sem resistência a Checoslováquia ao mesmo Adolf Hitler. Depois de uma seca desconfortável num ambiente repleto de fardas alemãs, que o francês tentou amenizar com aquelas piadas ligeiras de salão que ali não tinham efeito, Hitler acabou por o receber. Mas, ao contrário de Daladier, Laval já nada tinha para oferecer que Hitler não pudesse tomar. Ao sair da reunião, encantado com o seu poder de persuasão, Pierre Laval precipitou-se para o telefone, para que em Vichy nada se decidisse antes do seu regresso...
Infelizmente esquecera-se de avisar o próprio Hitler… Ainda se estava a fazer à estrada na manhã de 11 de Novembro (aniversário do Armistício de 1918…) e já o governo que chefiava havia recebido em sucessão três notas e o Marechal Pétain uma visita inesperada. A primeira, ainda datada de 10 de Novembro às 23H50, convidava a França a aceitar a presença militar alemã e italiana no seu protectorado da Tunísia. A segunda, datada das 02H00, ignorava a primeira e informava que os desembarques na mesma Tunísia já haviam começado. A terceira, às 05H30, era para informar que as unidades alemãs haviam entrado na França não ocupada. A visita, a uma hora já menos matinal, era a do Marechal Gerd von Rundstedt, um dos decanos entre os marechais alemães, para amenizar a invasão, como uma deferência para com o seu homólogo francês.
Há ocasiões em que a intermediação política às vontades de um poder exterior acaba por se revelar um logro em que só o próprio acredita. Os franceses, ingratos com tanta felicidade condicionada, e após um julgamento quase sumário em cinco dias (acima), executaram Pierre Laval em 15 de Outubro de 1945…