Alcibíades
foi um político ateniense do Século V a.C. De origem aristocrática, protegido
de Péricles, discípulo de Sócrates, era tido por extremamente ambicioso,
gozando, quando novo, de uma ascendência social impar entre os atenienses. Era
o árbitro da moda. Tudo aquilo que fazia era considerado interessante.
Copiava-se-lhe os maneirismos, as expressões, mesmo um defeito da fala –
pronunciava o som jota e gê como zê. Conta-se que, certo dia, aborrecido por
ter deixado momentaneamente de ser falado, mandou cortar o rabo ao cão –
criando uma nova moda em Atenas… Repetidas e adaptadas à exaustão até hoje, este género de encenações promocionais são historicamente muito antigas. Os
próprios historiadores, inspirando-se, não se furtam a elas.
Em 1999, um
jovem historiador escocês chamado Niall Ferguson adquiriu uma notoriedade entre a História de língua inglesa quando
escreveu um controverso livro sobre a Primeira Guerra Mundial intitulado The Pity of War¹ onde criticava algumas das ideias consagradas a respeito do
conflito – que classificava como mitos. Foi um livro que li com muito
interesse, deu-me pistas para ler outros revisionistas sobre aquele mesmo período. Porém, mais do que a argumentação (sólida), era a própria redacção do
livro, desnecessariamente assertiva e desafiadora, que acabava por se voltar
contra a sua credibilidade. O livro parecia mais concebido para
projectar o estatuto de Ferguson do que para induzir-nos a rever as nossas concepções sobre o
que então acontecera.
A verdade é
que Niall Ferguson adquiriu a merecida notoriedade e em outras obras
posteriores (Empire, uma análise do imperialismo britânico, ou Colossus, sobre
o norte-americano que lhe sucedeu) já foi mais persuasivo na fundamentação dos
seus argumentos, consagrando-se. Ainda gosto de o ler embora, tendo-se mudado para os Estados
Unidos, o seu engajamento ideológico se tenha tornado progressivamente mais
fervoroso – apoiou os últimos candidatos presidenciais republicanos McCain e
Romney – e o teor daquilo que escreve tornou-se mais convencional e desinteressante.
Ainda recentemente, Niall Ferguson envolveu-se numa polémica pública – de
carácter político, sem sombra de científico… – com o também híper-mediático economista Paul Krugman.
Se contei toda esta pequena história de um revisionismo posto ao serviço
da promoção de uma obra e de uma carreira, foi para a diferenciar daquilo que
me parece estar a acontecer a respeito da polémica envolvendo Rui Ramos, as
suas concepções da 1ª República e do Estado Novo - que se mantém. Reconhecendo que houve controvérsia no nosso pequeno ciclo académico quando do lançamento inicial
da obra em 2009, o seu reaparecimento, transbordando agora para a opinião
pública, o corte do rabo do cão, não foi sua responsabilidade. No caso,
terá sido até Manuel Loff o principal catapultado para a notoriedade. Mesmo a calhar, como há
25 séculos, continuamos a adorar dar a nossa opinião sobre a beleza estética de
um cão sem cauda…
¹ Não tenho
notícia da tradução da obra para português.
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