Embora,
quando em directo, apenas a tenha visto parcialmente, a visão e posterior
revisão da entrevista de José Gomes Ferreira ontem a Vítor Gaspar permite-me qualificá-la
– a quem isso possa interessar… – como um dos momentos do jornalismo televisivo
mais significativos dos últimos anos. Em primeiro lugar, por causa do
entrevistado. Já aqui gozei com o seu estilo contido de Droopy, já há três meses
que lhe censuro o perfeito fiasco em que se tornou a execução orçamental pela
qual ele dá a cara. Mas vale a pena reconhecer que nunca uma operação do mesmo
género recebeu um escrutínio tão exigente como agora acontece. As
circunstâncias serão especiais mas, em circunstâncias idênticas, não recordo uma marcação
tão em cima dos ministros das finanças de 1977, Medina Carreira, ou de 1983,
Ernani Lopes, nem um estilo de disponibilidade manifestado por qualquer dos
dois que equivalessem ao do actual – embora valha recordar que a discrição e
reserva dos membros desta troika permanece a mesma que a da outrora misteriosa Teresa Ter-Minassian do FMI. Os tempos certamente evoluíram, mas muita da mudança que
observamos também se deverá à atitude de Vítor Gaspar.
Mas os
maiores elogios pela performance de ontem dever-se-ão endereçar ao
entrevistador. Conhecido por tantas indignações prévias, José Gomes Ferreira tinha
ontem a oportunidade de ouro de se distinguir daquelas figuras em formato de Howard Beale em Network que se especializaram em indignar-se na televisão para
deleite das audiências: tinha ali o homem à sua frente. Era a ocasião ideal
para corporizar a indignação social causada pelo anúncio das novas medidas de
austeridade. E deu-se um fenómeno estranho. Por uma vez vi um jornalista a
colocar sem complexos de subalternidade as questões a um ministro. Com
a segurança de quem se tem aplicado a estudar o tema. E que pedia contas a um
ministro que se enganara redondamente na previsão dos cenários macroeconómicos¹
à volta dos quais já nos pedira outros sacrifícios no passado. As perguntas incidiram sobre esses seus erros passados, sobre as
opções políticas subjacentes a estes novos sacrifícios que se pedem aos portugueses
e sobre a probabilidade que se atinjam os novos objectivos macroeconómicos previstos para o próximo ano. Percebiam-se as suas reacções às respostas que ia recebendo. Uma entrevista
republicana, no estatuto de igualdade dos intervenientes. A recordar.
¹
Tipicamente: o nível máximo do endividamento público, que estava previsto atingir os 115% do PIB
em 2013, foi revisto há três meses para 118% e agora para 124% e em 2014.
É uma notável entrevista.
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