Marcelo Rebelo de Sousa convocou ontem uma inesperada conferência de imprensa para dar (mais) explicações sobre o assunto das gémeas luso-brasileiras. O assunto das gémeas já tem um mês, mas teima em não sair de agenda. No dia anterior, Domingo, ao serão, o assunto fora mais uma vez repegado e fora novamente motivo de galhofa por parte de Ricardo Araújo Pereira (acima). O ridículo dos inexplicáveis que lhe estão associados (6 cadeiras?!) não há meio de desaparecer. Mas as explicações de Marcelo pouco fizeram evoluir o assunto. Tentarem recuperar o óbvio que ele não assumira inicialmente. Já vêm tarde. Quando é evidente para todos que houve um tratamento de excepção dado às duas gémeas luso-brasileiras, e mesmo que Marcelo alegue que não foi por sua intercessão que esse tratamento ocorreu, estou para ouvir, num presidente que é normalmente tão loquaz a comentar tudo, a sua condenação pelo eventual responsável (ou responsáveis) que fizeram com que isso tivesse acontecido...
05 dezembro 2023
AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS E PRESIDENCIAIS NA ZÂMBIA
5 de Dezembro de 1973. Neste dia foram realizadas eleições tanto para o parlamento como para o cargo de presidente na Zâmbia. O país contava já com nove anos de independência nesta altura: alcançara-a em 24 de Outubro de 1964. Haviam-se disputado duas eleições previamente, em 1964 e 1968, em que o partido do presidente Kenneth Kaunda, o Partido Unido para a Independência Nacional (UNIP), saíra vencedor com maiorias de 70 e 75% dos votos, respectivamente. Mas a oposição, que era constituída sobretudo pelo Congresso Nacional Africano Zambiano (ZANC), do rival de Kaunda, Harry Nkumbula, também possuía uma significativa representação parlamentar. Kaunda também fora por sua vez eleito para o cargo de presidente em 1968 por uma maioria esmagadora (87%). Tudo certificado pelas regras da democracia de Westminster, que o país herdara da antiga potência colonial britânica.
E no entanto, a partir de 1972, todos os partidos políticos, excepto a UNIP, foram proibidos. Isso veio a ser formalizado numa nova Constituição, adoptada em Agosto de 1973. A nova Constituição era de uma imaginação orwelliana na designação do sistema: democracia participativa de partido único! Na prática era uma ditadura do partido único, a UNIP. Sob este novo regime, os eleitores puderam escolher entre vários candidatos do único partido político legal. Mas, descontando questões de personalidades, todos os 125 deputados foram eleitos pelas listas dessa UNIP. Quanto ao presidente Kenneth Kaunda foi reeleito numa votação Sim ou Não, tendo 88,8%(!) dos eleitores manifestado a favor dele. Contudo, a participação eleitoral desceu para apenas 39% no caso das eleições presidenciais, e uns ainda menores 33% na votação simultânea para a Assembleia Nacional.
O desinteresse parece ser consequência óbvia do desaparecimento de alternativas. O acto eleitoral perdera o significado. Pouco mais de um mês antes ocorrera algo semelhante em Portugal (eleições...). Só que em Portugal, praticamente todos assumiam que se tratava de uma ditadura. Mas, na Zâmbia e no resto de África, porque os regimes de partido único recebiam nomes orwellianamente benignos como socialismo africano, as indignações para com as práticas ditatoriais desvaneciam-se por muito que se constatasse que era o mesmo protagonista político e a mesma clique que permaneciam por décadas no poder, sem qualquer hipótese de renovação. Sempre foi uma hipocrisia descarada a que só o colapso da União Soviética pôs fim. Neste caso concreto da Zâmbia, Kaunda ocupou o poder por 27 anos(!), desde a independência (em 1964) até 1991. Quando houve eleições a sério, perdeu-as...
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04 dezembro 2023
CAVACO SILVA E A ALDRABICE DE TENTAR CONVENCER-NOS DE QUE O ESTRIBILHO DA «DISCIPLINA DAS CONTAS PÚBLICAS» ERA PARA LEVAR A SÉRIO E O ESTRIBILHO DAS «CONTAS CERTAS» É PARA ILUDIR OS PORTUGUESES
A 4 de Dezembro de 2014, completam-se hoje precisamente nove anos, o presidente da República de então chamava-se Aníbal Cavaco Silva e o primeiro-ministro de então, Pedro Passos Coelho, por ocasião de uma cerimónia evocativa de mais um aniversário da morte de Francisco Sá Carneiro, defendia a ideia que a «disciplina nas contas públicas (era) uma questão de regime». Na altura, Cavaco Silva não se manifestou discordante, no que terá passado por uma anuência tácita. Mas manifestou-se hoje, nove anos passados em que o primado da contenção orçamental se perpetuou (estupidamente), só que agora protagonizado pelos socialistas e com essa prioridade a ser impingida através de um outro estribilho: «contas certas». Não é uma questão de Cavaco Silva ter razão ou não, eu até concordei aqui com alguma parte das suas críticas (por interposta pessoa...), muito menos questão de nos fixarmos na semântica do(s) estribilho(s), de significado próximo. Há aqui uma outra questão, mais importante, a de não lhe reconhecer, apesar do seu estatuto de ex-presidente, qualquer superioridade moral e/ou técnica para se alçar acima de qualquer dos outros protagonistas da cena política. Porque vale a pena enfatizar que o texto que hoje aparece publicado em seu nome (abaixo) é um texto político. Só.
A CONTÍNUA IMPOTÊNCIA DA PRESENÇA DOS ESTADOS UNIDOS NO LÍBANO
4 de Dezembro de 1983. Os Estados Unidos (e a França e a Itália) haviam enviado forças militares para o Líbano para resolver um problema criado por Israel, que invadira aquele país para dali desalojar as forças da OLP. Invadiu, expulsou os combatentes palestinianos, mas depois Israel ficou lá atascado, no meio da guerra civil libanesa. Os três países ocidentais haviam enviado forças militares para a manutenção da paz no país mas rapidamente se viram arrastados para o conflito. Seis semanas antes, dois camiões bombas, conduzidos por suicidas, haviam provocado mais de 300 mortos nos aquartelamentos do exército norte-americano e francês. Este dia 4 de Dezembro tornou-se mais um exemplo do vespeiro em que se tinha tornado a presença dos norte-americanos naquelas paragens, por muito musculada que a tentassem fazer. Inicialmente fora um avião F-14 de reconhecimento que havia sido alvejado por um míssil SA-7 a partir de posições que se sabiam ocupadas por tropas sírias. Depois, em retaliação, duas esquadrilhas estacionadas nos porta-aviões USS John F. Kennedy e USS Independence ao largo do Líbano atacaram os locais de onde viera o míssil. Foi pior a emenda que o soneto: o fogo anti-aéreo dos sírios abateu um A-6 e um A-7. Dos três tripulantes abatidos (o A-6 tem dois tripulantes), um morreu, um foi resgatado mas o outro foi capturado pelos sírios e levado para Damasco. Depois seguiu-se um mês de negociações acompanhadas pela média em que o assunto se misturou com a questão racial - o prisioneiro era negro - e o protagonismo de um dos activistas dos direitos afro-americano, o reverendo Jesse Jackson, que ficou com a fama do feito com a sua manobra de diplomacia paralela. O presidente Reagan saiu entalado de tudo isto e a sua administração não via a hora das suas tropas se irem embora dali...
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NO PAÍS DAS GÉMEAS... VIVE-SE ACIMA DAS NOSSAS POSSIBILIDADES
Não restam dúvidas que a antecipação das eleições produziu o descarte súbito e irreversível da doutrina e da saudade de Pedro Passos Coelho. Ver uma das ideólogas do Observador a argumentar como a lemos acima é esquecer de vez tudo o que por cá se dizia há dez anos, sobre a nossa culpa colectiva de termos vivido acima das nossas possibilidades. Agora que o Centeno amealhou uns tostões, já se podem fazer piadas sobre o viver à grande?...
03 dezembro 2023
«INFERNO ORQUESTRADO»
3 de Dezembro de 1943. Edward R. Murrow (1908-1965) foi um repórter radiofónico da CBS das décadas de 1940/50 cuja notoriedade se propagou até ao século XXI por causa do filme Good Night, and Good Luck de 2005. Em 1943 ele havia sido destacado para o Reino Unido para acompanhar mais de perto a Segunda Guerra Mundial, reportando-a para o auditório americano. Nesta noite de há 80 anos ele fez uma emissão que veio a tornar-se clássica, pelo menos para os ouvintes da CBS nos Estados Unidos. Na noite anterior, Murrow fora autorizado a voar com a tripulação de um Avro Lancaster do 619º esquadrão (baptizado de "D for Dog") da RAF britânica, acompanhando um bombardeamento nocturno que o esquadrão realizara sobre Berlim. No dia seguinte, depois do regresso e do descanso, Edward Murrow realizou a reportagem radiofónica do que presenciara (ouça-se acima no original). Deu-lhe o nome de Orchestrated Hell (Inferno Orquestrado). Quase no final da reportagem comentava: "Morrem homens no céu enquanto outros são assados vivos nas caves das casas. Nesta noite que passou, Berlim não foi uma visão nada bonita. Em cerca de 35 minutos (a cidade) foi atingida com cerca de três vezes a quantidade de bombas que caíam em Londres numa noite inteira durante a Blitz." Estas emissões eram um esforço para que os americanos acompanhassem mais de perto, sentissem, a guerra em curso.
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02 dezembro 2023
QUARENTA ANOS SEMPRE REPETIDOS
À esquerda é Vasco Lourenço em 1 de Dezembro de 1983, depois da extinção do Conselho da Revolução, à direita é o mesmo Vasco Lourenço em 1 de Dezembro de 2023. A efeméride é a mesma, a reunião de oficiais em Óbidos, o orador e presidente da Associação 25 de Abril continua a ser o mesmo, Vasco Lourenço, e o seu discurso não é assim tão diferente, talvez agora um pouco mais defensivo e menos arrogante. São quarenta anos de esforços de Vasco Lourenço para não se fazer esquecer, colando-se à data do 25 de Abril de forma patética, quando ele não estará cá para ver que a data e o ideal que contém não precisarão dele para nada.
O PRESIDENTE QUE CONHECEMOS POR ESTAR SEMPRE A DIZER COISAS MAS QUE, NESTE CASO, SÓ FALA NO TRIBUNAL
Com esta que aparece acima, já é a segunda vez em menos de um mês que Marcelo abandona aquela sua tradicional verborreia a propósito de tudo e invoca, despropositadamente, idas a tribunal. Quando aquilo que está a alimentar o desconforto a respeito do caso do tratamento pelo SNS das gémeas luso-brasileiras é a incapacidade dos jornalistas em obterem explicações concludentes para que o processo de tratamento tenha decorrido da forma como decorreu. O ponto principal no assunto, como aliás já aqui deixei expresso a propósito dos comentários solidários e evasivos da antiga ministra da Saúde, é encontrar quem nos possa explicar quem foi o responsável por que o tratamento se tivesse efectuado, sobrepondo-se às opiniões dos médicos do serviço onde esse tratamento teve lugar. É aí que se nota - para mim, indiscutivelmente - que terá havido a tal «pressão» que o presidente nega ter exercido. Outra maneira colateral de detectar que tal «pressão» terá existido e que era eficaz, é que, no meio de uma burocracia tradicionalmente relutante em dávidas, em vez de um par, terão aparecido dois ou três pares de cadeiras ortopédicas para as mesmas gémeas. Se algumas dúvidas houvesse que não se está perante um episódio de duas pacientes normais do SNS, creio que este milagre da multiplicação das cadeiras eliminará essas dúvidas. Ora bem, apesar das investigações sobre as tramitações burocráticas do caso terem envolvido, para além do presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa), o primeiro-ministro (António Costa), a ministra da Saúde (Marta Temido), o secretário de Estado da mesma pasta (Lacerda Sales), a secretária de Estados das Comunidades (Berta Nunes) ou o presidente do CA do hospital de Sta. Maria (Carlos Martins), a verdade prosaica é que as conexões familiares da família das gémeas vão todas ligar-se à família e à pessoa do presidente da República. Até agora não se encontrou outra conexão possível que justifique um tratamento tão anómalo por parte da burocracia do SNS. Não nos parece razoável antecipar conclusões, tanto mais que se detecta um muro de silêncio à volta do assunto - e quando se fala dele, como o fez Marta Temido, é só a fingir que se fala. Mas, se Marcelo não tivesse sentido que o seu nome fora invocado a despropósito, e estando nós há décadas habituados à sua loquacidade, não seria de esperar ouvi-lo a dissertar criticamente, tanto mais quando teria razão para o fazer? Isto é o que se esperaria do Marcelo, segundo a imagem que ele nos tentou vender. A imagem de um Marcelo que, já por mais de uma vez, nos anda a brandir tribunais é a de alguém que (pelo menos) deixou que lhe metessem a pata na poça por ele, e para concluir isso não é preciso tribunal algum.
A DOUTRINA MONROE
(Republicação por ocasião do bicentenário do discurso)



(*) Na verdade, acredita-se hoje que aquelas passagens do discurso foram escritas pelo então Secretário de Estado, John Quincy Adams, que, curiosamente, viria a ser depois o sexto Presidente dos Estados Unidos, entre 1825 e 1829.
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AS CONTRADIÇÕES MORAIS QUE VÃO DE «TIPPU TIP» A PABLO ESCOBAR
Hoje, quando se completam precisamente 30 anos sobre a execução de Pablo Escobar, considero muito oportuno republicar esta comparação entre aquele conhecido traficante de cocaína colombiano e um agora esquecido traficante de escravos tanzaniano do século XIX, mostrando como os critérios mudaram radicalmente, e em mais do que um aspecto, de um caso para outro.
Se houver que dar um rosto ao tráfico de escravos do Século XIX este senhor de olhar bondoso da fotografia acima será um candidato ideal. O seu nome era Hamad bin Muḥammad bin Jumah bin Rajab bin Muḥammad bin Sa‘īd al-Murghabī (1837-1905) mas a sua reputação foi estabelecida através da alcunha de Tippu Tip, uma onomatopeia do som das espingardas que os seus homens usavam quando das expedições para a captura de escravos na África Oriental, em regiões que actualmente fazem parta da Tanzânia, da Zâmbia e do Congo. A maioria dessas capturas eram para exportação (mesmo assim, em 1895 estimava-se que trabalhassem 10.000 escravos nas suas plantações) mas dava-se a curiosidade de, por essa altura, a quase senão mesmo a totalidade da sua clientela ser oriunda do mundo islâmico. Aparentemente, a condenação moral e o combate ao tráfico de escravos pelas potências europeias fizera com que as possessões do Índico que precisavam de mão-de-obra, como acontecia com a África do Sul, Maurício ou a Reunião, passassem a recorrer à substituição dos escravos africanos por trabalhadores indianos vindos livremente. Para além disso, Tippu Tip contava com aquilo que hoje se designa com uma boa imprensa: fora anfitrião do famoso jornalista e explorador africano Henry Stanley (1841-1904) que dele fizera uma descrição muito lisonjeira nas crónicas dos jornais que acompanhavam as suas viagens. No final da sua vida foi publicada na Europa uma autobiografia sua onde, como seria de esperar, não há muito espaço dedicado às mais de uma centena de milhar de pessoas cuja vida fora destruída pelas suas actividades...
Justapondo tráficos de moral condenável, vale a pena comparar o tratamento dado acima a Tippu Tip, mais o tráfico de escravos que o fez prosperar, ao que foi e ainda é dado àquele poderá ser considerado como o rosto mais conhecido do tráfico de cocaína do Século XX: o colombiano Pablo Escobar (1949-1993). É absurdamente contraditório o facto de, na moral prevalecente, os argumentos que são aduzidos para analisar e condenar os intervenientes num dos tráficos é convenientemente esquecido para o outro: enquanto no de escravos se esquecem as indispensáveis contribuições dos potentados nas áreas de produção (África) para depositar as culpas exclusivamente nos consumidores finais do produto nas colónias europeias da América por o dinamizarem, no tráfico de cocaína acontece rigorosamente o oposto e os consumidores finais parecem ser sempre exonerados dessas mesmas culpas e elas são transferidas precisamente para os potentados das áreas de produção da cocaína na América do Sul… Ao contrário de Tippu Tip, Pablo Escobar nunca conseguiu contar com boa imprensa. Porém, o seu desaparecimento por assassinato, ocorrido há precisamente trinta anos e sem que o mesmo pareça ter tido uma influência decisiva no tráfico (que se terá multiplicado ainda mais depois da sua morte), veio demonstrar que a notoriedade negativa que adquirira era, no mínimo, desproporcionada. Emparelhando as suas histórias ainda mais, independentemente da forma como elas hoje são conhecidas ou ignoradas, refira-se a curiosidade de que as mansões de ambos, Tippu Tip e Pablo Escobar, erigidas pelas suas fortunas igualmente imorais, se tornaram em locais de atracção turística, tanto em Zanzibar como em Medellín.
01 dezembro 2023
A HISTÓRIA SABE SER IRÓNICA. A POLÍTICA RARAMENTE, NÃO TEM INTELIGÊNCIA PARA TANTO.
Vocês ainda se lembram que, nos idos anos da «intervenção da troika» (2012), o problema da «dívida pública de Portugal» era um dos tópicos em cartaz, um dos indicadores económicos que, quando aferido percentualmente em relação ao PIB, era um dos números que, comparativamente aos outros países da União Europeia, explicava a nossa situação financeira periclitante. Nesta quadro mais acima, aparecíamos com 110,1, imediatamente depois da Grécia (159,1) e antes de outros países igualmente frágeis, como a a Itália, a Irlanda ou a Espanha - então designados colectivamente por PIGS.
Esta notícia de ontem descreve-nos a situação perfeitamente oposta na disciplinada Alemanha, que está envolvida numa «confusão fiscal bizarra» por causa das suas regras prudenciais que impedem que o seu governo possa expandir as despesas orçamentais. Lembramo-nos da pose autoritária do antigo ministro Schäuble e apercebemo-nos do quanto o Mundo dá as suas voltas. Agora é o contrário. Mais do que isso, compare-se o gráfico que aparece a acompanhar o texto, onde o peso da dívida pública dos Estados Unidos é avaliado em relação ao PIB: cerca de 140%! Houvesse coerência de critérios e não deveria estar tudo histérico?!...
OS ANACRONISMOS DO ESTADO NOVO APÓS 1945
(Republicação)
Desfile da Mocidade Portuguesa na praça dos Restauradores, muito provavelmente por ocasião do 1º de Dezembro de 1948. Se por cá nada parecera ter mudado, dois anos e meio após a queda do III Reich uma cerimónia como esta tornara-se, pelo seu significado, um anacronismo para a maioria dos países europeus - da Europa ocidental entenda-se, já que, na oriental, haviam aparecido os Pioneiros (de lenço ao pescoço), decalcados da organização de juventude da União Soviética...
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30 novembro 2023
O «OUTRO ASSUNTO» DE QUE MARTA TEMIDO NÃO QUER FALAR
Esta forma como Marta Temido abordou a questão do tratamento das «gémeas luso-brasileiras» apenas aprofundou as suspeitas que se está perante um escândalo. Marta Temido deve pensar que a audiência é estúpida e que se deixa arrastar pela sua manobra de rodear o assunto, centrando-o naquilo que os mais extremistas põem em causa: o direito das gémeas em serem tratadas no SNS. Ora a maioria das pessoas nunca colocaram esse problema. O problema é o de perguntar porque é que as «gémeas» receberam o que é obviamente um tratamento de favor que não está ao alcance dos outros utentes do SNS. E, até agora, essa pergunta tem recebido apenas uma conjugação suspeita de silêncios e respostas evasivas. A que agora se veio juntar a de Marta Temido. Ela que não tente arredondar o assunto porque a verdade prosaica é que alguém, a mando de alguém, ou para impressionar alguém, cilindrou as opiniões contrárias dos médicos do serviço em que o tratamento teve lugar. Não é que as «gémeas» não devessem tratadas. O que elas não deviam era passar à frente das outras crianças todas. Mas eu quero acreditar que Marta Temido sabe fazer a distinção entre uma coisa e outra: está só a fingir-se de parva.
O ACORDO DE FUSÃO ENTRE A EXXON E A MOBIL
(Republicação)
30 de Novembro de 1998. Assinatura do acordo de fusão das duas grandes petrolíferas Exxon e Mobil, de que resultaria a constituição da maior empresa mundial do ramo, a ExxonMobil. Apesar do acto, que veio naturalmente noticiado em toda a comunicação social nos dias seguintes, o processo de fusão demorou um ano a realizar-se, enquanto os dois parceiros aguardavam as concordâncias dos protagonistas políticos dos seus dois mercados principais, a União Europeia e os Estados Unidos. A data oficial da maior fusão à época e da criação da maior empresa internacional de petróleos, é, assim, a de 30 de Novembro de 1999, precisamente um ano depois da assinatura deste acordo. Não deixava de haver uma certa ironia no facto de, aproximando-se o final do século XX, se assistisse à reversão de um conjunto de leis (nos Estados Unidos denominaram-se leis antitrust) que, no princípio daquele mesmo século XX, haviam tido por objectivo domesticar os monopólios, os oligopólios e os abusos de posição dominante. Aliás, as duas empresas que se fundiam em 1999, eram o resultado da divisão da Standard Oil (da família Rockfeller), quando aquele colosso petrolífero fora forçado pelos tribunais a cindir-se em 34 empresas distintas em 1911. Há vinte e cinco anos, essas outras preocupações antigas pareciam não só esquecidas como despropositadas, a crença nas virtudes intrínsecas auto-regeneradoras de os mercados - e com que volúpia se pronunciava esta última palavra! - atingiam um zénite de ingenuidade ignorante.
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29 novembro 2023
ISTO NÃO HÁ NADA COMO IR ESTUDAR...
O episódio que se saldou pela assinatura, ontem, de um acordo entre o ministério da Saúde e um dos sindicatos dos Médicos, depois de mais de ano e meio de negociações, torna-se num elogio ao estudo. Foi ainda no dia 10 deste mês que o ministro Manuel Pizarro anunciou que iria estudar até onde poderia ir na negociação com os médicos - o que fazia pressupor ironicamente que, até aí, ele só usara cábulas... Agora que ele estudou, constatamos que ele conseguiu pelo menos alguns resultados em menos de três semanas, o que é sempre de saudar. É que não me lembro de um resultado tão eficaz do estudo de um ministro desde o famoso episódio em que Miguel Relvas foi convidado ostensivamente a ir estudar para alcançar a licenciatura que obtivera com equivalências...
"SONDAGENS"?! QUAIS "SONDAGENS"?!...
Nem mesmo o facto de estarmos a mais de três meses da data marcada para as eleições desencoraja jornais e restante comunicação social de uma tão metódica quanto cansativa e absurda exploração do filão das sondagens. Uma das de hoje aborda a questão política na perspectiva de uma comparação triangular quanto à preferência dos sondados para o cargo de primeiro-ministro. A compita é entre José Luís Carneiro (que foi o vencedor), Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Mas a fotografia que foi escolhida para ilustrar a notícia (assinada pela veterana Ana Sá Lopes) é a do último, acompanhado de... Carlos Moedas, que não tinha nada por que entrar na história (não está para ser primeiro-ministro, pelo menos para já). Mas entra, porque quem organizou a sondagem deu um jeitinho para que entrasse. E é assim que aparece um gráfico (abaixo, à esquerda) a mostrar quais são as preferências dos sondados quanto «à liderança do PS»: Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro. É uma sondagem pertinente, já que está aberta a disputa à «liderança do PS». Só estranho a inclusão no gráfico de uma coluna abstracta para um «outro» candidato, quando já apareceu de facto um outro candidato e tem nome: Daniel Adrião. Mas o gráfico respeitante à disputa da «liderança do PS», ainda que contenha falhas, justifica-se.
O que é difícil de justificar é que se faça outro (acima, à direita) para o PSD. É que no PSD nada há a disputar quanto à «liderança». O que se sondou foi um exercício abstracto e inconsequente. E isso torna dificilmente justificável não só a publicação do gráfico homólogo, como sobretudo adoraria ouvir as explicações de quem seleccionou os nomes que terão sido apresentados aos participantes na sondagem, em complemento ao nome de Montenegro. Ou seja, porquê Pedro Passos Coelho e Carlos Moedas e outro?... Porque não Jorge Moreira da Silva, que concorreu à liderança do PSD contra Luís Montenegro ainda no ano passado? Porque não Paulo Rangel, que concorreu à liderança do PSD contra Rui Rio ainda em 2021? Porque não Rui Rio, que foi presidente do PSD (2018-22) depois de Passos Coelho? E porquê Carlos Moedas, que ainda não concorreu a nada no PSD?... Parece-me evidente que o propósito de todo este último cozinhado terá, para além de outros propósitos, o de nos tentar plantar Carlos Moedas. E nisso, de tão evidente, uma veterana como Ana Sá Lopes devia ter reparado (e denunciado). Mas não. O que nos deixa na situação ingrata de, ou a considerar estúpida, ou a de considerar que nos considera estúpidos. A ela e a quem burilou esta sondagem promocional a Moedas, já que nos tratam como ovelhas, dedico-lhes a ovelhinha preta da imagem abaixo...
O TEMPO DAS «VITÓRIAS MORAIS»
29 de Novembro de 1953. A selecção portuguesa de futebol recebia a sua congénere austríaca no Estádio Nacional do Jamor... e empatava 0-0. A exibição fora «apreciável» e a multidão fora «entusiástica» mas o que é verdadeiramente inexplicável é como o cabeçalho da notícia consegue esconder a decepção com o resultado. Jogando em casa, o mínimo seria esperar que Portugal ganhasse e não transformar o empate, ainda por cima sem golos, num sucesso. A acumular com a tão conhecida censura à imprensa durante o Estado Novo, percebe-se, por estes episódios, uma auto-censura social, que, pela sua mediocridade, se torna inexplicável a esta distância temporal de 70 anos, auto-censura essa que, ainda por cima, é de responsabilidade colectiva, de todos nós, e não do Poder.
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28 novembro 2023
A CONFERÊNCIA DE TEERÃO E A ESPADA DE STALINEGRADO
(Republicação)
28 de Novembro de 1943. Início da Conferência de Teerão, a primeira vez em que se reuniam os três Grandes: Churchill, Staline e Roosevelt (a ordem não é a de grandeza, mas a da entrada de cada um dos respectivos países na Segunda Guerra Mundial). Por esta vez, não vamos cuidar da Estratégia mas antes de um acontecimento mais prosaico: a oferta de Jorge VI a Estaline de uma longa espada cerimonial e cravejada de joias, a que foi dado o nome de Espada de Stalinegrado, homenageando a conduta soviética nas operações que culminaram com a primeira grande derrota do III Reich naquele conflito. No meio das conversações lá se arranjou uma ocasião para que Churchill procedesse à entrega da espada. Mas deixemos a nossa preciosa testemunha Alan Brooke contar o que aconteceu: «(...) Ás três e meia da tarde fomos para a embaixada russa para assistir a Winston (Churchill) entregando a Espada de Stalinegrado a Staline. Meteu banda, guarda de honra, hinos nacionais, etc. Discurso de Winston após o qual ele procedeu, em nome do rei, à entrega da espada a Staline. Staline recebeu-a, beijou a espada e apressou-se a entregá-la a (Kliment) Voroshilov a seu lado, que imediatamente deixou a espada cair da bainha! Contudo, rapidamente lá a transferiram para as mãos do comandante da guarda de honra russa que se apressou a levá-la dali para fora, pondo-a em segurança.» Voroshilov não era apenas desajeitado, Alan Brooke considerava-o um incompetente, e a sua descrição da cena sublima essa opinião.
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A PRINCIPAL CONCLUSÃO DA SONDAGEM É QUE OS JORNALISTAS TEIMAM EM PERMANECER MAIS ESTÚPIDOS QUE NUNCA...
Já não se pode dizer que seja por falta de repetidas explicações que os jornalistas persistem em querer extrair conclusões de sondagens quando a ciência da estatística não autoriza que se conclua aquilo que eles querem publicar. Até pode ser malícia, mas eu acho que é mesmo incapacidade da classe em não compreender o que é que quer dizer (acima) empate técnico dentro da margem de erro. Empate implica que não se pode assegurar quem seja o vencedor e atribuir a vitória ao PSD como acima o fazem os jornalistas e editora de política do Público.É um erro. Científico. Já vi esta explicação repetida uma dezena de vezes, pelo menos, mas a repetição leva-me à resignação de concluir que estes artigos são escritos por mentecaptos para serem lidos por estúpidos.
27 novembro 2023
AS «MULTIDÕES» DE BOLSONARISTAS QUE ANDAM PELAS RUAS DO BRASIL...
Eu só despertei para a coreografia das manifestações de rua depois do 25 de Abril, como não poderia deixar de ser com todos os da minha geração. E uma das regras indiscutíveis que aprendi dessa coreografia foi que o número de pessoas que se manifestam, contava. Quando em 19 de Julho de 1975, o PS, em ruptura com as chefias militares comunistas do MFA, convocou uma manifestação para a alameda dom Afonso Henriques, enchendo-a com muitas dezenas de milhares de pessoas (imagem acima), o PS lançou um repto implícito de militância aos partidos da extrema esquerda comunista: tentem lá fazer vocês agora a mesma coisa? (Eles não tentaram, pelo menos não em local tão amplo...)
Eu aprendi por essas regras do século XX, mas também me apercebi que depois de chegados ao século XXI, não apenas as pessoas deixaram de comparecer e a preferir ver quem comparecia, como aquela mesma coreografia podia ser subvertida desde que houvesse cumplicidade das câmaras de televisão. Nesta outra fotografia, de Fevereiro de 2016, por curiosidade envolvendo João Soares, um militante destacado do mesmo PS da fotografia acima, vemos como o efeito que um plano fechado das câmaras de TV (no canto superior direito) induz no telespectador a falsa sensação de que estará uma multidão por detrás do orador que não passa, afinal, de meia dúzia (se tanto!) de gatos pingados...
Agora, quando se noticia uma manifestação, e quando não é sonegado o número de manifestantes, ele é dado displicentemente, como de um detalhe se tratasse. Numa notícia de hoje da AFP brasileira, que dá conta de uma manifestação de «simpatizantes do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro» que «protestaram no Domingo em São Paulo para exigir a saída do juiz Alexandre de Moraes do STF.» (fotografia acima), tive que esperar uns bons 30 segundos (numa notícia que pouco excede o minuto e meio) para saber que haviam sido 3 mil os manifestantes na avenida Paulista. Se isto aconteceu numa metrópole com 21 milhões de habitantes, o que é que foi mesmo a notícia?...
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