Eu desconfio que a previsão que Donald Trump vai ganhar as próximas eleições presidenciais americanas terá alcançado o estatuto de axioma no panorama do opinionismo nacional. O homem apanhou um tiro de raspão, fizeram-lhe uma excelente foto na ocasião e o eleitorado norte-americano apresenta-se rendido à evidência mística. Até Miguel Esteves Cardoso, que só costuma escrever sobre fait-divers acha que sim. Pois eu acho que talvez não. Não o faço com aquela assertividade de Vasco Pulido Valente, que avaliava a distribuição relativa de opiniões para depois se engajar resolutamente num artigo onde defendia a minoritária e menos razoável, mas com a precaução de quem já se convenceu do desfecho de eleições envolvendo Trump e se enganou redondamente. Mas isso aconteceu em Novembro de 2016 e a lição ficou-me de emenda. Ao contrário do que terá acontecido com mais figuras gradas do opinionismo nacional que, em 2020 e também ainda a meses das eleições, já manifestava opiniões muito concretas sobre o seu desfecho. Miguel Sousa Tavares, que não escreve só sobre fait-divers e que, se calhar, devia escrever apenas sobre fait-divers, aparece-nos abaixo em Agosto de 2020 a dar as eleições daquele ano decididas de antemão para Donald Trump. por todas as razões que ele lá escreve. Ora, interpretar o comportamento e as prioridades do eleitorado americano aqui deste lado do Atlântico, a ponto de antecipar categoricamente o desfecho do que acontecerá em Novembro de 2024, continua a ser um exercício arriscado. Primeiro porque faltam quatro meses até às eleições e, até lá, muitas outras coisas podem acontecer. Em segundo lugar e sobretudo, porque querer interpretar o pensar do eleitorado norte-americano é um exercício arriscadíssimo: ter presumido, por exemplo, que uma percentagem maioritária deles se indignaria com o patrocínio que Donald Trump deu ao assalto ao Capitólio em Janeiro de 2021 foi apenas o maior erro de um encadeado de mal-entendidos quanto à forma como o americano médio pensará. Porque o comportamento do eleitorado nos Estados Unidos é assim tão errático, nada me parece garantir que o episódio de ter apanhado um tiro transformará em simpatias muitas das antipatias anteriormente geradas por Donald Trump. Pode ser que sim, mas nada melhor do que esperar para ver... Para não fazer a mesma figura que Miguel Sousa Tavares fez aqui há quatro anos.
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