31 outubro 2018

A RECRIAÇÃO DE UMA NOVA HISTÓRIA PARA A ÍNDIA MODERNA?

A Índia inaugurou hoje aquela que é considerada a mais alta estátua do mundo. A surpresa consiste no facto do representado não ser Açoka (o maior imperador indiano da Antiguidade, a roda estilizada que lhe é associada figura na bandeira indiana) nem tão pouco Mohandas K. Gandhi (o indisputável protagonista da história da Índia do Século XX). A estátua, que tem uns brutais 182 metros de altura (i.e.,quase o dobro da estátua da Liberdade em Nova Iorque), foi erigida perto de Rajpipla, uma obscura cidade do estado indiano de Gujarate e a colossal figura representada é a de Vallabhbai Patel (1875-1950), um dos discípulos e lugares tenentes de Mohandas K. Gandhi (1869-1948) ao longo do processo que levou o país até à independência em 1947. Patel, Gandhi e o actual primeiro-ministro indiano, Narenda Modi (1950- ), que presidiu à inauguração, eram e são todos originários de locais que hoje fazem parte de Gujarate.
Mas o que estará por detrás da construção de um monumento que custou quase 360 milhões de euros é certamente muito mais do que uma manifestação de bairrismo. A denominação de "Estátua da Unidade" que foi escolhida - «Hoje é um dia para ser lembrado na história da Índia, nenhum indiano vai esquecer este dia», disse Modi na ocasião - é um gesto que desperta uma natural curiosidade. Para tentar entender quais serão as intenções de Nova Deli com esta projecção simbólica da pessoa de um antigo vice-primeiro-ministro há que recuar uns bons 80 anos e tentar explicar, ainda que de uma forma necessariamente simplificada, aquilo que se configurava à volta da figura tutelar de Gandhi para o momento em que os britânicos abandonassem a Índia. Sendo o Congresso Nacional Indiano uma organização essencialmente nacionalista, praticamente todas as ideologias coexistiam no seu seio.
Nessa salada russa (por acaso indiana) e que incluía até uma facção que se dispunha a colaborar com alemães e japoneses em plena Segunda Guerra, como há dias tivemos aqui ocasião de lembrar, o herdeiro de Gandhi que representava a (admita-se) ala esquerda do Congresso era Jawaharlal Nehru (1889-1964) e o herdeiro que representaria a (dita) ala direita era Vallabhbai Patel, que, por sinal, era 14 anos mais velho que Nehru¹. (A terceira fotografia do poste mostra-os nas posições certas a falar com Gandhi) Como se sabe, foi Jawaharlal Nehru que, apesar de mais novo, assumiu o cargo de primeiro primeiro-ministro da Índia independente. Permaneceu no cargo 17 anos ininterruptos. Patel tornou-se vice-primeiro-ministro, ministro do Interior e comandante-chefe das Forças Armadas. Apesar de todo o poder que deteve - controlava todas as armas! - não há registo de conflitos políticos significativos entre os dois durante os três anos e quatro meses de coexistência no poder, até à morte súbita de Patel, de ataque cardíaco, em Dezembro de 1950.
Contudo a relativa brevidade da sua passagem pelo poder permitiu a construção à volta da figura de Vallabhbai Patel de uma espécie de mito, do que poderia ter sido se... ele tivesse sido o primeiro-ministro em vez de Jawaharlal Nehru. As diferenças ideológicas entre os dois eram conhecidas e sabia-se de que é que se revestiam. Não é por acidente que a revista Time concede uma capa a Patel em Janeiro de 1947², a pouco mais de seis meses da independência da Índia². Os Estados Unidos consideravam que uma Índia dirigida por Patel estaria mais próxima das suas concepções. Mas, descontando as especulações, para todos os efeitos e embora estivesse um pouco marginalizado quando comparado com as figuras maiores de Gandhi e Nehru, Vallabhbai Patel sempre foi um dos líderes históricos do Congresso, até que, desde há alguns anos, os rivais do BJP, agora dirigidos pelo primeiro-ministro Narenda Modi, têm desenvolvido uma manobra de apropriação da memória de Vallabhbai Patel. Gesto que hoje teve esta consagração.
¹ Para aqueles que gostem de se martirizar com a difícil pronúncia de nomes indianos, acrescente-se que havia um terceiro herdeiro potencial de Gandhi, candidato esse que, mais do que por questões ideológicas, se distinguia dos demais por ser oriundo do sul da Índia, do estado de Tâmil Nadu e que dava pelo nome de Chakravarti Rajagopalachari (1878-1972). Gosto de pensar que, quando as pessoas se deparam com o seu nome, passam a considerar Vallabhbai e Jawaharlal palavras facílimas de pronunciar...
² A Time vai conceder a mesma honra em Junho do mesmo ano (1947) a Gandhi, mas vai esperar por Outubro de 1949 para fazer o mesmo a Nehru.

ENCONTROS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU?

Aqui está uma imagem que nos induz a repensar tudo o que Steven Spielberg deixou sugerido quando realizou Encontros Imediatos de Terceiro Grau...

30 outubro 2018

AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 1938

30 de Outubro de 1938 foi dia de eleições legislativas em Portugal. Não que houvesse emoção, que as listas concorrentes eram apenas uma, a da União Nacional que, como as noticias do dia seguinte davam conta, venceu com 83,8% dos votos. Mas os 670 mil votos meticulosamente registados pelos escrutinadores não podem esconder uma fraqueza congénita do acto eleitoral: a participação cívica. É que, em relação aos sete milhões e meio de portugueses de então, a participação representava menos de 10% da população portuguesa. Quando comparado esse indicador com o que acontecia nos outros países europeus, a imagem do nosso país empalidecia. Para comparação, nas últimas eleições espanholas, realizadas em 1936, alguns meses antes do início da Guerra Civil, quase nove milhões e meio de espanhóis haviam ido votar, o que correspondia a 38% da população espanhola. Poder-se-ia mesmo assim argumentar que a possibilidade de escolha incentivaria a participação cívica, não fosse o que acontecia na Itália e na Alemanha, onde as eleições tinham a mesma emoção que as portuguesas, mas onde, mesmo assim, a participação nos actos eleitorais era substancialmente mais elevada: fora de 24% na Itália em 1934 e de 66% (!) numa eficientíssima Alemanha, nesse mesmo ano de 1938. Não que nas ditaduras o desfecho das eleições possa estar em disputa, mas está sempre em avaliação a dimensão que se pode dar ao unanimismo.

29 outubro 2018

OS PAPAGAIOS DA ALEMANHA

Como a prática que o texto pretende denunciar, também o título escolhido é enganoso. Os papagaios não são da Alemanha, país que não é, de resto, conhecido por contar com tais bichos entre a fauna nativa. Os papagaios em causa têm mais a ver com a atitude papagueante como se tem noticiado a evolução política da cena alemã, como se tem passado adiante conclusões superficiais que não resistem a um olhar mais atento. Este mês realizaram-se duas eleições estaduais na Alemanha: na Baviera há quinze dias e ontem em Hesse. Os cabeçalhos da informação concentraram-se nas enormes perdas (na ordem dos 10%) registadas pelos partidos da grande coligação governamental (GroKo - CDU/CDU e SPD). Em contraste, essas descidas foram compensadas por subidas similares nos resultados dos Verdes e, sobretudo, da AfD, a nova formação da extrema direita alemã. São essas as diferenças que se podem ver no quadro abaixo, assinaladas a vermelho. E, no entanto, alguém se esqueceu de explicar (e o Observador acima fez como a Maria: foi com as outras...), que as eleições estaduais que serviram de referência a tão profunda análise tinham ocorrido há cinco anos. Contudo, a Alemanha fora assolada por um verdadeiro terramoto político há um ano, quando das eleições federais, em que já houvera um decréscimo significativo dos resultados dos grandes partidos tradicionais, que obrigaram, aliás, a que se formasse a presente GroKo. E o que se pode concluir dessa outra análise, a dos resultados eleitorais deste mês, quando comparados com o que aconteceu a nível estadual no ano passado, tal qual está assinalada no quadro abaixo a preto? Em primeiro lugar, que continua a existir um desgaste dos partidos da GroKo - em conjunto eles perderam um pouco mais de 7% dos votos desde 2017 em qualquer dos dois estados. Que a progressão da extrema direita parece ter perdido o ímpeto que mantivera até aqui: em Hesse, a AfD ganhou ontem mais 1,2% dos votos, embora tivesse perdido 2,2% na Baviera há duas semanas. E que quem parece estar a capitalizar com o descontentamento parecem ser sobretudo os Verdes (+ 7,7% na Baviera, + 10,1% em Hesse), o que, mostrando-se eles favoráveis ao acolhimento de imigrantes, não fornecerá cabeçalhos suficientemente alarmistas aos nossos jornais para descrever a evolução da situação política alemã. Todos sabem quanto um título envolvendo Alemanha e extrema direita rende muito mais do que qualquer outro...

O PRINCÍPIO DO GRANDE MOTIM DA «HOCHSEEFLOTTE»

29 de Outubro de 1918. Enquanto os acontecimentos se precipitavam entre os exércitos nas frentes de combate e entre os políticos nas capitais europeias, nos portos do norte da Alemanha e entre marinheiros, o Almirante Franz von Hipper, o herói alemão da Batalha da Jutlândia, dava ordens para que os 23 grandes navios da Frota de Alto Mar (Hochseeflotte) que comandava, se preparassem para levantar ferro. Nos conveses fervilhavam os boatos sobre as intenções do comando: a opinião de uns era que se preparava uma grande confrontação decisiva com a Royal Navy; outros, não desmentindo essa opinião, compunham a suposição com outra, a de que o mítico Almirante Tirpitz - ou mesmo até o próprio Kaiser em pessoa - se preparariam para comandar pessoalmente a Frota naquilo que seria um apropriado Götterdämmerung! A verdade era mais prosaica, o plano era o de travar uma última batalha naval, mas apenas para tentar melhorar a posição negocial da Alemanha perante uma derrota mais do que antecipada. Seria a salvação da Honra da Hochseeflotte que, desde a Batalha de Jutlândia de 1916, em nada mais contribuíra para o desfecho da Guerra. Mas isso era o que pensavam os oficiais. Nos conveses cá de baixo, pelo contrário, os marinheiros antecipavam que a missão poderia tornar-se num desastre pessoal para muitos deles e para mais, por uma causa que parecia perder sentido a cada dia que passava. E cada um dos grandes navios da Frota, com tripulações de mais de um milhar de homens com funções especializadas, eram locais propícios para o fervilhar de muitos boatos, uma grande fábrica navegante, propícia para a acção revolucionária...
Antes da alvorada de 29 de Outubro de 1918, muitos sinais de luzes clandestinos se trocaram entre as silhuetas negras dos couraçados e cruzadores de batalha ancorados na baía de Jade (Jadebusen). As tripulações, descontentes, procuravam informar-se do estado de espírito das suas congéneres dos outros navios, consultando-se quanto às intenções do comando e quanto às acções a adoptar para as contrariar. Quando o Almirante Hipper convocou os capitães dos navios para as 08H00 no seu navio almirante, o SMS Baden, em vários navios os marinheiros que deviam tripular as lanchas que transportariam o respectivo capitão não se apresentaram ao serviço. Tiveram que ser forçados. A meio da manhã (quando a partida da Frota estaria prevista para o meio-dia), os pequenos actos de resistência passiva haviam já dado lugar à amotinação assumida. No SMS Thüringen, no SMS Helgoland e no SMS Markgraf, os fogueiros ameaçaram apagar as caldeiras se os respectivos navios fossem para o mar. Hipper teve que se resignar a adiar a partida, usando o pretexto do nevoeiro, enquanto aguardava que a situação se acalmasse. Mas só piorou. Descobriu-se que vários fogueiros dos cruzadores SMS Derfflinger e do SMS Von der Tann se haviam esquecido de regressar a bordo. E, ao longo do dia, as tripulações de vários outros navios da Frota mostraram-se contaminadas: SMS Kaiserin, SMS Regensburg, SMS König ou SMS Kronprinz Wilhelm.
São momentos penosos de contar e que mancham o historial de qualquer marinha de guerra, a que no caso da Marinha Imperial Alemã (Kaiserliche Marine), acresce a reputação de disciplina e obediência que os próprios alemães gostam de associar a si próprios. Praticamente desconhecida, vale a pena acrescentar que esta situação de amotinação só piorou, apesar do compasso de espera de 24 horas dado por Hipper. Conte-se, apenas como exemplo, que, logo à alvorada do dia seguinte, a tripulação do SMS Thüringen se recusou a acatar de novo as ordens de levantar ferro, que os cabrestantes se avariou miraculosamente (o que impedia a manobra das âncoras) e que logo depois foi convocada uma reunião (ilegal) de marinheiros para um dos conveses inferiores do navio (nos tempos do nosso PREC designá-la-íamos por um plenário de marinheiros) onde seriam debatidas novas medidas de luta a adoptar. A escalada iria culminar com um enorme motim colectivo no porto de Kiel em 1 de Novembro. Mas essa é toda uma outra história...

28 outubro 2018

CHECOSLOVÁQUIA 1988: UMA DEMOCRACIA POPULAR QUE NÃO ERA NEM DEMOCRÁTICA NEM POPULAR

Há precisamente cem anos, um Conselho Nacional Checoslovaco proclamou, em Praga, a independência de um novo país a que chamou Checoslováquia. Esse país hoje já não existe, mas esta evocação destina-se sobretudo a uma outra data, a de 28 de Outubro de 1988, há trinta anos, quando a Checoslováquia existia ainda, mas era proibido celebrar a data da sua proclamação. Como se pode ler no artigo acima (publicado no insuspeito Diário de Lisboa, já em rota de dissociação do comunismo mais ortodoxo), os comunistas checoslovacos, que haviam ocupavam o poder desde 1945, haviam tentado substituir a data do dia nacional pelo 9 de Maio, que fora o dia da libertação do país pelos soviéticos e a fonte de legitimidade do seu regime. Como acontece em todas as ditaduras, isso deu às comemorações do 28 de Outubro um carácter subversivo, que a oposição se apressou a explorar. Para as comemorações dos setenta anos do país, e como se pode ler também acima, as autoridades comunistas haviam detido preventivamente as figuras de maior relevo da oposição, incluindo Vaclav Havel (que se irá notabilizar tornando-se o primeiro presidente da Checoslováquia pós-comunista). Claro que isso não impediu que uma manifestação se realizasse no centro de Praga e que a mesma fosse dispersada à bastonada, seguida de uma data de detenções. Enfim, um clássico das ditaduras, de todas as ditaduras, que, não fosse a cegueira ideológica dos comunistas domésticos, mimetizava aquilo que por cá se passara até ao 25 de Abril de 1974, em datas como o 5 de Outubro ou o 1º de Maio. Mas, para esses quadrantes da esquerda totalitária e à semelhança do que hoje acontece com os simpatizantes de Trump, havia para eles uma verdade alternativa, que designava, por exemplo, aquelas ditaduras do Leste da Europa por democracias populares, que se notabilizavam pelo facto de não serem democráticas nem gozarem de qualquer popularidade junto do povo.

NEM SÓ COM CRAVOS SE FAZEM REVOLUÇÕES, HOUVE QUEM AS FIZESSE COM CRISÂNTEMOS

28 de Outubro de 1918. Se o 25 de Abril de 1974 de Lisboa ficou recordado pelos seus cravos, vale a pena evocar como, há cem anos e nas ruas de Budapeste, se iniciou um outro pronunciamento militar que também se iria caracterizar pelas flores ostentadas pelos soldados que nele participaram. Só que, como se estava no Outono, as flores escolhidas foram os crisântemos. O pronunciamento militar ocorre no quadro de uma cada vez mais previsível derrota das Potências Centrais na Primeira Guerra Mundial. E nas várias capitais e entre as nacionalidades do Império Austro-Húngaro começa o posicionamento político antecipando a desagregação daquela entidade prevista pelos quatorze pontos do presidente Wilson (nesse mesmo dia, em Praga, os checos proclamam a independência de um novo país chamado Checoslováquia).
Os húngaros haviam sido uma das nacionalidades privilegiadas sob o Império mas agora procuravam dissociar-se dele aquando da derrota. Organizações com designações bastante abrangentes, mas com escassa representatividade popular (em Budapeste era o Conselho Nacional Húngaro, em Praga chamava-se Conselho Nacional Checoslovaco), emitiam proclamações assumindo as rédeas de uma situação política fluída. Mas, mais importante para a imposição dessas vontades ditas revolucionárias era a sensação de saturação que grassava nas fileiras depois de quatro anos de guerra. Em Budapeste e em Praga em 1918, em Lisboa em 1974 ou em Petrogrado em 1917, não havia praticamente ninguém que defendesse o status quo e é por isso que, em alguns desses sítios, os revoltosos puderam embelezar-se, tal como as suas armas, com flores.

27 outubro 2018

CACHECOL VAGINA PELUDA

Não me recordo de alguma vez ter dedicado neste blogue a atenção a assuntos de moda. A razão para uma eventual estreia é, porém, de se atender e que se explica por si. «Touch of Fur» foi o nome de baptismo de uma das mais recentes criações de Outono da casa Fendi, uma criadora italiana notável pelas suas estolas e xailes. Esta linha "toque de peles", que é apresentado em três cores alternativas (abaixo), transbordou em notoriedade, do mundo muito exclusivo da moda de marca (cada peça custa 990 dólares), para os plebeísmos das redes sociais, sobretudo por causa da sua versão em cor pêssego (ao centro), por razões que, para os observadores mais imaginativos (quase todos!), não terão nada a ver com pêssegos. O detalhe da pele de penugem esparsa aporta um requinte de verosimilhança ao conjunto que justificará a popularidade. E tanta terá ela sido, que publicações respeitáveis como o jornal britânico The Guardian se associaram à evocação, levando a imaginação uns pontos adiante: «usar um cachecol daqueles faz com que quem o ponha ao pescoço pareça que está a começar a nascer...»

O 2º RALLYE INTERNACIONAL TAP

27 de Outubro de 1968. Nesse Domingo de há 50 anos, conjuntamente com os Jogos Olímpicos do México, terminava o 2º Rallye (sic) Internacional TAP. A prova fora um sucesso, a começar pela sua exigência: dos 190 concorrentes inscritos à partida, apenas 22 haviam chegado ao seu fim. Mas o mais surpreendente para os fãs actuais da modalidade é constatar como a competição podia ter terminado sem que se soubesse quem era o vencedor. As classificações eram estabelecidas por um sistema de pontuação e não apenas por tempos, como hoje se faz, e, para citar uma passagem do artigo que explica a indecisão, «não é (era) possível saber, ainda, a classificação de uma prova de tal envergadura. Há que reunir todos os valores das penalizações sofridas por cada concorrente durante todo o "rallye" e ordená-las. Mas graças á utilização de um computador electrónico da companhia patrocinadora do "rallye", os resultados devem ser anunciados dentro de poucas horas. Porém, segundo os cálculos provisórios, Tony Fall ou Paddy Hopkirk deverão ser os vencedores. (...) As classificações oficiais serão afixadas amanhã, á tarde, no Casino Estoril.» O vencedor veio a ser Tony Fall, que conduzia um Lancia Fulvia HF 1.3 (abaixo) que recebeu 16.503,3 pontos (quanto menos pontos, melhor - Hopkirik recebeu 17.989,6). A reputação competitiva do Rallye (sic) TAP consolidara-se indiscutivelmente, mas as condições para que a prova se tornasse verdadeiramente popular ainda tinham um grande percurso a percorrer. Não havia grande disposição para acompanhar uma prova que terminava sem que se soubesse de imediato quem a vencera porque havia que fazer umas contas complicadas que ninguém queria perder tempo a entender - tanto assim que até era melhor que fosse um «computador electrónico» a fazê-las...

26 outubro 2018

AQUILO QUE NÃO SE COSTUMA DIZER NAQUELES SEMINÁRIOS SOBRE MOTIVAÇÃO...

...é que aqueles cadáveres enterrados na neve nas encostas do monte Evereste pertenceram todos a pessoas que outrora estiveram extremamente motivadas.

A QUEDA DE LUDENDORFF

26 de Outubro de 1918. O General Erich Ludendorff é substituído no seu cargo de Erster Generalquartiermeister pelo General Wilhelm Groener. Desde 1916 que esse cargo anónimo de Primeiro Quartel-mestre-general se tornara no responsável máximo pela condução da guerra do lado alemão, por detrás das figuras decorativas do Imperador Guilherme II e do Chefe de Estado Maior General, o Marechal Paul von Hindenburg. Nos dias precedentes, Ludendorff entrara em conflito com estas duas figuras, ao confrontá-las com a sua opinião de que a Alemanha chegara ao fim das suas capacidades de resistência militar e que devia solicitar um armistício. Guilherme e Hindenburg preferiram substituir o requerente, desconhecedores do facto de que essa era também a opinião de Groener. Do ponto de vista militar e político, e assistindo-se a uma retirada geral dos exércitos alemães, era preferível que a Alemanha obtivesse um armistício antes do seu território ser invadido.

25 outubro 2018

2018 ODISSEIA NO GELO?

Com o formato tão perfeito que a imagem mostra, e apesar de deitado e branco, só falta descobrir-se que as dimensões dos lados do iceberg tem as proporções ideais 1 : 4 : 9 como acontecia com um famoso monólito...

24 outubro 2018

É UM GOSTO QUANDO ESTE PASQUIM TEM DE DAR O BRAÇO A TORCER

Dada a forma memorável como no Observador se acompanhou a crise grega, as vitórias eleitorais do Syriza e o desempenho do primeiro-ministro Alexis Tsipras, não se devem perder as oportunidades de enfatizar as ocasiões em que o mesmo jornal, ainda que a contragosto, se vê obrigado a dar-nos conta dos sucessos registados naquele país no reequilíbrio da sua situação financeira, com aquele primeiro ministro a encabeçar um governo daquele partido - de quem tanto mal foi dito! Vale a pena realçar que, acentuando o contragosto, a notícia acima, colocada hoje on-line, é apenas a transposição da produzida pela agência Lusa.
É estranho que um jornal que teve no passado tal riqueza de pensadores e de opinadores sobre a realidade grega, não tenha agora um disponível para escrever uma peça autónoma sobre o tema da Grécia, nem que fosse - para variar! - uma honesta penitência... Para os leitores, estes exemplos do passado, comprovados no presente, devem ser um alerta sobre a credibilidade da publicação. Eu gostaria de acreditar que terá sido pelo aprender com os erros passados, que a atitude do Observador para com a actual indisciplina orçamental da Itália se esteja a mostrar muito mais moderada do que a ferocidade como José Manuel Fernandes causticou a Grécia ao longo de todo o ano de 2015 (abaixo).
É que, se não tiver sido por ter aprendido a lição de ter disparatado em demasia com a Grécia, a outra hipótese que resta para a condescendência agora demonstrada pelo Observador para com a Itália, dever-se-á ao facto de que a indisciplina orçamental de agora vir de organizações políticas de extrema-direita, enquanto que Tsipras e o Syriza eram de extrema-esquerda...

KIESINGER EM LISBOA

24 de Outubro de 1968. Os jornais portugueses de há cinquenta anos davam um grande destaque à visita a Portugal de Kurt Kiesinger, que era então o chanceler da Alemanha Ocidental. Era a primeira oportunidade do recém empossado Marcello Caetano se dar a conhecer aos seus pares, tanto mais que, como se pode ler na última página dessa edição do Diário de Lisboa, com Salazar o país fora praticamente votado ao ostracismo: aquela era a primeira visita de um chefe de Estado ou de governo estrangeiro em mais de oito anos... (por acaso, é uma notícia semiverdadeira, do género daquelas que o Observador agora costuma publicar: em Maio de 1967 o papa Paulo VI estivera em Fátima)

23 outubro 2018

«...SÃO SEIS DA TARDE E EIS AQUILO QUE QUEREMOS QUE VOCÊ ACHE.»

É impressionante como a indisciplina orçamental, que acaba de desencadear uma crise na Europa, por causa da rejeição do orçamento italiano, nem sequer é tema que seja discutido na campanha eleitoral em curso nos Estados Unidos, apesar da execução orçamental da administração Trump estar a conduzir o país para um aumento do seu deficit orçamental que se prevê que atinga um máximo dos últimos seis anos.
É para estes casos que se emprega o ditado "Não bate a bota com a perdigota" e que - supostamente - devia haver uma comunicação social que escrutinasse as contradições destes duas atitudes que a própria assume: afinal é mau ou não faz diferença nenhuma os países endividarem-se em excesso? Como se lê em título, podem formatar-nos o pensamento, mas também é preciso que sejam coerentes no que querem que pensemos...

O REFERENDO DO SARRE (1955)

23 de Outubro de 1955. Por uma segunda vez em vinte anos, os habitantes do Sarre recusam nas urnas uma proposta para que a sua região fosse neutralizada como uma espécie de estado tampão entre a França e a Alemanha. Os franceses sempre haviam sido grandes adeptos dessa ideia da criação de uma espécie de Luxemburgo II, à custa daquela região hulhífera, depois das derrotas da Alemanha nas duas guerras mundiais. Em 1935, quando da realização de um primeiro referendo, os habitantes do Sarre haviam votado esmagadoramente (91%) pelo regresso à Alemanha, oferecendo a Adolf Hitler um grande momento de propaganda. Vinte anos depois os franceses haviam aprendido as suas lições e, antes de consultar directamente o povo local, haviam-se segurado com a assinatura de um estatuto para a região previamente firmado com o governo alemão. A questão já não se punha na opção entre a Alemanha e a França, o que era perguntado era a opinião popular sobre o estatuto, que fora elaborado no Quay d'Orsay à medida dos desejos franceses. Mas, nem mesmo assim a coisa funcionou. Quando submetido a voto, o que aconteceu há precisamente 63 anos, a rejeição da população foi robusta e inequívoca (68%).
Como se pode apreciar pela ampla cobertura dada pelos jornais da época, o resultado foi acolhido num clima de pesar e apreensão, atitude que hoje se torna incompreensível. Embora aqui se tratasse apenas de uma ampla manobra diplomática e estratégica da França que falhara e do facto do Sarre tornar a integrar-se numa Alemanha de que historicamente sempre fizera parte, a Segunda Guerra Mundial acabara há apenas dez anos e os alemães ainda não podiam ser considerados um povo europeu como os outros. Eram - e assim permanecerão pelo menos até 1989 - pessoas de desconfiar. De toda a forma, o Sarre voltou a fazer parte da Alemanha em 1 de Janeiro de 1957. Foi a Kleine Wiedervereinigung (pequena reunificação, em contraste com a de 1990). E, valha a verdade, algumas imagens das celebrações da ocasião, o cantar da Deutschlandlied, o desfilar nocturno à luz das tochas, ainda hoje deixam aquela impressão que, apesar de tudo, os alemães continuam a ser algo sinistros nas suas celebrações...

A ESTREIA DOS «SCHTROUMPFS»

23 de Outubro de 1958. No número 1071 da Spirou, uma revista semanal belga de BD, aparecem pela primeira vez os schtroumpfs. As simpáticas criaturas azuis completam hoje 60 anos, o que não é nada para quem conheça o seu universo: os schtroumpfs tem todos largas décadas de idade, aquilo que confere, por exemplo, ao Grande Schtroumpf a sua autoridade de ancião são os seus 542 anos. O meu primeiro contacto com eles aconteceu quase precisamente treze anos depois, a 21 de Outubro de 1971, que foi a data da saída do primeiro número da Spirou portuguesa, que incluía uma aventura dos schtroumpfs intitulada A Schtroumpfzinha (abaixo). Recordo-me ainda que um dos momentos mais interessantes do início da história (veja-se a última prancha exibida) é o momento em que o feiticeiro Gargamel cria por artes mágicas a schtroumpfzinha, especialmente a forma como enumera os ingredientes que usa para conferir uma «natureza feminina a uma estatueta»: «Um pouco de garridice... Um pouco de espírito de decisão... Três lágrimas de crocodilo... um cérebro de pintarroxo. Pó de língua de víbora... um bocadinho de manha... um dedo de tecido de mentira, cozido com fio branco, evidentemente... um alqueire de gulodice. Um quarteirão de má-fé... um dedal de inconsciência... um traço de orgulho... um pouco de inveja... uma fatia de pieguice... uma parte de estupidez e uma parte de esperteza...» Enfim, estão lá todos os preconceitos que fariam as activistas da causa do género de agora entrar num transe de indignação! Um pouco mais a sério e na minha opinião, as histórias do schtroumpfs, apesar do seu sucesso comercial subsequente, circunscrevem-se a um nível etário limitado de leitores e não são, por isso, grandes histórias de BD. Mas talvez seja isso que faz de mim um tradicionalista férreo a seu respeito: schtroumpfs e nunca smurfs; schtroumpfzinha e não estrumpfina

21 outubro 2018

AZAD HIND - O COLABORACIONISMO QUE NÃO FOI RENEGADO

21 de Outubro de 1943. Constitui-se em Singapura o Governo Provisório da Índia Livre (Arzi Hukumat-e-Azad Hind), encabeçado por Subhas Chandra Bose (1897-1945). Subhas Bose fora um dos dirigentes destacados do Congresso indiano antes da Guerra, mas acabara por entrar em conflito com Gandhi e abandonara a organização em 1939. Com a eclosão daquela, as divergências acentuaram-se: ao neutralismo pacifista de Gandhi, contrapunha-se a aliança tácita com o inimigo do inimigo que era proposta por Bose, no que era acompanhado por uma facção mais radical dos nacionalistas indianos. Bose acabou por fugir para a Alemanha, onde ajudou a formar uma unidade militar indiana formada por antigos prisioneiros de guerra que depois combateu ao lado dos alemães. Já aqui foi referida no Herdeiro de Aécio. Mas o interesse de Subhas Bose (e a utilidade de o empregar pelas potências tutelares...) estava muito longe da Europa. Era na Ásia, onde os exércitos japoneses que ocupavam a Birmânia ameaçavam a Índia, que se combinavam o interesse do próprio e de quem se dispunha a patrociná-lo. Em 1943, Subhas Chandra Bose realizou uma prolongada e complexa viagem de submarino que o levou para o outro lado do mundo. Partido em Fevereiro desse ano da Alemanha num submarino alemão, a viagem envolveu um transbordo para um submarino japonês em Madagáscar, a meio do percurso, que só se veio a concluir com a sua chegada a Singapura em Maio. Os japoneses também já haviam pensado em recrutar entre os seus prisioneiros de guerras de origem indiana um exército de auxiliares que combatesse ao seu lado contra os britânicos. Contudo, terá sido a alavanca política representada pela presença e propaganda de Subhas Bose, a quem se passara a dar o título honorífico de Netaji (Líder Respeitado em hindi/urdu), que terá feito com que os efectivos desse exército indiano de libertação (o INA - 43.000) correspondesse a cerca de ⅔ dos efectivos totais de prisioneiros indianos capturados pelos japoneses durante o conflito (64.500).
Claro que nem todos os membros do INA haviam sido prisioneiros, como se pode constatar, aliás, por esta fotografia acima, em que a unidade é feminina, mas a elevadíssima percentagem de alistamentos tornou-se um daqueles embaraçosos segredos de guerra, guardado ferreamente pelos britânicos, tanto mais que ela contrasta com a percentagem de 20% de adesões que se havia registado no caso dos prisioneiros de guerra indianos na Europa. Aliás, tão ou mais importante do que a quantidade, a maioria dos oficiais e sargentos de origem indiana que enquadravam as tropas também aderiu ao INA. O Governo Provisório que se constituiu há precisamente 75 anos é o apex político desse esforço de mobilização. Apesar de aparecer fardado nas fotos, Subhas Chandra Bose nunca havia tido qualquer experiência militar. A avaliação séria do desempenho deste outro exército indiano é afectada pelos preconceitos distintos (mas coexistentes) de britânicos e japoneses e dos seus relatos. Como projecto político, a Azad Hind não iria durar dois anos. Afundou-se conjuntamente com o Japão em Agosto de 1945. Pessoalmente, Subhas Chandra Bose morreu em 18 de Agosto de 1945, em consequência dos ferimentos resultantes de um acidente de aviação. Mas a questão política daqueles que haviam pegado em armas contra a Índia colonial continuou a subsistir. Quando as autoridades britânicas quiseram, depois do fim da guerra, levar a julgamento os responsáveis políticos e militares que haviam pegado em armas contra o Raj, depararam-se com a oposição dos nacionalistas. Terá sido até a última vez em que o Congresso e a Liga Muçulmana agiram de forma concertada, pois entre os réus tanto havia hindus como muçulmanos. Para surpresa dos britânicos, e ao contrário dos princípios que vigoravam na Europa que fora ocupada, ter-se sido colaboracionista ao serviço de uma potência hostil não funcionava como um estigma na Índia. Num ambiente que cada vez mais se adensava contra a sua presença, os britânicos tiveram que desistir da sua intenção. Mais do que isso, na Índia actual e como se pode constatar pelo vídeo abaixo, Subhas Chandra Bose é considerado um grande herói nacional.

20 outubro 2018

«QUE A SUA ALMA DESCANSE EM PAZ» (JÁ QUE O SEU CORPO FOI SERRADO AOS PEDAÇOS...)

Finalmente as autoridades sauditas admitiram o que todos estavam cansados de saber: que os próprios haviam assassinado o antigo assessor governamental, agora jornalista exilado, Jamal Khashoggi. A explicação é ridícula mas, num remate de falta de jeito, perante um audiência já bem pouco tolerante, reconheça-se, a nota do reconhecimento remata com a invocação piedosa para que a alma do defunto descanse em paz (Que a sua alma descanse em paz). É bonita de se ver tal preocupação das autoridades sauditas com a alma já que, por aquilo que se foi sabendo entretanto e em contraste, o corpo terá sido serrado em bocados mais portáteis de transportar para fora do consulado na Turquia, onde o assassinato teve lugar. Mas todo este processo merecer-nos-á algumas reflexões políticas adicionais, que não tenho encontrado exploradas na comunicação social. Não há nada de mais humilhante para um regime do que uma operação de serviços secretos que corre mal. E não importa a natureza desse regime: a grande França, potência nuclear e país de pergaminhos democráticos, passou uma vergonha imensa ao ser apanhada a afundar um barco do Greenpeace na Nova Zelândia em 1985. Nós, por cá também tivemos algo idêntico àquilo que agora aconteceu em Istambul, quando do assassinato de Humberto Delgado em Espanha em 1965. As especulações sonsas e hipócritas então feitas por Salazar à frente das câmaras de televisão («...a nós convinha que falasse, a outros conviria mais o silêncio...») bem podem servir de inspiração agora para aquilo que possamos ouvir dizer ao príncipe herdeiro saudita Mohammad bin Salman. Mas, para que um fiasco seja consagrado, é preciso que um serviço rival exponha a operação. Não aconteceu de forma exuberante no caso de Delgado com os espanhóis, mas os americanos, que tinham (e mantêm) o Greenpeace sob protecção, e os turcos neste último caso, que decorreu, aliás, no seu próprio país, foram prestimosos em alimentar a comunicação social com os detalhes sórdidos das operações. Eloquente quanto ao papel importante da Turquia em todo o incidente, o secretário de Estado norte americano Mike Pompeo deslocou-se primeiro à Arábia Saudita, mas depois também à Turquia, muito embora os holofotes tivessem ficado quase todos em Riade, quando o que é importante é o que os Estados Unidos têm para oferecer à Turquia em troca do seu capital de queixa. Por esta vez, a atitude da administração Trump não se distingue das que a antecederam (talvez com a excepção da de Obama) na indulgência como lida com os sauditas: arrasta os pés no reconhecimento daquilo que é óbvio, embora Donald Trump confira à obtusidade um requinte muito pessoal. Em suma, tudo aponta para que, na grande ordem internacional, o assassinato de Jamal Khashoggi, depois deste apogeu de escândalo, se resuma a um momento embaraçoso de Mohammad bin Salman, como outrora os outros haviam sido para Salazar e François Mitterrand. Ou, para fazer um trocadilho irónico ao jeito daquelas declamações sentidas de Pedro Abrunhosa, que podiam significar tudo e o seu contrário (atente-se à letra): «É preciso ter calma, não dar o corpo pela (i)alma»...

19 outubro 2018

QUANDO A POLÍTICA AMERICANA SE TORNA UMA PALHAÇADA SÉRIA...

Eu cresci a considerar que passagens de entrevistas como a que se pode ler acima seriam cenas de uma comédia. Podemos imaginar, por exemplo e há 75 anos, a famosa personagem do bigode pintado de Groucho Marx a gabar-se absurdamente de ter um tio que lhe transmite saber científico por ondas electro-magnéticas e isso com o ar mais sério deste mundo. Porque é isso que acima faz Donald Trump. O problema é que actualmente e na América, a coisa é publicada como se fosse a sério e há que esperar pelos programas humorísticos da noite, para gozar com aquilo.

UMA PROIBIÇÃO CONTRAPRODUCENTE


19 de Outubro de 1988. O governo de Margaret Thatcher, na pessoa do ministro do Interior, Douglas Hurd, emite uma proibição que impede os órgãos de comunicação britânicos de transmitir as vozes dos membros de onze organizações radicais do Ulster. Pretendendo-se aparentemente abrangente, e elegendo na proibição organizações tanto católicas quanto protestantes, a medida tem como alvo mais evidente o IRA. Como sempre dissera a «dama de ferro», «era preciso encontrar formas de privar os terroristas do "oxigénio de publicidade" que os alimentava». Foi (mais) uma daquelas ideias que são brilhantemente formuladas do ponto de vista teórico e depois desastradamente implementadas do ponto de vista prático. A proibição não contava, evidentemente, com a colaboração da corporação de rádios e televisões. E a letra da lei prestava-se a ser contornada. As imagens de Gerry Adams (acima, dirigente do IRA e MP absentista por Belfast West) podiam ser transmitidas, apenas aquilo que dizia não e a solução residiu em pôr alguém a dobrar Gerry Adams. Além do capital de queixa, o método acrescentava-lhe a vantagem de tornar a mensagem do visado mais inteligível para o grande público, visto que Gerry Adams tinha um sotaque irlandês cerrado... Falo por experiência própria: quando o comecei a "ouvir" em canais ingleses, via satélite na Sky News, estranhei o expediente mas nunca tive problemas em "o" entender; mas quando a proibição foi levantada em 1994, já sob o governo de John Major, passei a perder metade do que o Gerry Adams genuíno dizia... A esta distância de trinta anos, pode dizer-se que, se a ideia estava certa, não foi uma medida muito inteligente da senhora Thatcher.

18 outubro 2018

O PRESENTE E O PASSADO

18 de Outubro de 1978. Esta notícia de há quarenta anos prova quanto as guerra comerciais entre a Europa e os Estados Unidos são assunto antigo. A dias de se realizarem as mid-term elections de 1978, os congressistas endureciam as suas posições negociais tendo em conta os interesses dos seus eleitorados domésticos. O passado não foi tão risonho quanto, às vezes, o querem fazer. Mas isso obriga a que se identifique qual é o verdadeiro problema actual nas relações transatlânticas que o distingue do que acontecia no passado: a ameaça que se percebe à estabilidade internacional, causada por um aumento indisfarçável da conflitualidade, está a ser provocada pelo actual presidente dos Estados Unidos.

O SALTO PERFEITO


18 de Outubro de 1968. Jogos Olímpicos do México. Provas de Atletismo. Competição de Salto em Comprimento. O primeiro saltador a iniciar o concurso é um norte-americano longilíneo (1,91 de altura!) de 22 anos chamado Robert (Bob) Beamon. É considerado o favorito, apesar da sua qualificação para a final ter sido algo acidentada: falhara as marcações nos dois primeiros saltos e só ao último é que se apurara. O salto que (acima) os telespectadores viram Bob Beamon realizar é tecnicamente irrepreensível, como se pode comprovar visivelmente pela localização das marcas que ele deixa na areia ao aterrar. Beamon abandona o local do salto satisfeito com o mesmo, mas ainda sem ter tomado total consciência do feito que acabara de realizar. Depois disso, encadeiam-se os episódios bizarros. Por um lado, não se conseguia medir o salto com o sistema óptico ali instalado porque o local de aterragem de Beamon estava situado para além do local coberto por esse sistema de medida (ia apenas até aos 8,50); foi preciso ir buscar uma fita métrica e recorrer aos velhos processos manuais para a medição. O resultado obtido, quando anunciado, 8,90 metros, tornava-se um novo recorde mundial da especialidade. Mas que recorde!!! Representava uma progressão de 55 cm em relação ao recorde anterior num só salto, numa modalidade onde o recorde mundial demorara 30 anos (1935 a 1965) a aumentar uns míseros 22 cm, dos 8,13 metros de Jesse Owens (famoso pela sua participação nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936) para os 8,35 metros alcançados por Ralph Boston, que também estava presente naquela mesma competição. Foi esse mesmo Boston, atleta mais experiente (campeão olímpico em Roma), que teve de fazer a conversão da famosa marca de 8,90 metros para as medidas norte-americanas em pés e polegadas, de maneira a que o próprio Beamon se apercebesse da dimensão da proeza atlética que acabara de realizar... Quando isso aconteceu, Beamon teve um ataque de cataplexia, foi-se abaixo das pernas. Só realizou mais um salto válido (8,04), mas isso deixara de ser importante: o título olímpico ficara decidido, o seu recorde mundial iria perdurar por 23 anos, ainda é o recorde olímpico. Cinquenta anos passados, é considerado um dos momentos históricos do atletismo, aquele que foi o Salto Perfeito.

17 outubro 2018

AL CAPONE E DONALD TRUMP

17 de Outubro de 1931. Al Capone é condenado por evasão fiscal. Depois de anos de esforços para o condenar por acusações mais substantivas e graves (veja-se na sua ficha criminal acima as tentativas que se faziam, desde 1919, para o condenar, sempre sem efeito), o famoso gangster acabou por ser condenado a dez anos de prisão, devido ao seu nebuloso estatuto como contribuinte... Haverá uma certa hipocrisia na sentença, já que a nebulosidade seria compreensível, bastaria atentarmos nos ramos de actividade ilegais a que Al Capone se dedicava. Este destino de Al Capone, assassino e muitas outras coisas mas condenado por evasão fiscal à falta de melhor acusação, mostrou que, para a cultura americana e quando necessário, todos os expedientes podem ser lícitos. O exemplo de Capone voltou recentemente à ordem do dia: se e quando se tornar necessário afastar Donald Trump, a questão da evasão fiscal já foi ventilada, na eventualidade de não existir melhor pretexto para o remover da presidência.

16 outubro 2018

PORTUGAL E AS GUERRILHAS DE ÁFRICA

Para quem (como eu) esperasse de um livro com este título uma outra abordagem dos três conflitos africanos, uma obra que rivalizasse com o (tornado) clássico Contra-Insurreição em África de John P. Cann (de 1998), este livro vem a revelar-se uma completa desilusão. Melhor que o título, são as imagens da capa, avulsas e desgarradas, as que melhor descrevem o conteúdo. Este é o relato de um punhado de visitas (não se chega a perceber quantas, talvez meia dúzia) que o autor realizou aos três teatros de guerra (Angola, Guiné e Moçambique) quando Portugal ali esteve empenhado entre 1961 e 1974. Al Venter é um jornalista sul-africano que se especializou em cobrir conflitos militares. O livro resulta extenso (mais de 500 páginas) mas absolutamente superficial porque é uma colagem de reportagens e, como tal, fica-se sempre pela rama dos aspectos que aborda. Resultaria mais palatável se Venter ao escrevê-las não tivesse adoptado aquela atitude tão tipicamente britânica - que depois veio a ser herdada por rodesianos e sul-africanos - de pretender que «nós (eles) é que percebemos de contra-subversão: olhem para os nossos sucessos na Malásia e no Quénia». Isso por contraponto ao que aconteceu aos americanos no Vietname, aos franceses na Indochina e na Argélia e aos portugueses nestas suas três colónias. Irrita ler a atitude sobranceira de Venter quando a História é o que foi e o desmente. Rodesianos e sul-africanos acabaram precisamente no mesmo sítio que os outros três, derrotados politicamente: África do Sul e Zimbabwe têm hoje governos de maioria negra. E quanto aos britânicos, se o seu domínio das tácticas de contra-subversão era assim tão excelente porque é que saíram de outras colónias - estou a lembrar-me da Palestina em 1948 ou do Iémen do Sul em 1967- com o rabo entre as pernas? Venter é um veterano cuja curva de aprendizagem evoluiu lentamente, quando chegou a evoluir. A repetição das suas visitas, por exemplo, não o motivou a aprender um português mínimo. Aquilo que ele consegue recolher dos locais que visita ressente-se disso, já que apenas uma fracção ínfima dos combatentes (dos dois lados) domina o inglês. E isso agrava a superficialidade do que escreve. Neste livro, que é uma versão traduzida para português do original, o leitor é confrontado com um chorrilho de asneiras facilmente detectável por um nacional. São muitas, são demasiadas e de vários géneros, aqui vão quatro exemplos sortidos.
Esta vem nos livros de História: Bartolomeu Dias foi o primeiro homem a dobrar o Cabo da Boa Esperança. O Cabo da Boa Esperança fica na África do Sul e Venter é sul-africano... 
Esta seria só para especialistas, se não estivesse acessível na wikipedia: o NRP Pacheco Pereira foi a fragata HMS Bigbury Bay da classe Bay. O detalhe é irrelevante mas, se é para o mencionar, que o faça correctamente.
Acredito que, antes dos portugueses em geral, a primeira pessoa a surpreender-se com a sua própria descrição como um intelectual terá sido Otelo Saraiva de Carvalho («Se tivesse mais cultura política, seria o Fidel Castro da Europa»). Também não se sabia que as FP-25 eram anarquistas...
Esta de fazer do Avante!, jornal oficial do Partido Comunista Português, um «jornal de Luanda» é simbólica de que Venter, estando a pretender escrever reportagens sobre portugueses em guerra, não sabe nada sobre Portugal.

Em suma, livro medíocre, apenas recomendável aos incondicionais do tema. O autor tem muitas opiniões sobre o que os portugueses deveriam ter feito, normalmente copiando o que os ingleses haviam feito na Malásia ou o que os rodesianos iriam fazer no Zimbabwe, mas por outro lado, e através do quilate destes erros constantes, é perceptível que uma boa parte da guerra, e sobre o que ela pensavam os seus protagonistas, lhe passou completamente ao lado...

15 outubro 2018

NOTÍCIAS À VOLTA DO QUE PARECE ÓBVIO


Convém realçar o que é óbvio: que a melhor solução para resolver o problema do desaparecimento do jornalista saudita seria que ele reaparecesse. É por isso que, ou ele resolveu pregar uma partida à noiva e quis deixá-la plantada à porta do consulado saudita em Istambul, ou então esta atitude rufiã que está sendo adoptada pela Arábia Saudita, ao sentir-se ameaçada se não der explicações aceitáveis sobre o incidente, me parece mais do que eloquente sobre aquilo que lhe terá acontecido. E o óbvio é que, mesmo que a Turquia não seja um comparsa neutro na trama, não deve haver agora maneira de o desaparecido reaparecer. É que os mistérios da ressurreição são mais fenómenos teológicos do cristianismo que não do islão... E, vem a propósito, vale a pena agora recordar o que na revista Foreign Policy se escrevia há onze meses, analisando as rivalidades naquela região na perspectiva norte-americana e os desequilíbrios que a nova política externa de Donald Trump lá fora provocar: «Donald Trump soltou a Arábia Saudita que sempre desejámos - e tememos». Aí está ela...

A DESTITUIÇÃO DE LIU SHAOQI

15 de Outubro de 1968. Um canto da última página do Diário de Lisboa informava o leitor da destituição de Liu Shaoqi (escrevia-se então Liu Shao-Chi). Liu era o presidente da República Popular da China, embora o poder na China, como era tradicional em todos os países comunistas, pertencesse a quem dirigisse o partido, e o partido era dirigido por Mao Zedong (Mao Tse Tung). Como também era comum com as modificações políticas importantes ocorridas nos países comunistas, esta notícia fora obtida indirectamente, captada em Hong Kong através de uma transmissão da rádio Pequim, a leitura de um editorial do jornal Bandeira Vermelha, artigo onde se anunciava que «todos os elementos anti-revolucionários, dirigidos pelo Khrushchev da China» (forma elíptica de o insultar, por referência ao antigo dirigente soviético que fora o oponente de Mao durante a fase da cisão sino-soviética), «haviam sido descartados e jogados no caixote do lixo da história». Liu (cujo nome nunca fora mencionado) «deixara de ter poder e autoridade tanto no partido quanto no governo. E a proclamação da grande vitória proletária constitui mais do que uma afirmação, tornou-se num facto». As imagens da China daquela época da Revolução Cultural, livrinhos vermelhos brandidos ferozmente e palavras de ordem declamadas como invectivas (na foto abaixo o visado é Liu Shaoqi ) são um desafio para a compreensão das gerações que se seguiriam.

14 outubro 2018

O ÚLTIMO COMBATE DO NRP AUGUSTO DE CASTILHO

14 de Outubro de 1918. A Grande Guerra está a menos de um mês do seu fim mas disso não sabia a tripulação do NRP Augusto de Castilho (acima) quando recebeu a missão de escoltar o navio San Miguel, que transportava 54 tripulantes, 206 passageiros, assim como várias toneladas de carga e que, tendo partido originalmente de Lisboa, acabara de escalar o Funchal (Madeira), prosseguindo agora a viagem até Ponta Delgada nos Açores. Como se percebe pela silhueta, o Augusto de Castilho não era um verdadeiro navio de guerra, concebido de origem para o efeito, apenas um arrastão armado (um naval trawler para empregar a terminologia de referência da Royal Navy),...
...uma antiga embarcação de pesca que fora reconvertida para uso militar através da colocação de peças de artilharia. Neste caso concreto do Augusto de Castilho, haviam sido duas: uma de 65 mm à proa e outra de 47 mm na ré. A comandá-lo encontrava-se o 1º Tenente Carvalho Araújo. Pelo raiar da aurora de há cem anos, os dois navios foram detectados pelo submarino alemão SM U-139, comandado por um veterano dos U-Boot, o capitão-tenente Lothar von Arnauld de la Perière. Dispondo de duas peças de 150 mm, o poder de fogo do submarino, mesmo à superfície e não fazendo uso dos torpedos, era incomensuravelmente superior ao da embarcação armada portuguesa.
Os alemães começaram a fazer fogo às 06H15. O que os navios portugueses podiam fazer eram apenas acções evasivas, nomeadamente criar uma cortina de fumo artificial que lhes permitisse a fuga enquanto o Augusto de Castilho atraía para si as atenções disparando a peça situada à ré. Em desespero de causa, o capitão Carvalho Araújo acabou por ordenar que o seu navio desse meia volta, aproando ao submarino, num sacrifício consciente, para que se aumentasse as possibilidades de fuga do San Miguel. A acção durou umas duas horas ao fim das quais o NRP Augusto de Castilho fora seriamente danificado, o seu capitão fora mortalmente atingido mas o San Miguel conseguira fugir.
Na perspectiva portuguesa tratou-se de um feito de armas que enobrece a sua Marinha de Guerra, o comandante Carvalho Araújo foi condecorado e promovido a título póstumo. Mas do ponto de vista da Kaiserliche Marine, há qualquer coisa de perturbador na banalidade como aquele assunto terá sido encarado pelos veteranos dos U-Boot, ao descobrir-se que uma parte da acção esteve a ser filmada(!). Ora, isto de transportar uma pesada máquina de filmar para o espaço confinado de um submarino e depois instalá-la na ponte, durante um combate, não deve ter sido tarefa simples. Mas, para o terem feito, é porque não devem ter considerado o combate muito renhido...