20 março 2023

UMA M**** DE ARTIGO E UM ARTIGO DE M**** SOBRE A PRODUÇÃO DE M****

Além daquilo tudo que se lê em título, o artigo é absurdo por mais do que uma razão. A primeira é que o artigo é fraudulento: destaca uma pergunta para a qual não tem resposta. À pergunta «Quantas vezes por dia?» responde «depende de muitos factores», «as opiniões dividem-se», «não existe uma resposta certa». Em segundo lugar, porque, da leitura do artigo, que assenta nas opiniões de uma tal «Hana Patel, uma médica especialista em saúde feminina», se retira a vaga impressão que existirá um aparelho digestivo distinto para homens e mulheres. E este artigo será só para mulheres - veja-se a sugestão da imagem - e para as suas excreções. Em terceiro lugar, escreva-se aquilo que é óbvio: que o acto de defecar é dos actos mais pessoais e intransmissíveis que existem. Não é por acaso que costuma ser referido polidamente como «uma coisa que ninguém pode fazer por mim». Que sentido fará então o alerta para que a leitora «saiba quando pedir ajuda». Ajuda para quê? Só se for para limpar, mas isso é já depois da coisa feita. Daí talvez a importância dada ao rolo que a cagadora tem nas mãos. Em quarto e último lugar: qual é o problema se nos limitarmos a fazermos apenas quando temos vontade?... Uma merda de artigo. Um artigo de merda. Sobre a produção de merda.

O INCIDENTE SUBMARINO DA PENÍNSULA DE KOLA

(Republicação)
A península de Kola tem 100.000 km² e situa-se a Noroeste da Rússia, quase toda ela situada a Norte do Círculo Ártico. A sua importância para a Rússia advém da existência do porto de Murmansk que, apesar da sua localização no Mar de Barents, parte do Oceano Glacial Ártico, dispõe da grande vantagem das suas águas não congelarem durante o Inverno, ao contrário daquilo que acontece com todos os portos russos no Báltico. Apesar da sua localização remota em relação ao núcleo da Rússia (1.500 km até Moscovo), Murmansk é, ainda assim, o quarto porto da Rússia e é por tudo isso que ali se localiza uma das mais importantes bases navais russas, onde nomeadamente se albergam a esmagadora maioria dos seus submarinos. A abertura do filme A Caça ao Outubro Vermelho de 1990 (abaixo) enfatiza essa paisagem gelada que, como se pode observar no mapa acima, rodeia o prolongado fiorde que separa Murmansk do mar aberto.

Mas aquilo que aconteceu perto daquelas paragens a 20 de Março de 1993, há precisamente trinta anos, embora envolvendo também um submarino russo e outro norte-americano, já não foi propriamente do domínio da ficção. Enquanto um submarino russo, o Novomoskovsk de 11.700 toneladas (abaixo, na foto superior) realizava submerso manobras de treino no Ártico, havia um submarino americano, o Grayling de 4.200 toneladas, que o seguia discretamente, evitando ser detectado. Com tanta discrição que, a certa altura, o próprio Grayling perdeu o Novomoskovsk de vista (de ouvido, já que o meio de detecção é o sonar) e quando deu por ele, este fizera uma viragem de 180º e os dois estavam em rota de colisão! O comandante norte-americano ainda tentou desviar a rota e emergir - afinal, o seu navio é que era o prevaricador e, sobretudo, o seu navio tinha apenas ⅓ do deslocamento do seu opositor! - mas a manobra não conseguiu evitar que os dois submarinos colidissem, ainda só que de raspão.
Felizmente, apesar dos danos materiais, não houve danos pessoais em qualquer das tripulações, mas o incidente deixou a imagem dos americanos em péssimos lençóis. Já no ano anterior houvera um incidente semelhante também naquele local e, nessa altura, o secretário de Estado James Baker acorrera a Moscovo para acalmar um irritadíssimo Boris Yeltsin, que constatava que, para a US Navy, aquela história do fim da Guerra-Fria não era afinal para levar a sério. Apesar das promessas então feitas, agora em 1993, sob uma nova administração (Clinton), tudo parecia ter continuado na mesma. Como uma qualquer outra burocracia que funciona por inércia, a máquina de guerra norte-americana recusou-se a abdicar do seu ganha-pão apesar da tão propagada alteração da situação estratégica. E claro que há uma outra burocracia que cuida que não se dê atenção desmesurada a estes incidentes e que a sua memória não se prolongue por demasiado tempo...

DESCONTANDO A SEMÂNTICA DE CADA ÉPOCA...

...os problemas com que se confrontam os governos têm uma certa tendência para se perpetuar, porque falhos de resolução. Reconheça-se que não estou a imaginar António Costa a empregar o eufemismo «classes menos abastadas» que acima se lê no título do jornal, mas «a necessidade de se resolver o problema da habitação» parece ter permanecido uma constante destes últimos 70 anos. Agora engendram-se uma encenações com trios dinâmicos (de ministros), mas a essência do problema, parece ainda ser sempre a mesma.

19 março 2023

O ACTO ELEITORAL PARA A APROVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1933

Domingo, 19 de Março de 1933. Tinha lugar o acto eleitoral para a aprovação da Constituição do Estado Novo. O Diário de Lisboa dava destaque de primeira página aos momentos em que Óscar Carmona, presidente da República, e Oliveira Salazar, presidente do Conselho, votavam (entregavam a sua lista, como então se dizia). O ritmo do escrutínio era outro. No dia 11 de Abril o Diário do Governo publicava os resultados oficiais: 1.292.864 a favor, 6.190 contra, 666(?) nulos e 30.538 abstenções. Eram resultados inverosímeis, mas essa era a prática aceite para actos eleitorais em ditaduras onde ocorriam vitórias esmagadoras de 99.5%!

A ABDICAÇÃO DO PRIMEIRO IMPERADOR DO MÉXICO

19 de Março de 1823. Abdicação do Imperador Agostinho I (Iturbide) do México. O seu reinado durara apenas dez meses, de Maio de 1822 a Março de 1823. Com esta abdicação colapsava um modelo de organização monárquica de inspiração napoleónica* (aprecie-se o estilo do retrato do Imperador...) que fora adoptado por ele e pelos seus apoiantes como modelo político inspirador para aquela que fora a colónia espanhola do México. Como se percebe pelo mapa, este breve Império do México era bastante mais extenso do que o México actual: para além de abranger todo o Sul dos actuais Estados Unidos (incluindo os estados da Califórnia, Texas, Arizona, Novo México e Nevada), incluía também ainda cinco países da América Central (Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica).

* Em contraste com o Brasil, onde o monarca (também Imperador) Pedro I ia buscar a sua legitimidade ao facto de pertencer à casa real da antiga metrópole portuguesa.

NÃO É UM (DES)"CONSOLO PARA A ALMA" LER ESTA NOTÍCIA A DEZ ANOS DE DISTÂNCIA?...

19 de Março de 2013. Estes dois «melhores CEO da Europa» de há dez anos tornaram-se hoje pessoas de interesse de algumas investigações em curso... Isso sim, é que é um assunto que se segue com interesse. Quanto aos concursos para melhor CEO da Europa, esses deixaram de ser interessantes para a comunicação social portuguesa. Estamos numa equilíbrio medíocre: ainda não temos nenhum CEO ou aparentado condenado pela justiça, mas também os jornais já se deixaram de os promover como dos melhores da Europa.

18 março 2023

LEGENDAS DE FOTOS QUE DESCREDIBILIZAM O ARTIGO E A AUTORA

Vale a pena esmiuçar a legenda que o Público escolheu para a fotografia que ilustra este seu artigo acima sobre a desclassificação das actas do Conselho Superior de Defesa do tempo do Marcelismo. António de Spínola com as tropas na Guiné já depois de ter sido demitido de vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas por Marcello Caetano na sequência da publicação do livro Portugal e o Futuro. Há aqui tanto erro que é difícil saber por onde começar a crítica. Optei por o fazer pela ordem em que os disparates são mencionados. António de Spínola foi demitido do seu cargo de vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas em Março de 1974. O pretexto invocado para a sua demissão foi a sua falta de comparência a uma cerimónia em que todos os oficiais generais vieram manifestar junto de Marcello Caetano o seu apoio à política ultramarina prosseguida pelo presidente do Conselho. A cerimónia e os seus participantes ficaram ironicamente conhecidos pela «brigada do reumático». Mas o que importa reter é que medeia um escasso mês entre essa demissão e o 25 de Abril de 1974. Conceber que, nesse mês, o demitido general Spínola regressasse à Guiné (onde aliás havia um novo comandante-chefe...) para se envolver em operações, é um disparate indicativo que quem escreve esta legenda não faz a mínima ideia sobre o que está a falar. E depois há a fotografia, que é relativamente conhecida, data de Outubro de 1969 - ou seja quatro anos e meio antes da demissão do general Spínola! - e foi publicada numa das edições de Novembro da revista francesa Paris-Match. A jornalista que assinava a reportagem associada à foto é precisamente Geneviève Chauvel, cujo nome aparece referido em rodapé. Podemos perceber que a fotografia foi ali colocada apenas com o propósito de ilustrar a guerra colonial, cujas actas desclassificadas são o verdadeiro tema do artigo. Mas escrever tanta asneira ignorante numa legenda que precede a leitura do artigo propriamente dito, descredibiliza obrigatoriamente tudo aquilo que a jornalista - Helena Pereira - venha a escrever sobre o assunto.

OS PRIMÓRDIOS DO «CASO PROFUMO»

18 de Março de 1963. O Diário de Lisboa dá o destaque que a imagem acima documenta àquilo que denomina por «um "mistério" que envolve um diplomata russo (e que) apaixona a opinião pública britânica». O dito "mistério" envolve «um manequim de 21 anos» (uma designação de salão para uma prostituta de luxo), «um diplomata soviético (entretanto) chamado a Moscovo», «um cidadão da Jamaica ciumento» (por sinal, era antiguano, mas isso é pormenor), mas o protagonista verdadeiramente interessante que os jornais britânicos ainda não se atreviam a mencionar pelo nome era John Profumo, o secretário de Estado da Guerra do governo conservador de Harold Macmillan. Era ele que conferia todo o interesse ao "mistério" e será ele que emprestará o seu nome ao caso, o «Caso Profumo», caso esse que terá como consequência, dali por dois meses e meio, a demissão do titular que há 60 anos ainda não se mencionava(abaixo), por ele ter mentido ao Parlamento quando à questão do seu envolvimento com a «manequim» Christine Keeler. Todo o episódio veio a constituir mais um factor de desgaste do governo britânico de então.

17 março 2023

EXPLOSÃO DE ALEGRIA

Republicação
Explosão de Alegria (Burst of Joy, no original) foi o título dado a uma fotografia premiada, tirada em 17 de Março de 1973 numa Base Aérea da Califórnia, por ocasião do retorno a casa dos pilotos que haviam sido aprisionados pelos norte-vietnamitas durante a Guerra do Vietname. Nela vê-se uma família americana típica de classe média (com a esposa e mais quatro filhos) correndo para abraçar o pai/marido acabado de chegar e que, visto de costas, ali parece personificar simbolicamente todos os militares naquela mesma situação, simultaneamente pondo um ponto final ao envolvimento norte-americano no Vietname. Ao contrário de outros casos, a versão editada da fotografia (a que se vê no inicio do poste) não difere muito da que foi originalmente tirada pelo fotógrafo Sal Veder (imediatamente acima). Apenas uns retoques, fazendo desaparecer uma parte do lado esquerdo da fotografia, mas sem que se fizesse perder o lugar central a Lorrie Stirm, então com 15 anos, a filha mais velha do regressado Tenente-Coronel Robert L. Stirm (que tinha então 39) e, visivelmente, a que se mostrava mais entusiasmada a acolher o pai que já não via há 6. Só depois vêm os irmãos Bo (Robert Jr.) e Cindy, a esposa Loretta e por fim o irmão Roger. Robert L. Stirm era um oficial piloto-aviador da USAF que havia sido abatido sobre o Vietname do Norte em 27 de Outubro de 1967. O avião que pilotava, um F-105 como o da fotografia acima, é um daqueles casos em que ainda hoje permanece controversa a razoabilidade do seu emprego nas situações de combate em que foi usado. Concebido para ser extremamente rápido e para operar a baixas altitudes, comprovou-se repetidamente que era uma presa fácil para as defesas anti-aéreas norte-vietnamitas. No global, perderam-se 320 F-105 em situações de combate nos céus do Vietname, o que representa 38% de todos os F-105 construídos! Stirm foi mais um desses pilotos abatidos que, tendo tido a sorte de se conseguir ejectar a tempo, não teve a sorte de conseguir ser resgatado pelos helicópteros enviados para o efeito, vindo a ser capturado pelos norte-vietnamitas no solo. Permaneceu 1965 dias como prisioneiro de guerra e veio a ser libertado no dia 14 de Março de 1973, ou seja, três dias antes daquela fotografia ter sido tirada. E, como prova que estas fotografias famosas raramente são aquilo que mostram, juntamente com a alegria da libertação chegou-lhe também uma carta da sua mulher, Loretta, a comunicar-lhe a intenção de pedir o divórcio… Sabendo isto, um dos enigmas da fotografia (que ficará para sempre por resolver) será saber se a expressão de Robert L. Stirm seria tão sorridente como a que aqui aparece, naquele momento em que Sal Veder o apanhou de costas e fez dele o exemplo do soldado americano desconhecido, de regresso (finalmente) a casa…

UM VULGAR METEORITO LUNAR

(Republicação)
Desde 2005 que a NASA tem um programa que monitoriza os meteoritos que atingem a face visível da Lua. O ritmo tem-se cifrado na ordem de uns 30 a 40 por ano. São acontecimentos de uma espetacularidade interessante. Ao contrário do que acontece na Terra, em que a atmosfera os desbasta, muitos deles até ao total desaparecimento, na Lua, a sua ausência, faz com os meteoritos cheguem pristinos ao ponto de impacto na superfície, ocasionando explosões espectaculares - é preciso é que haja um dispositivo a observá-las... A 17 de Março de 2013, cumprem-se hoje precisamente dez anos, houve um calhau que vogava pelo espaço, com uns 30 a 40 cm de diâmetro e um peso estimado de 40 kg, que chocou contra a superfície lunar. Por muito insignificante que fosse a dimensão do objecto, a questão é que o calhau viajava a uma velocidade de 25 km por segundo. A explosão do impacto, que terá equivalido ao efeito da detonação de 5 toneladas de TNT, foi momentaneamente visível da Terra (abaixo), deixando na superfície uma cratera com 18 metros de diâmetro.

O 20º ANIVERSÁRIO DA CIMEIRA DAS LAJES

17 de Março de 2003. Visto a esta distância de 20 anos, parece assentar a conclusão que a Cimeira das Lajes terá sido uma mera operação de relações públicas, em que a administração republicana de George W. Bush quis mostrar à opinião pública americana que não estava isolada internacionalmente, quando anunciava a sua intenção de invadir o Iraque. Para a ocasião, houve certas figuras da política europeia que se prestaram a fazer de figurantes nessa operação de relações públicas. Qualquer dos três figurantes europeus aparecia ali por razões muito próprias e confrontando-se com resistências severas nos seus próprios países. Por exemplo, Robin Cook, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico demitia-se naquele mesmo dia por causa do alinhamento com os Estados Unidos. E a solidariedade recíproca também não imperava: num gesto de humilhação pública para com Durão Barroso a imprensa espanhola referia-se ao encontro como Trío de las Azores, pondo de parte, insultuosamente, o anfitrião português. Passados 20 anos, se, do outro lado do Atlântico, sempre se notou uma certa indulgência para com a conduta de Bush, deste lado nunca se terá perdoado a qualquer dos figurantes: Aznar, Barroso e Blair

16 março 2023

A ARMADILHA DA RELATIVIZAÇÃO DOS ASSUNTOS

Como em resposta ao relatório sobre os abusos, a reacção da hierarquia da igreja católica portuguesa tem sido tão descoroçoante, uma notícia como esta acima, publicada esta tarde, até parece ser razoável. Só que convém frisar que não é. É como o milagre bíblico dos pães, mas ao contrário: se na Bíblia Jesus Cristo usou cinco pães para alimentar 5.000 pessoas, aqui 4.800 casos estimados de abusos sexuais de crianças, concretizam-se na suspensão de meia dúzia de padres...

O PORTA MOEDAS DO AVÔ BONDOSO...

Depois da Geringonça, passámos a dever a inventividade de Mário Centeno um novo modelo de funcionamento das finanças públicas em Portugal. Desde finais de 2015, elabora-se e aprova-se formalmente um Orçamento, mas aquilo que estiver lá estabelecido não serve para nada, porque há uma espécie de pai severo (o ministro das Finanças) que cativa a despesa. O verbo chave é precisamente esse: cativar. No papel a verba pode ser despendida, na prática, não. Os resultados têm sido notáveis do ponto de vista da redução da despesa pública - o ministro das Finanças exulta: Impressionante! Só que às vezes as coisas não correm bem, quando se torna patente à custa de quê se conseguem esses resultados. Foi o caso evidente do recente episódio da insubordinação de parte da tripulação de um navio da Marinha, por alegada falta de condições do navio. E é aqui que chegamos ao ponto principal desta história. O sistema implantado permite que o primeiro-ministro apareça nestes percalços como uma espécie de avôzinho bonacheirão que contraria a severidade paterna e descativa as verbas para alegria da pequenada! Veja-se a notícia do Público no lado esquerdo, acima. Quem a ler em pormenor percebe que aquilo que é sugerido em título não é o que consta do corpo da notícia. Afinal a decisão de António Costa dos 39 milhões já fora tomada no princípio deste mês e dá-se apenas a coincidência - judiciosamente aproveitada - dela hoje ter sido publicada em Diário da República, tanto mais que o navio no centro da polémica nem sequer será um dos contemplados. Mas o melhor do artigo será mesmo a fotografia escolhida, onde se pode apreciar a expressão prazenteira e de bonomia do primeiro-ministro com os navios por trás... Digam lá se não poderia ser a imagem do avô traquinas que acabara de tirar o porta-moedas e nos dar dinheiro para comprar o gelado que os pais não queriam que nós comêssemos?...

ADMITAMOS QUE É SÓ POR INCOMPETÊNCIA E NÃO POR MALÍCIA...

...que a comunicação social portuguesa costuma dar estas notícias, envolvendo números astronómicos, sem ajudar as audiências a aperceberem-se da sua colossal dimensão. O empréstimo de 50,7 mil milhões de euros que o Banco Nacional da Suíça acabou de conceder para salvar o Credit Suisse, corresponderá a quase ⅔ do montante dos empréstimos que foram concedidos pela Troika a Portugal em 2011. Foram 79 mil milhões de euros que, relembre-se, vieram acompanhados de incontáveis advertências e admoestações, replicadas na nossa agenda político-mediática de então. Haverá quem diga que a comparação será forçada, comparar um empréstimo concedido a um banco com um empréstimo concedido às finanças públicas de todo um país, e eu tenderei a concordar com o argumento, embora desconfie que o faça por razões muito distintas daqueles a quem incomodará - mais por razões ideológicas do que por razões lógicas! - que se façam estas comparações entre quanto custa salvar um grande banco internacional e as finanças públicas de um país de média dimensão. Contudo, não gostaria de terminar este texto sem uma nota irónica, perguntando-me se os 50.000 funcionários do Credit Suisse também virão a ser admoestados por «terem vivido acima das suas possibilidades»?...

QUANDO AS NOTÍCIAS MEXERIQUEIRAS VINHAM DE LONDRES

16 de Março de 1948. Era preciso ter lido o jornal londrino «Star» (hoje Daily Star) para se ficar a saber do noivado de Carmen, a filha única do Generalíssimo espanhol. Os acontecimentos virão a comprovar a fidedignidade das fontes do jornal inglês, muito embora o casamento só viesse a ter lugar dali por um pouco mais de dois anos, a 10 de Abril de 1950. Mas o que é aqui interessante é ver como este mundo específico da informação mundana era diferente há 75 anos, neste caso concreto quiçá por causa da censura férrea que então vigorava em Espanha. Contudo, hoje seria algo completamente impensável que um acontecimento desta magnitude houvesse escapado à revista espanhola ¡Hola!, a referência europeia das revistas do género.

15 março 2023

A APROXIMAÇÃO IRANO-SAUDITA MEDIADA PELA CHINA: AS FOTOGRAFIAS E O RESTO

As fotografias que se publicaram da cerimónia da assinatura deste último acordo entre a Arábia Saudita e o Irão, mediado pela China, são espectaculares, parecem plenas de simbolismo. As reacções dos órgãos de informação deste lado de cá do Mundo dividem-se entre as apreciações mais entusiásticas e outras apreciações mais prudentes. Estas parecem-me muito mais consistentes: é melhor esperar para ver o que acontece de concreto. O Médio Oriente é uma região conhecida por ter responsáveis políticos que assinam muito facilmente tratados que depois permanecem letra morta. (Exemplo recente: o plano de paz gizado por Jared Kushner, genro de Donald Trump, em Setembro de 2020, envolvendo Israel e alguns países do Golfo, foi declarado letra morta seis meses depois de assinado) A acrescer a isso, sabe, quem acompanha os assuntos da região com outra profundidade, que a Arábia Saudita e o Irão mantêm uma rivalidade e uma clivagem profundas desde há décadas, de um nível idêntico às que separam Israel dos seus vizinhos árabes, e que ultrapassá-las não será tarefa fácil para os dois rivais signatários (para melhor compreender essa rivalidade sugere-se a leitura do livro abaixo de 2020). Considerando isto e, por muito que a China seja a novidade da equação, aparecendo pela primeira vez a protagonizar uma iniciativa nesta região e desta dimensão, manda a experiência que nos mantenhamos prudentes quanto à evolução dos acontecimentos.

O TELEGRAMA CALOROSO DE EMIL HÁCHA

15 de Março de 1943. Por ocasião do quarto aniversário da anexação da Boémia e da Morávia pela Alemanha, o presidente daquele protectorado, Emil Hácha (o baixinho do lado direito da fotografia) envia um telegrama subserviente e tonitruante a Adolf Hitler. Um daqueles gestos servis que, por muito que se invoquem circunstâncias excepcionais, a História de uma nação nunca pode absolver. Depois de ontem nos termos aqui referido a Klement Gottwald e à submissão de alguns checos à Rússia, hoje temos aqui este episódio de Emil Hácha, evidenciando a submissão de alguns (outros) checos diante da Alemanha. A localização geográfica do território checo condiciona-lhes a História. Os mistérios da parcialidade política fazem com que seja muito difícil encontrar quem se disponha a condenar assim, com a mesma veemência, o colaboracionismo e a subserviência de uns e outros.

ANTES DE OS CARGOS SE TORNAREM VITALÍCIOS, PREÂMBULO PARA SE TORNAREM HEREDITÁRIOS...

(Republicação)
15 de Março de 2003. Há precisamente vinte anos Hu Jintao (n. 1942, acima, à esquerda) sucedia a Jiang Zemin (n. 1926, ao centro) no cargo de Presidente da República Popular da China. Dali por dez anos (14 de Março de 2013), e cumprindo o preceito constitucional que proíbe que aquele cargo seja ocupado por mais do que dois mandatos consecutivos (de cinco anos), a presidência veio a ser por sua vez ocupada por Xi Jinping (n. 1953, à direita), que é o presente titular do cargo. Na China, esse cargo é essencialmente simbólico, aquele que detém o poder real é o de secretário-geral do Partido Comunista Chinês, que qualquer destes homens começou por ocupar antes de se tornar presidente: Jiang foi-o entre 1989 e 2002, Hu de 2002 a 2012 e agora é Xi que acumula os dois cargos. Porém, o preceito constitucional do limite de mandatos presidenciais foi empregue nestes últimos vinte anos que se seguiram à morte de Deng Xiaoping (1904-1997), como um freio à tendência cientificamente comprovada entre os partidos comunistas, para que se perpetue a pessoa do secretário-geral e o poder se concentre vitaliciamente numa só pessoa. Anómala em regimes de partidos monolíticos, a História recente da China mostrou também uma saudável renovação dos protagonistas das sua classe dirigente em cada decénio, aproximando-se dos ciclos que acontecem naturalmente nas Democracias. Ora essa imposição para o refrescamento regular das elites políticas chinesas parece ter agora sido posto em causa com a remoção da cláusula constitucional do limite de mandatos presidenciais. Xi Jinping dispõe agora de uma base jurídica para se perpetuar vitaliciamente no poder, à semelhança de outros ditadores, também herdeiros do socialismo científico, como são os casos de Vladimir Putin na Rússia ou de Aleksandr Lukashenko na Bielo-Rússia, e mesmo, num país cuja História riquíssima até está repleta delas, Xi poderá ser o fundador de uma dinastia como as dos Kim na Coreia do Norte ou a dos Aliyev no Azerbeijão.

14 março 2023

«TALANT DE BIEN FAIRE»*

* Vontade de Bem Fazer - Divisa atribuída ao Infante D. Henrique que a Marinha portuguesa adoptou como sua.
A Marinha portuguesa acabou de concretizar com sucesso uma grande operação... de relações públicas. De um episódio que consistia na insubordinação da tripulação de um navio, porque esta última considerara que esse navio não estaria em condições aceitáveis de navegação, o mesmo converteu-se num capricho politicamente orientado dos cabecilhas dessa mesma tripulação, com a revelação de que a missão (abortada) seria a de vigilância de um navio russo de «investigação científica» que passava junto às nossas costas. Invocando o «putinismo» que teria estado por detrás da iniciativa, os responsáveis da Marinha fizeram com que a questão mediática rapidamente deixasse de ser o mau estado de manutenção dos navios para um outro aspecto político, o da animosidade anti-russa, em que contará com a simpatia da maioria da opinião pública portuguesa. A operação parece ter sido muito bem montada, o almirante continua a justificar os seus pergaminhos de se promover muito bem, mas também terá contado com a colaboração antagónica de duas pessoas daquelas que, quando emitem uma opinião, suscitam logo uma animosidade correspondente: a antiga deputada socialista Ana Gomes, e o sargento-sindicalista Lima Coelho, menos conhecido que a primeira, embora ande nisto também há décadas, é assim uma espécie de Mário Nogueira dos sargentos.

A GREVE DA FUNÇÃO PÚBLICA

14 de Março de 1923. O governo português de então vivia momentos difíceis por causa de uma greve «de braços caídos» da função pública. Só que as greves da função pública de há cem anos em quase nada se assemelham àquelas cerimónias coreografadas de agora, protagonizadas por profissionais do protesto. A partir das notícias que o Diário de Lisboa publicava, ficava-se a saber que a greve eclodira no ministério das Colónias, porque «não tinha sido dado ainda cumprimento ao despacho do respectivo ministro (Alfredo Rodrigues Gaspar) que equiparava o vencimento daquele pessoal aos dos seus colegas das Finanças. (...) Embora todos os funcionários comparecessem nos seus lugares, o expediente esteve completamente paralisado». Mais abaixo lia-se que, provavelmente por não ter nada para fazer, mas também por se sentir desautorizado, «o sr. ministro das Colónias não (ia) ao seu gabinete há dois dias e hoje não assisti(ra) ao conselho de ministros». Aparentemente tratar-e-ia de um «braço de ferro» entre os ministros das Colónias e das Finanças (Vitorino Magalhães) Só que, para piorar a situação, «os funcionários do ministério da Instrução» - sem ser preciso aparecer um avô do Mário Nogueira! - «resolveram unanimemente dar a sua solidariedade aos seus colegas das Colónias, declarando-se hoje em greve».

A coluna do lado direito acima dá-nos as notícias do que estaria a ser a reacção governamental. Na Câmara de Deputados, um dos deputados da maioria governamental (Torres Garcia), em jeito de peão de brega, dava o mote para a reacção do chefe do governo: «...afirma ter-se iniciado em alguns ministérios a greve de braços caídos.(...) Pergunta ao sr. presidente do Ministério (António Maria da Silva) (...) quais as providências que tenciona tomar para evitar que o movimento se transforme numa greve geral»(!)... A resposta do presidente está à altura do ambiente criado: «os funcionários públicos andam há muito tempo a arrepiar caminho. (...) Na classe dos funcionários do Estado estão anarquistas antigos, indivíduos que escrevem em "A Batalha" - jornal anarquista - incitadores de crimes que o Estado tem tido a complacência de ter ao seu serviço. Refere-se a "um tal Monteiro" do ministério das Colónias e diz que se o apanha em qualquer coisa, não deve ficar com vontade de se meter noutra». Em suma, e mesmo que o jornalista houvesse feito a transcrição do discurso completo de António Maria da Silva, dá para perceber que nele não se incluiria quaisquer pistas de como solucionar o impasse de uma greve que, ao contrário destas greves modernas, paralisaria mesmo a actividade de alguns ministros.
Mas substantivamente nada acontecera (nem acontecerá nos próximos dias) para resolver a greve que se declarara dentro dos próprios ministérios. No edição do dia seguinte do mesmo jornal, para além do "tal Monteiro" (ficamos a saber que se tratava do sub-director geral das colónias do Oriente) ter esta manifestação de desagravo que se lê acima, pedindo «uma sindicância aos seus actos», no ministério das Colónias tudo continuava como dantes e o ministro sem aparecer sequer no gabinete. Qualquer analogia que se queira fazer com o actual dinamismo governamental para resolver as greves no Ensino, na Justiça, na Saúde, comparar a retórica inconsequente de António Maria da Silva com a de António Costa, terá sido uma mera coincidência...

A MORTE DE KLEMENT GOTTWALD

14 de Março de 1953. Morte aos 56 anos de Klement Gottwald, o presidente da Checoslováquia desde há cinco anos, desde o Golpe de Praga, que terminara com a Democracia e instalara uma Ditadura comunista naquele país. A notícia não o esclarece mas Klement Gottwald tinha vários problemas de saúde: era cirrótico e fora sifilítico, o que lhe causava problemas cardíacos. Mas a ironia dialéctica do falecimento, de merecer este destaque, é que ele terá ocorrido em consequência de uma pneumonia que o presidente checoslovaco apanhara em Moscovo quando ali se deslocara para o funeral de Staline. A consequência torna-se tanto mais consentânea quando se sabe que, ainda hoje, Klement Gottwald é a pessoa da História da hoje desaparecida Checoslováquia que mais personalizará a completa submissão dos checos e dos eslovacos aos interesses russos e à cópia do seu modelo político-social. Abaixo são algumas imagens do funeral, de acordo com esse cânone comunista, que ainda há tão pouco tempo tivera lugar em Moscovo, por causa de Staline. (Repare-se, numa nota final, o que significava viver numa Europa dividida em dois blocos: as notícias eram oriundas de Viena, na Áustria, e não de Praga onde se passavam os acontecimentos; contudo, geográfica e ironicamente, Praga até é uma cidade mais ocidental do que Viena...)

13 março 2023

COMO SE FOSSE A PÁGINA DO OBITUÁRIO

Há ocasiões em que ir ver a página do Google Notícias pouco difere de uma daquelas páginas do obituário do clássicos jornais de papel, embora não se assuma como tal. Aquilo que ali se classifica por Notícias principais, está repleto de notícias de desconhecidos que morreram. Quem era Alexandre Patrício Gouveia? Quem era José Cortez Magalhães? A morte deles não é notícia nenhuma, quanto mais notícia principal. Para informar os leitores desses falecimentos secundários é que havia uma página de obituário. Cada entrada era redigida num tom circunspecto e repetitivo. Muitas costumavam começar por: «Confortado com os sacramentos da santa madre igreja...» Uma página que também tinha os seus leitores morbidamente dedicados. Há tradições organizativas que se perdem e é uma pena.

A ESPECTACULAR NÃO NOTÍCIA DE HÁ OITENTA ANOS

(Republicação)
13 de Março de 1943. Esta efeméride destaca-se por aquilo que não aconteceu: Hitler não morreu. Por esses dias, o Führer deslocara-se à Rússia no seu avião pessoal, um Condor FW200 (acima), para conferenciar com os altos comandos da Frente Leste. Fora em Smolensk, onde então se localizava o Quartel General do Grupo de Exércitos Mitte (abaixo, vê-se Adolf Hitler a comprimentar à sua chegada o Marechal Erich von Manstein, que era ladeado pelo Marechal Wolfram von Richthofen da Lufwaffe), que nascera uma conspiração para matar Hitler, conspiração essa que era encabeçada pelo General Henning von Tresckow. A ideia consistia em colocar uma bomba disfarçada em garrafas de conhaque que seguiriam a bordo do Condor e que detonariam em pleno voo. O agente involuntário foi um coronel da comitiva, que fez o favor de levar as garrafas para Berlim para um destinatário que também não estava associado à conspiração. Não estava previsto assim, mas as garrafas chegaram mesmo a Berlim e deu um trabalhão aos conspiradores interceptá-las para que não se descobrisse o conteúdo. Numa das versões culpa-se um defeito do próprio mecanismo de detonação da bomba, noutra terá sido o frio do porão das bagagens o responsável, mas o desfecho (ou melhor, a ausência dele) foi evidente. De outro modo, esta data teria um significado histórico superior ao de 20 de Julho de 1944. Talvez a superstição de Hitler de dar sempre o número de matrícula D-2600 a todos os seus aviões pessoais tivesse alguma coisa a ver com o desfecho...

12 março 2023

«O PARTIDO SOCIALISTA MARCOU AS SUAS NOVAS DIRECTRIZES POLÍTICAS»

O título escolhido até parece estranhamente consentâneo com a actual situação política portuguesa mas a edição do jornal tem precisamente 90 anos. E a marcação das «novas directrizes políticas» do Partido Socialista da actualidade podem passar pela recontratação de um «consultor de marketing» que já anunciara que se havia retirado.

O ASSASSINATO DO PRIMEIRO MINISTRO SÉRVIO

12 de Março de 2003. O primeiro-ministro da Sérvia, Zoran Đinđić é assassinato a tiro por um atirador emboscado que aguardava a sua chegada à sede do governo em Belgrado. Apesar da sua entrada por uma porta discreta (veja-se o desenho abaixo), um único tiro de precisão de uma G-3 a 180 metros acertou-lhe no coração e causou-lhe morte imediata. À frente do governo sérvio desde há dois anos, Zoran Đinđić havia criado imensos inimigos domésticos devido às suas iniciativas para desmontar o aparelho que se formara naquele país durante o extenso período de governo (1991-2000) do seu antecessor, Slobodan Milošević, que ele entretanto prendera e extraditara para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional de Haia. Uma parte desse aparelho tornara-se entretanto clandestino e já por outras vezes, Đinđić fora alvo de atentados contra a sua vida. Uma das ironias finais deste episódio é que Đinđić tinha uma reunião marcada com Anna Lindh, a ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, que virá a ser assassinada - e por um sueco de ascendência sérvia! - dali por seis meses.

11 março 2023

ASTÉRIX E (SOBRETUDO) OBÉLIX E O JOGO DE RUGBY

Em tarde de Sábado de Inverno, em que decorre mais uma jornada do tradicional Torneio das Seis Nações em Rugby, vale a pena evocar como foi reencenado um desses jogos internacionais pela dupla Goscinny/Uderzo para uma das aventuras de Astérix (Astérix entre os Bretões).
- «É preciso introduzir na Gália este lindo jogo!» - hoje joga-se o Inglaterra - França.
Nota: o resultado passa de 3-3 para 8-3 porque em 1966, quando este álbum foi desenhado, um ensaio convertido representava 5 pontos. Hoje representa 7 pontos.
Consequência das propriedades milagrosas da poção mágica, o jogo terminou 804-3 para a equipa de Camulodunum. (Adenda: No Inglaterra-França de 2023, e mesmo sem poção mágica, o desfecho saldou-se por uns desequilibrados e humilhantes 53-10 para a França.

A EXECUÇÃO DO PRINCIPAL ORGANIZADOR DO ATENTADO CONTRA DE GAULLE

11 de Março de 1963. Depois de julgado e sentenciado com a pena de morte, foi executado o tenente-coronel Jean Bastien-Thiry que fora considerado o principal organizador do atentado perpetrado contra o presidente de Gaulle em Agosto de 1962. Como se pode ler na notícia, o tribunal militar que julgara os conspiradores pronunciara-se, entre outras penas menores, por mais duas condenações à morte, mas o presidente francês, ao usar as suas prerrogativas para indultar os outros dois condenados, fizera questão de enfatizar o carácter excepcional desta execução. Para de Gaulle, era para ser entendido como um ponto final sobre a questão argelina.

10 março 2023

CÂMARAS DE TELEVISÃO PARA UNS E «PENSAMENTOS E ORAÇÕES» PARA OS OUTROS

Aqui há poucos dias foi notícia de destaque nos Estados Unidos o assalto e rapto em plena luz do dia de quatro norte-americanos na cidade mexicana fronteiriça de Matamoros. O acontecimento saldou-se pela morte de dois dos reféns, a recuperação dos outros dois, a participação do FBI, tudo foi coberto com um detalhe extraordinário, incluindo a relembrança de recomendações para que os cidadãos americanos não visitem certas regiões do México. E no entanto, o despropósito de tudo o que aconteceu vai para este cartoon abaixo da Counterpoint Media, ridicularizando o despropósito como se deu destaque à notícia. Do lado esquerdo, debaixo da luz de vários holofotes, e referindo-se a uma placa do acontecimento do México, pode ler-se «É urgente que se faça qualquer coisa a este respeito!». Do lado direito, dezenas de placas alusivas a homicídios cometidos nos Estados Unidos estão às escuras e o que se pode ler é a batida expressão «Pensamentos e orações» (Thoughts and prayers) que é lugar comum evocar quando os media americanos dão notícias de crimes particularmente violentos. Porque os Estados Unidos são um local particularmente violento: em 2021 registaram-se ali 26.000 homicídios, uma média diária de 70 assassinatos por dia, dos quais 80% são provocados por armas de fogo. A ABC, a CBS, a CNN, a NBC, não precisam de ir ao México para rechearem os seus telejornais de episódios de crime muito violento.

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E DOS PEIXES... MAS AO CONTRÁRIO

Não é preciso ter lido a Bíblia para se conhecer o famoso episódio em que Jesus faz o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. É uma história que aparece contada em todos os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), e as narrativas são concordantes que, por ocasião da morte de São João Baptista, Jesus Cristo fez o milagre de, a partir de um pecúlio irrisório (5 pães e 2 peixes), ter produzido alimento que chegasse (e sobrasse) para todos os seus seguidores, cerca de 5.000 pessoas. É o milagre da multiplicação.

Em contraste, de há uns dias para cá temos estado a assistir a um milagre, mas da desmultiplicação. Explico-me: também não é preciso ter lido extensivamente o relatório sobre abusos sexuais na igreja católica para saber que a comissão que o elaborou validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, o que levou a mesma a extrapolar um número mínimo de vítimas de 4.815 durante o período que analisou. O milagre a que estamos a assistir é como este volume de testemunhos e casos terá sido provocado por um número irrisório de padres, se atendermos aos anúncios que têm vindo a ser produzidos pelas dioceses. Eu bem sei que nem todas as dioceses se pronunciaram até agora, mas, considerando o ritmo que as notícias abaixo documentam (4/5 casos até à altura em que escrevo), muito me surpreenderia que o total de padres afastados preventivamente em consequência do relatório venha a ultrapassar por muito a vintena, o que será, em si, miraculoso.
Adenda: Acrescento aqui abaixo as reacções de mais algumas dioceses que me levam a concluir que terei sobrestimado em muito o número de padres que virão a ser afastados preventivamente pela hierarquia da igreja. Nem vinte serão. Apesar das contriçõesproclamações proferidas por alguns bispos, ao ler-se este encadeado de títulos ouve-se o arrastar dos seus pés, para que quase não haja consequências. Recorde-se que o cerne deste escândalo não é o facto de haver padres pedófilos. É a percepção pública disseminada que os pedófilos foram continuamente protegidos pela hierarquia católica durante décadas a fio. E isso, percebe-se que não há qualquer vontade em mudar.

ATENTADOS DAS BRIGADAS REVOLUCIONÁRIAS CONTRA TRÊS INSTALAÇÕES MILITARES

10 de Março de 1973. A partir do fim da tarde do dia anterior (17H30), dão-se três atentados bombistas contra instalações militares urbanas em Lisboa. O edifício do Distrito de Recrutamento e Mobilização, na Avenida de Berna (17H30), o edifício do Quartel-Mestre-General, na Rua Rodrigo da Fonseca (18H30) e no edifício dos Serviços Mecanográficos do Exército, no Largo da Graça (03H50). Os atentados foram perpetrados - sabe-se hoje - pelas Brigadas Revolucionárias (Carlos Antunes/Isabel do Carmo) e causaram dois mortos e nove feridos. Os dois mortos eram os próprios activistas encarregues de colocar as duas primeiras bombas (na época ainda não havia bombistas suicidas...). A repercussão dos atentados foi grande, como se comprova pela extensa cobertura que a imprensa lhes deu. O terrorismo urbano contra o Estado Novo teve acções mais bem conseguidas e outras menos.

09 março 2023

MULTAS »PESADAS»... - O INSULTO À INTELIGÊNCIA DOS LEITORES QUE PENSAM

Chega a ser insultuoso para a nossa inteligência o descaramento como o Correio da Manhã se atreveu a considerar como pesadas as multas que o conselho de disciplina da federação portuguesa de futebol aplicou ao Futebol Clube do Porto. «Quase quatro mil euros» corresponde a 0,7% daquilo que o clube paga semanalmente ao plantel de jogadores. Mais: estas duas multas pesadas correspondem apenas a meio-dia do salário do jogador mais bem pago do plantel, o veterano Pepe. O Pepe, ou melhor, o seu ordenado, serve aqui apenas de referência para o peso da sanção. Numa indústria onde se fala sempre de milhões, tais valores irrisórios são uma paródia que obviamente não dissuadem ninguém a refrear o seu comportamento ou o dos seus adeptos. O mundo do futebol português é um comprovado esterco, falta é coragem à comunicação social para o denunciar por aquilo que é.

HOJE QUE CHOVE BEM...

...é que sentimos o som dos violinos do Inverno de Vivaldi nos vidros das janelas.

A TERCEIRA APOPLEXIA DE LENINE

9 de Março de 1923. Se a questão da saúde de Vladimir Lenine já constituía um tema nas altas esferas do poder soviético, a situação torna-se mais aguda, quando o líder sofre um terceiro Acidente Vascular Cerebral (AVC) em menos de um ano. Em 3 de Outubro, Lenine havia retornado ao trabalho, embora com funções limitadas, conforme fora autorizado pelos seus médicos. Este último episódio, depois de cinco meses em regime moderado, deixa-lo-á muito afectado, conforme se pode apreciar pela fotografia abaixo. E descarta quaisquer dúvidas que a sucessão em Moscovo se tornou um assunto premente.

08 março 2023

DUAS SEMANAS E MEIA DEPOIS, UMA REACÇÃO AO RETARDADOR

Um artigo da revista FLASH! desta tarde dá-nos conta da indignação do cançonetista Marco Paulo sobre uma referência acusatória que o comentador José Pacheco Pereira lhe fizera numa das suas crónicas semanais. Acima podemos ler o cabeçalho da notícia (aqui desenvolvida), a que acrescentei por baixo a passagem em causa, que se inseriu num artigo mais desenvolvido sobre os casos de pedofilia na igreja. A questão mais curiosa em tudo isto é que este último artigo já foi publicado há duas semanas e meia... Os mundos mediáticos em que evoluem Marco Paulo (Alô Marco Paulo) e José Pacheco Pereira (O Princípio da Incerteza) não se cruzam, não se tocam, nem se incomodam reciprocamente, e cria-se a suspeita de que terá sido preciso alguém ir expressamente junto de Marco Paulo para lhe provocar uma «reacção» que depois se tornasse nesta notícia.