31 janeiro 2022

(AS QUEIXAS SOBRE) O ABANDONO DA PRAIA DA ROCHA

31 de Janeiro de 1962. Uma notícia mais desenvolvida do Diário de Lisboa dá conta daquilo que o autor classifica por «abandono» da Praia da Rocha, uma queixa que se adivinha tornar-se tanto mais visível na época em que o artigo é escrito (fotografia superior), coincidindo com o Inverno e a ausência de qualquer actividade balnear. O apelo mais evidente que o artigo contém é para uma maior oferta de alojamentos hoteleiros de qualidade, que atenue de alguma forma a sazonalidade do turismo algarvio. E, para o reforçar, nem sequer falta ao artigo a tradicional evocação das amendoeiras em flor. A evolução do turismo algarvio ao longo dessa década de 60 também vai ser essa, mais vai ser sobretudo outra, como o sugere a fotografia colorida que acima publico em contraste com a anterior, datada de alguns anos depois, e de onde pretendo destacar o autocarro de passageiros como símbolo do turismo de massas. Mas vale a pena relembrar que ainda há 60 anos havia quem se queixasse do abandono a que estava votada a Praia da Rocha.

30 janeiro 2022

«BLOODY SUNDAY»


30 de Janeiro de 1972. Hoje completam-se cinquenta anos sobre os acontecimentos da Irlanda do Norte que vieram a ficar conhecidos pela designação de Bloody Sunday. O episódio, popularizado pela canção dos U2 de 1983 (acima), terá reunido tudo o que devia para se poder transformar num marco simbólico e sangrento da discriminação a que a comunidade católica minoritária da Irlanda do Norte se via então submetida: não foram apenas as mortes injustificadas (14), foram sobretudo os esforços posteriores do governo britânico para desculpabilizar a conduta dos soldados paraquedistas autores da chacina. Actualmente parece ter-se assentado numa análise simples e unidimensional das causas para o que aconteceu, com os algozes e as vítimas perfeitamente identificados, a que se adicionou uma revisão finalmente razoável dos factos, desmascarando os relatórios de cobertura originais, a que seguiu um pedido de desculpas formal por parte do primeiro-ministro britânico Cameron em 2010 que lhe terá valido alguns pontos de bónus nos índices de popularidade. Reviravoltas da história, agora há quem tenha de se dispor a defender publicamente a inoportunidade do julgamento dos militares envolvidos.
Ora, se houve algum ensinamento que se devia ter retirado daquilo que aconteceu há cinquenta anos, é que os responsáveis britânicos nunca deveriam ter recorrido o emprego de forças militares em substituição das desacreditadas forças policiais da Irlanda do Norte. Apesar destas últimas (conhecidas por RUC) serem reconhecidamente parciais (porque compostas por 92% de protestantes e apenas 8% de católicos), um erro não se deve corrigir com outro. E é um erro recorrente dos protagonistas políticos (que costuma sair muito caro em caso de azar), o de se considerar os militares como uma espécie de polícia musculada para missões especiais onde as polícias regulares falharam. É que, numa situação de aperto, como normalmente são as que exigem esse género de decisão, os decisores tendem a esquecer-se que a preparação tradicional dos militares (ao contrário da dos bombeiros, por exemplo), não inclui qualquer preocupação com o bem-estar do inimigo (antes pelo contrário...). E isso é um risco que se costuma pagar em sangue quando as situações se descontrolam. Mas, sobre esse risco político que correu mal, é improvável que assistamos ao mea culpa de David Cameron em nome dos seus antecessores…
A verdade é que o problema nuclear era, além de político, de cariz policial (o da sua neutralidade) e devia ter sido resolvido por forças policiais neutras vindas do resto do Reino Unido. Convém acrescentar que é precisamente para essas situações que existe a vantagem da existência de forças paramilitares, como serão os casos da nossa GNR, da Gendarmerie francesa ou dos Carabinieri italianos, cuja existência era, porém, estranha à tradição anglo-saxónica. Pode-se hoje especular se, naquelas circunstâncias e naquele dia, um destacamento de uma hipotética força paramilitar teria tido um desempenho menos sangrento do que o dos paraquedistas, uma unidade de combate de elite do exército britânico. A intuição induz-nos a acreditar que sim, mas torna-se impossível de comprovar essa impressão. O que já se torna evidente é que, depois disso, os sucessivos governos britânicos não consideraram útil a criação de uma unidade com essas características para eventualidades semelhantes. É por isso que, se se repetirem os distúrbios que tiveram lugar em todo o Reino Unido em Agosto de 2011 (abaixo) e a polícia dessa vez não conseguir controlar a situação, é garantido que se tornará a ver a nata dos combatentes do exército britânico a perseguir de arma em punho os saqueadores… E adivinhe-se lá quem vai ficar com as culpas das mortes se elas se tornarem impopulares?...
(Republicação de um texto de 2014)

29 janeiro 2022

AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE HÁ CEM ANOS

A 29 de Janeiro de 1922 também houve eleições legislativas em Portugal. O espaço dedicado ao assunto pelos jornais é que era substancialmente menor. As notícias associadas ao acto eleitoral nem chegavam para preencher completamente uma das doze páginas da edição, onde até sobrava espaço para dar conta que, devido à acumulação da neve, abatera o telhado de um «animatógrafo» na cidade de Washington d.C., um desastre que provocara até à ultima contagem, «87 mortos e mais de 100 feridos». Sobre a contagem dos votos é que se sabia bastante menos.

NÃO VALE TUDO EM POLÍTICA (NEM NO JORNALISMO)!

Esta imagem de ontem, com Pedro Santana Lopes a «agarrar-se» às últimas acções de campanha do PSD (e com a comunicação social, sempre prestável, a «agarrar-se», por sua vez, ao «agarranço» de Pedro Santana Lopes), representa a política num dos seus aspectos mais abjectos, quando desprovida de quaisquer escrúpulos e de uma aparência mínima de dignidade. O Aliança, o partido unipessoal que Pedro Santana Lopes fundou há três anos com a ajuda de uma data de papalvos ainda estrebucha apresentando-se ao acto eleitoral de dia 30. São os mais estúpidos entre os muito estúpidos, mas Santana Lopes podia mostrar um mínimo de respeito pela indigência mental dessas pessoas que levou atrás de si.

O APARECIMENTO DA EXPRESSÃO «EIXO DO MAL»

29 de Janeiro de 2002. No seu discurso do Estado da União dirigido às duas câmaras do Congresso, o presidente George W. Bush emprega pela primeira vez a expressão «Eixo do Mal» (axis of evil no original). Na altura, o presidente identificou quem o compunha: a Coreia do Norte, o Irão e o Iraque. No entanto, ao contrário do Eixo da Alemanha, Itália e Japão da Segunda Guerra Mundial, onde a expressão se inspirara, nos vinte anos entretanto decorridos depois daquele discurso nunca se conseguiu explicar de que forma é que aqueles três países - Coreia do Norte, Irão e Iraque - se articulavam de forma concertada entre si para actuarem no panorama internacional como um eixo. Talvez porque no caso mais antigo se tratasse de uma verdadeira aliança funcional entre os três países e no segundo caso, o do século XXI, se tratasse apenas de uma expressão com ressonância, mas desprovida de significado.

28 janeiro 2022

NÃO HÁ NINGUÉM QUE EMPRESTE UMA «USHANKA» À CÂNDIDA PINTO?

Aparentemente há confusão entre a Rússia e a Ucrânia e, na RTP, mandaram para o local (Kiev) a jornalista mais especializada em confusões que eles lá tinham: Cândida Pinto. A surpresa consiste no facto de que a enviada aparece agora nas suas reportagens sem envergar nada na cabeça, ao contrário do que nos habituara quando das suas outras reportagens por países beligerantes africanos, ao serviço da SIC. A questão é tanto mais pertinente quanto, ao contrário do que acontecia em Bengazi (na Líbia, foto superior da esquerda), onde o calor tornaria aquele capacete desconfortável, qualquer coisa que aqueça as orelhas será bem acolhido sob as noites frias do inverno de Kiev (máxima: 3º C!). Cheguei a perguntar-me se não seria uma política do canal (RTP) não permitir tais adereços para jornalistas destacados, até me lembrar do veterano (daquelas paragens) Carlos Fino que, no pino do inverno moscovita, não dispensava aparecer de ushanka na cabeça. Agora a sério: se na SIC houve verba para lhe comprar aquele penico branco ridículo que ela usava na cabeça, por maioria de razão vejam lá pela RTP se não lhe arranjam dinheiro para uma coisa que vai dar muito jeito à Cândida Pinto, especialmente se houver mesmo guerra (a previsão meteorológica para os próximos 15 dias para a região de Carcóvia).

«...O ESPLENDOR DE PORTUGAL...»

28 de Janeiro de 1982. O desfecho desta tentativa acima - como se percebe, gorada - de bater um daqueles recordes do Guiness - no caso, de dança - diz-nos imenso sobre as virtudes e defeitos da nossa sociedade. O empenho e a dedicação em lugar de destaque. Mas acompanhadas da maior negligência nos cuidados relativos à organização. No caso, só depois de todo o esforço despendido pelo concorrente António Gomes a dançar por mais de 100 horas, é que alguém com uma compreensão mínima de inglês terá dado uma vista de olhos ao regulamento dos recordes daquele livro, para só aí descobrir que o objectivo fora mal definido (havia várias categorias de dança e o record que se usara como referência já fora entretanto batido) e quais eram as regras de descanso (mais restritivas do que as que haviam sido praticadas pelo concorrente). Todo o esforço deste fora, desde o princípio, para nada. Porém, se atentarmos no conteúdo da notícia, toda esta incompetência é noticiada com uma condescendência impressionante, como se a (péssima) organização da tentativa fosse um detalhe. Parece ser uma questão cultural inerente à própria condição de se ser português: é desaconselhado criticar a estupidez quando ela é bem intencionada. A única situação em que podemos ver a comunicação social portuguesa a criticar e pedir satisfações por causa de exemplos de incompetência é aos treinadores de futebol - e aí é um excesso para o outro lado...

27 janeiro 2022

POR UMA VEZ, VEMOS O COMENTADOR LUÍS MARQUES MENDES A FALAR SOBRE UM ASSUNTO QUE ELE CONHECE NA PRÁTICA...

...sobre os outros já se sabe que, para além das intrigalhadas, ele normalmente não percebe nada do assunto.

O SALDO DO «GRANDE SALTO EM FRENTE»

Em 11 de Janeiro de 1962, tinha tido início uma importantíssima conferência política no Grande Salão do Povo em Pequim.A conferência contava com a presença de mais de 7.000 funcionários do partido, vindos de todo o país, e ficou conhecida precisamente por essa designação: a Conferência dos Sete Mil Quadros. O seu propósito principal era a avaliação dos resultados do Grande Salto em Frente, uma campanha para o incremento da produção agrícola e industrial, fomentada a partir de 1958 por Mao Zedong. O resultado, é hoje inequívoco, foi um colossal fracasso: em vez dos esperados aumentos de produção, e um pouco à semelhança do que acontecera na União Soviética nos anos 30, a China também sofreu uma Grande Fome, que provocou a morte de milhões. O isolamento da China - que entretanto rompera com a União Soviética - fazia com que estes factos - graves - fossem na altura desconhecidos do resto do Mundo, mas fossem perfeitamente conhecidos daquela elite de 7.000 quadros que quotidianamente acompanhava os trabalhos da conferência. Havia responsáveis, sobretudo o presidente Mao. Há precisamente 60 anos (27 de Janeiro de 1962) subia à tribuna para discursar Liu Shaoqui que, apesar de ser o presidente da República Popular da China e a pessoa a quem competia apresentar formalmente o relatório, era apenas o nº 2 da hierarquia comunista, atrás do inevitável (presidente) Mao Zedong. O discurso de Liu Sahoqi irá durar três horas - completamente ao estilo das coreografias comunistas! O discurso não contém ataques directos a Mao, algo que seria impensável naquelas circunstâncias, mas a análise detalhada que o orador faz não deixa dúvidas quanto à sua avaliação dos resultados das políticas maoistas. Na província de Hunão, são os próprios camponeses que atribuem as suas dificuldades «a 30% de causas naturais e a 70% de causas provocadas pela acção humana». Essa foi uma passagem que gerou as primeiras reacções desconfortáveis entre a (enorme) audiência. Mais adiante, Liu irá recuperar uma das muito conhecidas expressões de Mao, «nove dedos contra um», que este último empregava regularmente para se referir à proporção entre sucessos e insucessos, menorizando os segundos. «No geral, os nossos sucessos têm sido primordiais, os fracassos e erros ocupam apenas um lugar secundário. Imagino se se poderá dizer, em termos gerais, se a proporção de sucessos para fracassos terá sido de sete para três, embora cada região seja diferente. Um dedo para nove dedos é uma regra que não se aplica em todo o lado. Há muito poucas regiões em que os erros sejam equivalentes a um dedo e os sucessos equivalentes a nove.» Aqui Mao interrompeu Liu, visivelmente aborrecido: «Não foram assim tão poucas regiões: por exemplo em Hebei só em 20% das regiões é que houve um decréscimo da produção e em Jiangsu 30% das regiões aumentaram a sua produção ano após ano!» Mas Liu não se intimidou e prosseguiu o seu discurso-relatório: «Em geral, não se pode dizer que tenha sido apenas um dedo, mas antes três, e em certos locais foram mesmo mais, por exemplo na região de Xinyang (Honão) ou na de Tianshui (Gansu).» E quem é que havia que responsabilizar por aquele desastre? O sentido do discurso de Liu era inequívoco: na direcção central do partido, incluindo-o a ele. Mais do que isso, Liu tentou aplacar a mais que percebida irritação de Mao, deferindo a definitiva avaliação dos resultados do Grande Salto em Frente para daí a cinco ou dez anos. E, num outro discurso dessa conferência, foi o primeiro-ministro Zhou Enlai que tentou absorver para si as responsabilidades daquilo que correra mal: «Foi um erro meu. (...) Aliás, muito daquilo que ocorreu de mal nestes últimos anos aconteceu precisamente quando contrariámos a linha geral (do partido) e as preciosas instruções do presidente Mao». Tratava-se de uma tentativa óbvia de estabelecer uma ligação entre as avaliações - e as posições políticas - distintas de Mao Zedong e de Liu Shaoqi. Nesta fotografia abaixo dos trabalhos da conferência, podemos ver os três: da esquerda para a direita, Mao Zedong, Liu Shaoqi e Zhou Enlai. Ao arrepio do que era a tradição fotográfica dos comunistas chineses, mitificando o Grande Timoneiro, os três homens até são apresentados em pé de igualdade.
Como facilmente se depreenderá e porque todos os ditadores não aceitam destas críticas públicas à sua actuação, que eles assimilam a desafios à sua autoridade, quando da eclosão da Revolução Cultural, Liu Shaoqi veio a pagar amargamente todas as críticas que havia endereçado a Mao neste seu discurso de há precisamente 60 anos...

26 janeiro 2022

O «SÁBADO NEGRO» NO CAIRO

26 de Janeiro de 1952. Ocorreram motins por toda a cidade do Cairo, conhecidos posteriormente pela designação de Sábado Negro (ou em árabe: حريق القاهرة). A sua eclosão costuma ser justificada por um grave incidente ocorrido na cidade de Ismaília (junto ao Canal do Suez) no dia anterior, em que tropas da guarnição britânica de protecção ao Canal se comportaram com uma prepotência inaceitável para com a polícia egípcia, num claro caso de confronto entre as duas soberanias. Do tiroteio entre as duas força teriam resultado 50 mortos entre os egípcios (um número provavelmente muito empolado), mas o sentimento de humilhação dos egípcios, esse era mais do que transparente. Estes distúrbios de há 70 anos, começaram a partir do princípio da tarde do dia seguinte, um Sábado. Caracterizaram-se pelo saque e incêndio de um vastíssimo conjunto de centenas de estabelecimentos comerciais do Cairo que pertenciam a europeus, especialmente britânicos: grandes magazines, hotéis, escritórios, cinemas, cafés, restaurantes, bares e clubes. Como se pode apreciar nas imagens abaixo, quase tudo foi destruído. Mas a selectividade dos alvos e o oportuno desaparecimento das autoridades policiais sugere que a operação havia sido planeada de antemão, embora permaneça até hoje quem foram os responsáveis por o ter desencadeado e com que cumplicidades contaram. Por volta das 23H00 e com imensos incêndios a grassar pela cidade, o motim terminou. Haviam morrido 26 pessoas, entre as quais 9 britânicos, o que, mais uma vez e em função da dimensão dos desastres materiais, sugere que a acção foi orientada para causar um mínimo de desastres pessoais. Também ninguém foi preso. Por causa das circunstâncias descritas, melhor do que o jornal do dia, é o do dia seguinte (acima) que melhor dá conta dos acontecimentos. Por causa destes tempos, em que eles se comportaram como verdadeiros estupores, é que os britânicos mantêm, ainda hoje, uma péssima reputação em muitos países do Médio Oriente (aqui é o Egipto, mas também o Irão, o Iraque ou ainda o Afeganistão), um pormenor histórico que é frequentemente esquecido quando das análises internacionais.

25 janeiro 2022

A MORTE DE MIKHAIL SUSLOV, O «NERD» DO SOCIALISMO SOVIÉTICO TARDIO, E OUTRAS CONTRADIÇÕES DO MARXISMO-LENINISMO

Esta é uma publicação compósita, resultante da junção de duas, embora o facto que as une seja o falecimento há precisamente quarenta anos - 25 de Janeiro de 1982 - de Mikhail Suslov, a eminência parda ideológica da era Brejnev na União Soviética. Mas, para explicar melhor esse assunto e quem foi Suslov, recuperei um texto que aqui havia publicado anteriormente (mais abaixo). Esta outra primeira parte do texto refere-se mais especificamente à data do falecimento, e à notícia que - com destaque de primeira página (acima à esquerda) - o Diário de Lisboa obviamente dá ao assunto. Aquilo que terá escapado, porventura, aos leitores do jornal, é que, naquele mesmo dia do falecimento de Suslov, o jornal publicava esta notícia abaixo, em que, de Pyongyang, na Coreia do Norte, regime reputado pelo seu socialismo, se «confirmava» que o sucessor de Kim Il Sung iria ser o seu próprio filho. Com um descaramento aldrabão de um marxismo-leninismo que talvez orgulhasse o defunto, o artigo dedicava um prolongado parágrafo a explicar que aquela sucessão era «ao contrário das monarquias»!... Ligando os dois assuntos, era um bom momento para especular o que é que a interpretação das aprofundadas leituras de Mikhail Suslov sobre o legado teórico de Marx, Engels, Lenine e outros, poderia ter para nos dizer...


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Há personalidades da nossa história moderna, feita de imagens, que se tornaram marcantes por termos ouvido falar delas muito antes de as conhecermos. Foi o que me aconteceu com Mikhail Suslov (1902-1982), reputado por ter sido a eminência parda por detrás do Kremlin durante os dezoito anos da Era Brejnev (1964-1982), e que só vim a conhecer em fotografia muitos anos depois da sua morte. Talvez para compensar, incluí neste poste três fotografias suas tiradas em décadas distintas, 1950, 1960 e 1970.
A mais antiga parece-me ser a mais genuína, onde os óculos mais acentuam a sua imagem de teórico e ideólogo nas altas esferas do Partido, apoiando a ascensão ao poder de Nikita Khrushchov (1954-56), protagonizando o afastamento do Marechal Jukov sob acusações de bonapartismo (1957), desempenhando um papel com tanto de importante quanto de obscuro quer na Cisão Sino-Soviética (1960) como, sobretudo, nas manobras de bastidores que levaram à substituição de Khrushchov por Leonid Brejnev (1964).
Depois disso, Mikhail Suslov, acima fotografado já sem óculos, para lhe dar uma pose mais parecida com um homem de estado, tornou-se na prática na segunda pessoa mais poderosa da hierarquia soviética, com uma selecta rede de contactos e protegidos, onde se contavam russos como Yuri Andropov, que viria a ser o sucessor de Brejnev, e estrangeiros como Álvaro Cunhal que excepcionalmente – considerando o seu carácter… – permitia que em Portugal o PCP desse divulgação a essa relação de favoritismo.
O clã dominante envelheceu no poder. Mikhail Suslov recebeu por duas vezes a distinção de Herói do Trabalho Socialista, que era a mais importante condecoração civil da União Soviética. Respeitado intelectualmente e tido como incorruptível mas, ao mesmo tempo, como profundamente conservador, apesar de ser extremamente discreto, sempre foi um dos dirigentes soviéticos favoritos dos sovietólogos, especialistas do período da Guerra-Fria que, no Ocidente, faziam vida da interpretação dos sinais vindos do Kremlin…
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A PIRUETA DE CAMPANHA DO PS

Uma tal pirueta de campanha é razão para que se torne tema deste blogue. Esta guinada no discurso de António Costa foi de tal modo brusca, acentuada e exuberante que, até órgãos de informação e jornalistas tradicionalmente benévolos para com as cores socialistas, não podem senão dar conta do acontecimento de uma forma surpreendida. Porém, já que estamos «no Carnaval, ninguém leva a mal» - e o acontecimento é aliás profusa e adequadamente ilustrado com António Costa acompanhado de um careto, uma fotografia a guardar com a do camuflado de André Ventura. Mas, confesso que saber se este expediente terá tido algum efeito eleitoral (caso ele se possa detectar), é mais um factor a ampliar a minha curiosidade em saber qual o desfecho das eleições do próximo Domingo.

O AFUNDAMENTO DO NAVEMAR

25 de Janeiro de 1942. O afundamento do cargueiro espanhol Navemar no Atlântico distinguia-se de tantos outros navios afundados quotidianamente naqueles tempos de guerra por se tratar de um navio de um país neutral. Algum dos beligerantes fizera asneira. Mais do que isso, a divulgação dada por Madrid ao acontecimento devia-se ao facto de que o suspeito pelo afundamento havia sido um submarino - «tudo leva a crer» - inglês. A ser verdade, os britânicos estariam numa situação desconfortável, algo que, apesar das perdas humanas e materiais registadas pelos espanhóis, não desagradaria de todo ao regime franquista, para o aproveitar diplomaticamente. Mas a situação rapidamente se veio a esclarecer, porque afinal, e ao contrário do que consta da notícia, quase toda a tripulação havia sobrevivido (34 dos 36 tripulantes), haviam sido resgatados por um outro navio espanhol (o Isla de Tenerife) que passava naquelas paragens. Mais complicado: o autor do afundamento havia sido um submarino italiano, o Barbarigo. Franco devia muito a Mussolini por causa do apoio que recebera durante a Guerra Civil de Espanha. Este interesse espanhol inicial em dar a maior publicidade possível ao acontecimento, as queixas que se poderiam suscitar caso a culpa tivesse sido dos ingleses, desapareceram como que por encanto!

24 janeiro 2022

«A VIDA DOS PRESOS DA CADEIA NACIONAL» (a comparar com a vida do preso da cadeia internacional...)

Por coincidência, a edição de 24 de Janeiro de 1932 do Diário de Lisboa continha uma desenvolvida reportagem ilustrada sobre a condição dos presos da «Cadeia Nacional», um tema tornado tão mais oportuno com a recente divulgação dada pela comunicação social às queixas de João Rendeiro às condições da cadeia da África do Sul onde se encontra preso, perante o desdém das redes sociais. De quando em vez, as condições dos presos preocupa os jornalistas portugueses. Contudo, neste caso concreto de João Rendeiro e como aliás já aqui lembrei, não há assim tantas razões para nos condoermos do preso. Ele há razões para que um veterano deste mesmo jogo de escondidas com a justiça portuguesa, como será o caso de João Vale e Azevedo, um escroque veterano, escrevia, quando joga às escondidas, fá-lo num país civilizado como o Reino Unido. Pode ser mais arriscado, mas é mais salubre em caso de se ter azar...

23 janeiro 2022

«O QUIRINALE NÃO É UM BUNGA BUNGA»

Aparentemente, Silvio Berlusconi terá finalmente desistido da sua intenção de concorrer à presidência em Itália. Isso apesar dos seus 85 anos e do seu percurso assaz controverso (para dizer o mínimo...) da carreira empresarial na comunicação até à política. Numa analogia que, não sendo impecável, é pelo menos aceitável considerando a controvérsia que envolve as pessoas, esta candidatura de Berlusconi teria sido como conceber a ideia de vermos Jorge Nuno Pinto da Costa (84 anos) a concorrer à presidência em Portugal. Uma intenção tão mais simplificada quanto em Itália o presidente é eleito por um colégio eleitoral e não por sufrágio universal como por cá. Haveria quem gostasse,.. e há quem deteste, como aqueles que andaram a distribuir estes folhetos acima, clamando que «o Quirinale (o palácio presidencial) não é um bunga bunga (as famosas festas bacanais que Berlusconi organizava quando primeiro ministro).

UMA NOTÍCIA SOBRE AL CAPONE, QUE IRIA MORRER «CURADO»

23 de Janeiro de 1947. Uma notícia, oriunda de Miami na Florida, dava o famoso gangster Al Capone como «livre de perigo completamente», depois de ter tido «uma apoplexia» que o fizera estar «em coma durante 16 horas». Não haviam «surgido quaisquer complicações». Para contrariedade do prognóstico do dr. Kenneth Phillips, e desconhecido dos leitores, estava o facto futuro que, às primeiras horas do dia 25, o célebre gangster de Chicago nos tempos da Lei Seca iria falecer de uma paragem cardíaca na sequência de um AVC. Acabara de fazer 48 anos. Ele há notícias que mais vale a pena esperar um bocadinho antes de as dar.

22 janeiro 2022

VI ESTE VÍDEO NOUTRO SÍTIO E OCORREU-ME...

...que o nível da comunicação nas redes sociais nos obriga a, por vezes, conversar sobre os temas a níveis assustadoramente elementares, nomeadamente, e recorrendo ao exemplo acima, a ter que explicar a alguns interlocutores que Guilherme Tell tinha alguns outros predicados tão importantes quanto a pontaria...

A MORTE DO PAPA BENTO XV

22 de Janeiro de 1922. O papa Bento XV morre um pouco inesperadamente (de pneumonia) aos 67 anos. Embora não se tratasse do primeiro papa a falecer no século XX (já acontecera com Leão XIII em 1903 e Pio X em 1914), este é o primeiro caso em que o acompanhamento noticioso vem demonstrar o elevado interesse mediático do processo de morte e sucessão (através das eleições secretas do colégio de cardeais) dos pontífices romanos. Mesmo num Portugal onde as relações institucionais com a Santa Sé estavam muito longe de ser as melhores, a morte de Bento XV merecia, de um jornal alinhado como o Diário de Lisboa, o destaque e a simpatia que acima se podem apreciar.

21 janeiro 2022

SE CALHAR, TERIA FICADO MAIS BEM INSTALADO NA PRISÃO DA CARREGUEIRA, NÃO SERIA?

A GREVE GERAL DOS TRANSPORTES URBANOS DA GRANDE LISBOA

21 de Janeiro de 1982. Dia de um embate frontal entre o governo de direita da AD e o PCP, através do seu braço sindical. A prova de força dos comunistas consistia em paralisar de forma concertada todos os transportes urbanos da região da grande Lisboa (a Carris e o Metro naquele dia, a que se juntaria no dia seguinte, a Transtejo e a Rodoviária Nacional) e paralisar assim, por efeito de arrastamento, uma data de outras actividades cujos trabalhadores se veriam impedidos de comparecer no local de trabalho. Para o evitar, o governo preparou todo um sistema de transportes alternativos, cuja descrição abrangia duas páginas inteiras de publicidade (paga, assinaladas a cor de laranja) do Diário de Lisboa daquele mesmo dia. Em contrapartida, a página inteira de publicidade de resposta, a considerar que as «Alternativas do Governo não merecem confiança dos utentes» terá saído completamente de borla aos sindicatos e aos comunistas.

20 janeiro 2022

A CONFERÊNCIA DE WANNSEE

20 de Janeiro de 1942. Começa em Wannsee, nos arredores de Berlim, uma discreta (mas importantíssima) conferência a que compareceram quinze (também discretos) funcionários de diversos departamentos da administração do III Reich. Tratava-se de uma conferência que se destinava a implementar e coordenar as soluções práticas para a prossecução daquilo que fora anteriormente decidido e designado, ainda que eufemisticamente, como a solução final da questão judaica (endlösung der Judenfrage, no alemão original), ou seja, o extermínio da população judaica de toda a Europa. Na fotografia acima, exibe-se o local. Embora, na sua quietude bucólica, ele não impressione como os fornos crematórios dos campos de extermínio, ele reveste-se de um simbolismo equivalente senão mesmo superior do que representou o Holocausto, embora seja muito menos conhecido e visitado. No mosaico intermédio, as fotografias dos quinze participantes na conferência. 
Com excepção de Reinhard Heydrich, Adolf Eichmann e, eventualmente, Roland Friesler (os três da coluna da esquerda por essa ordem), todos os restantes são completos desconhecidos, mesmo daqueles que se considerem conhecedores do tema e das personalidades associadas à Segunda Guerra Mundial. Depois do local e dos participantes, na última imagem temos a tarefa, consubstanciada na lista, apresentada naquela reunião, dos efectivos da população judaica da Europa. A lista está dividida em dois grupos. Na rubrica A, a começar pela Alemanha (Altreich) e pela Áustria (Ostmark) estão os países sob controlo directo do III Reich; na rubrica B, os países que estavam fora desse controlo, onde se incluíam tanto inimigos, como neutros (como Portugal) e os aliados da Alemanha. No total, lê-se abaixo, mais de onze milhões de judeus. Prova da eficácia organizativa alemã, dali por um pouco mais de três anos, cerca de metade haviam sido exterminados.

HOJE É O «PENGUIN AWARENESS DAY»!

Eu estou - e concordo que todos temos que estar - muito conscientes da importância dos pinguins!

19 janeiro 2022

DOIS TÍTULOS HISTÓRICOS DA IMPRENSA FRANCESA

19 de Janeiro de 1972. Por coincidência, nesse dia, dois jornais reputados da imprensa francesa publicaram títulos que, qualquer um deles, se veio a tornar famoso a respeito de assuntos que até eram completamente distintos. Por um lado, o jornal de direita «L'Aurore» anunciava que havia sido identificado o paradeiro de Klaus Barbie, que se celebrizara em França como torcionário, ao dirigir a Gestapo da cidade de Lyon durante o período da Ocupação (1942-44). Embora procurado para ser julgado depois do fim da guerra e, como aconteceu com tantos outros antigos oficiais das SS, Klaus Barbie desaparecera, para agora aparecer em Lima, no Peru, América Latina, sob um nome suposto (tal qual o que acontecera com Adolf Eichmann). A pergunta (pertinente) que o L'Aurore adicionava ao anúncio da descoberta era sobre o que seriam as intenções do governo francês quanto ao gesto de pedir a extradição do fugitivo. Por outro lado e no mesmo dia, quarta-feira, o semanário satírico de esquerda Le Canard Enchaîné publicava as declarações de impostos (1967-70) do primeiro-ministro Jacques Chaban-Delmas. Pela sua leitura se percebia que, recorrendo a uma apurada engenharia fiscal, o inquilino do Matignon pagara apenas 16.800 francos de impostos sobre os seus 250.000 francos de rendimentos (ou seja, uma taxa efectiva de 6,7%). Pela comparação entre as duas notícias também se percebe a diferença entre estilos de jornalismo. A do L'Aurore tem, a prazo, muito mais significado histórico: Barbie só será extraditado (da Bolívia) em 1983, julgado e condenado a prisão perpétua até à sua morte em 1991. A do Le Canard Enchaîné percebe-se que foi uma fuga selectiva e presta-se a muito mais especulações intrigas dos observadores. O alvo, Jacques Chaban-Delmas, não conseguiu sobreviver politicamente ao teor das revelações, vindo a demitir-se dali por seis meses.

SOS LAMORICIÈRE!

O naufrágio do Lamoricière verificou-se a 9 de Janeiro de 1942. Ao contrário do que se depreende da narrativa acima, o número de sobreviventes foi de 93, embora tivessem perecido 301 pessoas naquele naufrágio, a que há que adicionar as 20 vítimas resultantes do afundamento do cargueiro Jumièges, que o Lamoricière pretendera inicialmente salvar. Abaixo pode ler-se a notícia sobre o naufrágio publicada no Diário de Lisboa a 11 de Janeiro.

FILMES KODAK, PARA MAIS TARDE RECORDAR...

19 de Janeiro de 2012. Depois de quase 120 anos, a empresa norte-americana Eastman Kodak Company (conhecida mundialmente pela sua marca comercial Kodak, que se tornara quase num sinónimo de fotografia) apresenta um pedido de protecção contra a falência, no Tribunal de Falências dos Estados Unidos. Para sobreviver, a Kodak teve que descartar toda uma linha de produtos que a haviam tornado famosa e concentrar-se em novas tecnologias. Este anúncio abaixo, datado de 1991, com o slogan Kodak. Marca para sempre, é para ser apreciado a esta distância com a devida ironia...

18 janeiro 2022

OS ESTÁGIOS E A FALTA DE ESTAGIÁRIOS

Este é um exemplo flagrante daqueles artigos expressamente estruturados para fomentar a indignação do leitor. O título sugere algo que a autora reserva para o último parágrafo uma provável explicação sobre o que aconteceu: os estágios excluem expressamente a possibilidade de serem uma fase inicial de uma carreira, o que, reconheça-se, é um poderoso factor de desinteresse para os «jovens licenciados» a quem os estágios se destinam. Como se pode ler no subtítulo, as «vagas (110) transitam para 2022, somando-se aos 1000 lugares (...) disponibilizados na segunda edição do programa». Não arrisco muito ao prever que, no final desta «segunda edição do programa», vão ficar ainda mais outras centenas de vagas por preencher. Mas a culpa nunca será do programa, por estar mal configurado: é da preguiça...

A MINHA CONDECORAÇÃO POR UM AUTOMÓVEL

«Edimburgo, 18 (de Janeiro de 1962). David Hunter, que ganhou a "Victoria Cross" - a mais alta condecoração britânica por actos de bravura, em França, em 1918, pretende hoje vendê-la para comprar um automóvel que substitua o velho que tem e que não conseguiu passar a prova de estrada para carros com mais de dez anos, que recentemente se tornou obrigatória por decreto governamental. Hunter decidiu por á venda a "Victoria Cross" após ler que a viúva de um sargento da Força Aérea publicara um anúncio no jornal propondo a venda da "Victoria Cross" que o seu falecido marido ganhara, a fim de conseguir fundos para montar um salão de cabeleireiro.» Mais de quarenta anos depois do acto, o herói prefere trocar o galardão do seu heroísmo por algo de mais substantivo e que lhe seja mais útil. À semelhança de Ricardo III, a quem Shakespeare na sua peça homónima pôs a clamar desesperadamente por um cavalo (O meu reino por um cavalo), aqui é um sargento escocês que se dispõe a vender a sua muito restrita condecoração por um carro. Tão restrita que a wikipedia costuma conter uma página de cada um dos condecorados com a "Victoria Cross". Como é o caso (acima, à direita) desta do antigo sargento David Hunter. Como seria de esperar e comprovando que a wikipedia, contendo imensa informação, tem que ser consultada com as ressalvas de nem sempre incluir toda a informação interessante, este episódio do leilão da condecoração à troca de um carro que ande não aparece lá referido.

17 janeiro 2022

NUMA BANAL SEGUNDA-FEIRA DE JANEIRO DE 1972... A ESTREIA DE «OS PEQUENOS VAGABUNDOS»

Esta página, da revista Rádio & Televisão da edição de 17 de Janeiro de 1972, que foi retirada deste blogue, que continua na sua tarefa benemérita de matar saudades aos mais nostálgicos como eu, contém um pormenor que a torna um documento histórico para uma certa geração: anuncia (no canto inferior direito) aquela que seria a estreia televisiva em Portugal da série belga Os Pequenos Vagabundos (Les Galapiats), que estava destinada a ser um estrondoso sucesso e a ter inúmeras repetições…
Depois, para os velhotes que se quiserem deprimir e descobrir como a memória já os atraiçoa, podem dar uma vista de olhos à coluna do lado esquerdo e descobrir como era o paupérrimo conteúdo da programação televisiva da RTP num banal dia de semana em 1972 com 2 – Canais – 2. Note-se como o Telejornal era às 21H30 (igual e simultâneo para os dois canais) e que às 23H40, imediatamente antes da bandeira (encerramento da emissão) havia uma rubrica indescritível chamada Meditação.

16 janeiro 2022

«REFRESCANDO» A OPINIÃO SOBRE A QUALIDADE DOS PARTICIPANTES DE PROGRAMAS DE OPINIÃO

Ontem, depois de almoço, vim no carro a ouvir um daqueles programas de opinadores, este na Antena 1 com Carlos Coelho, Nuno Severiano Teixeira e Maria Flor Pedroso. Calhou. Estiveram a apreciar as prestações dos dirigentes políticos durante os debates, um por um, partido por partido. E reparei que todos os três "se conseguiram esquecer" de Inês Sousa Real nessa apreciação. (adenda: podemos ouvir essa passagem do esquecimento colectivo accionando este link, a partir dos 12:25) O que diz imenso sobre a "ressonância" que o PAN tem nestes meios que procuram, sem o admitir claramente, formar as opiniões alheias. E o preconceito, apesar dos 175.000 votos recebidos e dos 4 deputados eleitos pelo PAN nas eleições de 2019. Mas também diz muito sobre o rigor e a "qualidade" como os participantes se empenham naquela tarefa de «mais análise do que opinião, mais explicação», nos dizeres que apresentam (acima) o programa. Uma vez por outra vale a pena refrescar a opinião porque não vale a pena ouvir estas programas...

A ELEIÇÃO DE VINCENT AURIOL COMO O PRIMEIRO PRESIDENTE DA IV REPÚBLICA FRANCESA

16 de Janeiro de 1947. Eleição (pelo parlamento) do socialista Vincent Auriol como primeiro presidente da IV República francesa. Desde a libertação de França, no Verão de 1944, portanto dois anos e meio antes, que a França nunca tivera um chefe de Estado formalmente empossado (de Gaulle e os seus três sucessores haviam-no sido a título provisório). Apesar de um desejo professo para que isso não voltasse a acontecer, as estruturas políticas delineadas pela Constituição da IV República francesa vão manter as características de instabilidade política que haviam sido típicas durante a III República: obviamente não se sabia então, mas ao longo dos sete anos (1947-54) em que Vincent Auriol ocupará o palácio do Eliseu, suceder-se-ão 18 governos encabeçados por 11 primeiros-ministros diferentes.

15 janeiro 2022

«O FOSSO...»(2)

A notícia acima é de 3 de Janeiro de 2021 (assinalei o seu aniversário aqui no Herdeiro de Aécio como alerta e preparação para o que previa que aí viria com a campanha eleitoral). A notícia abaixo é de hoje, 15 de Janeiro de 2022. O jornal - não por acaso - é o mesmo: Diário de Notícias. E a ideia também: dar da situação uma imagem de superioridade tal - 13 pontos, 14 pontos - que dê a vitoria do PS como definitiva. Note-se que, desta vez, aquilo em que «Costa supera Rio» é uma coisa assim a dar para o inédito: «o potencial de voto». Não se percebendo lá muito bem do que se trata pela explicação do subtítulo («mercado eleitoral»?), retira-se dali pelo menos a frase: «mas ambos têm margem para chegar em primeiro». Contudo o título principal dá a ideia completamente oposta: a de que Costa tem um tal avanço que as eleições estão ganhas para o PS. É o tal fosso...da propaganda descarada.

A CORAGEM

Este notabilíssimo cabeçalho do Diário de Notícias e esta entrevista a José Maria Ricciardi completam hoje 10 anos. Na época entendi coragem num certo sentido, tanto mais que o governo tomara posse cerca de seis meses antes. Hoje confesso que perdi as certezas a que coragem se estaria Ricciardi a referir. Ou então seria o próprio autor da frase que andava enganado. Enfim, a frase continua com ressonância, não sei é se já então tinha substância.

A BATALHA DO MAR DE ARAFURA

Para explicar os antecedentes desta pequena batalha naval de há 60 anos, convém frisar que, quando a Indonésia alcançou a independência em 1949 (assinalado no mapa acima a vermelho), o novo país, apesar de ameaçado por diversos movimentos separatistas (Aceh, Molucas), possuía, ainda assim, ambições territoriais em direcção a três colónias vizinhas. A Malásia (assinalada a cor de laranja), pela qual a Indonésia chegou a travar um conflito intermitente na ilha de Bornéu com os britânicos entre 1962 e 1966; Timor (assinalado a verde) que os indonésios ocuparam em 1975 a pretexto do vácuo da autoridade portuguesa e que tiveram de desocupar quando finalmente organizaram um referendo que não perceberam que lhes iria correr muito mal(1999); e finalmente a Nova Guiné Ocidental (assinalada a azul claro), colónia holandesa adjacente mas independente da Indonésia, que aqueles continuaram a administrar depois de 1949 e pela qual se travou esta batalha naval do Mar de Arafura.
A Nova Guiné era em 1949 (e continuava a sê-lo em 1962) um dos sítios mais recônditos do mundo, a segunda maior ilha do Mundo com 786 000 km², um clima inóspito e uma população (especialmente no interior) sobre a qual se sabia muito pouco: o que se sabia é que havia uma estrutura tribal enraizada e também que havia pouca convivência entre as tribos: no total, falam-se 1.073 idiomas distintos! Em 1884, a ilha fora dividida em três colónias: a Alemanha ficara com a parcela de Nordeste, o Reino Unido (através da Austrália) com a de Sudeste e a Holanda com a metade Ocidental. Em consequência do desfecho da Primeira Guerra Mundial (1919), os australianos acabaram depois por ficar com a metade Oriental. Era essa a situação em 1949, quando a Holanda resolveu reter a administração da colónia para vir a dar aos seus habitantes a futura possibilidade de, em regime de autodeterminação, se unificarem com a colónia britânica (que viria a alcançar a independência em 1975).
As ambições da Indonésia eram outras: anexar a Nova Guiné Ocidental. E as relações entre a ex-colónia e a antiga metrópole não eram, por isso, propriamente as melhores. Os holandeses mantinham naquelas águas meios navais importantes, um destroyer, duas fragatas (HNLMS Evertsen, mais acima), para demover os indonésios das suas intenções agressivas. A operação que estes últimos lançaram em 15 de Janeiro de 1962 consistiu em transportar 150 comandos em três lanchas rápidas para os desembarcar clandestinamente em território da Nova Guiné. Porém, os holandeses conheciam a operação de antemão e haviam posto aeronaves P-2 a patrulhar o Mar de Arafura. Uma delas encontrou as lanchas e os navios holandeses dirigiram-se para as interceptar. A clara superioridade de fogo dos holandeses fez com que uma das lanchas fosse afundada e as outras duas destruídas. Entre os mortos da batalha naval contou-se o comandante da flotilha indonésia, o comodoro Yos Soedarso.
Do ponto de vista estritamente militar, o desfecho da batalha, a vitória holandesa, foi inequívoca. Mas o aproveitamento político das acções militares consegue subverter essa lógica. Para que se esquecesse a imprudência do comodoro, ele veio a ser transformado em mártir nacional. Em Portugal (acima), quiçá por uma solidariedade instintiva entre potências coloniais, as simpatias iam inequívocas para com a Holanda. Mas esta iria desistir rapidamente da sua intenção: não querendo arcar com os custos de um conflito, ainda que de baixa intensidade, com a Indonésia, através da mediação americana, a Holanda veio a ceder os seus direitos administrativos à ONU, que por sua vez os cedeu à Indonésia em Maio de 1963. Uma hipocrisia total. A Batalha do Mar de Arafura acabou recontada de uma certa maneira diferente entre a Marinha de Guerra da Indonésia (TNI-AL), mas o processo como um desastre naval se pode transformar num sucesso político (e vice-versa...), não lhes deve ter escapado quando foi a vez deles interceptarem o Lusitânia Expresso no Mar de Timor em 1992...

14 janeiro 2022

A PRIMEIRA EMISSÃO DO PROGRAMA «TODAY»

14 de Janeiro de 1952. Na cadeia norte-americana de televisão NBC tem lugar, a partir das 07H00 locais, a primeira emissão do programa Today. Foi um programa pioneiro no formato (depois institucionalizado) dos programas matinais (formato esse que só uma três décadas depois chegará a Portugal) e o programa continua a ser emitido desde há setenta anos. É com evocações deste género - 70 anos! - que se percebe que a televisão, como forma de comunicação, há muito que atingiu a terceira idade. Como tantas outras coisas artísticas na vida, com aquela idade, há sempre aquela faceta que nos torna nostálgicos, mas não devemos esperar dali - da TV - grandes novidades.

13 janeiro 2022

VAMOS LÁ A TIRAR AQUI UMAS IDEIAS DO QUE SE PODE ESPERAR DO VENTURA

Expliquemos a relevância destas imagens vindas da Bulgária para o nosso contexto político: o partido Renascimento (Възраждане - Vazrazhdane - no original) é o Chega lá da Bulgária. E o André Ventura lá do sítio chama-se Kostadin Kostadinov. Comparem-nos mais abaixo: eles até são muito parecidos, só que o outro parece mais macambúzio e não consta da sua carreira uma fase de comentador televisivo ao serviço do CSKA de Sófia. Para o que interessa, o Renascimento, fundado em 2014, tem registado um crescimento eleitoral na Bulgária, como aquele que todos antecipam que se venha a registar com o Chega, nestas próximas eleições de 30 de Janeiro. Na Bulgária, as eleições tiveram lugar em Novembro último e nelas o Renascimento alcançou quase 5% dos votos e uma representação parlamentar de 13 lugares em 240 (um desfecho que não estranharíamos por cá). E no entanto, como se pode apreciar pelas imagens acima, o partido parece mais interessado com aquilo que pode fazer mobilizando centenas de manifestantes à volta do parlamento do que com aquilo que faça com os seus 13 deputados dentro desse mesmo parlamento. O pretexto, neste caso, foram os certificados de vacinação. Poderão ser outros. Contudo, isso não é garantia que Ventura venha a fazer o mesmo ou parecido invocando este ou outro pretexto. Pode não acontecer. Agora, se acontecer, que não haja surpreendidos.

ASSIM SE VIA A FORÇA DO PC

13 de Janeiro de 1922. Uma pequena nota do Diário de Lisboa desse dia dava conta da apresentação de uma candidatura comunista pelo círculo de Moçambique às próximas eleições legislativas que teriam lugar no final daquele mês. Transcreve-se então a notícia que será capaz de animar o pós-operatório de Jerónimo de Sousa, mostrando que a tão evocada, nos slogans, «força do PC», se parece estar a esvair-se nas votações eleitorais, pelo menos já é centenária nas candidaturas.
«Segundo informações que recebemos de Lourenço Marques, os organismos operários apresentam como candidatos no próximo acto eleitoral os nomes do sr. Manuel Ribeiro e Eduardo de Freitas para deputados e o do sr. Manuel Ricardo de Miranda para senador.
O sr. Manuel Ribeiro, que não é desconhecido dos leitores do Diário de Lisboa, pois a ele já por mais de uma vez nos referimos, é a figura de maior destaque do Partido Comunista Português e o autor da Catedral, uma das mais brilhantes produções literárias da moderna geração. Quanto ao sr. Eduardo de Freitas, operário serralheiro, é bem conhecido dos meios sindicalistas de Lisboa pelas suas qualidades de orador revolucionário.
Estas candidaturas não devem ter a sanção do Partido Comunista, que se desinteressou das próximas eleições, tratando-se, pois, de uma simples manifestação da força do proletariado organizado da província de Moçambique. Na hipótese de serem eleitos, os srs. Manuel Ribeiro e Eduardo de Freitas declinarão os seus mandatos».
A notícia vale pela curiosidade, desnecessário será esclarecer que a hipótese da eleição dos candidatos comunistas não se chegou a pôr: Manuel Ribeiro recebeu 161 votos e Eduardo de Freitas 117, contra os 978 de Delfim Costa (democrático) e os 954 de Álvaro Xavier de Castro (independente), os dois eleitos. Desnecessário será esclarecer que não consegui encontrar nada a respeito deste episódio nos arquivos comunistas. Aparentemente, para eles nada disto aconteceu. Como se sabe, para os comunistas no passado só aconteceu aquilo que interessa que se saiba que tenha acontecido, e porque esse interesse varia com os tempos, é que esse passado pode ser, para eles, um assunto bastante imprevisível (pessoas que lá estiveram deixaram de lá estar...).