07 janeiro 2022

A FUNDAÇÃO DA COLÓNIA QUE SEMPRE TEVE VERGONHA DE SE ASSUMIR COMO TAL

7 de Janeiro de 1822. É a data que assinala o estabelecimento das primeiras infraestruturas nas costas do que viria a ser a Libéria, por uma sociedade americana conhecida por American Colonization Society. O propósito desta última era promover o retorno a África daqueles americanos de ascendência africana que mostrassem dificuldades de integração na sociedade - sendo essas dificuldades tanto a rebeldia daqueles que estavam escravizados, como a discriminação de que eram vítimas aqueles já nascidos na América que, tendo sido emancipados e evoluído na escala social, eram vítimas de discriminação racial. O território, que fora originalmente conhecido como a Costa da Pimenta pelos portugueses quando ali haviam chegado no século XV, por causa do comércio da pimenta local (um sucedâneo competitivo da original da Índia), veio a receber o nome de Libéria (de liberdade). O nome era feliz, mas a ideia era mais simpática na teoria do que na prática: por exemplo, os escravos retornados eram depositados na Libéria embora pudessem ser originários de locais tão díspares e distantes quanto o Senegal, o Gana, a Nigéria ou Angola, portanto sem quaisquer afinidades com a população local; e as dificuldades de instalação dos mais evoluídos eram rigorosamente as mesmas dos europeus, por causa da insalubridade do clima: dos 4.571 imigrantes que foram para a Libéria entre 1820 e 1843, só 40% permaneciam vivos em 1843. A American Colonization Society continuou a promover a imigração de afro-americanos até 1904, mas a tendência natural foi para que estes se consorciassem entre si, criando gradualmente um grupo social distinto, que se identificava pelo idioma materno (inglês) e pela religião (cristianismo protestante), cujos membros assumiam, na maioria das vezes, as responsabilidades pela administração do território. Em 26 de Julho de 1847, ou seja 25 anos depois da data que aqui se evoca, declararam uma espécie de independência em que quase tudo, a começar pela bandeira, mimetizava os Estados Unidos. Já aqui publiquei um poste a respeito desses primeiros presidentes dessa República supostamente independente. Tal era a escassez de protagonistas políticos que o primeiro deles, de 1848 a 1856, voltou a ser o sétimo presidente, de 1872 a 1876, e o quarto presidente (1868-70) foi também o oitavo (1876-78). Embora, na prática, a Libéria não fosse formalmente uma colónia dos Estados Unidos, a sua estrutura social, política e económica, assemelhava-se quase completamente ao tipo de dependências coloniais de outros países europeus onde predominava uma elite local miscigenada, com muitos traços comuns com  o caso (geograficamente não muito distante) de Cabo Verde (em relação a Portugal). Esse género de regime, imposto por uma minoria e copiando um modelo político de uma metrópole, que aqui apenas se mostrava tímida quanto à admissão dos seus interesses coloniais (os Estados Unidos), só veio a desaparecer em 1980, quando um golpe de estado removeu a elite dominante da área do poder, ou seja, paradoxalmente, cinco anos depois da saída dos portugueses de África, os últimos europeus a abandonar o seu projecto colonial.

1 comentário:

  1. Muito bom o artigo, vale ressaltar que a Libéria foi o único país junto com a Etiópia a manter a independência durante o período de 1880 até o período do início da descolonização, más na sua opinião esses imigrantes fizeram uma boa escolha? Eu acredito que a vida nós Estados Unidos não é um paraíso na terra más quem sabe para a população de origem negra seja melhor hoje do que a 200 anos atrás é a estabilidade deve ser maior do que na maioria dos países do continente Áfricano.

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