31 agosto 2013

IMAGINEM QUE EU ERA O PINÓQUIO...

A caminho de completar 51 anos, Paulo Portas já tem atrás de si 25 de político-jornalismo onde já teve oportunidade de defender as mais variadas opiniões, mas o mais engraçado é que, a contar com o que é a expectativa média de vida dos portugueses, ainda nos promete mais outros 25 anos onde terá oportunidade de defender novas opiniões, tudo o que as circunstâncias tornarem possível de defender politicamente. As Memórias deste homem vão ser um livro incontornável da política portuguesa dos meados do Século XXI.

PORTUGAL por B.KLIBAN

Uma das particularidades não menos irónicas neste desenho de B.Kliban a nosso respeito é que, afigurando-se-nos estranhamente actual, já tem décadas.

30 agosto 2013

O GLOBO

Embora, quando se fala em cenas com globos terrestres evidenciando aspirações planetárias, a que nos ocorre imediatamente é a do filme O Grande Ditador (1940), com Charlie Chaplin caricaturando Adolf Hitler, não devemos menosprezar fotografias como esta mais antiga do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909). Sendo menos dramática (no sentido em que se trata de um presidente a sério...) e mais democrática (... devidamente eleito), a foto é também mais prenunciadora e pertinente nos dias que correm, considerando que desapareceram as ameaças protagonizadas por ditadores fardados, mas que as aspirações se mantêm com uma aparência mais à civil, ouvindo as intenções manifestadas pelo longínquo sucessor de Roosevelt, Barack Obama (2009- ).

LILLE EM COR LILÁS

Lille é uma daquelas cidades naturalmente descoloridas, a começar pelo clima (situa-se no Norte de França) responsável por um céu consistentemente enevoado, a continuar pela atmosfera enevoada e fuliginosa da sua cintura industrial para terminar pelos telhados de ardósia negra tão característicos da França setentrional. Na canção abaixo de Gerard Lenorman (Lilás), onde ele evoca uma antiga namorada de infância que o marcara pela exuberância¹ simbolizada pela cor lilás, que contrastava com o ambiente soturno do que os rodeava, não há nenhuma referência explícita a Lille, mas, porque faz algum sentido, sempre me deu um certo gosto fazer esta associação especulativa².


¹ J'ai dans le coeur des rues sans fin
Lilas, lilas
Une odeur de pluie sur la peau
D'une petite fille au sang chaud

J'ai sur la langue un rouge à lèvres
Lilas, lilas
Au goût spécial de framboise
Et il pleut sur les ardoises noires
De cette ville couleur lilas

Si j'ai oublié d'aimer un jour
Tous les lilas et les tambours
De l'enfant de l'amour
J'aimerais bien refaire un tour
Sous les soleils mouillés lilas
Qui jaillissaient des toits

J'ai dans le coeur des tramways bleus
Lilas, lilas
Et l'électricité des jours heureux
Dans les signaux brumeux

Les tramways vieux qui m'emmenaient
Lilas, lilas
A la grande gare de la nuit
Et je regagnais mon lycée gris
Et mes amantes et mes amis

Si j'ai oublié d'aimer un jour
Tous les lilas et les tambours
De l'enfant de l'amour
J'aimerais bien refaire un tour
Sous les soleils mouillés lilas
Qui jaillissaient de moi

J'ai sur la langue un rouge à lèvres
Lilas, lilas
Au goût spécial de framboise
Et il pleut sur les ardoises noires
De cette ville couleur lilas.

² Tanto mais que Lenorman não nasceu nem nunca viveu em Lille.

29 agosto 2013

OS COLONIAIS NA INDOCHINA FRANCESA

Embora as fotografias da primeira Guerra da Indochina (1946-1954) privilegiem naturalmente como tema os soldados franceses (como o da fotografia acima, encostado a uma tabuleta que o localiza a 12.672 km de Paris, mas a 4 km da fronteira com a China) a verdade é que os franceses de origem metropolitana constituíam apenas 42% do total do corpo expedicionário francês na Indochina, sendo o resto enriquecido pela presença de unidades recrutadas localmente, especialmente vietnamitas mas também de outras etnias locais, para além das recrutadas no Norte de África (Argélia e Marrocos) ou na África subsariana culminando com os profissionais da famosa Legião Estrangeira, onde uma percentagem não desprezível de legionários era de origem alemã e percurso controverso (SS), aproveitando as regras do anonimato em vigor na corporação para desaparecerem de circulação logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. São muito mais frequentes do que se pensa, haverá mesmo milhares de exemplos ao longo da história que acompanharam, senão excederam, a heterogeneidade que é tradicionalmente atribuída aos exércitos de Xerxes da Antiguidade clássica. Na fotografia abaixo identifica-se um norte-africano à esquerda, um vietnamita (ferido) ao centro, um membro de uma das minorias étnicas indochinesas à direita.

A IMPORTÂNCIA DA FIDELIDADE DAS TRADUÇÕES MESMO EM OBRAS DE BD

Acima e abaixo temos precisamente a mesma tira da 20ª prancha de O Mistério da Grande Pirâmide, uma aventura de Blake & Mortimer desenhada em 1950 por Edgar Pierre Jacobs que, como se deduz pelo título, se passa no Egipto. Só que a mais acima é a de um velhinho álbum das Edições Verbo algures da década de 60 enquanto a de baixo é de um álbum uns 25 anos mais jovem, publicado pela Meribérica/Liber. Em qualquer dos álbuns, omitiu-se o nome do tradutor da obra, o que foi uma injustiça para o trabalho de tradução. Mas convido quem conheça o autor e as personagens a reparar na diferença desses trabalhos, especialmente no comentário central do Coronel Olrik (o sempiterno vilão da saga) e na vantagem da tradução mais antiga. É que é muito mais consistente com os traços da personalidade desagradável de Olrik que ele se referisse ao texto (para si incompreensível) pedindo uma tradução para língua de gente do que para linguagem corrente. Sugere um sentimento de superioridade racial que não seria descabido existir num europeu no Egipto da época de concepção da obra (1949/51), por muito que a evolução dos costumes a tenha tornado politicamente incorrecta. Aliás, essa correcção política percebe-se noutros pormenores para além do discurso, como a tez do interlocutor de Olrik, um egípcio, que ficou muito mais clara nos 25 anos que transcorreram entre as duas edições.

28 agosto 2013

LITTLE TONY - RIDERÀ

O videoclip (1966) é daqueles que, pela escolha da localização das filmagens, diz-nos logo muito. É evidente que o tráfego automóvel do que parece ser uma circular radial de uma qualquer cidade italiana seria o que haveria de mais apropriado naquela época para ilustrar uma canção romântica que envolve um triângulo amoroso. Há até uma passagem em que o refrão parece cantado ao ritmo dos automóveis que passam (0:35-0:40). O resto está patente na figura do cantor, o recém-falecido Little Tony (1941-2013), desde o penteado (mai-las patilhas...), passando pela pose de casaco ao ombro até aos sapatos afunilados. Comparando-o com as vedetas masculinas portuguesas da canção dessa época é defensável argumentar que o desenvolvimento económico não arrasta consigo uma mudança vincada de gostos. Porém, este Riderà foi um sucesso que vendeu um milhão de discos o que corresponderia, à nossa dimensão e na mesma época, a uns 150.000 exemplares e isso sim, estava completamente fora de questão, fosse qual fosse o artista…

27 agosto 2013

OS MIGS DE QUE FIDEL CASTRO AINDA NÃO DISPUNHA

O destaque da imprensa tablóide britânica (aqui representada pelo Daily Mail) deste dia 19 de Abril de 1961 ia inteirinho para a invasão da Baía dos Porcos e para a má sorte da operação montada pela CIA para desalojar o recém-instalado regime castrista. Não é difícil perceber para onde pendem as simpatias do jornal enquanto descreve os rebeldes cubanos sob o ataque dos aviões MiG fornecidos pelos soviéticos. Está errado, mas uma notícia com um erro destes, mesmo crasso, não mereceria destaque ao fim de 50 anos não fosse a ironia que se esconde por detrás do título associado ao jornal: a maioria dos aviões que estavam a atacar os rebeldes (tendo inclusive afundado um dos navios de transporte) não eram MiGs mas sim Sea Furies… fornecidos pelos britânicos. Se por essa época o regime cubano já assumira uma trajectória que o conduziria à dependência total da União Soviética, isso ainda não transparecia significativamente no armamento, ainda maioritariamente de origem ocidental, como se pode constatar pela arma da sentinela que abaixo guarda os prisioneiros daquela mesma invasão, uma FN FAL de origem belga, e ainda não a omnipresente AK-47.

DEMOCRACIA ATÉ NA MORTE

 Acima é um jornal francês e abaixo um britânico, ambos reagindo à notícia da morte de Estaline em Março de 1953. As posições expressas não podem ser mais antagónicas: aos encómios laudatórios, provavelmente excessivos, espalhados por toda a primeira página do primeiro (é uma edição especial!) contrapõe-se a severidade das críticas do artigo do segundo, dirigidas (Cassandra é o pseudónimo do jornalista William Connor), mais do que ao falecido, àqueles que enviaram (Churchill, Attlee, Eisenhower) as protocolares mensagens de pêsames na ocasião. Não estarei a forçar a nota se vir no episódio uma analogia – embora a uma escala substancialmente inferior –­ com a controvérsia que acompanhou os comentários à morte recente de António Borges. Porque se Borges foi um académico controverso mas brilhante, Estaline foi um estadista ainda mais controverso mas ainda mais brilhante. Contudo, porque há sessenta anos de permeio suponho que será gratuito perguntarmo-nos se quem agora se indignou com a crueldade das críticas ao defunto o faria nos mesmos moldes e com os mesmos fundamentos no exemplo do passado ou se quem agora criticou desapiedadamente o falecido aceitaria ouvir sem ripostar críticas de igual virulência das suas só que dirigidas a alguém que lhe merecia simpatia. Mas o que a Vida me tem ensinado é que os Princípios de Groucho Marx (que originalmente tomei por laracha), se revelam mais regularmente do que pensara, a explicação para o comportamento político das pessoas.

26 agosto 2013

OS LIMITES DO DESCARAMENTO

Este cartaz de propaganda, onde se vêem traços identificativamente soviéticos, representa Aleksandr Lukashenko, o presidente da Bielorrússia nos últimos dezanove anos (possivelmente para durar, que o homem ainda não fez 60 anos…), a renegar veementemente um suborno norte-americano (note-se a chapinha com a star and stripes no pulso do oferente destinado àqueles que não concluíssem o óbvio das notas de dólar…), enquanto na legenda se pode ler que Não! A Bielorrússia não está à venda… É verdade que boa parte da hostilidade que no Ocidente se manifesta para com Lukashenko e o seu regime se deverá, muito provavelmente, ao facto deste não ter aberto a economia (eufemismo para privatização) bielorrussa à iniciativa privada. E que os países estão no direito de se preservar dessa interferência exterior que só beneficia as economias mais pujantes.

Mas enganam-se também aqueles que se disponham a aproveitar o episódio para o reinventar de acordo com cânones políticos que desapareceram: Lukashenko pode passar por anticapitalista, pode invocar o nacionalismo, poder-se-á opor à interferência de outros capitalistas mas convêm que se saiba que ele se tornou, simultaneamente, no maior multimilionário da Bielorrússia, com uma fortuna pessoal estimada em 7.000 milhões de €uros…em 2006. É caso para dizer, regressando à mensagem (que se percebe agora) indecente no cartaz inicial, que bem pode ele aparecer ali a renunciar aos subornos do capital norte-americano quando pessoalmente já terá roubado que chegasse ao seu próprio povo…

RELATOS DE UMA GALEGA POR TERRAS DO ORIENTE

Egéria foi uma mulher confortavelmente rica, muito provavelmente de origem galega, que escreveu um relato da peregrinação que realizou à Terra Santa (mas não só!...) nos finais do Século IV (entre 381 e 384 são as datas mais aceites pelos historiadores). Na entrada da Wikipédia podem-se ler as vicissitudes que fizeram que o manuscrito tivesse sobrevivido (embora truncado) até hoje ou a importância do latim empregue pela autora para se aferir do estádio de degenerescência da língua naquela época até à sua transformação gradual nos idiomas neolatinos modernos. Mas o que me proponho chamar aqui a atenção é para alguns acontecimentos ditos de actualidade daquela época de que Egéria terá ouvido relatos e explicações, como por exemplo a batalha travada por romanos e godos em Agosto de 378 perto de Andrinopla na Turquia Europeia, onde os primeiros apanharam uma tareia como há muitas décadas não se via, ou então a notícia que a terá apanhado em plena excursão, a da revolta militar de Agosto de 383 contra Flávio Graciano, o Imperador das regiões ocidentais do Império de onde ela própria viera, que culminou com a sua captura e execução em Lião, França. Uma perda que lhe terá causado provavelmente desgosto, porque Graciano era militantemente cristão, como se depreende que o seria Egéria. Contudo, o que mais contrasta com a actualidade é que as regiões mais pacíficas do Império eram as do Mediterrâneo Oriental , o Egipto, a Palestina ou a Síria, por onde esta nossa turista espiritual se passeava.

25 agosto 2013

ESTICAR UM ASSUNTO ATÉ O TORNAR CHATO

O livro acima aborda a Batalha de Khalkhin-Gol, travada na Primavera e Verão de 1939 entre soviéticos e japoneses pela posse de uma remota parcela de território mongol¹. Foi um episódio tratado discretamente pelos contendores apesar de ter provocado dezenas de milhares de mortos e as suas consequências diluem-se nos acontecimentos associados à Segunda Guerra Mundial. O livro conta isso tudo em 185 páginas. O livro abaixo, Alcora, também trata de um assunto discreto, um acordo entre Portugal, a África do Sul e a Rodésia, que também se dilui noutro mais vasto e importante: as Guerras que Portugal travou em África (1961-74). Não sei se o impacto de tal acordo mereceria que todo um livro lhe fosse dedicado. A sê-lo porém, nunca por uma extensão de 329 páginas… É dar importância demais ao que a não tem.
¹ Nomonham é a designação dada pelos japoneses ao mesmo acontecimento.

24 agosto 2013

JARMILA KRATOCHVÍLOVÁ

Dias quentes de Verão são também dias de grandes competições de atletismo e oportunidade para evocar nostalgicamente Jarmila Kratochvílová (n.1951), o patinho feio do atletismo feminino checoslovaco de há 30 anos atrás. As marcas feitas por si em 1983 permanecem ainda hoje como recorde do mundo (1:53,28 aos 800 metros) ou então como a segunda melhor marca de sempre (47,99 aos 400 metros), comprovando que, enquanto as dopagens foram protegidas pelos regimes que se promoviam através do desporto, elas nunca foram muito ilegais. Só isso pode explicar que se tenham passado trinta anos sem que, numa data de disciplinas do atletismo feminino, as atletas não se consigam aproximar sequer das marcas então registadas. Porém, pensando bem, tirando o facto delas permitirem a afirmação da superioridade desportiva do socialismo, relativamente tudo ficava na mesma: nesta corrida abaixo, uma espectacular fase final de uma estafeta de 4 x 400 metros, onde Jarmila Kratochvílová (de branco) engata o turbo e vai buscar no último percurso as suas rivais da Alemanha Democrática (azul) e da União Soviética (vermelho), presuma-se que tão dopada estaria ela como as outras duas…

23 agosto 2013

A IMPORTÂNCIA DA ALBÂNIA PARA CONFERIR UM TOQUE «CHIC» AO MOVIMENTO «SOIXANTE-HUITARD”

Quando em 2068 se celebrar o centenário dos acontecimentos de Maio de 68 em Paris, uma imagem daqueles dias como a que se aprecia acima, fotografada por Janine Nièpce (1921-2007), ter-se-á transformado provavelmente num enigma. A fascinação manifestada pelos jovens franceses da época por um país insignificante e longínquo como a Albânia, tutelado por um regime isolacionista e repressivo como o de Enver Hoxha (1908-1985), arrisca-se a ser considerada um capricho de uma geração mimada.

NOTÍCIAS DO MICROONDAS

O mês de Agosto é também propício a que se reaqueçam notícias, para lhes dar aroma de novidade: CIA confirma participação no golpe de estado iraniano de 1953, notícia o Público, amplificando um desses disparates chegados dos Estados Unidos. A questão é a de descobrir qual a novidade, sabendo que a CIA durante os últimos sessenta anos permitiu que os seus antigos operacionais envolvidos dessem a publicidade que desejassem à sua intervenção naquele golpe de estado. Se algum perigo houver, não é o de sonegação de informação, mas de excesso da importância atribuível à participação na conspiração dos elementos norte-americanos envolvidos. Qualquer livro publicado sobre o assunto – retirei o exemplo afixado abaixo da minha biblioteca, foi publicado originalmente em 2003 por ocasião do cinquentenário do golpe – quase que é obrigado a dar a primazia à actuação dos homens da CIA (an american coup, lê-se no subtítulo) em contraste com os interesses comerciais dos britânicos e os dos próprios conservadores iranianos.  

22 agosto 2013

«IMITATION OF LIFE»


Confesso que gosto muito deste videoclip, que é, em si, muito melhor que a música dos R.E.M. (2001) e que me consegue deixar como que hipnotizado sempre que o vejo. Contudo, a ideia é simples: há uma festa que se desenrola num jardim com piscina e um mesmo momento que dura cerca de 20 segundos, onde avançando e recuando esses 20 segundos se dá destaque, recentrando as imagens, a várias coisas que estão a acontecer em simultâneo. Já mais do que uma vez pensei nele para introdução e exemplo pedagógico numa aula dedicada à importância da forma como uma boa máquina de comunicação pode gerir a atenção de uma opinião pública.

A CENA DE ABERTURA DE «A CAÇA AO OUTUBRO VERMELHO»

Uma das características do poder soviético era o de ser predominantemente continental. Não se imaginam imagens de Lenine à beira-mar ou de Estaline de calças arregaçadas a banhar os pés e os esforços de Brejnev a nesse respeito resultaram na cena patética que acima se pode apreciar… Mas a União Soviética também foi uma ameaçadora potência naval sob a superfície, por oposição à hegemonia que, durante a Guerra Fria, os Estados Unidos exerciam sobre a superfície. O realizador John McTiernan esmerou-se a fazer-nos sentir isso de forma subliminar na cena de abertura do filme A Caça ao Outubro Vermelho. Os dois oficiais na ponte do enorme submarino soviético que dá o nome ao filme, Sean Connery e Sam Neill, conversam em russo. (A propósito, quem sabe diz que o russo de Connery mantém o mesmo sotaque escocês carregado que se lhe conhece no seu inglês materno…) Parecem sós naquele ambiente hostil de mar, neve e nevoeiro a que se junta progressivamente um encorajador coral de vozes à russa. Está lançada a aventura…

21 agosto 2013

AS PRAIAS E OS AREAIS À BEIRA-MAR

Ainda em espírito de nostalgias estivais aprecie-se esta fotografia de Roberto Doisneau em Agosto de 1959, tirada numa estância francesa chamada Pornichet. E perguntemo-nos o que é que num belo dia de praia de Agosto poderia acontecer de tão importante na marginal da vila para conseguir arrastar das cadeiras quem estivesse na altura a apanhar sol na areia? Só se fosse porque o belo dia de Agosto talvez não estivesse tão belo quanto isso… São instantâneos como estes que nos devem levar a congratularmo-nos com aquilo que a natureza nos deu: praias, enquanto os franceses têm areais à beira-mar.

SAUDADES DE UM BOM «BANHO DE PANCADARIA»


São banhos como estes que me deixam saudades, quando os dias de levante no Algarve tornavam as ondas merecedoras de serem desafiadas e tudo acabava com os banhistas extenuados e uns dois a três quilos mais pesados com a areia que entretanto se acumulara nos calções...

20 agosto 2013

A PRIMA DA HEIDI NA POLÍTICA PORTUGUESA

Aceitarei a crítica quanto o comentário que irei fazer possa ser superficial, mais, possivelmente a destinatária não o merecerá, mas, da mesma forma que não consigo dissociar a imagem de Marques Mendes da de um roberto de ventríloquo, com aqueles olhos desmesurados e a propensão para ter a boca sempre aberta (dizendo não importa o quê), não consigo ver Catarina Martins sem a associar imediatamente a uma daquelas bonecas dos desenhos animados japoneses…

19 agosto 2013

SOBRE O PODER LEGAL DA TONSURA

Em Outubro de 680, Vamba, o Rei dos Visigodos na Península Ibérica, adoeceu tão seriamente que se pensou às portas da morte e nomeou como seu sucessor Ervígio. Como penitência dos seus pecados terrestres, fez tenção de se tornar membro do clero regular em preparação para a sua entrada no reino dos Céus, deixando-se tonsurar publicamente, ficando com aquele look radical que associamos à imagem de Santo António. Depois, inesperadamente, Vamba melhorou… Mas o seu sucessor apressou-se a reunir um Concílio da Igreja em Toledo logo em Janeiro de 681 para relembrar uma outra decisão daquela mesma assembleia em 638 que proibia expressamente alguém que se deixara tonsurar de ocupar funções régias. Os bispos reunidos não apenas validaram as pretensões de Ervígio e revogaram todos os votos de vassalagem previamente prestados a Vamba como se pronunciaram sobre a eventualidade do que aconteceria se algum monarca tivesse sido tonsurado inconsciente e depois recuperasse a sua vontade. Mesmo a mais de 1300 anos de distância é possível perceber que se tratava de rebater a argumentação de Vamba mas a conclusão dos bispos foi taxativa em prol da validade e da irrevogabilidade dos sacramentos ministrados. O que este episódio do Século VII teve de inédito é que, contrariamente ao que acontecera nos séculos precedentes, tanto no Império Romano como nos reinos germânicos sucessores, não foi preciso que se travasse nenhuma batalha para alcançar a decisão política para a sucessão do reino. Aquilo que se apresentava como uma decisão meramente jurídica conseguira impor-se e ser aceite pelas partes. Pode reconhecer-se quanto é provável que os aliados de Vamba também considerassem não dispor da força militar suficiente para reverter a decisão tomada, mas também será provável que o cuidadoso formalismo associado à defesa da entronização de Ervígio tivesse convencido os nobres indecisos. No Século XXI o que se tornou raro é a força militar intervir nas transições de regime...

18 agosto 2013

REFLEXÕES SOBRE FOTOGRAFIAS POLÍTICAS E POLÍTICA FOTOGRÁFICA

Com um instantâneo destes o que me apetece dizer, ironicamente, é que é uma pena que não se possa votar em Gaia nas próximas eleições autárquicas… Mas esta piada a propósito deste momento tresloucado de Carlos Abreu Amorim deve ser acompanhada de uma reflexão sobre a selectividade dos políticos que são apanhados em instantâneos fotográficos infelizes e sobre a oportunidade comos essas infelicidades se tornam públicas…
Há uns, como Amorim ou como este Paulo Portas que nos parece desafiar (- E tu acreditaste mesmo no irrevogável, não foi?), a quem lhes acontece tudo e há outros que, mesmo estando continuamente sob objectivas fotográficas, nem se imagina - milagres da medicina! - que os macacos lhes nasçam dentro do nariz para que eles pudessem ser apanhados na dedicada tarefa da sua extracção… Devem ter assessores especializados nisso...

A ESQUERDA «CHIC» E A REVOLUÇÃO RUSSA

Acima temos a fotografia de Alexandr Rodchenko (1891-1956) em 1921, escassos anos depois da Revolução Russa, envergando um fato-macaco estilizado concebido por si mesmo, conforme o desenho do canto superior direito. Apreciado a quase um século de distância, aquilo que pelo espírito da época passaria por homenagem, quase se torna – para mais, com o cachimbo! – por alguém que parece estar a brincar aos proletários. Rodchenko era um artista moderno pelos padrões de então, aderente daquelas correntes de época cheias de ismos (como o suprematismo, o construtivismo ou o produtivismo) que abraçaram entusiasticamente a Revolução Russa naquela primeira fase em que ela precisou de ser necessariamente plural.

Mas, mesmo as biografias desinfectadas da história soviética (depois devidamente transpostas para a Wikipedia), não conseguem contornar os indícios de que Rodchenko tivera uma origem privilegiada. Por exemplo, nem tentam explicar como ele, com 22 anos, escapara à mobilização geral da Rússia quando da Primeira Guerra Mundial e conseguira continuar a estudar em Moscovo, algo que na Rússia imperial (e em todas as outras sociedades...) não estaria ao alcance de quem envergava fatos-macaco a sério para trabalhar. Valha a verdade que cerca de dez anos depois da fotografia acima ter sido tirada já Estaline disciplinara revolucionariamente a criatividade de Rodchenko e de outros como ele em prol exclusivo do realismo socialista

17 agosto 2013

OS EXEMPLOS VÊM DE CIMA…

Convido-os a colocarem-se no enfiamento da saída das viaturas oficiais de uma daquelas reuniões de Estado como esta que aparece acima realizada no Palácio de Belém, olhando para a banda amarela do lado direito das matrículas, para descobrirem como todas ou quase todas terão menos de dois anos de serviço, i.e., já foram adquiridas com o actual governo em funções. É evidente que, ao contrário do que se ouve a qualquer taxista, a redução do deficit público nunca se conseguiria realizar apenas através de uma gestão mais parcimoniosa da frota do Estado. Porém, Pedro Passos Coelho logo no início do seu mandato em Junho de 2011 mostrou a sua sensibilidade para a importância do carácter simbólico destas pequenas poupanças em deslocações, quando anunciou e pôs a sua máquina a publicitar a sua determinação para que, quando em serviço do Estado, se viajasse de avião em classe económica.
Mas, porque entretanto se passaram dois anos, é precisamente avaliando em profundidade e recordando tal precedente que se percebe quão inconsequente terá sido a determinação do primeiro-ministro (algo que a sua máquina nos repete que ele tem, e muita...) quando se continuam a assistir a paradas de viaturas de alta cilindrada novinhas em folha, levantando-se a natural interrogação porque será que as viaturas igualmente de alta cilindrada mas com mais de dois anos já não serão capazes de desempenhar as mesmas funções? Como descobririam os assessores da imagem do primeiro-ministro, se Passos Coelho se tivesse mantido coerente com a capa da parcimónia, talvez o conteúdo da suas mensagens actuais pudesse ter sido substancialmente mais respeitado, mas como diz o ditado popular, e o povo acumulou muito mais sabedoria que os assessores, as mentiras têm sempre a perna curta

16 agosto 2013

É FAZER AS CONTAS, COMO DIZIA O GUTERRES…


Será fundamental vincar previamente quanto não simpatizo com aquilo que Isabel dos Santos representa, quanto não gosto do pai dela, quanto não acredito em coincidências que fazem da filha de um presidente a pessoa mais rica de um país a que o seu pai preside. Porém, o artigo que a Forbes publica a respeito de Isabel dos Santos que em Portugal tanto interesse tem despertado, parece-me demasiadamente enviesado para que não valha a pena escrutiná-lo. Os números mais significativos do artigo, os que servem para fazer as contas, até nem são os respeitantes à fortuna de Isabel dos Santos (que ali aparece avaliada em 3 mil milhões de dólares) mas os que aparecem no parágrafo do fim da primeira página (14º), quando se refere aos 32 mil milhões respeitantes às receitas do petróleo que, segundo o FMI, desapareceram dos registos entre 2007 e 2010, a uma média portanto, de 8 mil milhões de dólares desviados por ano. Parece tornar-se patente que o problema da conduta da oligarquia angolana e das consequentes assimetrias sociais em Angola não se esgotará em Isabel dos Santos, embora o seu caso valha certamente pelo exemplo.
Mas não deixa de ser estranho que, reconhecendo-se que a fonte primária da prosperidade angolana sejam as receitas do petróleo (que representam 98,3% das suas exportações), ao longo do artigo as conexões dos negócios que são reveladas se centrem sempre em parcerias europeias, sobretudo portuguesas, quando a esmagadora maioria das exportações do petróleo angolano não se destinam nem a Portugal nem à Europa: quase metade vai para a China (46,2%), seguem-se os Estados Unidos (13,8%), a Índia (11,1%) e Taiwan (6,9%). Os dólares que corromperão Angola virão principalmente (78%) daí e apetece perguntar se será apenas Isabel dos Santos que não tem conexões com empresas e empresários desses países, ou se com elas os negócios, por não a envolverem, serão muito mais transparentes… Mas não é apenas uma questão da Forbes distorcer e escamotear dados. É também uma questão de tratamento, veja-se a forma como a angolana foi tratada em comparação com a espanhola Rosalía Mera, uma outra fortuna recente (Zara) que valia o dobro (6,1 mil milhões de dólares) de Isabel dos Santos mas cuja fortuna, na hora da morte, parece ter-se tornado impoluta

HÁ PRECISAMENTE CINQUENTA ANOS

O destaque da capa da edição da revista LIFE de 16 de Agosto de 1963 ia para uma fotografia de uma janela de hospital, que aparecia como sendo a ilustração da curiosidade de uma nação compassiva. É a referência ao bebé Kennedy que nos conduz para o episódio que a justificava e que hoje poucos lembrarão porque não constituirá sequer uma nota de rodapé da História: a morte com apenas dois dias de um filho nascido prematuro de Jacqueline e John Kennedy e a quem foi dado o nome de Patrick. Observado com todo este distanciamento, duas conclusões interessantes se podem extrair do episódio. Que não são apenas os paparazzi que se mostram implacáveis na cobertura de incidentes de natureza pessoal; aparentando pudor, o excelente aparelho mediático que então geria a imagem de John Kennedy não hesitou em capitalizar este em simpatia da opinião pública para com o presidente. Quanto será sempre um exercício útil perguntarmo-nos metodicamente se as importantes notícias que costumam ser o destaque da semana não são de facto notícias perfeitamente inúteis.

Esta noite no Pontal, o aparelho que rodeia Pedro Passos Coelho pô-lo-á a dizer não importa o quê para evitar que a sua imagem se degrade e aquilo que ele ali disser, apesar de naturalmente vir a produzir cabeçalhos, dificilmente terá repercussões no nosso futuro. Muito me surpreenderá se acontecer diferente...

15 agosto 2013

OUTRAS JUSTAS LUTAS DOS TRABALHADORES

Instantâneo de uma greve em Cleveland, Ohio, durante os anos de 1930, a década da Grande Depressão. Os operários grevistas encarniçam-se a tentar virar o automóvel de um capataz com ele lá dentro, provavelmente quanto este tentaria entrar nas instalações fabris. A posse de uma viatura própria serve também de marcador de uma certa estratificação social. Para que o retrato canónico do conflito laboral esteja completo aparece o polícia do lado esquerdo da foto de bastão alçado, personificando a repressão. A história do sindicalismo norte-americano daquela época está repleto de fotografias significativas como a acima. Contudo, apesar de, em teoria, o movimento laboral querer fazer-se passar por universal, um dos traços vincados do sindicalismo português seja qual for a sua inspiração política, comunista (CGTP) ou socialista/social-democrata (UGT), é o seu deliberado distanciamento em relação às justas lutas dos trabalhadores que se travaram do outro lado do Atlântico – algumas tão simbólicas como aquelas que estiveram por detrás da escolha do dia 1 de Maio para Dia do Trabalhador

ESTES GAULESES ESTÃO DOIDOS

Astérix entre os Pictos. Está prometido para 24 de Outubro próximo e classificado como o 35º álbum da série. Admito que faça todo o sentido do ponto de vista económico continuar a explorar o filão, embora a edição deste novo volume se arrisque a tornar a evolução dos heróis gauleses ainda mais penosa do ponto de vista artístico, tomando em conta aquilo que foram os álbuns precedentes. Já se tornou um lugar comum reconhecer que as aventuras dos heróis da conhecida aldeia gaulesa nunca conseguiram ultrapassar a morte de René Goscinny em 1977 que lhes escrevia os argumentos e lhes dava a alma. Mas a degradação das personagens, que fora gradualmente construída ao longo dos primeiros 24 álbuns da série, está a tornar-se penosa para os incondicionais, actualmente confinados a um nível etário de 40+ anos.

14 agosto 2013

OS SUCESSOS DOS POLÍTICOS DE SUCESSO

Com a descoberta de que alguns dos passageiros do táxi do primeiro-ministro norueguês haviam sido contratados propositadamente para figurarem nos vídeos, parece confirmar-se aquela máxima que estabelece que quando, à primeira vista, as acções dos políticos parecem ter um sucesso retumbante… é porque foram encenadas para o terem. Já em 1956, o então senador John F. Kennedy publicou um livro com oito biografias de antecessores seus no Senado que ele louva pela sua coragem. Deu à obra o título de Profiles in Courage, esta tornou-se num best-seller, veio a ser distinguida com o Prémio Pulitzer em 1957, embora em circunstâncias controversas¹. Apesar da questão da autoria do livro ter sido levantada num programa televisivo da ABC em Dezembro de 1957, a questão foi abafada, muito mais quando o autor foi eleito para a presidência em Novembro de 1960 e ainda mais depois dele se ter tornado num mártir, assassinado três anos depois. Anos de distanciamento porém, fizeram com que leituras mais cuidadas da obra produzissem a indicação que ela fora provavelmente escrita por Theodore Ted Sorensen (1928-2010), o discreto mas primordial assistente de Kennedy, (des)conhecido por ser o autor dos seus mais famosos discursos. Ao publicar a sua própria autobiografia aos 80 anos, em Maio de 2008, Sorensen acabou por corroborar, embora o fizesse nos termos mais benignos possíveis, que a maior parte do trabalho em Profiles in Courage lhe pertencera. John F. Kennedy concebera a ideia original do livro e supervisionara a sua elaboração, mas com excepção do primeiro e último capítulos, a sua contribuição para a redacção e investigação fora mínima. E há que reconhecer que, em termos académicos, quem quiser dar o seu nome a uma tese redigida naquelas condições, deve chumbar...
¹ A obra foi premiada ad-hoc sem que fosse sido previamente nomeada para eleição, como costuma acontecer com estes prémios – recorde-se o exemplo dos Óscares no cinema.

PARA ALÉM DE UMA VIAGEM DE TÁXI

Confesso que, mais do que as conversas rapidinhas de táxi, travadas enquanto se vai daqui para ali, agora num destaque controverso por causa do primeiro-ministro norueguês, o que me interessa mais são as dinâmicas de conversa que se geram entre companheiros daquelas viagens longas de várias horas a fio. Nas imagens abaixo, retiradas de uma cena de As Good as It Gets (1997), precisamente no inicio de uma dessas extensas viagens onde, ainda por cima, se reúnem três estranhos, apercebemo-nos (aos 2:15) que Jack Nicholson montara uma esquema de várias play-lists alternativas conforme a evolução da disposição dos passageiros, para que elas se substituíssem à incomodidade do provável silêncio.

Mas o meu episódio favorito a este respeito passa-se na BD, numa aventura protagonizada por Martin Milan (de Christian Godard), que aparece na sua sempiterna função de piloto de táxi aéreo, mas neste caso operando entre as ilhas do Pacífico Sul, em viagens de horas intermináveis, transportando – para empregar as suas próprias palavras (abaixo) –  material agrícola de um lado para o outro ou um homem de negócios daqui para ali. Originalmente, Martin confessa preferir os homens de negócios porque com eles sempre podia conversar, mas depois de uma viagem de seis horas com um a quem apenas ouviu um anódino Está um belo tempo para a época, não está?, passou a preferir os caixotes de material agrícola…

13 agosto 2013

CINCO PARTIDOS COMUNISTAS

Se bem me lembro, por volta de 1975, este nosso jardim à beira-mar plantado dispunha de cinco organizações que se reclamavam da designação de partido comunista cá do sítio. Havia o PCP clássico, o que seguia tradicional e incondicionalmente as directivas soviéticas, herdeiro de Lenine e Estaline, havia um outro que se apresentava reconstruido, o PCP(R), o que preconizava que houvera uma destruição algures durante a cisão sino-soviética da década de 60, havia um terceiro (que afinal eram dois), que realçava a sua fundamentação ideológica invocando os pensadores Marx e Lenine intitulando-se PCP (M-L), sendo a extensão as iniciais de Marxista-Leninista, mas cuja existência fora decisivamente muito mais afectada pelos pensamentos dos camaradas Mendes e Vilar quando estes haviam criados estruturas paralelas e inimigas sob aquela mesma designação e finalmente havia o PCTP dos trabalhadores portugueses, resultado do trabalho de reorganização do partido do proletariado no exuberante movimento que o antecedera, o MRPP.
Era muito partido comunista para um país tão pequeno e torna-se fácil perceber porque, para adoptar a terminologia leninista que todos os cinco subscreviam, perante tanta vanguarda esclarecida da classe operária, esta nossa dita cuja, o proletariado português, antes de se unir com o do resto do Mundo, vacilava entontecido diante de tantas propostas mais ou menos idênticas para lhe concederem de justiça a ditadura sobre todo o resto da sociedade. No fim, acabou por não haver nenhuma ditadura – felizmente – fosse ela do proletariado ou invocando quaisquer outros valores virtuosos. Parodiando e adaptando o título de uma famosa peça de teatro de Luigi Pirandello que fora escrita cinquenta anos antes, quanto tais conceitos de classe ainda teriam significado, aqueles tempos do PREC foram momentos extremamente confusos, em que já não se percebia se eram cinco partidos comunistas à procura de um proletariado ou se seriam cinco proletariados à procura de um partido

UM GENERAL TAMBÉM SE MOLHA

O dia 8 de Maio de 1958 amanheceu nublado em Argel e o general Raoul Salan (1899-1984), o Comandante-Chefe das Forças Armadas francesas na Argélia, devidamente fardado de gala (acima), tem que presidir às cerimónias comemorativas do fim da Segunda Guerra Mundial sob um céu que não parece colaborar. Mas, mais do que as marcas dos pingos da chuva, que até dão um certo aspecto de camuflado de operacional (tenue léopard, como se dizia em francês) à sua farda de gala, Raoul Salan vai arriscar-se dali por cinco dias a encabeçar o Golpe de Estado de 13 de Maio de 1958 em Argel, que será o detonador de uma crise política em França que só se resolverá com a acessão ao poder do general Charles de Gaulle (1890-1970) a 1 de Junho.
 
Terá sido um risco contraproducente quando se conhecem os desenvolvimentos: alcandorado a Presidente da República e temendo que se repetisse o processo que por uma vez o beneficiara, de Gaulle acabará por transferir Salan para um cargo honorífico dali por sete meses embora isso não demovesse este último a prosseguir as suas acções em prol da manutenção da presença francesa na Argélia. Passando à clandestinidade e tornando-se chefe da organização terrorista OAS, Raoul Salan veio a ser preso em 1962 e condenado a prisão perpétua por um Tribunal Militar, apesar do desacordo de de Gaulle, que preferiria vê-lo fuzilado... mas que acabou por o agraciar em Junho de 1968, no seguimento dos acontecimentos de Maio daquele ano.

12 agosto 2013

O RENEGAR DE VERSAILLES

Esta gravura de 1935 mostra uma Alemanha pintada a branco, cor da inocência, no centro de uma Europa aguerrida e guarnecida de toda a quinquilharia bélica. Até mesmo um país como o nosso aparece no canto inferior esquerdo evidenciando o seu ameaçador potencial militar. Em contraste, há outros países vencidos da Primeira Guerra Mundial, também sujeitos a cláusulas militares tão draconianas como as da Alemanha, que se parecem dissimular na paisagem, como a Hungria ou a Bulgária. Quando se perceber que as eleições alemãs de Setembro próximo não resolverão os problemas de fundo da União Europeia, preparemo-nos para ver novas versões do mapa supra onde, em vez da artilharia, blindados e aviação da vizinhança, a inocência alemã será expressa figurativamente em indicadores financeiros.

11 agosto 2013

O GENERAL COM FIGURA DE MARIONETA

Hans von Seeckt (1866-1936) foi um oficial general alemão que teve um papel primordial como organizador do Reichswehr, o pequeno exército de pouco mais de 100.000 efectivos que os Aliados vencedores permitiram à Alemanha entre a derrota da Primeira Guerra Mundial e o fim do II Reich em 1918 e a ascensão do III Reich e o rearmamento em 1936.
Se fosse nos dias que correm porém, com as novas exigências da telegenia, von Seeckt teria tido uma carreira diferente: de monóculo, um enorme lábio superior camuflado por um bigode e uma pose permanentemente empertigada, mais do que infundir respeito, o general assemelhava-se a um boneco de ventríloquo, parecido com aquele que viria a ser o famoso Charlie McCarthy.
Presta-se esta reflexão prévia para atribuir as culpas tanto à superficialidade do mundo moderno que se rege em excesso por aparências, como à minha pessoa por me deixar iludir por elas, mas confesso que ele há responsáveis políticos aos quais não consigo levar a sério, por muito a sério que eles queiram ser levados.

10 agosto 2013

«É UMA TRISTEZA. PASSA-ME AÍ O PÃO, SE FAZ FAVOR.»

A história cantada e contada por esta Ode a Billie Joe é uma história triste, a de um jovem que se suicida atirando-se da ponte do rio Tallahatchie no Mississippi. Mas o que a distingue é o desprendimento como a tragédia é comentada à mesa da família da narradora/cantora: o pai, depois um comentário pouco abonatório sobre o suicida, pede que lhe passem o pão; o irmão mostra mais respeito pelo defunto, mas o pesar não o impede de repetir a tarte de maçã; só a narradora se mostra afectada a ponto de perder o apetite, atitude em que apenas a mãe repara. Pela continuação da história, percebe-se como ela partilha um segredo com o malogrado Billie Joe McAllister, segredo esse que a letra da canção nunca chega a desvendar qual é. E é esse mistério que se tornou num dos segredos da mística da canção. Isso e o facto da ponte de Tallahatchie, de onde o hipotético Billie Joe se havia atirado, se ter desmoronado em 1972, quatro anos depois deste sucesso musical cantado acima pela autora, Bobbie Gentry, numa sua aparição na BBC.
It was the third of June, another sleepy, dusty Delta day
I was out choppin' cotton and my brother was balin' hay
And at dinner time we stopped and walked back to the house to eat
And Mama hollered out the back door y'all remember to wipe your feet
And then she said
I got some news this mornin' from Choctaw Ridge
Today Billie Joe MacAllister jumped off the Tallahatchie Bridge

And Papa said to Mama as he passed around the blackeyed peas
Well, Billie Joe never had a lick of sense, pass the biscuits, please
There's five more acres in the lower forty I've got to plow
And Mama said it was shame about Billie Joe, anyhow
Seems like nothin' ever comes to no good up on Choctaw Ridge
And now Billie Joe MacAllister's jumped off the Tallahatchie Bridge

And Brother said he recollected when he and Tom and Billie Joe
Put a frog down my back at the Carroll County picture show
And wasn't I talkin' to him after church last Sunday night?
I'll have another piece of apple pie, you know it don't seem right
I saw him at the sawmill yesterday on Choctaw Ridge
And now you tell me Billie Joe's jumped off the Tallahatchie Bridge

And Mama said to me
Child, what's happened to your appetite?
I've been cookin' all morning and you haven't touched a single bite That nice young preacher, Brother Taylor, dropped by today Said he'd be pleased to have dinner on Sunday, oh, by the way He said he saw a girl that looked a lot like you up on Choctaw Ridge And she and Billie Joe was throwing somethin' off the Tallahatchie Bridge

A year has come 'n' gone since we heard the news 'bout Billie Joe
And Brother married Becky Thompson, they bought a store in Tupelo
There was a virus going 'round, Papa caught it and he died last Spring
And now Mama doesn't seem to wanna do much of anything
And me, I spend a lot of time pickin' flowers up on Choctaw Ridge

And drop them into the muddy water off the Tallahatchie Bridge

O CARTAZ DO PACTO DE VARSÓVIA

Este cartaz promove o Pacto de Varsóvia, a organização militar da União Soviética e dos países do Leste da Europa, que foi fundada em 1955 em oposição à NATO. O cartaz é de origem soviética (pelo menos, está redigido em russo) e datará da década de 1960, já depois da Albânia ter abandonado a organização em 1961: um dos oito membros fundadores, a sua bandeira já ali não aparece. Em contrapartida, o papel dirigente da União Soviética é subtilmente sugerido através da estrela vermelha do capacete do soldado mais próximo, em sintonia com a última bandeira da série que é a soviética. São pormenores como este que revivificam a famosa máxima imortal de George Orwell que estabelece que, sob o comunismo, todos são iguais mas aparecem sempre uns que são mais iguais que os outros. Porém, o que mais me atraiu no cartaz foi o estilo do desenho e a estética, a fazer lembrar os famosos desenhos animados de Vasco Granja.

09 agosto 2013

MEMÓRIA DE ELEFANTE


A propósito de uma recente publicidade televisiva a um medicamento destinado a activar a memória, a concentração e o rendimento intelectual e a que foi dado, adequadamente, a designação comercial de Memofante, permitam-me publicar os resultados de uma pesquisa minha que, não tendo memória de elefante, aqui me apliquei como pretendendo que a tinha e que me levaram a uma banda de rock psicadélico que se intitulava precisamente Elephant’s Memory. O seu trabalho de maior notoriedade é uma presença na banda sonora do filme O Cowboy da Meia-Noite (1969), durante a cena que se pode apreciar abaixo. A peça musical que se ouve chama-se Old Man Willow. O que de mais apurado se pode dizer dela é que é... inesquecível.

08 agosto 2013

O BPN E OS ENSINAMENTOS DO EXEMPLO DE SAMUEL INSULL

Se actualmente já não se sabe quem foi Samuel Insull (1859-1938), a importância deste homem de negócios norte-americano de origem inglesa durante o primeiro terço do Século passado poderá ser avaliada pelo facto de ele ter sido escolhido por mais do que uma vez para figurar na capa da reputada revista Time, uma delas, por uma malograda coincidência, a da edição da semana seguinte à do grande Crash da Bolsa em Wall Street de Outubro de 1929.
Esse episódio ter-se-á revelado um péssimo presságio para a holding que controlava os diversificados interesses de Insull, que colapsou uns escassos meses depois com o agudizar da Grande Depressão, arrastando consigo as aplicações de mais 600.000 accionistas. Na sequência, Samuel Insull fugiu inicialmente para Paris e depois, em Outubro de 1932, quando os Estados Unidos pediram a sua extradição à França, para a Grécia, com quem os Estados Unidos não tinham nenhum acordo a seu respeito. Mas o longo braço do poder institucional dos Estados Unidos assegurou que o antigo magnata passasse uns anos intranquilos até ser finalmente capturado na Turquia em 1934 e deportado de volta a casa para ser julgado.
O julgamento teve lugar na sede do seu antigo império financeiro, em Chicago, período durante o qual o réu permaneceu preventivamente preso na prisão de Cook County. Contudo, o julgamento concluiu-se com a absolvição de Samuel Insull de todas as acusações. De todo o processo, que terá sido possivelmente o mais mediático de todas as falências ocorridas durante a Grande Depressão, as melhores memórias para os que perderam com ela o seu dinheiro deverão ter sido as da fotografia abaixo.
Nela, o prisioneiro Samuel Insull, com um aspecto imaculado, óculos pince-nez, bigode meticulosamente aparado, chapéu mole de aba revirada, sobretudo de fazenda e polainas brancas sobre sapatos que se adivinham escrupulosamente engraxados, aparece à porta da penitenciária (de robustez marcada pelos rebites) submetido ao olhar escrutinador de um carcereiro de aspecto plebeu, boné e pulôver de lã, mas com o símbolo do poder – o cadeado! – na mão.
Mas o que eu quero extrair de toda esta história, mais do que a minha previsão de como virá a ser o desfecho judicial do caso BPN que, considerado o tempo já decorrido, não irá divergir muito do de Samuel Insull, é o meu lamento que não tenhamos uma fotografia com Oliveira e Costa (e/ou com Dias Loureiro…) figurativamente tão rica como a de cima, pelo menos para mais tarde recordar…