30 setembro 2010

«ONCE UPON A TIME IN AMERICA»

Hoje o poste, contendo parte da banda sonora de Once Upon a Time in America da autoria de Ennio Morricone, é mais para ouvir do que para ler. Chamo porém a atenção para a flauta de pã (fotografia abaixo), instrumento que transmite à música uma sonoridade inconfundível. Tempos houve em que a publicidade radiofónica da Enatur conseguiu que eu associasse o som daquele instrumento ao repouso e recato da cadeia das Pousadas de Portugal. Hoje já não...

29 setembro 2010

A ORIGEM DA FAMÍLIA, DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO

Não tendo directamente a ver com o famoso livro de Engels cujo título roubei, este é um poste que também deve ser dedicado à atenção de Directores de Informação que andam demasiado enfronhados com os calendários das suas agendas de programação para que consigam distinguir o que é verdadeiramente importante daquilo que é acessório. Acima temos um genuíno e profundo debate filosófico sobre os fundamentos da propriedade e que é protagonizado por dois anónimos camponeses ribatejanos nos idos anos de 1975. Quem o transpôs para o Youtube ficou-se por essas superficialidades e deu ao vídeo o título de Comprativa, citando a ignorância de um dos intervenientes.

Mas o diálogo, filmado durante a ocupação da Herdade Torre Bela em 23 de Abril de 1975 (na antevéspera do dia das eleições constituintes – as primeiras eleições livres da História de Portugal!), é muito mais profundo do que aquele título gozão possa sugerir, a que se soma ainda as vantagens do realizador (um alemão chamado Thomas Harlan) não ter interrompido os protagonistas a destempo e despropósito como hoje fariam Fátima Campos Ferreira ou Judite Sousa e de não ter aparecido no fim da discussão como comentador a pretender fazer uma síntese do que havíamos acabado de ouvir, qual precursor longínquo de Ricardo Costa…

A discussão não só é cerrada como se nota que quem explica, apesar de assumir uma atitude de superioridade, apenas tem uma vantagem muito marginal de conhecimentos sobre o seu interlocutor. O que ali se confrontava era um choque entre as novas ideologias e utopias que haviam levado à ocupação da Herdade e as eternas realidades da natureza humana que o dono da ferramenta não acreditava que tivessem acabado… A História veio provar que, apesar de no filme ele aparecer com um ar mais abrutalhado e menos eloquente¹, tanto no caso concreto da ocupação da Torre Bela como no do Mundo (abaixo) era o dono da ferramenta e o seu cepticismo que tinham razão…

¹ Note-se, a propósito, no vídeo, três homens que estão encostados aos umbrais da porta e que se permanecem discretos sem interferir - e sem ferramentas, deduz-se! - ao longo de toda a discussão...

28 setembro 2010

A ALIANÇA POLACO-ROMENA

Ao olharmos para um Mapa da Europa de Leste do período entre Guerras (de 1919 a 1939), podemos apercebermo-nos da importância geográfica que representava o eixo polaco-romeno num papel pivot de contenção simultânea do expansionismo vindo de Leste, da União Soviética e do Centro, da Alemanha. No caso particular do mapa acima, datado de 1939, já depois do desaparecimento da Checoslováquia, a importância das atitudes individuais e concertadas daqueles dois países ainda se torna mais evidente. Renascendo como nação (no caso da Polónia) ou ganhando substanciais parcelas de território e população a Leste e Ocidente (no caso da Roménia, abaixo), os dois países haviam saído da Primeira Guerra Mundial como vencedores e, consequentemente, como defensores do status quo estabelecido pelos Tratados assinados depois do Conflito. E, ao contrário do que acontecera noutros casos de países nas mesmas circunstâncias (era o caso da Checoslováquia com a Polónia), não havia questões fronteiriças pendentes. A Aliança entre Polónia e Roménia conheceu três versões: uma inicial, conhecida por Convenção por uma Aliança Defensiva (1921), expressamente vocacionada para uma assistência mútua em caso de agressão contra as fronteiras orientais dos dois países – leia-se da União Soviética –, uma outra de 1926 (ratificada pelos dois signatários em 1927), agora baptizada de Tratado de Aliança para a segurança na Europa Oriental, alargando as situações de assistência mútua a qualquer ataque – leia-se agora da Alemanha… Em 1931 a Aliança foi novamente revista, passando a designar-se Tratado de Garantia. Ao longo da década de 30, mesmo depois dos nazis alcançarem o poder na Alemanha, o entendimento entre polacos e romenos manteve-se fluído, embora faltasse à parceria um poder estratégico decisivo para enfrentar simultaneamente as duas ameaças – a alemã e a russa – para a qual fora constituída. Isso tornou-se ainda mais evidente quando dos acontecimentos de 1938 que levaram ao desaparecimento da Checoslováquia. A assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop em Agosto de 1939 foi o toque de finados da eficácia do Tratado de Garantia Polaco-Romeno. Por acordo das partes, quando do início da Segunda Guerra Mundial em Setembro de 1939, a Polónia prescindiu da assistência militar directa que a Roménia lhe pudesse prestar em troca desta última lhe assegurar uma via de reabastecimentos com o exterior através dos portos romenos do Mar Negro, uma Operação que fora preparada de antemão, baptizada por Testa de Ponte Romena. Foi o caminho de fuga tomado por cerca de 120.000 soldados polacos comandados pelo Marechal Rydz-Śmigły, quando da capitulação polaca. E se, como consequência dela, a Polónia desapareceu como nação na repartição que então teve lugar, a Roménia também se viu muito maltratada, obrigada a ceder territórios à União Soviética, à Hungria e à Bulgária (1940). E em 1945, quando se restauraram as fronteiras da Europa de Leste, a Polónia e a Roménia, por pressão soviética, deixaram de ter fronteiras comuns (abaixo)… Pelo buraco criado pelo redesenho das fronteiras a União Soviética passou a ter acesso directo tanto à Hungria quanto à Checoslováquia. Um arranjo presciente, consideradas as crises de 1956 (Hungria) e 1968 (Checoslováquia).

27 setembro 2010

O JUMBO E O CONCORDE

Fotografados conjuntamente há 40 anos em Orly (que era então o principal Aeroporto de Paris), quando eram ambos novidades acabadas de estrear, o Boeing 747 norte-americano (à esquerda) e o Concorde anglo-francês (à direita) representam não só uma encruzilhada técnica e económica na História da Aviação comercial como também se tornaram nos adereços de uma daquelas disputas económicas surdas (e também pouco publicitadas…) que se travaram dentro do mesmo Bloco durante a Guerra-Fria

Tanto o Boeing 747 (conhecido por Jumbo) como o Concorde representavam a próxima geração do transporte comercial de passageiros a grandes distâncias. O Jumbo era a evolução no sentido do aumento da quantidade de passageiros transportados por voo, o Concorde era a evolução no sentido da melhoria em qualidade, com o aumento da velocidade (ultrapassando mesmo a velocidade do som!) a diminuir significativamente a duração das viagens. Os preços de aquisição das duas aeronaves assemelhavam-se.

O Boeing 747 prosperou, enquanto o Concorde fracassou. Costuma atribuir-se a causa do fracasso do segundo ao aumento geral do preço dos combustíveis conhecido por Grande Choque Petrolífero de 1973. É falso. Os problemas para o sucesso do Concorde já se haviam levantado anos antes, quando as autoridades dos Estados Unidos, a pretexto das ondas de choque que a ultrapassagem da barreira do som iria criar, colocaram inúmeras restrições aos voos da aeronave sobre território norte-americano.

Com essas restrições, inviabilizou-se a utilização do Concorde nas rotas internas dos Estados Unidos, nomeadamente nos voos de costa a costa (ex. Nova Iorque – Los Angeles), rota onde os Concorde reduziriam a duração do voo para metade... Sendo assim, nenhuma das grandes companhias aéreas norte-americanas de então mostrou interesse em adquirir Concordes para as suas frotas. E os clientes das 20 aeronaves construídas resumiram-se às duas companhias de bandeira dos países construtores…

Mostrando preocupações ambientais precoces, os Estados Unidos conseguiram abafar administrativamente o embrião da ameaça europeia ao segmento da aviação comercial supersónica. Só depois disso é que o aumento dos custos de exploração devido ao Choque Petrolífero se fez sentir, prejudicando-o mais. Posteriormente, o aparecimento e proliferação dos pequenos jactos privados para executivos roubou ainda uma outra substancial fatia do mercado para o qual o Concorde fora inicialmente concebido.

Vencedores da disputa, tendo apostado no cavalo certo dos Jumbos, embora tendo feito batota, os Estados Unidos e os seus construtores aeronáuticos acabaram por se verem fortemente ameaçados nesse mesmo segmento através dos aviões europeus Airbus. E o Concorde, por causa de se ter tornado uma aeronave rara (20 unidades), adquiriu um protagonismo que eclipsou o antigo concorrente – o seu único acidente foi manchete em Julho de 2000 (abaixo). Mas ninguém se lembra dos 49 Boeings 747 perdidos nesse mesmo período…

26 setembro 2010

«THE SHOW MUST GO ON»

Ontem tive ocasião de assistir ao programa do provedor do telespectador da RTP a respeito das queixas entretanto recebidas sobre o protagonismo desmesurado que foi dado por aquela estação a Carlos Cruz a pretexto da leitura das sentenças do Caso Casa Pia. A resposta a essas críticas, que foi dada pelo Director de Informação José Alberto Carvalho, assentou na mesma argumentação que também se pode ler na carta a ele atribuída que endereçou entretanto ao Provedor, Paquete de Oliveira, carta essa que pode ser lida aqui.

Nela, o Director de Informação da RTP reconhece que: (…) recordamos que procuramos ouvir sistematicamente diversos agentes envolvidos no processo - vítimas, advogados de acusação, magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público, acrescentando que alguns intervenientes não quiseram, a título pessoal, ou não puderam, a título profissional, intervir no debate. Todavia, ele conclui que, mesmo assim, tal constatação não pode significar que a recusa de alguns leve ao silêncio de outros por si só.
Ou seja, nem por um momento José Alberto Carvalho terá posto a hipótese que a ausência forçada de algumas partes – para ele parece ser uma questão de silêncio v. barulho... – pudesse hipotecar significativamente a apresentação equilibrada do assunto em discussão e, como tal, nem terá pensado em adequar os seus calendários jornalísticos ao aparecimento da informação mais equilibrada – em concreto, depois da análise da sentença que tardava em sair… Se fosse entretenimento dir-se-ia: The Show Must Go On

Só que José Alberto Carvalho é Director de Informação e não de Programas Recreativos… Ora confundir temas do momento com assuntos que deviam ser de reflexão paga-se no longo prazo desgastando o capital mais valioso que se possui em Informação – a seriedade. Valha a metáfora, os temas para reflexão são para ser tocados como um violoncelo, que sempre foi considerado um instrumento de música de câmara. Torna-se ridículo tentar tocá-lo, como fez Woody Allen, desfilando na banda filarmónica…

BANALIDADES QUE CAEM BEM…

Se, como se pode ler num comentário a este poste: Fernando Nobre só diz banalidades!, então houve uma banalidade que ele disse recentemente que, por ser evidente, me caiu muito bem. E muito mal andará a categoria dos candidatos presidenciais quando uma evidência proferida por um deles parece conferir-lhe vantagem intelectual... Disse Fernando Nobre no Público no passado dia 23 de Setembro:
Acredito sinceramente que, se houver uma segunda volta, estarei presente. Não sou dono dos votos que os portugueses entenderem atribuir-me. Nesse sentido, aconteça o que acontecer, nunca darei indicação de voto.
Tirando aquele preâmbulo táctico, de quem não pretende admitir uma derrota à partida, quão refrescante parece ser este reconhecimento óbvio de que qualquer candidato não controla os votos recebidos por si na hipótese de haver um outro acto eleitoral… E que contraste com quem julga – a minha gente, o meu milhão! – que se apropriou dos votos que recebeu num acto eleitoral de há cinco anos atrás…

25 setembro 2010

PARTICULARIDADES AÇORIANAS


O caso é este: a Secretária Regional dos Açores do Trabalho e Solidariedade Social, que se chama Ana Paula Marques, alterou há precisamente um ano os regulamentos de concessão de bolsas de estudo a estudantes açorianos vindos para o continente, passando a englobar, entre outros, os cursos de piloto de linha aérea, que era precisamente o curso que o seu filho depois veio a decidir frequentar…

Como a política é uma actividade lixada e repleta de cínicos que nunca acreditariam na versão em que a criança entrava de surpresa em casa e anunciasse: - Mamã, quero ser piloto! mandava a prudência que a Secretária Regional, conhecedora da vocação do seu rebento, se protegesse de potenciais acusações malévolas futuras de ter agido favorecendo familiares muito próximos…

Foi um erro grave, e restou ao presidente do Governo Regional Carlos César fazer um número de stand-up comedy na Assembleia Regional açoriana (ver acima) iludindo a questão moral com a faceta legal da decisão. E por falar em comédias, em assembleias e em demissões, vale a pena recordar que fazer cornichos ao Bernardino Soares no parlamento também não era ilegal – apenas inconveniente…

Vai-se a ver e, se fosse nos Açores, o Manuel Pinho também não se devia ter demitido. Talvez porque lá as touradas são à corda...

24 setembro 2010

A AUDIÊNCIA MÉDIA E O «SHARE» DA GRANDE ENTREVISTA A PEDRO SILVA PEREIRA

Porque é que me fica esta sensação que, devido à imagem cinzenta do entrevistado, a única Grande Entrevista em que um entrevistado disse alguma coisa politicamente importante em muitos anos, terá também sido uma das que teve uma das audiências mais fracas?

ANGÚSTIAS DA ADOLESCÊNCIA EM DOIS POEMAS MUSICADOS


NINI DOS MEUS 15 ANOS

Chamava-se Nini
Vestia de organdi
E dançava (dançava)
Dançava só p´ra mim
Uma dança sem fim
E eu olhava (olhava)

E desde então se lembro o seu olhar
É só p´ra recordar
Que lá no baile não havia outro igual
E eu ia para o bar
Beber e suspirar
Pensar que tanto amor ainda acabava mal

Batia o coração mais forte que a canção
E eu dançava (dançava)
Sentia uma aflição
Dizer que sim, que não
E eu dançava (dançava)

E desde então se lembro o seu olhar
É só p´ra recordar
Os quinze anos e o meu primeiro amor
Foi tempo de crescer
Foi tempo de aprender
Toda a ternura que tem o primeiro amor
Foi tempo de crescer
Foi tempo de aprender
Que a vida passa
Mas um homem se recorda sempre assim
Nini dançava só p´ra mim

E desde então se lembro o seu olhar
É só p´ra recordar
Os quinze anos e o meu primeiro amor
Foi tempo de crescer
Foi tempo de aprender
Toda a ternura que tem o primeiro amor
Foi tempo de crescer
Foi tempo de aprender
Que a vida passa
Mas um homem se recorda, é sempre assim
Nini dançava só p´ra mim


SÁBADO À TARDE

Perdia meia hora,
parado em frente ao espelho,
mudava de camisa...vestia-me outra vez.
Fechava a porta à chave... acendia um cigarro.
E ensaiando os gestos...passava já das três,
vestia o meu casaco, corria sem parar
e à porta do cinema, morria de pensar,
que talvez não viesses,
não pudesses entrar...
num filme para adultos...até te ver chegar.

Sábado à tarde no cinema da avenida,
mal as luzes se apagavam...
acendia o coração...

Sábado à tarde... era uma noite bonita...
noite que sendo infinita ...
cabia na minha/nossa mão...

Perdia meia hora, num gesto do meu braço
a procurar coragem ...
para que fosse abraço.
Chegava o intervalo, fumava sem prazer
e os gestos que ensaiara morriam ao nascer
por fim vencia o medo, quase sem te ver,
esquecia os meus dedos...
cansados de tremer...
por sobre o teu joelho...
esperando a tua mão...
num filme para adultos ...
crescíamos então...
(um beijo de paixão).

Sábado à tarde no cinema da avenida,
mal as luzes se apagavam...
acendia o coração...

Sábado à tarde... era uma noite bonita...
noite que sendo infinita ...
cabia na minha/nossa mão...

23 setembro 2010

DOIS MAPAS DA TURQUIA SEPARADOS POR 830 ANOS

Em 1180 as fronteiras da Ásia Menor tinham a configuração que se observa abaixo. Os contemporâneos não o sabiam, mas as potências cristãs do Médio Oriente preparavam-se para sofrer dois dos mais severos reveses da História Medieval: dali por 7 anos (em 1187), o Reino de Jerusalém ia desaparecer depois da Batalha de Hattin e a cidade iria ser conquistada por Saladino; dali por 24 anos, seria a conquista de Constantinopla pelos cruzados (1204), extinguindo provisoriamente o Império Romano do Oriente.
Mesmo antigo de 830 anos, o mapa mostra já alguns traços identificativos da realidade geográfica moderna, o controlo do Império Romano do Oriente fora remetido para as regiões litorais da Península enquanto no seu centro se começava a sedimentar uma nova entidade política turca: o Sultanato de Rum. Mais para Oriente a situação política mostrava-se muito mais instável, na ausência de uma entidade suprema, alternando-se os pequenos feudos dirigidos por senhores cristãos (armenian) ou muçulmanos (seldjuk).

O mapa abaixo representa os resultados do referendo que teve lugar na Turquia no passado dia 12 de Setembro. Venceu o Sim (a verde) com 58% dos votos, dando a vitória à facção mais islamista e civilista da sociedade turca, actualmente no poder através do 1º Ministro Recep Tayyip Erdoğan, enquanto o Não (a vermelho) está mais conotado com a facção secular kemalista, apoiada tradicionalmente pelas Forças Armadas turcas. A intensidade das cores está associada ao tipo de vitória – mais escura, mais folgada.
Apesar de todas as evoluções históricas que ocorreram durante os 830 anos que os separam e das migrações que entretanto ali tiveram lugar, não restam dúvidas que se torna tentador ir à procura de explicações perante a semelhança da configuração entre os dois mapas… Pelo menos, é pacífico reconhecer que nas regiões da actual Turquia que outrora foram mais influenciadas pela helenização e que mais resistiram ao avanço turco (a parte europeia e o Ocidente da Ásia Menor) correspondem hoje a onde predomina o laicismo…

22 setembro 2010

PERSONAGENS COLATERAIS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (2) – RASPUTINE

Grigori Yefimovich Rasputine (1869-1916) nasceu da mais pura origem camponesa (mujique – мужик) em Pokrovskoye, na Sibéria Ocidental. Só alguma documentação aparecida recentemente pôde estabelecer de forma mais segura qual fora o ano do seu nascimento - 1869. Nessa época, o Ucasse que concedera a emancipação aos 50 milhões de mujiques da Rússia fora promulgado pelo Tsar Alexandre II (1861) havia apenas oito anos e criavam-se ainda muitas expectativas quanto ao seu impacto na sociedade russa…
O jovem Grigori resolveu seguir uma carreira que não será difícil de descrever se virmos alguns anúncios especializados dos nossos jornais, onde se misturam facetas de orientação espiritual com tratamento médico(?) e aconselhamento psicológico. É muito difícil distinguir o que será verdade nas descrições da sua actividade durante os primeiros anos, o que parece incontestável é que a fama de Rasputine se propagou e, tratando-se de pessoa ambiciosa, em 1905 estava instalado na capital russa, São Petersburgo.
É compreensível que a actividade de Rasputine tivesse vingado numa sociedade rural atrasada como aquela que o viu nascer. É tão embaraçoso quanto incompreensível que essa mesma actividade possa ter vingado entre uma elite sofisticada (acima) que havia gerado figuras gradas no campo das artes como Tchaikovsky ou Dostoyevsky e no campo das ciências como Pavlov ou Mendeleev… A influência de Rasputine, além de social, tornou-se política quando, entre os seus clientes, apareceu a família imperial dos Romanov
Naquela monarquia absoluta onde o poder não era praticamente sujeito a escrutínio, a capacidade de influência sobre os dois soberanos tornou-se num activo poderoso… e perigoso. Foi assassinado por uma facção dos cortesãos em Dezembro de 1916. Como a história da sua vida, também a da morte de Rasputine aparece rodeada de peripécias¹. Todavia, por muito maus que possam ter sido os seus pecados cá na Terra, creio que ninguém merece o tratamento em disco sound que lhe deram os Boney M 62 anos depois da sua morte...
¹ Primeiro foi envenenado, mas o veneno não fez efeito. Depois foi atingido a tiro e dado como morto, mas ressuscitou. Foi novamente agredido, alvejado e finalmente atirado ao rio Neva (que estava congelado em Dezembro…). Mas o relatório da sua autópsia deu-o como morto por afogamento

21 setembro 2010

UMA CURIOSIDADE

Eis um daqueles vetustos documentários cinematográficos de actualidades, neste caso holandês, em que o assunto é a tomada de posse em Julho de 1951 de Craveiro Lopes como Presidente da República, após a morte do antecessor Óscar Carmona, e a quem se vê ele prestar homenagem. A nossa ignorância de holandês não nos deixa, mesmo assim, deixar de compreender a referência final à figura que mandava efectivamente no país: o minister-president Salazar!

OS «DEMOCRATAS» SUECOS

Este senhor que discursa do lado esquerdo da fotografia abaixo chama-se Jimmie Åkesson e é o líder dos Democratas Suecos, uma formação política da extrema-direita sueca que se tornou notícia por ter conquistado 20 lugares nas eleições para o Parlamento (de 349 lugares) daquele país que tiveram lugar no Domingo passado. E os polícias que se vêm na imagem, ao contrário do que a reputação de organizações daquele género possa fazer pensar, estão ali para o proteger, que a campanha do seu partido foi repleta de incidentes.
Porém, longe irão já os tempos das organizações daquela mesma área ideológica, reconhecíveis pelas diversas cores das suas camisas (negras em Itália, castanhas na Alemanha, azuis em Espanha, etc.) e que se notabilizaram por desfazer os comícios eleitorais dos inimigos políticos. Estes Democratas Suecos (que provavelmente nada terão de democrático…) são de uma outra geração e têm outro modo de operar: em vez de darem porrada, levam porrada, e assim adquirem a simpatia de se tornarem as vítimas…

Houve boicotes à sua propaganda (este vídeo) e depois, há que lembrar o efeito noticioso assimétrico deste género de acontecimentos: no caso de serem militantes de extrema-direita a darem porrada em rivais políticos – especialmente se for na Alemanha!... – então é notícia para dar Destaque Mundial; enquanto se forem outros democratas a dar porrada nos militantes de extrema-direita e a perturbar-lhes os comícios – como aconteceu na Suécia… – então a notícia perde interesse e é apenas de carácter local

Valerá a pena relembrar que este tipo de organizações só começam a adquirir expressão eleitoral quando em circunstâncias específicas de crise? E que a ampla divulgação noticiosa que for dada às reacções «democráticas» do outro extremo do espectro político podem ser até contraproducentes?

20 setembro 2010

PERSONAGENS COLATERAIS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1) – MATA HARI

O verdadeiro nome de Mata Hari era Margaretha Geertruida Zelle (1876-1917) e era holandesa. Quando tinha 19 anos casou com um oficial do Exército colonial destacado nas Índias Holandesas (actualmente Indonésia) que tinha mais 20 anos do que ela. O casamento rapidamente se desfez. De regresso à Europa, tendo-se divorciado e vivendo emancipada, Margaretha lançou-se em 1905 em Paris numa carreira que a veio a celebrizar com o nome pelo qual a conhecemos e como dançarina exótica.
Mais do que a coreografia da dança propriamente dita, o principal da carreira foi gerir a fantasia (Margaretha era afinal uma princesa de origem malaia e religião hindu que se casara com um oficial holandês de quem entretanto se separara por causa dos ciúmes possessivos deste…) e a reputação: Mata Hari era, antes de mais, uma cortesã, que dava prestígio social por se ter sido seu amante. Entre amantes verdadeiros e os que se reclamam de o ter sido, a lista é extensa, chegando a uns 150 nomes…
Quando a Guerra começou (1914) já Margaretha tinha 38 anos e o apogeu de qualquer das duas carreiras já passara. Havia que arranjar novas fontes de rendimento e é mais do que provável que, gozando do estatuto da sua nacionalidade (os Países Baixos eram neutros), Mata Hari fizesse os seus biscates para os dois lados no campo das informações. Até que as investigações dos franceses sobre as suas actividades vieram coincidir com a crise político-militar por que passaram na Primavera de 1917.
O tempo leva à opinião quase unânime (a excepção é francesa…) que Margaretha foi tratada nas investigações e julgamento como um bode-expiatório dos fracassos franceses. Condenada à morte, foi fuzilada em 15 de Outubro de 1917¹. Mais do que as outras fotografias posadas, a que mais impressiona são estas últimas, tiradas quando da sua prisão. Quanto ao seu outro papel, vai ser preciso esperar 57 anos para que uma outra holandesa faça suspirar a audiência com a sua sensualidade exótica (abaixo)…
¹ Foi a notoriedade social de Mata Hari que deu publicidade à sua execução. Duas mulheres francesas já haviam sido executadas pelos mesmos motivos em Janeiro e Março de 1917 e pelo menos outras três vi-lo-ão a ser até ao fim da Guerra em Novembro de 1918, sem que ao facto seja dado grande relevo.

19 setembro 2010

O ENCONTRO AMERICANO-SOVIÉTICO... DO OUTRO LADO DO MUNDO

Na Europa, nos finais da Segunda Guerra Mundial, as unidades dos Exércitos norte-americanos e soviéticos encontraram-se na Alemanha, na cidade de Torgau, numa ponte destruída sobre o Rio Elba em finais de Abril de 1945 e o acontecimento ficou registado para a posterioridade numa fotografia que se tornou famosa (acima).
Por curiosidade refira-se que, no outro extremo do continente euro-asiático, repetiu-se um acontecimento semelhante passados uns quatro meses. Acordara-se, na Conferência de Yalta, que a Coreia, então uma colónia japonesa, iria ficar provisoriamente dividida entre dois sectores de ocupação, separados convencionalmente pelo paralelo 38 (acima).
Com o Japão já numa fase preparatória para a assinatura da rendição e com as unidades militares dos dois lados a dedicarem-se às tarefas de ocupação porque a resistência das unidades japonesas havia cessado, estes encontros, que tiveram lugar um pouco a Norte de Seul (acima e abaixo), não tiveram o carácter dramático do de Torgau.

18 setembro 2010

A MARAVILHOSA NETA DE JOSÉ MEDEIROS FERREIRA

É sabido quanto José Medeiros Ferreira é um consagrado que gosta de manter uma relação distanciada com a Verdade. Há uma semana atrás conseguiu a proeza de ser desmentido em directo na televisão nacional… pela própria neta. Acima, está o vídeo com a cena aos 2:15, e ao lado direito, a notícia do Diário de Notícias de hoje (clicar em cima para a ampliar). Felizmente o ridículo nunca matou (nem sequer aleijou) ninguém para que Medeiros Ferreira possa prosseguir indemne - a seus olhos... - com esta sua faceta de entertainer… mas visivelmente a Catarina não terá puxado nada ao avô: é mais do estilo do Brandão!

DOIS OLHARES OBLÍQUOS

Mandam os manuais da boa prática que, nas fotografias convencionais, os fotografados olhem directamente para a objectiva, enquanto que na fotografia artística esse aspecto se pode tornar irrelevante. Mas as duas fotografias deste poste tornaram-se famosas pela trajectória oblíqua em relação à objectiva do olhar dominante de um dos fotografados.
A de cima chama-se exactamente Um Olhar Oblíquo, foi tirada em Paris em 1948 e trata-se de uma fotografia encenada. A montra foi devidamente arranjada com o quadro do nu feminino na lateral enquanto do lado de dentro a máquina fotográfica estava preparada para registar as reacções dos transeuntes que paravam para ver a montra da galeria…
A outra fotografia, foi tirada num restaurante de Hollywood em 1957, e a causa do que provoca o olhar oblíquo, continuando a ser o corpo feminino, é-o num contexto totalmente diferente. São duas actrizes conhecidas e o olhar é mais discreto, mas não é de apreciação, será talvez despeito aquilo que Sophia Loren mostra pelos atributos da rival Jayne Mansfield

17 setembro 2010

OLHE QUE NÃO! OLHE QUE NÃO!

Já aqui tive oportunidade de me referir ao famoso frente-a-frente televisivo entre Álvaro Cunhal e Mário Soares em 6 de Novembro de 1975. Visto à distância de 35 anos, pode-nos parecer agora um absurdo que o país tivesse então estado à beira de uma Guerra Civil. E depois olhamos para a temática que os comunistas escolheram para o seu cartaz comemorativo do 58º aniversário da sua Revolução de Outubro e percebe-se como essa ameaça pode ter sido séria.
Veja-se acima o destaque que era dado aos canhões e à pose dos marinheiros armados (que, não por acaso, era então o ramo mais revolucionário das nossas Forças Armadas), a pretexto da convocatória para um Comício no dia 7 de Novembro (foi o dia seguinte ao do frente-a-frente…) no Pavilhão dos Desportos e com a presença de Álvaro Cunhal. E compare-se o cartaz com um outro, precisamente da mesma origem e sobre o mesmo tema, mas mais recente, de 2007…
O tempo tendeu a diluir e a fazer-nos esquecer a dimensão da arrogância e da agressividade comunicacional de que os comunistas davam então mostras naquela época, tanto em termos nacionais como internacionais – é para as recordar que, à falta de imagens do tal Comício celebrando a Revolução de Outubro em Lisboa, insiro outras de uma parte das cerimónias que, com esse mesmo propósito, tiveram lugar nesse mesmo dia na Praça Vermelha de Moscovo…

Eram tão semelhantes às outras, às do 10 de Junho no Terreiro do Paço, que apetece pedir para Não Apagar a Memória de qualquer delas...

16 setembro 2010

A «CONSTRUÇÃO» DO OCEANO ÍNDICO

Acima está uma montagem com imagens da mesma região do globo desde há 150 Milhões de anos até à actualidade. Onde originalmente existia um Oceano que os cientistas baptizaram por Thetys, existe hoje o Oceano Índico. A imagem do canto superior esquerdo data da fase final do Período Jurássico de há 150 Milhões de anos atrás e a do canto inferior direito é a actual, enquanto a imagem central, de há 65 Milhões de anos atrás, é a da mais conhecida fase terminal do Período Cretácico – popularizada, passe a ironia, pelo filme Parque Jurássico…Mas, como se deduz desta montagem, depois do apogeu dos dinossáurios, recomeçou toda uma nova História da evolução da Terra de que Steven Spielberg ainda não se lembrou…

As imagens para esta montagem foram retiradas daqui.

A MÚSICA DO FUNERAL DA OUTRA MARIA STUART

A mais famosa Rainha Maria Stuart é a da Escócia (1542-1587), prima e rival de Isabel Tudor pelo trono de Inglaterra, tornada campeã da causa católica e mártir dessa causa. Quase ninguém se lembra da sua trineta e homónima, que reinou na Inglaterra e Escócia com o nome de Maria II (1662-1694), uma infeliz que casou aos 15 anos com um primo direito (Guilherme de Orange) e que foi um joguete, desta vez usado pela causa protestante para depor o Rei legítimo, o seu pai Jaime II (1633-1701), que entretanto se havia convertido ao catolicismo, numa sucessão de acontecimentos a que a facção protestante vitoriosa conseguiu fazer colar o nome de Revolução Gloriosa.
Maria morreu aos 32 anos de varíola sem descendência. Sendo co-reinante com o marido e primo Guilherme III, a sua actuação durante o seu curto reinado de cinco anos (1689-1694) foi muito discreta. Porém, assim como Tutankhamon se tornou num dos faraós mais conhecidos apenas por ter morrido e ter sido enterrado, um dos aspectos mais conhecidos do reinado de Maria II acabou por ser o da música do seu funeral, composta expressamente para aquela ocasião pelo compositor barroco Henry Purcell (acima) e popularizada 277 anos mais tarde numa versão tecno na abertura do filme Laranja Mecânica

14 setembro 2010

GOZA, GOZA...

Este gajo acima aproveitou o blogue que tem no Expresso para gozar com uma eventual candidatura presidencial do recém-condenado Carlos Cruz. Esqueceu-se do exemplo deste outro gajo abaixo, que também foi condenado, mas que conseguiu persuadir 32.400 otários (não têm outro nome…) a reconduzirem-no para a presidência da Câmara de Oeiras para os gamar (a eles e aos outros, onde me incluo) um pouco mais…
Adenda: Até porque, como lembrou muito bem a Maria do Sol, Oeiras marca o Ritmo!

13 setembro 2010

MAIS HISTÓRIAS POR DETRÁS DE FOTOGRAFIAS

Embora, como se pode observar pelas fotografias mais abaixo, existam muitas outras fotografias documentando as operações dos alemães contra a Insurreição do Gueto de Varsóvia que teve lugar entre Abril e Maio de 1943, esta que inseri acima tornou-se a mais famosa de todas, ganhou mesmo um estatuto iconográfico entre as inúmeras fotografias da Segunda Guerra Mundial, sendo uma das que melhor simboliza o Holocausto.
Mesmo aparecendo repleta de pessoas, o observador identifica facilmente nela quem são os dois protagonistas: o algoz (no vermelho diabólico) e a vítima (no branco angelical). E conheçamos um pouco das suas histórias pessoais que, se essas histórias dos protagonistas pudessem ser adicionadas em legenda às fotografias, elas, se calhar, tornar-se-iam muito mais complexas e poderiam perder o seu valor como instrumento de propaganda…
O algoz chamava-se Josef Blösche e tinha 31 anos. Tinha um posto equivalente ao de 1º Cabo nas SS. Empunha uma arma (MP-18) que datava já da Primeira Guerra Mundial, num claro indício da pouca relevância militar que os alemães atribuíam à Insurreição do Gueto. Julgando pelas aparências, Jozef Blösche parece ser uma daqueles podões com quem instintivamente se antipatiza e os relatos confirmam-no: era prepotente e cruel.
Como Adolf Hitler, Blösche não era alemão. Nascera no Império Austro-Húngaro, na região dos Sudetas que viera a ser atribuída em 1918 à Checoslováquia e que só em 1938 fora anexada ao Reich alemão. Antes dessa anexação, Blösche já se tornara num activista político do partido pró-germânico local e por isso naturalmente tornou-se logo num filiado do NSDAP depois dela. Terá aí adquirido contactos que facilitaram a sua entrada nas SS.
Blösche conseguiu passar toda a Guerra longe das frentes de combate... Foi capturado em 1945 pelos soviéticos, trabalhou como prisioneiro até 1947, época em que sofreu um acidente que o desfigurou. Depois, por causa da expulsão dos Sudetas da Checoslováquia, veio a instalar-se na Turíngia (Alemanha Democrática) onde casou. Só veio a ser identificado e preso cerca de 20 anos depois disso, em Janeiro de 1967. Foi executado em Março de 1969.
Mais complicada é a identificação da vítima. Existem diversas hipóteses sobre quem seja, algumas de crianças que não sobreviveram, só com a hipótese de Tsvi Nussbaum (então com 8 anos) acontece o contrário. Mesmo sem certezas, vale a pena contar pelo simbolismo a história dos Nussbaums. Assim como Josef Blösche não era um alemão genuíno, também a história da família de Tsvi antes da Guerra contém o seu paradoxo:
É que a família tinha emigrado para a Terra Prometida em 1935, onde aliás Tsvi tinha nascido. Mas regressaram em 1939 à Polónia porque não se adaptaram à Palestina… Deportado para Bergen-Belsen, Tsvi foi o único a sobreviver ao Holocausto. Depois de 1945, ainda viveu por oito anos na terra que o vira nascer, mas acabou por se mudar com 18 anos para os Estados Unidos onde se tornou médico otorrinolaringologista.

Enfim, uma história com um carrasco nazi que não era alemão e com um judeu que não se quis instalar na Terra Prometida...