04 abril 2007

A PEDIDO DE VÁRIAS FAMÍLIAS…

Suspeito que haverá alguns professores maldosos no Brasil que encarregaram os seus alunos de fazer trabalhos sobre as religiões existentes nos territórios que outrora formaram o Império Romano do Oriente. Não exagerarei quando disser que já encontrei pelo menos uma dezena de visitantes que aqui vieram ao blogue à procura especificamente dessa informação. E, em atenção a essas variadas famílias brasileiras aí vai uma pequena história do Império Romano do Oriente e das suas religiões actuais.

Se a história é – como qualquer poste de blogue – necessariamente breve, a duração do Império não o é. O Império Romano do Oriente, que corresponde à metade oriental do Império Romano conforme se observa no primeiro mapa, teve uma duração que superou os 1.000 anos: de 395 d.C. até 1453 d.C. Para os padrões medievais europeus era um estado de uma complexidade e sofisticação muito avançada, assente em três parâmetros identificativos: direito romano, cultura grega e religião cristã ortodoxa.

Mas não começou assim. Ao princípio, logo depois da separação do Ocidente (e da subsequente queda deste) era um verdadeiro Império, aglomerando a heterogeneidade e rivalidade das três grandes regiões que, mesmo assim o compunham, cada qual com a sua metrópole: o Egipto e a sua capital Alexandria, o Oriente e a sua grande cidade comercial, Antioquia, e finalmente os Balcãs e a Ásia Menor, conectados pela grande capital do Império, Constantinopla.
Cada uma daquelas três regiões, embora a maioria da população se tivesse tornado cristã, acabaram a distinguir-se entre si por ela professar ritos religiosos distintos: designados por coptas no Egipto, por jacobitas na Síria e por ortodoxos em Constantinopla. E, mesmo quando o Império Romano se reexpandiu para Ocidente no reinado de Justiniano no Século VI (mapa acima), a anexação ainda adicionou o catolicismo romano àquele, já complexo, puzzle religioso.

As divergências acabavam por não representar nada de substantivamente diferente quanto ao essencial da mensagem cristã (tal qual havia sido definida no Concílio de Niceia em 325). Mas, quando são utilizadas para fins políticos, as pequenas diferenças doutrinárias podem parecer abismos impossíveis de transpor: vejam-se, por exemplo, as rupturas no movimento comunista internacional do Século XX entre leninistas, trotskistas ou maoistas. Algo semelhante aconteceu naquela época, só que associado à natureza de Cristo e à procedência do Espírito Santo

A disputa política – disfarçada de teológica – foi levada a extremos tais dentro do Império Romano do Oriente que frequentemente Alexandria e Antioquia, como capitais regionais, procuravam ser neutrais nas disputas de Constantinopla com os seus inimigos externos, quando não mesmo se opunham aos interesses do centro do Império. E no Século VII, por ocasião da expansão islâmica, a adesão dos cristãos não ortodoxos à nova ordem dos invasores foi maciça, onde passaram – convertidos à nova fé ou não – a constituir a maioria dos quadros não militares.
Havendo vantagens materiais para o fazer, normalmente nunca houve coacção para que houvesse uma conversão do cristianismo para o islamismo entre as populações dos países que hoje são o Egipto, a Jordânia, Israel, o Líbano ou a Síria. Ela foi-se processando gradualmente. Actualmente em todos eles (com excepção de Israel, cujo povoamento é resultante da imigração maciça moderna de judeus, mas a realidade entre a população palestiniana é idêntica à dos outros países mencionados) há minorias cristãs, que podem variar entre os 5 (Jordânia) e os 35% da população (Líbano). Mas a sua proporção tem vindo a baixar no último século, porque a tendência para emigrar é muito superior entre os cristãos: na Síria, por exemplo, a proporção de cristãos baixou de 17% (1958) para 10% (2001).

Regressando ao passado, o Império Romano conseguiu a proeza notável de resistir ao impacto da expansão islâmica (acima) que alcançou tanto a França como a Índia, embora ficasse mais reduzido em extensão, mas com a vantagem de ser tornado muito mais coeso, englobando apenas a Ásia Menor e as regiões europeias, onde apenas predominava o cristianismo ortodoxo. As maiores pressões que o Império passou a sofrer vinham agora das regiões europeias, onde os povos eslavos (búlgaros, sérvios) estavam a procurar criar estados de confissão ortodoxa mas independentes da tutela imperial de Constantinopla.

Da batalha de Manzikert (1071), travada no século XI entre romanos* e turcos, ficou o simbolismo do início da perda progressiva da influência do velho Império nas regiões da Ásia Menor perante a constante pressão dos povos turcos, de religião islâmica. Mas também a população local, sujeita ao poder turco, se foi convertendo progressivamente. Nos últimos grandes momentos do Império (meados do século XIII - abaixo em azul), ele agrupou-se à volta do Mar Egeu, tanto nas suas costas europeias (onde se situa a Grécia moderna) como nas asiáticas, numa disposição parecida com a do período áureo da civilização da Grécia Clássica**.
O Império Romano do Oriente extinguiu-se quando Constantinopla foi tomada pelos turcos em 1453, enquanto o Império Otomano por eles fundado continuou a expandir-se pela Europa balcânica convertendo alguns dos povos conquistados (albaneses e bósnios) à religião muçulmana. O retrato religioso do Império Otomano (abaixo a sua configuração no apogeu de 1580) que, em mais do que um aspecto, pode ser considerado sucessor do Império Romano do Oriente, é bastante complexo, com cristãos e muçulmanos coexistindo em todo os lados, os primeiros geralmente em maioria na Europa, os segundos na Ásia.
Só no princípio do Século XX, através de um gigantesco (e pouco divulgado) processo de transferência recíproca de populações a Grécia e a Turquia modernas adquiriram uma verdadeira homogeneidade religiosa – assunto aqui tratado num poste anterior. De resto, todos os outros países que pertencem a regiões que fizeram parte outrora do Império Romano do Oriente ainda aqui não mencionados, quando são maioritariamente cristãos (Sérvia, Bulgária, Chipre) têm minorias muçulmanas, e quando são maioritariamente muçulmanos (Albânia), têm minorias cristãs.
Como é que é? Deu ajuda no trabalho? As respostas podem endereçar-se para o meu correio: herdeirodeaecio@hotmail.com

* Note-se que entre os historiadores ocidentais se criou o hábito de designar os romanos por bizantinos, para fazer esquecer que eram eles eram os verdadeiros e legítimos – sem interrupções! – herdeiros das instituições políticas romanas. Aliás, árabes e turcos, para quem essas controvérsias eram irrelevantes, designavam os habitantes do Império colectivamente pelo nome de Rum.
** Uma fracção apreciável das cidades da Grécia clássica – a começar pela famosa Tróia – situa-se na actual Turquia ocidental.

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