31 julho 2018

A ESTREIA DE «DAD'S ARMY» NA BBC

31 de Julho de 1968 foi o dia da transmissão do primeiro episódio de «Dad's Army» na BBC. A série cómica nunca foi transmitida em Portugal, embora os portugueses reconheçam o estilo do humor por causa de outra série dos mesmos autores que também decorre na Segunda Guerra Mundial: «'Allo, 'Allo!». Neste caso percursor de «Dad's Army», em vez da ocupação e da resistência em França, a paródia incide sobre os próprios britânicos e os seus preparativos para a defesa na hipótese de uma invasão alemã da Grã-Bretanha em 1940 e nos anos seguintes. O dispositivo de defesa britânico incluía unidades territoriais («Home Guard») compostas de voluntários, que eram civis durante o dia, mas que preenchiam as noites e seus tempos livres em tarefas de antecipação da invasão. Esses voluntários eram indivíduos inelegíveis para o serviço militar (normalmente por causa da idade), o que conferia às unidades um aspecto grisalho, algumas contingências quanto ao seu desempenho em manobras e ainda essa alcunha de o exército do paizinho, que a série se limitou a recuperar. O humor gira à volta das idiossincrasias dos membros de uma dessas unidades locais, na vila costeira imaginária de Walmington-on-Sea.
Logo o genérico da apresentação (acima) é uma animação com umas setas com Union Jacks a desembarcarem de peito feito no continente, apenas para levarem uma tareia das setas com as cruzes gamadas, uma indicação que a série constitui uma revisitação irónica do passado e da narrativa heroica que se construíra à volta desse período de 1940-41. (as fotografias e o vídeo são a preto e branco porque os originais assim o eram: a BBC 1 só passará a emitir a cores em Novembro de 1969). Mais de 25 anos passados, em 1968 era uma nova geração de ingleses que reapreciava os acontecimentos, geração essa que já se apercebera que a tal «finest hour» da retórica churchilliana, os sacrifícios de guerra e os, praticamente esquecidos, sacrifícios do pós-guerra não haviam impedido que a prosperidade dos britânicos, quando em comparação com a de outros povos, assim como a condição do país como superpotência mundial, fossem agora coisas do passado. Em Inglaterra, uma nova geração tinha direito a exprimir a sua reapreciação sobre esse passado. E em Portugal faltavam ainda três dias para que a antiga geração caísse da cadeira. O mesmo género de humor era impensável embora quem fizesse a mesma revisitação irónica ao passado, tinha que concluir algo de muito parecido: que, apesar da indisputável habilidade negocial como Portugal preservara a sua neutralidade durante a Guerra, o país se encontrava então, quando em termos relativos, política e economicamente, muito mais frágil do que já estivera 25 anos antes.

30 julho 2018

A AMEAÇA DE «GOVERNMENT SHUTDOWN»

Em Novembro de 2015, um ano antes de ser eleito presidente, Donald Trump atacava o seu antecessor, considerando que seriam os historiadores a culpar Barack Hussein Obama se ocorresse algum «government shutdown» (expressão de difícil tradução para português, qualquer coisa como suspensão da governação). E, porque considerava que essa responsabilidade recairia sempre sobre o presidente, criticava os congressistas republicanos por não saberem negociar com Obama em posição de força. «São uns horríveis jogadores de poker. Horríveis.» - lamentava-se. Pois bem, agora o presidente é ele e, como já nos habituámos, desdiz tudo o que dissera. Agora os historiadores e o julgamento da História não são precisos para nada, é ele próprio, Donald Trump, que ameaça precipitar o «government shutdown» se os congressistas democratas não votarem de acordo com as suas intenções quanto ao muro, como se estes últimos não tivessem memória (dois anos e meio devem ser uma eternidade...) e fossem outros "horríveis jogadores de poker", daqueles que nem sabem reconhecer um bluff...

29 julho 2018

A CRIAÇÃO DA NASA

29 de Julho de 1958. Há 60 anos o presidente Eisenhower assinava a legislação que criava uma nova autoridade que supervisionaria a partir daí todo o programa espacial civil dos Estados Unidos. Os acontecimentos que estão por detrás do início da Corrida Espacial (o lançamento pelos soviéticos do Sputnik 1 e 2) são conhecidos. A humilhação acirrada sentida pelos norte-americanos também. O que é menos recordado foi a constatação posterior que que uma boa causa para a ultrapassagem naquele campo pelos soviéticos se devera a uma péssima coordenação de esforços e a uma total dispersão de recursos entre os programas concorrentes de cada um dos três ramos das forças armadas: o Atlas da Força Aérea, o Redstone do Exército e o Vanguard da Marinha. A primeira reacção da administração foi a de optar pelo projecto da Marinha - quiçá por possuir um melhor lóbi... - e o resultado foi um fiasco, o que acentuou ainda mais a sensação de humilhação. O primeiro satélite artificial dos Estados Unidos foi lançado em 31 de Janeiro de 1958 pelo foguetão do Exército. Seis meses depois, a lição fora aprendida e a ideologia descartada. Projectos desta dimensão e complexidade era mais eficaz que fossem superiormente dirigidos ao bom estilo do centralismo e da planificação socialista, em vez da dinâmica da concorrência capitalista. Paradoxalmente, e para quem conheça os detalhes da corrida espacial que se irá disputar entre americanos e soviéticos durante a próxima dúzia de anos, até à chegada à Lua (abaixo), é mais fácil encontrar concorrência e disputas entre os diversos construtores associados ao programa espacial soviético - as rivalidades entre Korolev e Mishin e Chelomei, e entre o segundo e Glushko, por exemplo - do que entre aqueles que estavam sobre a égide da majestática e omnipotente NASA.

28 julho 2018

A CERIMÓNIA DE ABERTURA DOS JOGOS OLÍMPICOS DE AMSTERDÃO

28 de Julho de 1928. Há precisamente 90 anos tinham lugar as cerimónias da abertura dos jogos da IX olimpíada que se realizaram na cidade holandesa de Amsterdão. 2.883 atletas (dos quais 277 - 10% - eram mulheres), vindos de 46 países diferentes, iriam tomar parte nas 109 competições de 14 modalidades que iriam decorrer nos quinze dias seguintes, até 12 de Agosto. Mas o que interessará do episódio é a forma como foi então noticiado e o contraste com a actualidade. Os Jogos Olímpicos não tinham a projecção de hoje. O artigo que o Diário de Lisboa então dedica ao acontecimento aparece publicado apenas na página 5, embora com um certo desenvolvimento (abaixo). Como se perceberá pelo breve vídeo mais abaixo, a cerimónia, incluindo a parada das delegações e os milhares de atletas presentes, o acender da chama e os juramento olímpicos, já terá tido algo de verdadeiramente imponente.
E no entanto, omisso do noticiário, está o facto de a delegação francesa não ter desfilado, em protesto por um incidente que ocorrera no dia anterior, entre funcionários daquela delegação, que vinham em missão de reconhecimento, e um porteiro do estádio, que os impedira de entrar. Da confusão que se gerara, um dos funcionários acabara agredido na cara, e os franceses haviam exigido do comité organizador um pedido de desculpas (prestadas), assim como o despedimento imediato do conflituoso porteiro. No dia seguinte, aperceberam-se que o homem lá continuava... e a decisão de boicotar a cerimónia foi tomada. Uma decisão emotiva mas não considerada, já que os fez assistir, despeitados, à maior ovação da cerimónia que foi dispensada à delegação dos rivais alemães, que regressava pela primeira vez aos jogos, depois de, como vencidos da Grande Guerra, terem sido impedidos de participar nas duas olimpíadas anteriores (1920 e 1924). Fosse hoje e, mais do que uma notícia, toda a história do boicote francês teria sido o destaque do dia...

A NATO DAS ARÁBIAS


Sempre que Donald Yosemite Trump torna a insistir naquela ideia da NATO das Arábias lembro-me do que acontece com a NATO original mas sobretudo destes desenhos animados com o verdadeiro Yosemite Sam, especialmente a sua relação complicada com a domesticação do dromedário...

UM MUNDO DIRIGIDO(?) A «FLASHCARDS»?

Por esta vez, a expressão condoída de Jean-Claude Juncker nos jardins da Casa Branca não se deverá à ciática. A acreditar naquilo que veio a ser soprado ao Wall Street Journal por um anónimo «funcionário europeu» ( e depois posto a correr pelo resto dos media), terá sido extenuante o trabalho do presidente da comissão para explicar quais as posições europeias a Donald Trump recorrendo a flash cards híper coloridos e ultra simplificados - não mais de três números em cada cartão. Mas uma meras 48 horas depois do encontro já se torna evidente que o método pedagógico não resultou, quando Juncker se vê obrigado a contradizer afirmações posteriores de Trump aos seus agricultores. O acordo não foi bem um acordo, assim como já havia acontecido em Singapura, em Helsínquia, etc.
A diplomacia da era Trump está a tornar-se numa coisa previsivelmente reversível. E eu até percebo que os responsáveis em Washington DC tenham que se resignar a gerir este handicap de ter um presidente como Donald Trump, não sei se tão estupido quanto o descrevem, mas que é claramente ignorante, superficial e orgulhoso de o ser. Agora o que é ridículo são as tentativas de promover esse defeito a virtude, como se tem visto cada vez mais, Porque uma coisa, para ir buscar uma referência clássica à Antiguidade, é registar a existência dos imperadores loucos (casos de Calígula ou Nero), outra coisa é argumentar que os seus reinados foram vantajosos para a subsistência do Império Romano.

27 julho 2018

A ESPECULAÇÃO E A INDIGNAÇÃO

Subitamente, no espaço de menos de uma semana, ficámos a saber de dois espectaculares negócios de valorização imobiliária, envolvendo dois protagonistas bem apartados quando se pensa no seu posicionamento no espectro partidário: António Preto do PSD e Ricardo Robles do BE. Não vale a pena descrever os detalhes. E aceitemos pacificamente a coincidência. Mas, entre as indignações que se manifestaram e manifestam nas redes sociais, apreciemos como é proporcionalmente pequena a intersecção dos conjuntos daqueles que se mostram indignados com um e com outro negócio.

26 julho 2018

O COMPORTAMENTO PADRÃO EM ALGUNS GRUPOS PARLAMENTARES FACE AOS DESENVOLVIMENTOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O estudo terá sido feito pela Lusa, mas a notícia li-a no Expresso, hierarquizando os deputados desta legislatura pelo seu comportamento mais desalinhado em relação ao sentido de voto do grupo parlamentar a que pertencem. A lista é encabeçada e dominada por deputados socialistas. Mas o que mais me interessou na notícia foi a constatação de que à sua esquerda o desalinhamento é raríssimo, no caso dos comunistas, ele é mesmo inexistente: não há qualquer registo de desalinhamento entre os seus 15 deputados nestes dois anos e meio de trabalhos parlamentares. Com o desenvolvimento acelerado que a inteligência artificial tem vindo a registar, acredita-se que a muito breve prazo existirão máquinas muito mais autónomas do que os nossos parlamentares comunistas.

25 julho 2018

UMA MANOBRA DE DIVERSÃO INFORMATIVA CLÁSSICA

O quadro acima é para começar a ser lido pelo centro, da direita para a esquerda e de baixo para cima. Começa-se pelas notícias mais antigas, as de há duas semanas (11 e 12 de Julho), em que se ficou a saber que o Antigo rei terá bens ocultos sob o nome do primo, que Juan Carlos terá usado amante para proteger a filha e que Técnicos do fisco pedem inquérito a Juan Carlos. Pelo conjunto percebia-se então que, à volta do antigo monarca espanhol se estaria a formar um remoinho mediático, remoinho esse que esta semana irrompeu como um tornado escandaloso: o assunto, agora já qualificado de crime, chegou ao parlamento espanhol (Parlamento debate alegados crimes de Juan Carlos). E no desenvolvimento de hoje, explica-se que o Rei emérito Juan Carlos deixou de ter imunidade. E a substância das acusações a Juan Carlos deve ser séria e fundamentada, porque o que se assiste em defesa do ex-monarca nesse mesmo terreno do mediatismo é a uma manobra de diversão das clássicas, agitando a questão do divórcio do filho, assunto com um bom potencial de substituir e obscurecer mediaticamente o anterior, conhecida que é a profunda antipatia gerada pela sua nora.

O SABOR ESSENCIAL DO SORVETE

Como explica o letreiro, aquele sabor não tem açúcar, nem ovo, nem lactose, é completamente vegan e nem tem calorias. Aqui para nós, também não deverá ter grande sabor, mas cumpre a sua missão de ser refrescante. Tal a sua pureza e os seus predicados, estará para os sorvetes como alguns dos posicionamentos políticos mais radicais, aqueles que resolvem os problemas da sociedade mas passando por cima daquilo que elas são. Imagino facilmente Francisco Louçã a comer um copinho daquilo...

24 julho 2018

UMA LINGUAGEM CORPORAL ELOQUENTE

Previne-se o leitor que não será preciso ver os vídeos na totalidade. Os primeiros minutos de cada um servirão perfeitamente para constatar o contraste da linguagem corporal de Vladimir Putin quando ele se encontrou há cinco anos com Barack Obama no âmbito de uma cimeira do G8 na Irlanda, e quando do encontro deste mês com Donald Trump na cimeira que os juntou na Finlândia.

Em qualquer dos dois casos, Vladimir Putin está a fazer a mesma coisa: um apanhado do teor das conversações que ele acabara de realizar com o seu homólogo norte-americano. Mas, mesmo que não se perceba directamente nada do seu discurso (em russo), a diferença da sua linguagem corporal pode perfeitamente substituir-se a essa incompreensão: desta última vez, Putin mostrava-se completamente à l'aise...

E, já agora, vale a pena recordar como a vida pode dar muitas voltas. Em 1995 era o presidente dos Estados Unidos (Bill Clinton) que se mostrava relaxado, bem humorado até, quando o seu homólogo russo (Boris Yeltsin, um alcoólico) fazia o mesmo apanhado do teor das conversações havidas. Era a época em que, por sua vez, nos Estados Unidos não se levava a liderança russa a sério e se apoiava a sua reeleição...

OS CÃES LADRAM E A CARAVANA PASSA, MAS...

...à entrada desta povoação chinesa(?) sempre afixaram um aviso aos caravaneiros.

23 julho 2018

A LÓGICA E A DESORDEM INTERNACIONAL

Pelas leis da Lógica (um ramo do saber que existe independentemente de quem ocupa a presidência dos Estados Unidos...), o encadeamento destas duas notícias, separadas apenas por 72 horas, teria despertado reacções, questionando sobre o que estaria a acontecer quanto à coordenação da política externa dos Estados Unidos em relação à questão da Coreia do Norte. O presidente diz que «não há pressa» e que as relações «são muito boas» enquanto o secretário de Estado exige da ONU a «plena aplicação das sanções»? Contudo, os media mal deram destaque ao assunto. Mais do que os habituais comentários dos especialistas de relações internacionais convidados para aparecer na televisão, esta «impunidade» é demonstração suficiente do desaparecimento de uma certa ordem internacional. As declarações e as atitudes dos protagonistas perderam consequência e coerência. E o fenómeno tem um nome. Apenas outras 72 horas passadas e, desta vez, Donald Trump parece estar muito zangado com o presidente do Irão...
O presidente iraniano não deve estar particularmente impressionado porque este género de bate bocas não são nada a que já não se tenha assistido (abaixo). E veja-se como agora o mesmo Trump considera que as relações com a Coreia do Norte «são muito boas»... e também como tudo continua essencialmente na mesma, tal qual o herdado de Barack Obama.

22 julho 2018

«JERRY, JUST REMEMBER. IT'S NOT A LIE... IF YOU BELIEVE IT...»


Em 1995, quando foi transmitido originalmente, a frase em título era apenas uma punch line para rir, proferida pela personagem George Costanza, num dos episódios da popular série cómica Seinfeld. Mais de vinte anos depois a mesma frase tornou-se numa circunstância incontornável da vida política americana e... perdeu uma grande parte da piada... porque parece que se tornou verdade.

Por décadas a Opinião Publicada dos Estados Unidos considerara arrogantemente ele era a feitora da opinião pública. O Washington Post estivera na origem do derrube de Nixon e George Bush pai perdera a reeleição porque mentira descaradamente aos americanos. Mas, após o que aconteceu em Novembro de 2016, quando esse Opinião Publicada falhou em antecipar a eleição de Donald Trump, a atitude parece ter passado, rápida mas complexadamente, do oito para o oitenta. Agora, frustradamente, a mesma Opinião Publicada assume que nada daquilo que se possa noticiar sobre as asneiras de Trump terá consequências em mudanças da opinião pública. O «eleitorado de Donald Trump» é uma construção política nova, impenetrável, são pessoas que, municiadas pelo que sabem pela Fox News e relacionados, não mudam de opinião.

21 julho 2018

A PRISÃO DE RADOVAN KARADZIC

21 de Julho de 2008. Depois de ter desaparecido em 1995, as autoridades sérvias anunciam a captura do antigo dirigente da comunidade sérvia da Bósnia, Radovan Karadžić. O foragido de treze anos, sobre o qual pendiam graves acusações por crimes de guerra e genocídio formuladas pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, vivia em Belgrado, com uma falsa identidade e uma aparência retocada (acima). A protecção passiva de uma dúzia de anos de que gozara, por parte dessas mesmas autoridades sérvias que agora anunciavam a sua captura, só terá desaparecido quando estas se terão apercebido que o arrastamento da situação apenas estaria a penalizar a aceitação da Sérvia entre a comunidade internacional. O julgamento de Karadžić, repleto de incidentes causados pelo réu, demorou quase oito anos. Conclui-se em Março de 2016 com a sua condenação a 40 anos de prisão (abaixo). Também vale a pena contar as histórias em que os culpados pagam pelos seus crimes.

19 julho 2018

O PEQUENO LIVRO VERMELHO COM AS CITAÇÕES DO PRESIDENTE TRUMP

Mesmo que inspirado no do presidente Mao, este outro pequeno livro vermelho com as citações do presidente Trump distingue-se daquele que o inspirou por estar dividido numa primeira metade com citações... que são todas frontalmente desmentidas pelas da segunda parte do livro que se lê virando-o ao contrário. O trumpismo é isso mesmo: desdobrável em duas personalidades.

BATALHA DE ALARCOS

19 de Julho de 1195. Reinava em Portugal Sancho, o Povoador, então homem maduro com 40 anos de idade. E em terras de Castela-a-Nova o seu homólogo de Castela, Alfonso VIII preferia afrontar isoladamente as forças almóadas do califa Abu Iúçufe Iacube naquela que viria a ser conhecida pela batalha de Alarcos. Seria um risco para os castelhanos, mas muito maiores seriam os despojos para o vencedor em caso de vitória, não tendo que os repartir com as outras monarquias cristãs peninsulares: Aragão, Leão e Portugal. Para ser diferente das ilustrações que, nesta época, nunca são de época, vale a pena acompanhar a batalha numa reconstituição através do traço e da imaginação de William Vance, o autor que retratou esta batalha em 1974 para a sua série medieval Ramiro.

18 julho 2018

COMO NO MONOPÓLIO, REGRESSAR À CASA PARTIDA E NEM RECEBER OS $200 A QUE TERIA DIREITO

Em balanço retrospectivo, o périplo de Donald Trump pela Europa foi mau. Até mesmo no aspecto mediático, que é aquele que, em última instância, a sua administração procura sempre salvaguardar. Se virmos o episódio na perspectiva de um jogo do monopólio, o périplo europeu foi como dar a volta ao tabuleiro, pagando alugueres em todas as casas onde se caiu e, no fim, nem se chega a receber os $200 quando do regresso à casa partida. E tudo isso por causa da bocarra de Trump, por ser estúpido, ignorante e indisciplinável. Começou por insultar a Alemanha e, durante a cimeira da NATO, tal foi a dureza das suas palavras que, como quem agarra com força demais um sabonete durante o banho e este lhe sai a voar disparado, os aliados reagiram em uníssono. Um susto diplomático, mas todas as implicações daquilo que ficou acordado parecem revelar-se indiferentes aos objectivos iniciais irrealistas que Trump anunciara. Depois, foi ao Reino Unido, provavelmente com a intenção de pavimentar um futuro acordo comercial com o mais firme aliado de sempre Estados Unidos, estando ele em vias de abandonar a União Europeia. E aconteceu-lhe dar uma entrevista onde criticava a anfitriã, a primeira-ministra Theresa May... Depois desdisse-se, e foi pior a emenda que o soneto, porque o jornal a quem a entrevista foi dada exibiu as gravações originais da entrevista. A visada, seguindo as regras da diplomacia, aceitou graciosamente as explicações e depois retribui-lhe proporcionalmente, mas sem qualquer comentário, mencionando uma das idiotices que Trump lhe sugerira como solução para o seu dilema político - processar a União Europeia! Ainda a bola dos disparates não batera no chão, e já o expedicionário se esmerara em mais uma calinada, desta vez elegendo a União Europeia como o primeiro inimigo dos Estados Unidos. Depois, tentou indirectamente emendar a mão, e correu mal. Mas aquilo que mais impacto negativo terá tido na frente política doméstica - a que verdadeiramente preocupa Trump - foi o encontro de Helsínquia entre os presidentes americano e russo. Sobre o que lá foi dito, houve um chorrilho de críticas, bem mais alargado no espectro partidário do que o que é costume (ouviram-se mesmo críticas na Fox News!), mas a reacção inicial de Trump foi a tradicional, desmentindo tudo. Mas algo deve ter sido entretanto devidamente sopesado nos ciclos próximos do presidente, para que ele viesse admitir, por uma vez, que se explicara mal - ou seja, tinha dito aquilo, mas não era bem aquilo que ele queria dizer... É interessante considerar que, se Donald Trump se tivesse deixado ficar por Washington DC e não tivesse ido a lado nenhum, estaria agora, ele, mas também o seu país, numa posição politica muito mais confortável do que aquela em que se encontra.

17 julho 2018

«YELLOW SUBMARINE»


17 de Julho de 1968. Estreia mundial em Londres do filme «Yellow Submarine». Sempre o considerei um filme que não se sabe muito bem em que consiste: é uma animação, um musical, ou então o quê? Às cores garridas e às formas bizarras dava-se a classificação de psicadélicas e era de rigor na época. Para cúmulo, havia ainda aquela pressão para que, tratando-se de The Beatles, ter de se lá encontrar "mensagens": evidentes ou subliminares. A esta distância, saudades mesmo de animações musicadas, tenho sobretudo das incursões de Bugs Bunny pelo mundo da música.

16 julho 2018

A «RECUPERAÇÃO» DE UM EXILADO POLÍTICO BÚLGARO

16 de Julho de 1975. Empurrado para uma página interior, a do Desporto, o Diário de Lisboa dá conta daquilo que designa como a "recuperação" (entre aspas) de um atleta búlgaro, «várias vezes campeão nacional» do seu país que fazia dois anos desertara e recebera asilo político na Alemanha Ocidental. Segundo continuava a história, a "recuperação" dera-se porque o exilado cometera o erro de continuar a encontrar-se com «uma amiga» mas em Berlim-Leste, na Alemanha Oriental, um dos países comunistas aliados da Bulgária. A notícia não especifica, mas terá sido certamente a reputada Stasi a "recuperar" o exilado político e a entregá-lo às autoridades búlgaras, onde se encontrava em «regime de detenção preventiva». As ditaduras são sempre a mesma coisa, sejam de esquerda ou de direita. Mas o que vale a pena assinalar é a dualidade de critérios das notícias neste jornal comunista, pois se o exilado em questão fosse, por exemplo, um cantor chileno, e os autores da "recuperação" fossem os espanhóis (então ainda sob a ditadura franquista) era certo e sabido que o Diário de Lisboa não o iria noticiar desta mesma forma ligeira na página interior dedicada às Artes e Espectáculos... Esta coisa das fake news, a adulteração das notícias, não começou com as acusações de Trump; ele deu-lhe foi um novo nome a uma prática que, como vemos, é bem antiga...

COMO SE DONALD TRUMP TIVESSE DADO UM TRAQUE EM PLENA CERIMÓNIA

Esta é a expressão instantânea, não depurada, de Theresa May quando explicava numa entrevista à BBC que o conselho que Donald Trump lhe dera de como conduzir o processo de separação do Reino Unido da União Europeia fora... processar a União Europeia («...sue the EU»). A imagem valerá por mil palavras, tanto mais que novecentas e noventa delas não podem ser ditas, muito menos diante das câmaras da BBC. Mas o que maravilha é a forma quase unânime como a opinião publicada de todo o Reino Unido se solidariza com a sua primeira-ministra, na sua discrição de não arrasar as idiotices de Donald Trump, colocando uma ou duas perguntas pertinentes: a) Em que Tribunal (ou seja, sob que autoridade judicial) o Reino Unido interporia a acção contra a União Europeia?... ou b) Qual a fundamentação do processo, já que a iniciativa da denúncia do contrato foi do próprio Reino Unido quando votou favoravelmente o referendo do Brexit?... Todo este silêncio solidário (mas incomodado) que rodeia um completo disparate, faz lembrar aquilo que a etiqueta e as boas maneiras preconizam quando o convidado dá um sonoro traque em plena cerimónia de gala: a cerimónia continua como não tivesse acontecido nada...

15 julho 2018

«THE SHINNING» TWINS

Assim como no filme The Shinning (1980) apareciam as duas assustadoras (creepy) gémeas oriundas do passado propondo-se brincar com a criança do presente, esta espécie de reencenação de Cimeira Americano-Soviética nos moldes clássicos das realizadas durante a extinta Guerra Fria (para mais a realizar-se cuidadosamente em terreno considerado neutro por esses padrões antigos, como é o caso da Finlândia), tudo isso se torna numa coisa assustadora, não apenas pela pretensão de um bilateralismo mundial que, na realidade, todos sabem que já não existe, como também pelo carácter confuso da agenda do que ali se vai discutir, mas sobretudo pela imagem creepy mundialmente projectada pelos dois protagonistas. Trump e Putin são pessoas desagradáveis e juntos são duas pessoas sinergeticamente ainda mais desagradáveis.

A CONQUISTA DE JERUSALÉM

15 de Julho de 1099. Conquista de Jerusalém pelos cruzados. Foi há 919 anos mas ainda ontem se assinou mais um cessar-fogo na região, embora não tenha a certeza que o problema seja ainda o mesmo...

14 julho 2018

IDOLATRAR A MEDIANIA

Hoje, ao apreciar a prestação da selecção inglesa no jogo de disputa pelo terceiro lugar do Mundial, lembrei-me do que George Best (que, assinale-se, apesar de britânico, jogou pela selecção da Irlanda do Norte) disse certo dia de David Beckham: «Não consegue rematar de pé esquerdo, não sabe jogar de cabeça, não gosta de defender, nem sabe desarmar os adversários, e não marca muitos golos. Mas, aparte disso, é um bom jogador*». O olho experimentado da estrela veterana não se deixava iludir pela promoção de alguém que a afición inglesa queria fazer passar por um seu longínquo sucessor. Entre as várias idiossincrasias dos ingleses (onde se inclui a insistência em conduzir do outro lado da estrada), subsiste esta necessidade da existência de um panteão muito próprio de futebolistas locais cuja valia aparente raramente sobrevive à travessia do Canal da Mancha**. Nesta promoção insuflada de David Beckham registe-se, com simpatia, a coincidência de, sendo um jogador mediano, ter enchido cabeçalhos por ter casado com uma cantora (Victoria das Spice Girls) que também não se distinguiu na sua carreira por causa das suas qualidades vocais...

* He can’t kick with his left foot, he can’t head a ball, he can’t tackle and he doesn’t score many goals. Apart from that he’s all right.”
** Alguém imagina, por exemplo, Wayne Rooney a vingar como grande estrela num clube europeu do continente?

A APRESENTAÇÃO DA DINAMITE NO REINO UNIDO

14 de Julho de 1867. Os acasos da História fixaram este dia como sendo o da primeira demonstração da dinamite no Reino Unido. O patrocinador do evento foi o seu inventor, o sueco Alfred Nobel, e a demonstração teve lugar numa pedreira em Merstham Quarry, no condado de Surrey. Ao contrário do que se possa pensar à primeira vista, o interesse da demonstração foi mais comercial do que militar. Trata-se de uma região mineira, hoje atravessada por dois extensos tuneis ferroviários, e a dinamite queria revelar-se como um auxiliar inultrapassável na perfuração de galerias subterrâneas. Feita a demonstração, os britânicos aceitaram-no com a tradicional relutância em adoptar um invento não atribuível a um dos seus, mas aquelas as famosas barras cilíndricas com mecha que conhecemos viajaram rapidamente para o outro lado do Atlântico, para os Estados Unidos, onde terão constituído um sucesso ainda maior e uma componente substancial para a fortuna amassada até ao fim do século por Nobel. Tanto terá sido o sucesso e tão mais forte terá sido o mito do novo produto, que a dinamite se veio a tornar um adereço cinematográfico recorrente dos westerns, indispensável mesmo quando o sub-género é o dos western-spaghettis. A coolness de Clint Eastwood a acender a mecha com a beata semi-apagada arrancada do canto da boca (abaixo) tornou-se num dos patrimónios de Hollywood, o único pormenor que costuma ficar de fora desses filmes costuma ser a congruência, já que neste filme (O Bom, o Mau e o Vilão) a acção se situa durante a Guerra Civil americana (1861-65), no mínimo dois antes da demonstração de Alfred Nobel que aqui se evoca...

13 julho 2018

A VISITA DE ESTADO E A ANFITRIÃ DISTRATADA

Aqui há ano e meio, em finais de Janeiro de 2017, ainda Donald Trump não aquecera o lugar na Casa Branca e já circulava na internet a Petição acima, apelando a que se evitasse que o recém eleito realizasse uma visita de Estado ao Reino Unido. E, porque as razões aduzidas neste género de iniciativas não costumam impor-se pela precisão e complexidade, aquilo que então ali se podia ler como justificação para a iniciativa era «porque iria causar um embaraço a Sua Majestade, a Rainha.» O assunto foi discutido (e refutado) num debate parlamentar que teve lugar em Fevereiro de 2017, a compasso de algumas piadas adicionais sobre a etiqueta de Donald Trump a tomar chá com a velha soberana, mas isso não encerrou a questão das características de que se revestiria uma futura visita do inquilino da Casa Branca ao Reino Unido. Tanto assim que, quando a visita que hoje se realiza foi anunciada no passado mês de Abril, percebeu-se que houvera um prolongado trabalho de negociação entre as duas diplomacias: a dos anfitriões teve que responder a uma opinião pública muito dividida, anunciando que a Visita seria de Estado, mas enfatizando que não havia nenhuma Recepção de Estado planeada. Eram atitudes, aliás, que apareciam em sintonia com, por exemplo,a intenção do Speaker da Câmara dos Comuns em não permitir que Donald Trump discursasse naquela casa, uma distinção que fora concedida a Barack Obama, e por isso mesmo capaz de irritar Donald Trump e o seu ego até à medula. Theresa May e o seu governo terão feito o que lhes seria possível para contemporizar os antagonismos, até se arranjou um cházinho com a Rainha, mas Trump está a deixar pelo Mundo fora, especialmente quando destes encontros com os seus homólogos, um rasto de comportamentos imprevisíveis: coincidindo com a sua chegada, dá uma entrevista ao tabloide local The Sun, onde crítica o comportamento da anfitriã e elogia o do seu rival Boris Johnson. Há quem se pergunte se atitudes como esta assinalam o fim de um certo estilo clássico de diplomacia, pelo menos nas relações com os Estados Unidos, enquanto por lá continuar Donald Trump. Seja como for, ano e meio de actuação já deram para compreender um padrão de comportamento de Donald Trump: ele tem sido muito mais sacana para com aqueles que querem manter-se seus aliados do que com aqueles que são seus adversários (vejam-se os dois cartoons mais abaixo).

12 julho 2018

PAPEL HIGIÉNICO ARRUMADO EM FORMATO DE MAIO DE 68

É capaz de ser isto que os contestatários de há cinquenta anos compreenderiam por expressões de «a imaginação ao poder». Enquanto a imaginação lá não chega - ao poder - podemos encontrá-la - em estilo contestatário - logo ao lado da sanita...

COMÉDIAS DE SEMPRE

Há cenas da vida política que são como os filmes clássicos portugueses, como «O Pai Tirano» ou «O Pátio das Cantigas». Fazem-nos sempre rir quando os revemos, se não é por uma coisa, é por outra. O episódio abaixo, plantado deliberadamente na altura no Expresso e agora já com mais de dois anos e meio, pode ser levado à conta de uma réplica moderna à divertidíssima cena dos avisos da chegada da filha da Dona Rosa n«O Pátio das Cantigas». De chorar a rir. Centeno é uma espécie de Vasco Santana, mas em magro, e Pedro Passos Coelho tem aquele mesmo estilo sisudo de nos fazer rir como acontecia com António Silva.
Verdadeiramente de ir às lágrimas. Quanto mais tempo passa, mais piada tem...

11 julho 2018

O COMBATE DO TEJO

11 de Julho de 1831. Uma esquadra francesa, seguindo as instruções do governo francês e sob o comando do contra-almirante Albin Roussin, força a barra do Tejo, derrotando no processo a artilharia dos fortes do Bugio, de São Julião, de Catalazete e a Torre de Belém (na imagem acima), superiorizando-se também às fracas forças navais que se lhe podiam opor, e, depois de fundear diante de Lisboa, vem apresentar um ultimato às autoridades portuguesas (relembre-se que, à época, vigorava em Portugal o regime absolutista de D. Miguel). Os marinheiros franceses sofreram três mortos e onze feridos. Não se sabem as baixas da parte portuguesa, mas parece inquestionável reconhecer que este dia de há 187 anos não terá sido um dos melhores da Marinha Portuguesa. Acirrando a humilhação, o Tratado em que Portugal dava satisfação às exigências francesas foi assinado a 14 de Julho, dia em que os invasores celebram a Queda da Bastilha, um insulto ao legitimismo do governo português.
Acredito que, na época, tivesse havido muitos simpatizantes liberais que tivessem visto com simpatia esta intervenção francesa, para mais quando executada contra o regime absolutista, mas quando ela é observada a esta distância histórica, despojada dos encarniçamentos políticos, trata-se de um episódio de lamentar - mas não de esquecer. É por ele ter sido esquecido que ainda hoje vemos quem, por aí, faça a mesma coisa, mostrando a mesma cegueira política e enaltecendo por conveniência circunstancial, a vinda e o comportamento impositivo dos elementos da Troica há alguns anos. Uma humilhação nacional é sempre uma humilhação mesmo que pretendamos que o não foi, ou que a culpa recai sobre outros que não os nossos.