30 junho 2020

60 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DO CONGO

30 de  Junho de 1960. Convém recordar antes de tudo que, pouco mais de cinco meses antes, ainda andavam os belgas a tentar organizar conferências em Bruxelas para uma transição compassada (i.e. lenta) da sua única colónia africana para a independência. Em vão. A cerimónia ficava marcada para a meia noite de dia 30 de Junho de 1960. Os franceses e os ingleses, como potências coloniais já mais experimentadas nestas coisas das cerimonias das concessões das independências, nunca haviam querido correr o risco de as dignificar com a presença do seu chefe de Estado ou de governo, mas os belgas, quiçá por inexperiência, quiçá por ingenuidade, dispuseram-se a correr o risco. E é assim que temos o soberano belga, o jovem rei Balduíno (1930-1993), a presidir a uma cerimónia solene que irá correr notoriamente mal - porventura será essa a explicação da ausência de som do vídeo acima. No seu discurso, o soberano terá sido genuíno e enfatizado, de uma maneira talvez inapropriada para a ocasião, a obra colonizadora dos belgas. Na resposta, o futuro primeiro-ministro congolês, o também jovem Patrice Lumumba (1925-1961), foi igualmente genuíno nas considerações que teceu sobre o racismo de que se revestira essa obra colonizadora, um gesto também não muito simpático para um novo país, desprovido de quadros, que iria necessitar seguramente de auxílio ao seu desenvolvimento. O rei ficou ultrajado e, por uma hora, as cerimónias estiveram paradas, enquanto os protocolos tentavam compor a situação. O rei abandonou o Congo ainda antes da meia-noite. Em Lisboa, notícias deste género eram música para os adeptos da facção dura da defesa das colónias portuguesas.

29 junho 2020

ASSIM É DIFÍCIL QUALQUER PAÍS TER UMA POLÍTICA EXTERNA...

...porque:

a) Trump não faz a mínima ideia onde fica a Polónia;
b) Trump não perguntou aos militares se fazia sentido mudar os soldados da Alemanha para lá;
c) Trump hoje (a notícia é de anteontem) já nem se lembra do que prometeu.

AINDA A PROPÓSITO DE OS NEGROS AMERICANOS NÃO GOSTAREM DOS SÍMBOLOS CONFEDERADOS...

Este desenho animado com Bugs Bunny e Yosemite Sam tem quase 70 anos (data de 1953). E contém uma passagem sobre a escravatura (entre os 3:00 e os 3:30) em que Bugs Bunny se mascara de negro e de Lincoln, que, sendo cómica, não é nada ingénua sobre o que haviam sido as relações raciais nas terras de Dixie. E esta denúncia do passado era exibida nos tempos em que, por aquelas paragens do Alabama a que se alude no princípio do desenho animado, os negros ainda viajavam obrigatoriamente nas traseiras dos transportes públicos e ainda parecia haver muito por fazer até à igualdade racial... Se os negros continuam a não mostrar grande satisfação com a sua condição e se propõem derrubar as estátuas daqueles que a figura acima de Yosemite Sam procura parodiar, então será porque nestes 70 anos eles consideram que, tendo havido evolução, não se terá evoluído de forma satisfatória para eles no sentido daquela igualdade racial... (a fotografia abaixo é de William Eggleston: o cruzamento entre a negra e o branco algures numa esquina de uma cidade do Sul dos Estados Unidos dos anos 60/70 é um momento trivial, mas a expressão da transeunte - a dele não se vê, nem interessará - pode ser lida como toda uma história de insatisfação com a sua condição, apesar das roupas e do cabelo escorrido).

28 junho 2020

REPÓRTER DA CNN É ASSALTADA EM DIRECTO

Se o filme dos irmãos Cohen tornou popular a expressão «Este país não é para velhos», confesso, por associação de ideias, que fico sem saber para quem é que não é o Brasil quando me deparo com cenas destas, quando uma jornalista de televisão é assaltada, mesmo - e especialmente se - estando no ar! Se calhar é frequente e eu é que não acompanho com detalhe suficiente a actualidade brasileira. É que eu, quanto ao que no Brasil é normal ou é um absurdo, ainda não recuperei da homenagem do presidente Bolsonaro às vítimas da covid... Apesar de tudo e corroborando a minha analogia inicial, notei que este assaltante aqui parece tão focado na sua missão quanto o era Anton Chigurh, a personagem de Javier Bardem no filme supracitado: insistiu e só saiu de cena depois de levar os dois telemóveis da assaltada.

A «JOLA» É DO POVO, NÃO É DO CAPITAL!

28 de Junho de 1980. O PCP fazia-se porta voz da indignação popular pel«a entrega do sector cervejeiro ao capital privado» - «um escândalo nacional». A nacionalização do sector das "bejecas" fora desencadeada em pleno Verão Quente, através do Decreto Lei 474/75 de 30 de Agosto, e constitui ainda hoje uma das mais interessantes peças de museu dos excessos, porventura generosos, mas disparatados do gonçalvismo rumo ao socialismo do PREC. Ao contrário dos critérios evocados em Março de 1975 a respeito dos sectores considerados estratégicos serem detidos pelo Estado e porquê, como haviam sido os casos da banca ou dos seguros, as fundamentações que se podem ler naquele diploma do V Governo Provisório para justificar que as cervejeiras passassem a ser controladas pelo Estado consistiam em:

a) porque a indústria era altamente lucrativa («...a indústria cervejeira sempre constituiu um sector altamente lucrativo...»)
b) porque era uma indústria em expansão («...tendência expansionista do sector ultimamente verificada...»)
c) porque se pretendia coordenar o consumo de cerveja com o de vinho(!) («...conjugar a política cervejeira com a vinícola...»)
d) e porque a indústria gerava "cash-flow" (dinheiro!) («...o sector cervejeiro constitui uma importante fonte de acumulação...»)

Ou seja, concludentemente, as cervejeiras foram nacionalizadas porque davam dinheiro e por isso era melhor que ele fosse para o Estado do que para o bolso dos capitalistas! Mas até isso deixou de ser problema passado um ano: as cinco empresas nacionalizadas deixaram de dar lucro para passar a dar prejuízo! Dois anos e meio depois as cinco empresas foram fundidas em duas grandes empresas: a Unicer e a Centralcer. Só não consegui identificar o responsável a quem devemos agradecer o facto de, nessa reorganização, se ter preservado o aspecto concorrencial do sector: o Norte (Unicer) contra o Sul (Centralcer); a SAGRES contra a SUPER BOCK! É nesta segunda fase que vamos apanhar a indignação comunista no Diário de Lisboa de há quarenta anos. Como acima se pode ler, a fabricação de cerveja era, para o PCP, «um sector básico da Economia». Na sua concepção, para a classe operária e o povo trabalhador, a mine de 20 cl fora uma conquista de Abril, em substituição do tradicional penalti que dera o pão a um milhão de portugueses nos tempos do fascismo! Aquilo que o povo bebe não pode ser entregue aos capitalistas!

Quase cinco anos depois da nacionalização inicial, e por um mesmo empenho generoso e disparatado só que de sinal contrário, o VI Governo de Sá Carneiro propunha-se então revertê-la, enquanto o PCP se escandalizava contra «a pretensão do Governo Sá Carneiro de entregar a exploração das duas empresas públicas cervejeiras ao grande capital». Na verdade, em décadas de propaganda não me lembro dos comunistas se referirem neste contexto ao capital de outra forma senão como grande(!). Mas a verdade era que, sendo uma excelente peça de propaganda (e por isso o Diário de Lisboa a promovia...), todo este ultraje dos comunistas era desnecessário porque a intenção governamental era prematura: havia os limites constitucionais que impediam que a privatização do negócio da «jola» tivesse suporte legal e tudo ficou como dantes. Só dali por dez anos, em 1990 é que as duas empresas foram privatizadas, a Unicer primeiro e a Centralcer depois. O processo da privatização total da primeira daquelas empresas viria até a ocorrer, por coincidência, precisamente dez anos, dia por dia, depois da data da notícia acima, a 28 de Junho de 1990, como se comprova pela notícia abaixo, ainda e sempre do Diário de Lisboa. Com o PCP a ser ainda contra a privatização, claro! Mas com o teor da notícia a ser um bocadinho diferente: os tempos estavam muito mudados e as fidelidades do Diário de Lisboa também...

27 junho 2020

CARICATURAS QUE TODOS RECONHECEMOS

O pessoal do «Porta dos Fundos» costuma ter imensa graça mas o que nunca cessa de me surpreender é o carácter internacional de algumas das suas caricaturas. Assim, no caso acima a figura central e desgraçada e risível é o correspondente em Lima, no Peru (Fábio Porchat), local onde, segundo ele, nunca acontece nada, e à custa do qual nos rimos durante o sketch. Mas o humor mais subtil aplica-se às figuras:
a) do jornalista que nunca saiu de São Paulo (Gregório Duvivier), que parece possuir um ascendente sobre os outros dois e que imaginamos a dissertar com conhecimento sobre tudo o que acontece em todo Mundo, embora nem precise de lá ter ido (não vos faz lembrar Nuno Rogeiro, que nem terá precisado de visitar Cabo Delgado para escrever um livro sobre a situação que se vive no Norte de Moçambique?...)
b) da correspondente que foi colocada nos Estados Unidos (Giovanna Nader) que, num punhado de meses após a colocação já desaprendeu e tem dificuldade em exprimir-se na sua própria língua materna, além de potenciar o valor dos livros lá de casa - obtidos como brindes - orientando as capas dos que são mais bonitos para a câmara durante estas conferências (estão a ver mais abaixo Márcia Rodrigues?...).
Eu estou plenamente convencido, por muito alto que eles se tenham em conta cá pela nossa paróquia, que não terá sido nem Nuno Rogeiro, nem Márcia Rodrigues, as fontes de inspiração para o dois bonecos dos humoristas brasileiros. Essas fontes devem ter sido brasileiras. O que me parece, neste Mundo agora pandémico mas que continua globalizado, é que se mantém também uma tendência para a globalização dos ridículos e é assim que conseguimos descortinar dois retratos portugueses numa paródia que não foi feita a pensar em nós.

Adenda do dia seguinte:
Aprecie-se este momento da intervenção hoje do correspondente londrino da CNN. O tópico são as manobras dos serviços de informação russos no Afeganistão e os «prémios de jogo» que eles terão instituído junto dos talibans para o abate de tropas britânicas e norte-americanas (seta alaranjada). Como o assunto envolve Rússia atente-se à composição da biblioteca à vista sob a seta amarela, e o que se pode ler das lombadas, em exibição ligeiramente mais subtil do que a de Márcia Rodrigues: Rússia (duas vezes), Gulag (duas vezes), o jovem Stalin, Politovskaia, o arquivo Mitrokhine, etc. É engraçado que esses eu consigo identificar, mas os livros da prateleira de cima, de lombadas mais finas, esses já não... Estas coisas estudam-se! Como é que não havia o Fábio Porchat de não andar em pulgas mais acima por não conseguir exibir devidamente a sua sabedoria?...

A UNIÃO SOVIÉTICA APRESENTA UM ULTIMATO À ROMÉNIA

27 de Junho de 1940. Enquanto as atenções portuguesas estão concentradas na Exposição do Mundo Português e as europeias na recente derrota francesa, a União Soviética continua subrepticiamente a apresentar ultimatos aos países vizinhos que ainda restavam de pé. Aos países bálticos anexou-os. À Roménia pede-lhe a restituição dos territórios da Bessarábia e da Bucovina. Foi um daqueles ultimatos descarados, mas como foi pedido com muito jeitinho... Bucareste, que à data da publicação da notícia ainda estava com dúvidas quanto à reacção (ainda esperava algum gesto da Alemanha...), acabou por ceder aos russos no dia seguinte um território de 50.762 km2, povoado por 3.776.000 habitantes (correspondentes a 17% do território e a 19% da população romena).

26 junho 2020

NÃO SE PODE DIZER QUE JAIR BOLSONARO NÃO SEJA BEM INTENCIONADO...

Com um acordeão a tocar o Avé Maria, o presidente do Brasil presta uma singela mas sentida homenagem às vítimas da covid-19. É uma iniciativa - visivelmente sentida - que não está ao alcance da sensibilidade de qualquer um... E confesso que nunca tinha visto peças clássicas a ser cantadas em linguagem gestual. WTF

Como alguém comentou posteriormente comigo: atendendo à atitude composta de Jair Bolsonaro ao longo de todaa cena, chega a adivinhar-se algo de pythonesco na situação, a fazer lembrar o gag do ministério dos silly walks

O «SPIN-OFF» DAS DECLARAÇÕES DA PRIMEIRA MINISTRA NORUEGUESA

A primeira-ministra norueguesa (acima) anunciou há poucos dias, numa conferência de imprensa, as regras que o seu país pretende impor quanto a viagens com os restantes países europeus. Erna Solberg (quem?!) não se contará propriamente entre os chefes de governo mais reconhecidos da Europa, nem a Noruega - que, recorde-se, nem faz parte da União Europeia - constituirá uma das primeiríssimas prioridades da política externa portuguesa. Mau grado essa constatação, não deixa de ser engraçado apreciar o tratamento jornalístico que as declarações dessa mesma primeira ministra da nórdica Noruega podem sofrer num mesmo jornal, evoluindo de um dia para o outro - acima, primeiro o da esquerda, depois o da direita - com o fito deliberado de melhor chamar a atenção do leitor, porventura indignando-o pela discriminação que será aplicada a quem viaja vindo do nosso país (e não o país, como a redacção do título parece implicar - «Noruega exclui Portugal...»). Numa das passagens da sua apresentação, a primeira-ministra Erna Solberg fez menção ao Espaço Económico Europeu e foi aí que eu me apercebi que no Observador, onde se tem noticiado tantos países que excluem Portugal, não se têm publicado notícias sobre quais serão as intenções dos chefes de governo daquele Espaço como a Islândia e o Liechtenstein... O que é que Katrín Jakobsdóttir e Adrian Hasler pensam fazer? Também quererão «excluir Portugal da lista de países que podem entrar no seu território»? E o Observador não publica a seguir a notícia, comentando o desprezo a que até o Liechtenstein(!) nos vota, para que a dupla José Manuel Fernandes/Rui Ramos nos venha depois explicar que a culpa é toda do António Costa?...

A ESTREIA MUNDIAL DE A VALQUÍRIA DE WAGNER

26 de Junho de 1870. Estreia no Teatro Nacional de Munique (então capital do reino da Baviera) da ópera A Valquíria (Die Walküre, no original) do compositor Richard Wagner (1813-1883). É uma obra em três actos, com onze cenas (3 + 5 + 3)... e uma duração aproximada de umas 5 horas. Embora o seu nome costume estar associado à cidade de Bayreuth, as primeiras quatro óperas de Wagner foram todas estreadas em Munique. A abertura do terceiro e último acto da obra que há 150 anos se estreava, veio a tornar-se uma das passagens mais famosas da ópera e da obra de Wagner (acima vêmo-la parodiada nuns desenhos animados da Looney Tunes de 1957), e tornou-se universalmente reconhecível a partir de 1979, quando foi incluída nesta passagem abaixo do filme Apocalypse Now de Francis Ford Coppola.

25 junho 2020

TRUMP ELOGIA «OS ESFORÇOS VIGILANTES DA POLÓNIA PARA DEFENDER O ESTADO DE DIREITO»

O título deste poste é o mesmo (traduzido) que o site Politico deu à notícia da visita de ontem do presidente polaco à Casa Branca. A Polónia é, conjuntamente com a Hungria, considerada um dos dois países párias da União Europeia no que diz respeito à vigência de um Estado de Direito Democrático. Na União Europeia, não se tem feito grande coisa para proscrever os dois regimes, mas a censura à sua natureza é consensual. Como anfitrião do presidente polaco, Donald Trump poderia ter elogiado a Polónia recorrendo a milhentos outros pretextos, mas escolheu precisamente o tema da defesa do estado de Direito por alguma causa precisa. Trump é conhecido por ser completamente desbocado naquilo que diz mas, neste caso concreto, não vale a pena culpabilizar pessoalmente Donald Trump pelo teor dissidente destas suas declarações de ontem. Por aquilo que o recém publicado livro de John Bolton veio a revelar, o presidente americano não faz a mínima ideia, sequer, onde ficará a Polónia. Enquanto quem o pôs a fazer este género de elogios à Polónia certamente sabe e também sabe que género de governo é o polaco. É preciso que se note que quem mudou de opinião e recentemente foi a América, como comprova quem quiser ler as declarações proferidas por Barack Obama a respeito da situação política na Polónia ainda há quatro anos. Mas há aqui duas ideias que o episódio do elogio ao governo polaco esclarece e que convém explicitar:

a) a primeira é que a fenda tectónica que separa a perpectivas estratégicas dos europeus e dos norte-americanos, e que os cartoons tanto gostam de atribuir a Donald Trump (acima, à direita), não se esgota na pessoa do actual ocupante da Casa Branca; o seu sucessor bem pode prosseguir essa mesma política embora protagonizada de uma forma menos apalhaçada;

b) a segunda é que, ao contrário dos afastamentos mais mediatizados de vários conselheiros de Trump como Kelly, Mattis, McMaster, ou agora Bolton, que se queixam todos do mesmo, de não exercerem suficiente influência sobre ele, há muitos aspectos em que Trump está a ser influenciado, pois sobre esses assuntos Trump não tem, obviamente, opinião nenhuma.

O INÍCIO DA GUERRA DA COREIA (R)

25 de Junho de 1950. Sem quaisquer preliminares diplomáticos para, ao menos, constituírem uma capa de justificação, a Coreia do Norte invade a Coreia do Sul. Hoje percebe-se que se tratou de um erro crasso de interpretação de quais poderiam ser as intenções norte-americanas por parte de Estaline e dos soviéticos. Estes não se deviam ter esquecido como os seus adversários americanos e Harry Truman acabavam de enfardar a vitória dos comunistas na Guerra Civil chinesa há menos de um ano (em 1 de Outubro de 1949), e de como isso ressoara no panorama político interno dos Estados Unidos. Havia também as naturais ambições regionais do coreano Kim Il Sung em querer fazer também um bonito no seu país, mas aí o senhor do Kremlin, como líder indisputado do mundo comunista, devia ter balanceado a capacidade de encaixe de Washington, que Estaline evidentemente sobrestimou neste caso. É bem verdade que nessa mesma perspectiva, Ho Chi Minh andava a fazer uma coisa parecida no Vietname contra os franceses, mas aí a guerra era anti-colonial e assimétrica, o fraco contra o forte, enquanto que na Coreia e desde o princípio se tratou de uma guerra civil e convencional, com os beligerantes em pé de igualdade, senão mesmo com a Coreia comunista a ficar com o papel do bruto despotista. Por outro lado, o discurso propagandístico dos invasores em prol da libertação dos seus compatriotas do sul, teria uma analogia mais do que evidente no exemplo do que os alemães de Leste com o apoio russo poderiam fazer na Alemanha dividida, assustando toda a Europa democrática, e lançando-a toda para os braços da América através da NATO. E se esse não era um problema de Kim Il Sung nem de Mao Zedong, a consolidação da Europa ocidental seria um (grande) problema de Estaline. Mas, por seu lado, os americanos caíram no erro de presumir que Estaline nunca cairia nesse erro de dar carta branca a Kim, como aqui mostrei há uns dias. É interessantíssimo analisar o que aconteceu desde que se saibam umas coisas sobre a Guerra da Coreia, como por várias vezes, a respeito deste e de outros assuntos, recomendei ao meu amigo Luís... Ler mais e opinar menos nunca fez mal a ninguém.
E é tanto mais interessante saber sobre o tema, quanto se tem assistido nos últimos três anos, depois dos americanos terem elegido aquele palhação para ocupar a Casa Branca, a um recrudescimento de conversas a respeito das sequelas dessa Guerra da Coreia, por causa da fantasia de Donald Trump querer receber um prémio nobel da Paz promovendo a paz na península. A máquina promocional da administração americana faz o seu papel de contar uma história com açúcar - e a enorme máquina comunicacional que lá vai beber não faz o seu de a escrutinar para saber que parte é verdade. Como de costume, todas as vezes em que Trump esteve com o líder norte-coreano foi mais «uma cimeira histórica», descontando todas as outras cimeiras históricas (abaixo, em 2000 e 2009, as cimeiras com a secretária de Estado Madeleine Albright e com o ex-presidente Bill Clinton), das quais também não resultou a ponta de um corno de resultados tangíveis... Caso Donald Trump tivesse estado disposto a ceder aonde os antecessores não o fizeram, talvez as cimeiras tivessem produzido qualquer coisa de diplomaticamente tangível, mas, quando se descobre que Donald Trump é um idiota que nem sequer faz ideia que o Reino Unido é uma das poucas potências com arsenal nuclear, como é que o poderemos comparar com os dilemas que se puseram a Harry Truman há 70 anos?...



Esta é uma reedição adaptada de um texto aqui publicado há dois anos.

24 junho 2020

O AMIANTO E AS PRIORIDADES DA EDUCAÇÃO

Se aqui há cinco meses o amianto, a remoção do mesmo nas escolas e as verbas destinadas para o efeito podiam ser uma bandeira da acção governativa agitada pelo ministro da Educação, com a alteração das circunstâncias causada pelo aparecimento da covid-19, aquilo que se passou a esperar do titular da pasta são outras prioridades, com o amianto a ser relegado para um secundaríssimo posto. Ver o ministro a aparecer por detrás do primeiro-ministro a insistir no amianto, agora com uma verba com uma rebaixa de 50% (60 de 111 milhões) , é ridículo, tanto mais que, na mesma ocasião, o mesmo ministro, lá do seu resguardo, aproveita para deixar cair, como se fosse uma curiosidade complementar, um tópico que realmente interessa: a data do início do próximo ano lectivo - 14 a 17 de Setembro. (Não se podia fazer diferente?) Mas não. A ideia parecia mesmo a de ofuscar as opções assumidas pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues... com a história do amianto que não tem nada a ver com educação, antes com obras públicas. E, claro e como é costume, houve na comunicação social quem embarcasse na cenografia. Eu tenho concedido muita latitude - quiçá demasiada - a este governo em tempo de pandemia, mas desconfio que estão a abusar. Ou, pelo menos, tendo a concordar com a frase citada mais abaixo de António Costa, que terá sido proferida durante a cerimónia do amianto: «É uma estratégia dois em um». Diz-se qualquer coisa para alimentar a comunicação social e, por outro lado, evita-se explicar o que é importante nestes tempos em que há a necessidade de rever tantos aspectos da educação pública: programas, calendários, exames, etc.

A PARADA DA VITÓRIA EM MOSCOVO

24 de Junho de 1945. Tem lugar em Moscovo a Parada da Vitória. A cerimónia começou às 10H00 da manhã na Praça Vermelha e, comandados pelo Marechal Jukov, montando um cavalo branco segundo a tradição russa para os exércitos vitoriosos, participaram na parada cerca de 40.000 soldados e 1.850 viaturas diversas, que desfilaram por mais de duas horas diante do Mausoléu de Lenine, onde se encontrava Estaline e todas as altas entidades soviéticas. Uma das ironias diplomáticas da situação é que, no Mausoléu e entre os convidados para a cerimónia, tanto se encontravam as representações diplomáticas e militares dos Aliados (Estados Unidos, Reino Unido, França), quanto a dos japoneses, com quem os soviéticos ainda não haviam rompido. Um dos pontos altos do desfile aconteceu quando soldados do NKVD vieram depositar 201 estandartes capturados de unidades alemãs na base do monumento. Se os russos são conhecidos pelas suas paradas, tanto é o prestígio alcançado por esta Parada da Vitória que, por ocasião deste seu 75º aniversário, Vladimir Putin vai reencená-la, com covid e tudo!
Adenda:

23 junho 2020

O RELVAS E OS OUTROS TODOS QUE FAZEM CADEIRAS COMO ELE AS FAZIA

Recentemente, e a propósito das notícias do derrube em Washington de uma estátua de um general confederado que eu não fazia a mínima ideia quem fora e que deu pelo nome de Albert Pike (1809-1891), telefonei a um amigo que tem o hobby da Guerra Civil Americana e uma vasta biblioteca a respeito do tema. O Pedro é o tipo de pessoa que nos consegue nomear os oito generais e os vinte e cinco tenentes-generais do lado da confederação durante aquele conflito. As informações sobre o homem e a estátua estão disponíveis na wikipedia, mas o que eu queria saber era todo um resto, aquilo que faz valer a pena ter aulas quando os professores são bons e, sobre um determinado tema, nos podem formar uma impressão mais abrangente e esclarecida do que apenas aquilo que está escrito nos livros. No caso, fazia todo o sentido, porque, antes das causas para o seu derrube, há que considerar que há algo de bizarro no facto de existir uma estátua de um antigo general confederado na capital da União, ainda para mais quando essa estátua foi erigida em 1901, ou seja, 36 anos depois do fim da Guerra Civil americana. Com a aula, aprendi que Pike nasceu em Boston, Massachusetts (a quintessência do unionismo), mas emigrou ainda novo para o Arkansas e que ficou do lado dos confederados quando da Secessão de 1861. Considerado especialista na relação com os índios, comandou um destacamento de cavalaria composto precisamente por índios, mas revelou-se um general medíocre. Quanto à questão do que terá suscitado a erecção de uma estátua à sua pessoa na capital do inimigo e em data tão tardia, tratar-se-á de uma coisa maçónica, mas isto é apenas e necessariamente uma síntese. O que é interessante aqui é transpor o episódio, e a curiosidade que ele despertou, para estes novos tempos de redes sociais e imaginar o número de comentadores que se consideraram qualificados logo com a leitura da(s) página(s) da wikipedia. Aqui há uns anos, foi motivo de paródia a maneira como Miguel Relvas obteve uma licenciatura sem fazer exames, em que a aprovação nas cadeiras era-lhe concedida por equivalências. Em muitos exemplos que tenho apreciado, a leitura da página(s) correspondente(s) da wikipedia parece ter sido elegida como um processo semelhante de fazer cadeira(s). O resultado é que ele é só Mestres e Doutores virtuais espalhados por essas redes sociais, especializados nos mais variados ramos do conhecimento. Anteontem não sabiam nada do assunto, mas, pela mesma arte das equivalências que licenciou aceleradamente Miguel Relvas na Lusófona, não se nota falta de opiniões qualificadas por aí. Nos últimos meses, a cadeira de infecciologia, por exemplo, tem sido ministrada assim, se atentarmos à profundidade como lemos tantas opiniões sobre a covid-19 e as formas de a combater. (Um parêntesis com um caso concreto, só para recordar uma galga de António José Teixeira de há três meses e meio, quando insistia que a mortalidade da covid-19 era inferior à da gripe comum, algo que tem vindo repetidamente a ser desmentido e de que ele, por acaso, nunca se retractou.) Vai estudar, oh Teixeira! Mas não é só ele que devia ir estudar.

A INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS

Domingo, 23 de Junho de 1940. Inauguração da Exposição do Mundo Português em Lisboa. Foi um dos momentos de consagração do Estado Novo. Sobre o acolhimento dispensado ao Chefe de Estado nesta cerimónia, tive ocasião de publicar aqui há uns anos neste blogue um poste curioso e atento às inclinações protocolares das fotografias de cumprimentos entre Carmona e Salazar. Desta vez só queria deixar vincado, para quem se queixa da proeminência do futebol nos dias que correm, que, na época e apesar da Segunda Guerra Mundial em curso, a 2ª edição de Domingo de um vespertino não podia deixar de dar destaque ao empate entre o Belenenses e o F. C. Porto e à vitória do Benfica sobre o Barreirense. Deixe-se lá para outro dia quantos tinham morrido lá fora, no estrangeiro...

22 junho 2020

SÓ MESMO AQUELES GAJOS...

O ex-ministro António Pires de Lima tem uma popularidade no jornal Observador que bem pode ser comparada à de Lili Caneças na revista Caras. Só que, enquanto a Lili aparece em todas as festas, o António aparece a ser convidado para quase todos os cargos. (É uma chatice que a inteligência artificial que compila todas estas notícias ainda não tenha desenvolvido o sentido de ironia para se aperceber do efeito ridículo da reunião delas na mesma página numa mesma busca...) Pois, apesar da falta de argúcia do António (visto que a "obscenidade política" do governo PS durou quatro anos), no Observador ele são as notícias de "Pires de Lima na administração da Parfois", "(também) num fundo privado", no "Bank of America"... até ao descaramento de ontem de o vermos a contar "a saga do Banco de Fomento" (abaixo). Que é uma saga muito interessante, mas isso só certamente se a saga for contada por outras pessoas que não apenas partes interessadas, como é o caso do próprio Pires de Lima. Como seria de esperar, a sua história não aflorou sequer estas suas promessas mais abaixo de Outubro de 2014 e de Janeiro de 2015, de que a abertura do referido banco estava prestes a acontecer. O que ele poderia ter explicado - e não explicou - eram as razões porque não foi assim quando dispôs de mais de dois anos para o fazer. Ou queres ver que estas promessas também foram feitas com aquela mesma vocação que o pôs, a Pires de Lima, a elogiar enfaticamente a qualidade do calçado português enquanto usava sapatos estrangeiros?... A sério: o mundo da comunicação social encontra-se escancarado aos aldrabões com a conivência de quem o controla.

SÓ AS MÁS NOTÍCIAS É QUE SÃO BOAS NOTÍCIAS

22 de Junho de 1995. No dia anterior, um Boeing 747 japonês, que realizava um voo doméstico de Tóquio para Hakodate, na ilha de Hokkaido, com 365 pessoas a bordo, fora assaltado por um homem de 53 anos que, armado de um punhal, pretenderia a troca dos reféns pela libertação de Shoko Asahara. Este último havia-se tornado famoso bem recentemente, como cabecilha de uma seita budista tresloucada que planeara e executara um ataque com gás sarin altamente venenoso durante a hora de ponta no metropolitano de Tóquio. O acto terrorista causara 12 mortos e mais de um milhar de intoxicados mais leves. O que tornava a ameaça do pirata do ar mais séria, para além do punhal, era o facto de ele reclamar trazer consigo também gás sarin. Durante a madrugada de há 25 anos, o Boeing 747 foi atacado de surpresa pelas forças policiais disfarçadas de empregados aeroportuários que dominaram facilmente o assaltante. A ameaça de gás sarin era falsa, e as imagens acima são da saída dos passageiros do avião - só um deles precisou de assistência médica: um saco de gelo. Se o acontecimento recebeu uma cobertura respeitável no Japão (como se pode acima ver), fora dele quase ninguém deu por nada. Tivesse a ameaça do gás revelado séria e fosse concretizada, provocando necessariamente várias dezenas de vítimas, e tudo teria sido noticiosamente diferente.

21 junho 2020

POR CÁ, O GOVERNO AINDA NÃO FOI APANHADO A ALDRABAR OS NÚMEROS

Por coincidência, precisamente no mesmo dia 19 de Junho, tanto no Reino Unido como em Espanha, descobriu-se um buraco nas estatísticas oficiais que teve como consequência que o número de mortes provocadas pela covid-19 tivesse sido subestimado  nos dois países. Discretamente e numa operação que só foi detectada por quem seguia os dados com mais atenção, apareceram mais 1.500 mortos registados nas estatísticas britânicas e quase 1.200 entre as espanholas. Acontece, mas é precisa uma dose de ingenuidade adicional para acreditar que aconteceu por acaso. O que pode ser um acaso é que a descoberta tenha ocorrido no mesmo dia, e o que pode ser outro (acaso), é que num dos países esteja a esquerda no poder (Madrid) e a direita no outro (Londres). Este género de expedientes não é propriamente de direita nem de esquerda, é avançado, porque as técnicas de manipulação da opinião pública são um avanço. Nunca desconfiando e por via das dúvidas, ainda bem que nós por cá temos órgãos de informação que não se deixam enrolar e que esmiúçam os dados que vão sendo produzidos pela Direcção Geral de Saúde:
Pena que este aspecto da fidedignidade dos dados, no caso em que são apresentados pelos restantes países europeus não esteja a ser esmiuçado com igual rigor. Sobretudo por causa desta troca de galhardetes entre países europeus sobre quem fecha a portas a quem (abaixo). Por exemplo, mencionam-se ali seis países, mas a enumeração de quais são fica lá mais para baixo da notícia, a saber, são a Áustria, Chipre, Dinamarca, Espanha, Letónia e Lituânia; descontando a Espanha, o que é que nos interessará o impacto dos outros cinco países? E por exemplo, a certa altura do artigo fala-se da Grécia; ora é precisamente a respeito da fidedignidade dessas estatísticas alheias (que descobrimos marteladas em Espanha e no Reino Unido), que importa perguntar que confiança nos oferece um país, com uma população equivalente à portuguesa (como é o caso da Grécia), e que tem o descaramento de reportar ao fim de três meses de pandemia, 3.256 infecções e 190 mortos (cerca de 10% dos números portugueses)? Por via das dúvidas, não seria preferível sermos nós a bloquear a vinda dos gregos?...
Uma piada final e porque as notícias aqui seleccionadas foram publicadas no Observador, é que já foi tempo em que naquele jornal se embirrava com a Grécia, especialmente o seu publisher. Agora, que o governo de lá é outro, de direita, e também não dá jeito o José Manuel Fernandes culpar o 1º ministro António Costa das malversações praticadas por aquelas paragens, parece que a Grécia e as suas tradicionais aldrabices estatísticas tornaram-se um assunto esquecido para aquele jornal. Com a derrota do Syriza os gregos foram assim como que ungidos pelo espírito santo. Para o Observador, as verdades, mesmo quando evidentes, dependem muito de quem as pratica...

A POSIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NO EXTREMO ORIENTE

Quem lesse a edição de 21 de Junho de 1950 do Diário de Lisboa ia deparar-se com este artigo do jornalista francês Gustave Aucouturier (1902-1985), então a trabalhar para a Agência France-Presse, onde se procedia a uma análise desenvolvida e interessante da posição dos Estados Unidos entre os seus aliados no Extremo Oriente: o Japão e as Filipinas, mas também a Formosa, onde se refugiara o governo nacionalista chinês e a Coreia do Sul, resultante da ocupação dividida da península coreana depois da Segunda Guerra Mundial. A França, representada pelos pontos de vista de Aucouturier, não era um observador inocente, afadigada como estava a travar uma guerra na Indochina. E depois havia também a questão da defesa da Europa contra uma eventual agressão soviética. Mas o que torna esta análise significativa, era algo que era desconhecido tanto do autor como dos leitores do artigo nesta data da sua publicação há precisamente 70 anos. Dali por cinco dias, a 25 de Junho, a Coreia do Norte iria invadir o Sul e iniciar a Guerra da Coreia, tornando o prolixo exercício intelectual num assunto jornalístico escaldante! Para dar uma dimensão da surpresa, cinco dias antes (20 de Junho), o secretário de Estado norte-americano da época, Dean Acheson (1893-1971), afirmara taxativamente a uma comissão de senadores, numa reunião à porta fechada, que era «improvável» que a Coreia do Norte viesse a atacar a Coreia do Sul.

20 junho 2020

E QUE TAL CRIAR O MOVIMENTO «ESTOU-ME A CAGAR PARA A GRETA»?

Se a moda está em invocar movimentos, na linha do «BLACK LIVES MATTER» acima, que tal apelar à criação de um novo, o «ESTOU-ME A CAGAR PARA A GRETA»? Ou então, para se internacionalizar: «I DON'T GIVE A SHIT ABOUT GRETA» A Greta Thunberg começou por ser climatologista, tornou-se virologista quando, por causa da covid-19, ninguém já prestava atenção aos problemas do clima e agora tornou-se socióloga e pronuncia-se sobre a questão das relações raciais, porque à questão do vírus, se sobrepôs a das tensões raciais. E, pela dinâmica, ainda vamos ouvi-la a falar sobre história e estatuária, por causa das estátuas de confederados que, em consequência daquelas tensões, se estão a derrubar na América... Ironias à parte: não há pachorra! É completamente ridículo este levar ao colo da moça sueca, e, reconheça-se, não precisava de o ser tanto se os órgãos de comunicação social prestassem verdadeira atenção ao que os seus leitores lhes estão a dizer: no caso do site do Youtube onde o jornal The Guardian publicou o vídeo acima, por exemplo, as desaprovações ao vídeo superavam as aprovações numa proporção de três para um, e o conteúdo dos comentários apresentava um padrão idêntico, senão mesmo ainda mais hostil para com a moça (adenda: os comentários vieram a ser posteriormente desactivados, imagine-se lá porquê...). É o que me parece a expressão mais límpida do que representa uma pateada à Greta, só que recorrendo às modernas tecnologias. Só não consigo identificar é quem é que insiste em promover Greta Thunberg e, sobretudo, porque é que insiste. Mas não é nitidamente por causa do prestígio e/ou da popularidade dela.

«UM PROGRAMA DE ESTABILIDADE SEM NÚMEROS É COMO UM JOGO DE FUTEBOL SEM BOLA»

A frase é magnífica, imaginativa, contundente, e seria perfeita... se não tivesse sido proferida por Paulo Portas. O ex-vice-primeiro-ministro celebrizou-se como autor de uma merda muito parecida com este programa de estabilidade do governo de António Costa, merda essa que se denominava «Um Estado Melhor - Guião para a Reforma do Estado» (abaixo). Que também não tinha lá muitos números. E a que faltaram outras coisas, nomeadamente o empenho expositivo em o apresentar, empenho que Paulo Portas tem agora dado mostras nesta sua reencarnação nos telejornais da TVI. Um e outro, programa e guião, foram, num par de semanas, jogados (justamente) para o caixote do lixo por irrelevantes e inconsequentes. E se o primeiro «é como um jogo de futebol sem bola», o segundo, mesmo que houvesse bola, era «um jogo de futebol onde os jogadores não se mexiam do sítio». O problema destas críticas não é, muitas vezes, a qualidade - certeira - delas, é aquilo que conhecemos sobre a moralidade do crítico que as faz.

QUANDO A FRANÇA PROCURAVA RECUPERAR NOS DESCONTOS AQUILO QUE NÃO FIZERA DURANTE O TEMPO REGULAMENTAR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

20 de Junho de 1945. A Segunda Guerra Mundial aproximava-se do fim. Terminara na Europa e as notícias que chegavam do outro lado do Mundo, no que diz respeito à derrota do Japão, faziam do assunto uma questão de meses, mas com o desfecho perfeitamente decidido. Nessa circunstância, as duas grandes potências anglo-saxónicas, Estados Unidos e Grã-Bretanha, começavam a encarar a questão da desmobilização dos seus soldados. O Diário de Lisboa desse dia publicava uma notícia na sua primeira pagina em que dava conta de que a França iria proceder precisamente ao contrário: «A França vai convocar mais quatro classes militares». Na mesma página invocavam-se aqueles mesmos dias de Junho, mas de 1940, cinco anos antes, em que a França fora militarmente derrotada. Depois disso, a sua participação no conflito recém terminado fora pouco mais do que marginal. E era essa marginalização que obrigava agora a França a sublimar-se numa altura em que os seus aliados mostravam cansaço. A notícia de primeira página prosseguia para as páginas centrais: «A França prepara com entusiasmo as novas forças do seu exército». E era uma notícia da última página que esclarecia o leitor mais distraído porque é que a França precisava de mobilizar: para recuperar o seu império colonial - «Os franceses vão cooperar na invasão da Indochina». A Indochina pertencia-lhes mas eram os outros (americanos, britânicos, chineses) a invadi-las; eles apenas cooperavam. O que os devia mortificar. Num daqueles rasgos de petulância de que os franceses têm o segredo, um subtítulo deste último artigo anunciava: «De Gaulle chamou a Paris o comandante das forças da Indochina». O general Gabriel Sabattier, a quem fora conferido esse pomposo título, era o comandante de um contingente estimado em dois a cinco mil homens que, fugindo, se haviam conseguido refugiar na China depois do golpe perpetrado pelos ocupantes japoneses em 9 de Março de 1945, quando desarmaram todo o resto do exército francês estacionado na Indochina. «As forças» francesas «da Indochina» notabilizavam-se por não ter força nenhuma. E daí a necessidade de tanta mobilização. Os franceses não vão chegar a tempo de aceitar a rendição japonesa (mas isso ainda não se sabia quando estas notícias foram publicadas). E o que se vai seguir é toda uma outra história.

19 junho 2020

O CONGRESSO FUNDADOR DO PARTIDO COMUNISTA RUSSO

19 de Junho de 1990. Tem lugar em Moscovo a primeira sessão do congresso fundador do Partido Comunista da República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), um Partido Comunista Russo, por assim dizer. Ironicamente, tal fora a hegemonia dos russos dentro do omnipotente Partido Comunista da União Soviética, que nunca se pusera a questão da existência de um partido comunista dedicado especificamente a essa nacionalidade, ao contrário do que acontecia com todas as outras nacionalidades do império soviético. Com o aproximar da década de 1990, isso começara a fazer sentido, especialmente porque havia muitos membros do PC, se não mesmo a esmagadora maioria deles, que não se reconheciam nas reformas empreendidas a partir do topo da hierarquia, por Mikhail Gorbachev. Na lógica daquela coreografia rebuscada da disputa do poder nos países comunistas já civilizados (pós-estaline...), esta iniciativa de marcar um congresso fundador dos comunistas russos para esta data era uma maneira de tentar cortar a relva debaixo dos pés ao omnipotente Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que tinha um congresso (o 28º) marcado para começar dali a duas semanas, a 2 de Julho de 1990.
O congresso fundador deste primeiro Partido Comunista Russo (acima) contou com a presença de 2.768 delegados. Muito previsivelmente, o candidato endossado por Gorbachev foi esmagado nas votações para a sua liderança. Mas também já ninguém se lembra de quem veio a ser o líder eleito. A política soviética entrara num torvelinho onde se confrontavam várias facções, esta dos conservadores contra as reformas de Gorbachev, mas também a de Gorbachev contra as reformas ainda mais liberais de Yeltsin, mas ainda as opções pan-russas de todos estas três facções contra os vários nacionalismos secessionistas das nacionalidades do império (como as bálticas), que queriam a todo o custo abandonar a União Soviética o mais depressa possível. Em Setembro de 1990 houve uma segunda sessão do congresso onde se elegeu um comité central com 272 membros. Mas por essa altura já a organização se desagregara presa dos torvelinhos ideológicos (mas também nacionalistas) acima descritos: havia quem elegesse Gorbachev como o seu inimigo principal; haviam quem preferisse Yeltsin, outros escolhiam confrontar as nacionalidades dissidentes. Yeltsin, a pretexto do Golpe de Agosto de 91, liquidou o partido logo que teve oportunidade, no Outono seguinte. O Partido Comunista da Federação Russa, que foi fundado em 1993 e que continua a ser o maior partido da oposição na Rússia, reclama a sua herança dos dois partidos (soviético e russo).
E não deixa de ser engraçado apreciar a relação ambivalente de Vladimir Putin com a organização quando crítica as evocações saudosistas dos seus dirigentes no vídeo acima: «... sob a cuidadosa liderança do Partido Comunista a União Soviética deixou de existir. (aplausos) Claro que não há razão para ficarmos satisfeitos; seja bom ou mau, trata-se de um facto». O imperialismo russo já existia antes de Lenine, capturou a ideologia marxista-leninista dos bolcheviques e não desapareceu com Gorbachev. 

18 junho 2020

O «CHICÃO» DEVE TER ESTADO A VER TELEVISÃO AMERICANA ENQUANTO ESTEVE CONFINADO...

... ou então esteve alguém por ele, se não aceitarmos que ele possa ter tido sozinho a ideia que acima expressa, a de autonomizar a categoria do crime de agressão contra agentes policiais. É que quem viu a televisão americana nestes últimos três meses já teve oportunidade de deduzir que naquele país as agressões perpetradas, não contra, mas pelos próprios «agentes policiais» eram também «um crime autónomo», de uma autonomia que, percebe-se agora, beirava a impunidade. Mas aquilo que se está a passar nos Estados Unidos, não nos parece um problema de legislação, antes de prática - há muito que é proibido matar pessoas nos Estados Unidos, só que elas aparecem mortas com uma frequência inusitada quando dos reencontros com a polícia, especialmente quando são de raça negra. Felizmente parece que esse tipo de problemas, pelo menos na escala americana, não existirão em Portugal, a ponto de, como o deseja o Chicão, ser necessário autonomizar as agressões, sejam elas perpetradas pelos agentes policiais ou sobre os agentes policiais. O problema que me parece que existe é outro, político, nada tendo a ver com a relação entre os agentes da polícia e o resto da sociedade, e prende-se com a disputa pela captação das simpatias daquela corporação entre o Chicão e André Ventura...

A VITÓRIA SURPRESA DOS CONSERVADORES NAS ELEIÇÕES BRITÂNICAS DE JUNHO DE 1970

18 de Junho de 1970. Eleições parlamentares no Reino Unido. O governo trabalhista parecia desfrutar de todas as vantagens. Escolhera a data. Vinha-se preparando desde há meses. O direito de voto fora baixado dos 21 para os 18 anos e os observadores eram unânimes em considerar que este eleitorado ainda mais jovem favoreceria os trabalhistas em detrimento dos conservadores. E chegara-se ao dia do acto eleitoral com o partido no governo confiante na vitória, com a sua confiança a ser propiciada por «um veredicto esmagador das últimas sondagens à opinião pública», como se podia ler no jornal. Contudo... não foi nada disso que aconteceu. Tenho com estas eleições britânicas uma relação emocional muito forte: foram elas que me ensinaram que, quando elas são a sério e como num jogo de futebol, nada está decidido até ao apito final do árbitro. Como num hipotético Benfica - Barreirense que estragara a chave do Totobola, os jornais do dia seguinte desdiziam tudo o que havia sido afirmado de véspera quanto às certezas da vitória dos trabalhistas. Há cinquenta anos, acompanhar as eleições dos países europeus através das emissões das suas televisões seria uma coisa do domínio da ficção científica, mas fico com uma pena enorme (e retrospectiva) de não ter podido acompanhar a emissão da BBC de que insiro abaixo com este pequeno vídeo (admitindo, já agora e também ficcionalmente, que compreenderia o inglês...). Como se vê, no estúdio haviam instalado um "variómetro" (swing), um dispositivo destinado a evidenciar a variação do voto em relação às eleições anteriores de 1966. Emblemático de que o escrutínio estava a divergir significativamente de tudo o que se antecipara, o ponteiro do "variómetro" já passara para lá das marcações...

17 junho 2020

UM ESTUDO QUE A COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA NÃO TEM QUALQUER INTERESSE EM PUBLICITAR OS RESULTADOS

O estudo em questão incidiu sobre saber qual o grau de preocupação das pessoas quanto às alterações climáticas em 40 países do Mundo. Foi um estudo promovido pelo Reuters Institute em parceria com a Universidade de Oxford, abrangendo um universo de 80.000 inquiridos nos primeiros dois meses de 2020. As conclusões podem ser consultadas on-line, mas uma das principais conclusões e aquela que encherá o olho é a que aparece sintetizada no quadro acima. Trata-se de um magnífico gráfico que a comunicação social portuguesa não tem qualquer interesse em publicitar. Por duas razões essenciais: a primeira é porque Portugal até aparece em lugar de destaque (6º lugar) entre os países onde existirá mais preocupação com o tema, e isso é precisamente aquele género de gráfico com uma imagem positiva de nós próprios, que os jornalistas acham que os seus leitores não querem saber; a segunda razão tem a ver com o outro extremo da tabela, o do fundo, que está surpreendentemente povoado por uma data de países que o jornalismo doméstico convencionou que constituem a Europa mais civilizada: Suíça, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Noruega e Holanda. Ao lado dos 85% de portugueses que se confessaram muito ou extremamente preocupados com as alterações climáticas, somente 50% dos compatriotas da Greta Thunberg admitiram a mesma preocupação. Se calhar é por isso que a miúda anda sempre a passear: poucos lhe passarão cartão lá na terra dela. Ninguém costuma ser profeta na sua terra, e essa é uma máxima que já existia antes do aparecimento dos jornalistas. Mas, como isto estraga tudo aquilo que estamos habituados a ouvir sobre preocupações ambientais, o mais provável é que este estudo não apareça ou, aparecendo, lhe seja dado um destaque de catacumba.

QUE É QUE OS REIS DO NEPAL ANDAVAM POR CÁ A FAZER?

Essa era uma pergunta pertinente que se poria a um leitor da edição do Diário de Lisboa de 17 de Junho de 1960, quando lesse entre as notícias em destaque a de que os soberanos do Nepal haviam estado em Lisboa. Localizado sobre os Himalaias, numa incómoda disposição entre China e Índia, o Nepal não se apresentava como um daqueles países com os quais Portugal já tivera ou poderia vir a desenvolver uma aprofundada colaboração diplomática. Mas, lendo o artigo, o leitor ficava esclarecido que se tratara de uma visita particular dos monarcas nepaleses: «os soberanos (...) haviam visitado o museu dos coches, o mosteiro dos Jerónimos, o Estoril, Cascais, Sintra e Monsanto» e, tendo dado «um pequeno passeio pela cidade e visitado o castelo de São Jorge», partiam «encantados com a visita, embora curta, que fizeram ao nosso país».

16 junho 2020

«APENAS» MAIS UM MILHÃO E MEIO DE PEDIDOS DE DESEMPREGO NOS ESTADOS UNIDOS

Existe um exercício que consiste em colocar cada uma das mãos numa vasilha de água quente e numa vasilha de água fria. Quando as mudamos simultaneamente para uma vasilha com água tépida, a água parece-nos fria num dos casos e quente no outro, o que comprova que aquilo que fora a experiência prévia condiciona a nossa apreciação da nova situação. Outra experiência equivalente, mas visual, é a que se pode apreciar mais acima: os dois círculos têm precisamente o mesmo tom, embora não o pareça por causa do contraste com o que está por detrás. A semana que passou, foi com uma boa dose de desinteresse que se noticiou a apresentação de mais um milhão e meio de pedidos de desemprego nos Estados Unidos. Se acreditarmos no que a Lusa escreve, até parece uma melhoria (Inscritos para subsídios de desemprego baixam para 1,54 milhões nos EUA). Mas não é. Serão «apenas» mais um milhão e meio de pedidos depois de uma série de pedidos semanais que perfazem um total de mais de quarenta milhões nas semanas precedentes. Quando, por exemplo, se vomita, a partir de certa altura reduz-se o débito porque já resta pouco conteúdo dentro do estômago. Aqui é semelhante e não é transcendental perceber isso. E o que me parece embaraçoso aqui nem é o recurso à propaganda para minimizar a seriedade da situação: é a constatação que a propaganda só precisa de ser tão básica e elementar, demonstrando que aqueles a quem ela se destina são muito estúpidos.

A INTRODUÇÃO DO METICAL EM MOÇAMBIQUE

16 de Junho de 1980. Se ontem se falou aqui de uma operação de substituição do dinheiro em circulação há 75 anos em França, hoje fala-se de uma operação idêntica ocorrida em Moçambique há 40. Só que, para além da operação de permuta, o país adoptou uma nova denominação para a sua moeda, metical, em substituição do escudo do período colonial. O processo estava concebido para tomar três dias (é o que se pode ler na notícia acima), mas irá prolongar-se por muito mais tempo, já que o estado moçambicano estava longe de possuir as capacidades logísticas para montar os milhares de locais de troca que seriam necessários para que os prazos fossem cumpridos. Só mesmo havendo um milagre*... Mas não era de nada disso, dos absurdos de esperar resultados de uma logística que não existia, que se falava nas notícias que por cá se publicavam a respeito do assunto. A ênfase ia inteira para a ideologia e a política, pelas notícias de cima ficava-se a saber que o metical era uma denominação utilizada outrora pelos mercadores árabes e que agora «reaparecia». Nas notícias de baixo, no último dia do prazo, o tom é de satisfação, porque a operação iria ser um«rude golpe para alguns colonos portugueses» que, porque estavam fora de Moçambique e porque as fronteiras permaneceriam encerradas durante o período autorizado de permuta, não poderiam trocar o dinheiro na sua posse pelos novos meticais. Nesse aspecto, não consigo encontrar resultados tangíveis sobre o resultado da operação de introdução do metical que fossem equivalentes aos 92% de sucesso do caso francês. Sobre aquilo que eu considero que seria a verdadeira notícia, o completo fiasco logístico, isso ficava reduzido a um pequeno parágrafo sobre «serem vistas longas bichas de pessoas a trocarem as notas», mas isso era no Maputo, a capital. Do Moçambique profundo, de Nampula ou do Niassa, não se sabia nada de como estava a correr a troca de escudos por meticais mas desconfio que, para o Diário de Lisboa, até era melhor que fosse assim...
* Recorde-se que no exemplo francês de ontem, para os 40 milhões de franceses espalhados por 550.000 km², houvera 34.000 postos em operação durante doze dias; no exemplo moçambicano eram 12 milhões de pessoas espalhadas por 800.000 km² e pretendiam-se obter os mesmos resultados em três dias... Claro que a economia francesa de 1945 estava muito mais monetarizada do que a moçambicana de 1980, mas, mesmo assim, teriam sido precisos muitos milhares de postos de troca guarnecidos por protecção armada para que os moçambicanos pudessem cambiar os escudos por meticais no prazo estabelecido... E, se os houvesse, a propaganda, como o fez a francesa, não teria perdida a oportunidade de se exibir. 

15 junho 2020

...AO LARGO DE LOULÉ

Ao(s) autor(es) da notícia publicada no Público escapou-lhe(s) a importância do que escrevera(m), que não tem nada a ver com embarcações ou migrantes ou a nacionalidade deles, antes com a convulsão geológica que colocou Loulé mesmo à beira-mar. Consultado um mapa, constata-se que a novidade ainda não se espalhara e que a cidade algarvia ainda aparece assinalada lá bem para o interior algarvio. Ainda se foi verificar se se tratara de mais daqueles episódios do "Maria vai com as outras...", a transcrição acrítica de um erro do comunicado oficial original: mas não, como se pode verificar abaixo, no original fala-se em Vale de Lobo. A transposição de Loulé para a borda de água terá sido mesmo um momento de inspiração (sonolenta? Eram 07H40 da manhã...) do(s) redactor(es) do Público. Agora mais a sério: se é para transcrever com criatividades disparatadas os comunicados das autoridades, o que é que os jornais esperam como reacção de quem os lê?
Adenda: posteriormente a notícia veio a ser assinada: Inês Chaíça e Idálio Revez. A vantagem (teórica) de se trabalhar em dupla é evitar os erros. Comprovadamente, nem sempre duas cabeças pensarão melhor do que uma.