31 outubro 2019

A REMODELAÇÃO DO GOVERNO FASCISTA ITALIANO

31 de Outubro de 1939. O Mundo continuava em guerra, embora não se desse muito por isso. Esta edição acima do Diário de Lisboa de há oitenta anos esclarecia os seus leitores, em primeira página, sobre o que acontecera a respeito de operações militares terrestres: «Não se registaram quaisquer acontecimentos de importância». O que não impedia que uma coluna ocupando um quarto da página contivesse muitos outros acontecimentos relacionados com a guerra. Um deles era esta remodelação governamental ocorrida em Itália, uma Itália que, por aquela altura, ainda permanecia neutral. Não interessará ao leitor moderno saber quem entrara e quem saíra, mas surpreenderá porventura esse nosso leitor, saber que as mudanças eram interpretadas como contrárias à facção pró-alemã dentro do regime. A verdadeira história das relações entre o fascismo e o nazismo mostra que, para além das aproximações óbvias, também houve afastamentos subtis. No caso, ao demarcar-se de um dos lados em guerra, Benito Mussolini estaria provavelmente a pensar apresentar-se como mediador das facções beligerantes.

«ORDER! ORDER!»

Ele há pessoas que as circunstâncias, mas também eles próprios, os leva a transformar os cargos que circunstancialmente ocupam neles próprios. É extremamente difícil suceder a essas pessoas. John Bercow, o speaker da câmara dos Comuns britânica, é um caso flagrante disso, de alguém tão grande que vai demorar até aquele cargo se reduzir às suas verdadeiras dimensões. A identidade e a personalidade dos seus antecessores foram uma peculiaridade daqueles mais interessados pelos detalhes dos parlamentarismo britânico. Contudo, a conjugação da crise política aberta pelos resultados do referendo do Brexit com a personalidade de John Bercow tornaram este último numa verdadeira estrela mediática mundial. Hoje, dia do abandono da função que o celebrizou, vale a pena recordar o dia (22 de Junho de 2009) em que John Bercow foi eleito e tomou posse do cargo (acima). Quanto à sua carismática notoriedade internacional, proclamando aqueles famosos apelos à ordem (abaixo) num parlamento caótico a que ninguém conseguiu dar rumo, essa vai deixar muitas saudades!

30 outubro 2019

A TOMADA DE POSSE DE MEDICI

30 de Outubro de 1969. Em Brasília, tem lugar a tomada de posse do presidente Emílio Garrastazu Medici. O filme acima, que recorda o acontecimento, é significativo pelo descaramento das palavras que o narrador emprega na ocasião - ao 1:10: (...) e do momento da afirmação democrática(!) que o Brasil está vivendo. E no entanto, dispensando a hipocrisia dos sabujos, o discurso de Medici para a ocasião até foi substantivo, repare-se o destaque que, deste lado do Atlântico, o Diário de Lisboa deu à sua anunciada ambição de fazer do Brasil uma grande potência. Até hoje, ainda estamos à espera, mas a intenção é que conta.

29 outubro 2019

UM MUNDO ABSURDO EM QUE RANTANPLAN É UM HERÓI A SÉRIO

«Desclassificámos uma fotografia do magnífico cão (o nome não foi desclassificado) que teve uma CONTRIBUIÇÃO ESPECTACULAR para a captura e morte do líder do ISIS, Abu Bakr al-Baghdadi!» Percebe-se a intenção de Trump de promover o episódio, para que agenda mediática não seja preenchida por outros assuntos bem mais desagradáveis para ele. E íamos lá nós passar sem uma fotografia do cão! Mesmo que não saibamos o nome do bicho que permanece TOP SECRET! Por mim, e para proteger a sua identidade (de quê, de quem?), pode adoptar-se provisoriamente o nome simbólico de Rantanplan, que tudo o que aparece com a chancela de Donald J. Trump é uma contínua elegia à ESTUPIDEZ!

«- POSSO NÃO ESTAR A VER BEM DE QUEM SE TRATA... »

Em obras de ficção de espionagem como esta acima, recém publicada, de Frederick Forsyth, os autores costumam ancorar-se em personagens reais de todos conhecidas para induzirem no leitor uma impressão de verosimilhança. É um expediente antigo, mas que agora parece estar a sofrer o desgaste dos tempos conturbados que se vivem. É que, neste seu último livro, Forsyth* faz aparecer a primeira-ministra britânica Theresa May rebaptizada apenas de Marjorie Graham; ao presidente americano não lhe dá nome, mas descreve-o com uma «grande e impecavelmente penteada cabeça loura». Com o livro acabado de sair na sua tradução portuguesa, o enredo já havia sido ultrapassado pelos acontecimentos: o primeiro-ministro do Reino Unido é agora Boris Johnson, e aguarda-se o desfecho das próximas eleições, para ver se o continua a ser. Mas a cena em que não me contive foi a que acima descreve quem rodeava Donald Trump por ocasião da reunião que ele teve com o herói da trama, na sala oval da Casa Branca: além do herói e do presidente, «um dos homens sentados era o chefe de Gabinete, outro o secretário de Defesa e o terceiro o procurador-geral.» Ora tendo o livro sido escrito em 2017 e 2018, foi muito precavido de Frederick Forsyth não os nomear, nem sequer os descrever, considerada a rotação registada entre os quadros de topo da Administração Trump desde que tomou posse em 20 de Janeiro de 2017. Chefes de Gabinete até agora foram três: Reince Priebus, John F. Kelly e Mick Mulvaney. Secretários da Defesa houve outros três: James Mattis, Patrick Shanahan e Mark Esper. E procuradores-gerais foram () dois: Jeff Sessions e William Barr. Seja como for, o expediente literário de criar um grupo de conselheiros à volta da «cabeça loura» naquela reunião hipotética falha rotundamente, porque a imaginação dos leitores não conseguirá assentar num elenco que é constituído por três de oito possíveis titulares. Noutros tempos, noutras circunstâncias, seria um apontamento de credibilidade a valorizar a narrativa, mas agora confesso, a título pessoal, que, e porque alguns nem aquecem o lugar, não estava a ver bem quem é que podia lá ter estado presente na supradita reunião...

* Nascido em 1938. Não cesso de me surpreender com a capacidade de escritores octogenários do género da espionagem em produzir obras indiscutivelmente saudadas pela sua qualidade, quando alcançam idades vetustas. Aliás, quanto mais vetusta a idade, tanto mais a qualidade da obra parece ser indiscutível...

O PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA PILOTE

29 de Outubro de 1959. Mais do que a estreia de Pilote, uma revista de BD francesa que concorrerá com o a do Tintin, de origem belga, trata-se sobretudo de assinalar a primeira aparição de Astérix (abaixo, a primeira prancha da primeira aventura mas sem cor).

28 outubro 2019

A MORTE DE MARCEL CERDAN, O GRANDE AMOR DE ÉDITH PIAF

28 de Outubro de 1949. O Lockheed Constellation da Air France que fazia a ligação entre Paris e Nova Iorque embate contra o Pico da Vara na ilha açoriana de São Miguel. No desastre morreram os 37 passageiros e 11 tripulantes que seguiam a bordo. Tratava-se do maior acidente aeronáutico que ocorrera até então em Portugal, mas a visibilidade mediática internacional do mesmo foi amplificada pelo facto de seguir a bordo Marcel Cerdan, um pugilista de sucesso, que era o companheiro de Édith Piaf, a coqueluche da canção francesa de então (acima, os dois fotografados no aeroporto de Orly em 1948).
Sobre as causas do acidente, veio a apurar-se que o piloto cometera um erro de navegação e que julgava estar a aproximar-se do aeroporto de Santa Maria quando, na verdade, estava a sobrevoar São Miguel. O Lockheed embateu directamente contra as encostas da maior elevação da ilha, que é 500 metros mais elevada do que o ponto culminante de Santa Maria. Quanto às consequências do acidente, a canção «L'hymne a l'amour" (Hino ao amor - abaixo), que fora estreada pouco mais de um mês antes por Édith Piaf, veio a tornar-se uma referência da relação apaixonada, mas também tumultuosa, vivida pelos dois.

27 outubro 2019

SOBRE O USO APROPRIADO DO VERBO ENCANITAR

Se há algo que me encanita é o facto de serem as duas selecções de topo de que eu menos gosto que se qualificaram para a final da Rugby World Cup de 2019. Qualificadas com todo o mérito, quase me dispenso de esclarecer, que rugby não é futebol, não se sai dos jogos com a impressão que, se o árbitro tivesse assinalado aquela grande penalidade, o desfecho poderia ter sido outro...

DEVAGARINHO E SEM GRANDE EMOÇÃO...

(Também) 27 de Outubro de 1969. O jornal do dia seguinte ao das eleições legislativas que haviam decorrido em Portugal, as primeiras sob a égide do marcelismo, descrevia-as de uma forma gráfica, sem necessidade de explicações, neste quadro acima, publicado numa das páginas do interior do jornal (p. 10). O escrutínio prosseguia sob um entusiasmo mortiço, consubstanciado nos vários campos em branco do quadro, que a demora na publicação dos resultados oficiais dificilmente se explicaria pela carga de trabalho. Exemplos: houvera 90.702 votantes no primeiro distrito do quadro, Aveiro; serão 330.999 em Abril de 1975 (3,65 vezes mais); houvera 19.224 votantes no distrito seguinte, Beja, que se transformarão em 129.191 em Abril de 1975 (6,72 vezes mais); e assim sucessivamente. Mas o que retirara interesse jornalístico ao acto eleitoral era a ausência de disputa eleitoral e de emoção. Se a «vitória da oposição na Baixa da Banheira» se transformava numa notícia, era porque as eleições em geral não tinham tido interesse nenhum.

OPERAÇÃO «GIANT LANCE»

27 de Outubro de 1969. Com a indispensável autorização presidencial, os Estados Unidos nesse dia desencadearam uma complexa operação a que deram o nome de «Giant Lance». Nela, dezoito bombardeiros B-52 (fotografia acima), todos equipados com armamento nuclear, descolaram de suas bases e percorreram rotas polares em direcção à União Soviética. Por três dias, realizando manobras projectadas para atrair deliberadamente e testar a atenção dos dispositivos de defesa aérea da URSS, os bombardeiros rondaram o espaço aéreo soviético naquilo que mais tarde veio a ser descrito como o único momento conhecido em que um presidente americano (Richard Nixon) terá decidido que fazia sentido simular a concretização de uma manobra militar que corresponderia à eclosão da III Guerra Mundial. A operação demorou três dias e decorreu, naturalmente, sob o completo desconhecimento das populações dos Estados Unidos e do resto do Mundo, cujas elites mais informadas pensavam que as cenas finais do filme Dr. Strangelove (abaixo) eram apenas o remate de uma comédia negra imaginada pelo realizador Stanley Kubrick... Ainda hoje dá arrepios saber o que aconteceu e quanto menos se falar do assunto melhor...

26 outubro 2019

O ASSASSINATO DO PRESIDENTE SUL COREANO

26 de Outubro de 1979. O presidente da Coreia do Sul, o general Park Chung-hee é assassinado. A Coreia do Sul era, então, uma ditadura militar e o assassino foi um dos próximos do presidente, o director dos serviços de informações, o também general Kim Jae-gyu. É um daqueles acontecimentos que é incompreensível, a não ser que o despojemos daqueles elevados pressupostos que se costumam atribuir aos titulares dos altos cargos públicos. A cena do assassinato, que acima vemos recriada num filme sul coreano de 2005, tem tudo para parecer um mero ajuste de contas entre mafiosos na sequência de um jantar que correu muito mal - nem falta na cena as acompanhantes de luxo, poupadas a presenciar o momento da execução. Michael Corleone tratou Solozzo da mesma maneira. No caso coreano, a ocasião foi mais sangrenta porque houve que tratar também dos guarda-costas do presidente: seis mortos no total. Quarenta anos depois, o melhor que se pode dizer quanto às causas que terão motivado o assassino (políticas? pessoais?), é que o acto foi demasiado descuidado para ter sido premeditado mas também demasiado elaborado para ter resultado apenas de um impulso.

25 outubro 2019

A BATALHA DE QUEMOY

25 de Outubro de 1949. Já aqui se falou como, por estes dias de há setenta anos, as tropas comunistas chinesas estavam a conquistar as últimas cidades costeiras ainda em poder dos nacionalistas. Só que, há setenta anos, por uma vez sofreram uma derrota humilhante quando se tentaram apoderar da ilha de Quemoy (ou Kinmen). Quemoy é uma ilha de 150 km² e de forte densidade populacional (agora tem 127.000 habitantes) situada a uns escassos 7 km das costas da China, embora a 270 km de Taipé (confira-se o mapa acima). A operação anfíbia que as tropas comunistas montaram para conquistar a ilha mostrou imensa displicência porque o que estava a acontecer tradicionalmente eram as unidades nacionalistas renderem-se sem grande resistência. Não foi assim em Quemoy. A guarnição decidiu-se a defender a ilha utilizando com eficácia a superioridade do seu equipamento - nomeadamente carros de combate e peças de artilharia. Os primeiros equilibraram a desproporção de efectivos e as últimas destruíram significativa percentagem de os navios da frota invasora, que era composta por juncos requisitados, impedindo os reforços e isolando os desembarcados. Depois de três dias de combates, os últimos soldados invasores renderam-se. Por uma vez, o número de prisioneiros da notícia que se lê abaixo não está inflacionado para efeitos de propaganda. A batalha de Quemoy foi um feito de armas significativo para aumentar a moral dos nacionalistas chineses; e uma lição para as limitações dos seus adversários comunistas: se aquilo acontecera a 7 km das suas costas, certamente não seria com meios igualmente improvisados que se poderia pensar numa operação anfíbia para a conquista da ilha de Taiwan, onde viria a estar sediado o governo nacionalista. Mas isso não impediria que Quemoy vivesse os vinte anos que se seguiram como se se tratasse de uma fortaleza sitiada. Apesar das diferenças (a ilha chama-se Quemoy num lado e Kingmen (sic) noutro, está a 25 quilómetros a leste de Amoy num, e a sete milhas - mas do mesmo lado! - noutro), estas duas notícias do Diário de Lisboa de 25 e 27 de Outubro, referem-se ao mesmo acontecimento.

24 outubro 2019

PERGUNTAS PARA PERGUNTAR A QUEM?

O que é que a Turquia ainda está a fazer na NATO?
O que é que os Estados Unidos estão a fazer da NATO?

23 outubro 2019

ÉVORA VAI COMEMORAR A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO

23 de Outubro de 1979. A edição do dia do Diário de Lisboa informava-nos, na segunda página, a do poder local, que Évora ia comemorar a Revolução de Outubro. Uma coisa muito comunista, muito avançada, com uma exposição fotográfica sobre a agricultura do Cazaquistão, um ciclo de cinema soviético e uma sessão solene onde entrava o rancho folclórico infantil de Montemor-o-Novo. No resto do país não havia nada que se comparasse: em Viseu (CDS) não se comemorava o 4 de Julho dos americanos, nem em Coimbra (PS) ou Leiria (PSD) houvera quem se lembrasse de assinalar a data da Revolução Francesa (14 de Julho). Tudo datas importantes na História mundial... Mas em Évora (PCP) estava-se em completa sintonia com os importantes acontecimentos da história russa e celebravam-nos. E o Diário de Lisboa divulgava-os. E, claro, havia quem criticasse o jornal pelo seu alinhamento excessivo com os comunistas. Depois de se ler a notícia das celebrações eborenses (em prol do que acontecera do outro lado da Europa e há 62 anos!), olhava-se para o artigo do lado, sobre Poder Central e Poder Local, e descobria-se sendo assinado por um comunista e um cripto-comunista. Talvez fosse bom ouvir outras opiniões... Se só se tomasse em conta aquilo que ali era publicado, até parecia que o país era esmagadoramente comunista (quando, dali por seis semanas, o PCP iria recolher 18,8% dos votos). Lendo-o, era como hoje acontece com o Observador, só que a cor da propaganda era diferente. E também porque, quem bancava a despesa de sustentar o jornal era o erário público. Por isso, não levem agora o Observador muito a sério e, sobretudo, Não apaguem a Memória que, no projecto das «mais amplas liberdades democráticas» de então, as "liberdades" que os comunistas promoviam não eram amplas nem democráticas. Nem liberdades.

22 outubro 2019

ÓSCAR CARMONA EM BARCELONA

Há noventa anos quem estava em Barcelona era Óscar Carmona, o presidente português. Na visita que estava a realizar a Espanha, o chefe de estado português fora recebido em Madrid por Afonso XIII, o rei de Espanha, que o acompanhara em primeiro lugar a Toledo, e que agora o aguardava em Sevilha. Mas, por acaso (ou não), o monarca espanhol não se deslocara à cidade condal, deixando o português fazer essa parte do seu périplo sozinho. Curiosa coincidência esta, a de há noventa anos, deixando pairar no ar a hipótese que as relações já então não eram as mais cordiais, entre os monarcas Borbon e os seus súbditos catalães. Como sempre se disse do brandy Constantino, tratar-se-á de uma fama que já virá de longe...

21 outubro 2019

«ELECTIONS HAVE CONSEQUENCES»

Este senhor chama-se Stephen Hadley, foi membro das administrações de dos dois presidentes Bush e ontem foi convidado do programa GPS na CNN. Foi aí que o ouvi dizer a frase que terá sido a mais importante de tudo aquilo que foi ontem dito naquele programa: depois de criticar (talvez arrasar seja uma descrição melhor...) os objectivos isolacionistas da política externa de Donald Trump, Hadley «acrescentou conformado: «sabe, as eleições têm consequências.» A maneira como, a partir da Casa Branca, se tem estado a escavacar o ascendente na ordem internacional que os Estados Unidos tinham andado a construir desde há 75 anos (veja-se, para exemplo, o meu poste anterior sobre a Coreia), é uma inquietação da classe política que já deu para perceber que o grosso dos americanos não compartilhará. E contudo, as elites daquele povo - de que Hadley é um representante típico - permanecem convencidas que, apesar da transformação dos meios de gestão eleitoral, conseguem gerir ainda os mecanismos da democracia, controlando, antes da votação, as opções que se apresentam a sufrágio. Que não será bem assim, foi o que já se viu em 2016 com Trump. Ironicamente, aqueles que acenam aprovadoramente por Trump ter ganho, são capazes de se vir a arrepender, com a séria hipótese de que o candidato democrata para 2020 possa vir do outro extremo do espectro ideológico, casos de Warren ou Sanders.

VINTE E CINCO ANOS DE ESFORÇOS PARA TRAVAR A PROLIFERAÇÃO NUCLEAR NA COREIA

21 de Outubro de 1994. Os Estados Unidos e a Coreia do Norte assinaram em Genebra aquilo que os primeiros designaram por acordo-quadro (agreed framework) com o intuito de travar a proliferação nuclear na península coreana. Alguns dias depois, a Agência Internacional de Energia Atómica (da ONU), distribuía (acima) uma circular informativa a esse respeito. Vinte e cinco anos depois, os detalhes do que ficou acordado tornaram-se apenas uma curiosidade de wikipedia, mas o aniversário é relevante para enfatizar a antiguidade e a complexidade da questão nuclear na Coreia, aspecto que tem sido pura e simplesmente esquecido, senão mesmo maltratado, quando do tremendo folclore mediático como as relações bilaterais entre os dois países têm evoluído nestes últimos dois anos e meio. Ouvi este assunto - a pretexto das várias cimeiras com Kim e Trump - a ser comentado por pessoas que não faziam a mínima ideia de tudo isto que as precedera. Pessoas que, descartando o excesso do aspecto histriónico de Trump, estavam mesmo convencidas que o problema poderia ser simplificado a uma questão dos dois terem simpatizado um com o outro. Actualmente já devem estar com uma vaga sensação de que foram iludidos, de que a situação depois das iniciativas de Donald Trump apenas regrediu, mas o mais engraçado é que ainda agora não se aperceberam que não percebem nada do assunto.

20 outubro 2019

O SEPARATISMO SICILIANO

(Ainda) 20 de Outubro de 1944. O jornal daquele dia dá conta de uma situação bastante tensa na Sicília: «motins de carácter separatista» que provocaram 16 mortos e 104 feridos. O assunto é colateral para uma Europa imersa na Segunda Guerra Mundial, quando uma das frentes de combate entre alemães e aliados ainda passa por Bolonha, no norte da Itália, apenas a 700 km de Palermo, capital da Sicília. Em geral, os assuntos relacionados com os separatismos da Europa ocidental são sempre tratados com pinças e discrição, mas eles sempre existiram, as questões da Catalunha e da Escócia são apenas os que estão agora em destaque.

OS SAPATOS MOLHADOS DE DOUGLAS MACARTHUR

20 de Outubro de 1944. Há 75 anos os norte-americanos desembarcavam nas Filipinas mas isso é apenas o aspecto acessório da evocação que pretendo fazer. Essa centra-se nesta fotografia desse dia,  a do desembarque do general MacArthur que comandava as as forças atacantes. Nela se vê o general, exibindo uma expressão cerrada, acompanhado pelo seu séquito, acabado de sair de uma lancha de desembarque, a caminhar com água pelo joelho em direcção à praia. O fotógrafo, que também era do exército (o major Gaetano Faillace), também estava dentro de água. A fotografia foi um sucesso junto da opinião pública(da) nos Estados Unidos (embora muito menos na Europa, que esses não estavam particularmente interessados na altura naquilo que acontecia do outro lado do Mundo...), e gerou uma controvérsia desde então. De tudo o que se escreveu a respeito da foto desde aí, parece consensual que as circunstâncias que a ocasionaram foram mesmo acidentais: as lanchas de desembarque não tinham calado para se aproximarem mais da praia e ninguém se lembrou de arranjar um barco mais maneirinho para pôr o general a seco em terra. A expressão de MacArthur, que veio a ser interpretada de outro modo, resultava verdadeiramente da sua irritação. Naquele momento, o general estava verdadeiramente possesso com a contrariedade. Não ficou registado para a história o que aconteceu ao beachmaster quando MacArthur chegou a terra. Em contrapartida, ficou registada a sua reacção quando, algum tempo mais tarde, viu a fotografia - que estava magnífica! Naquela espécie de guerra civil que nos Estados Unidos se travava para concitar as atenções entre os Teatros de Operações rivais da Europa e do Pacífico, a fotografia, se devidamente explorada, podia transformar-se numa grande vitória mediática. É que ninguém estaria a imaginar o rival Eisenhower a molhar os pés em pleno dia de desembarque da Normandia! Douglas MacArthur tanto gostou da cena que passou a reeditá-la, em desembarques futuros, como se se tratasse de uma sua imagem de marca.

19 outubro 2019

O «IMPRESSIONANTE» EXÉRCITO AMERICANO DE 1939

19 de Outubro de 1939. Uma notícia interior do jornal dava conta dos rumores (...consta...) sobre as intenções do presidente americano (...Roosevelt tencionaria...) de solicitar uma dotação orçamental extra ao Congresso para a expansão dos efectivos militares... até aos 280.000 homens. Mas, quem percebesse alguma coisa sobre o assunto, apercebia-se do embuste. Tratava-se de uma medida política mais simbólica que consequente, destinada a tranquilizar a população doméstica, ignorante, já que os protagonistas da Guerra Mundial então em curso a avaliariam pelo seu verdadeiro valor facial - que era ridículo. O exército alemão, por exemplo, contaria nessa época com dez vezes mais efectivos, os franceses apenas com um pouco menos e mesmo o Krasnaya Armiya (Exército Vermelho), apesar de não ser beligerante, contaria com sete vezes mais efectivos do que este US Army que se anunciava ir ser reforçado. Aliás, o futuro iria mostrar que, quando as realidades se impõem, estas aldrabices de propaganda (agora denominadas por spins) transformam-se naquilo que são: aldrabices e muitas vezes caricatas. É que, neste caso, depois dos Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial em Dezembro de 1941, os efectivos militares cresceram adequados a um exército que tinha mesmo que combater os inimigos: e no final do conflito, em 1945, o US Army tinha 8.268.000 soldados(!).

A LIBERTAÇÃO DOS «QUATRO DE GUILDFORD»

19 de Outubro de 1989. Foi o dia da libertação, por anulação da sentença, dos quatro réus que haviam ficado conhecidos como os Quatro de Guildford. Guildford era a localidade (da Inglaterra) onde se localizavam dois pubs que haviam sido alvo de um atentado bombista conjunto em 5 de Outubro de 1974. Nele haviam morrido 5 pessoas, para além de 65 feridos. Os atentados representavam uma escalada da violência que então se registava na Irlanda do Norte: o IRA parecia pretender transportar o clima de insegurança que se vivia na Irlanda para a Inglaterra propriamente dita. Facto que poderá explicar a reacção pressionante das autoridades políticas britânicas não apenas sobre as investigações, como também sobre o aparelho judicial. Os culpados foram rapidamente descobertos, confessaram e um ano depois o julgamento concluía-se com a condenação dos quatro réus à prisão perpétua(!). Foi só depois, e por causa de uma campanha que clamava por justiça, que se começaram a perceber as incongruências do julgamento. Note-se que também era do interesse do IRA (que sabia muito bem quem haviam sido os verdadeiros autores do atentado!) dar a maior publicidade ao tremendo erro judiciário que se cometera, colocando em cheque o aparelho judicial do Reino Unido. A reversão das condenações que há 30 anos teve lugar, foi um gesto extremamente corajoso desse aparelho. Porque não estou a imaginar muitos outros aparelhos judiciais por esse mundo fora a assumirem os seus erros como aqui aconteceu. Como o tempo provará, a admissão do erro foi a decisão que politicamente se revelou a mais assisada para os interesses britânicos, transmitindo globalmente uma imagem de auto-correcção da sua justiça, mau grado todas as vicissitudes do processo. Em 1993, os acontecimentos foram transpostos para um filme intitulado Em Nome do Pai, onde se destacavam as interpretações de Daniel Day-Lewis e de Emma Thompson (abaixo, a reprodução das cenas finais de há 30 anos). O circuito das indemnizações e dos pedidos oficiais de desculpas seguiu um percurso complexo e tortuoso. Gerry Conlon (que é interpretado no filme por Day-Lewis e que acabou por se tornar a figura mais destacada dos quatro condenados), morreu em Dublin em 2014 com apenas 60 anos. E qualquer analogia que se possa fazer da evocação destas pesadas condenações com aquilo que acabou de acontecer em Espanha terá sido uma mera coincidência...

18 outubro 2019

BOM, DEPOIS DO QUE ACONTECEU ELA NÃO TINHA MESMO CONDIÇÕES DE FICAR...

...mas servirá decerto de consolo a Assunção Cristas o facto de não ser a primeira dirigente do CDS a reduzir a representação parlamentar do seu partido à condição de caber toda dentro de um táxi. O mesmo aconteceu sob a distinta direcção do venerando professor Adriano Moreira e hoje já ninguém se lembra disso. Ela própria não se lembrara disso quando o convidou para ser homenageado no último congresso do CDS, realizado em Março de 2018. Na ocasião disseram-se coisas tão bonitas quanto «Adriano Moreira "abençoa" liderança de Cristas» ou «Adriano Moreira feliz com "renascimento do partido" põe congresso de pé». Afinal, a esta distância, com outra frieza, e na posse dos resultados, percebe-se que não houve renascimento nem a benção serviu para nada. O velhote é um daqueles pés-frios políticos, de uma invulgar capacidade intelectual, mas que só trazem o azar com eles. E em Democracia e na política, é sobretudo isso que conta: a capacidade de atrair votos.

17 outubro 2019

AS TROPAS COMUNISTAS ESTAVAM A APROXIMAR-SE DE HONG-KONG... MAS NÃO DE MACAU

17 de Outubro de 1949. Esta edição de há 70 anos do Diário de Lisboa mostra como a interferência da Censura podia produzir efeitos caricatos. Comecemos por descrever a situação internacional: após terem proclamado a República Popular da China no dia 1 de Outubro, as tropas comunistas chinesas consumavam a vitória, ocupando as últimas cidades que ainda permaneciam sob controle dos nacionalistas. Naquele mesmo dia, por exemplo, isso acontecera com o importante porto costeiro de Xiamen. O enigma que pairava e de que o jornal se fazia eco, era sobre o comportamento que as autoridades comunistas chinesas iriam adoptar quando atingissem as duas cidades do Sul da China que eram possessões ocidentais: Hong-Kong, britânica, e Macau, portuguesa. Este artigo do Diário de Lisboa conseguia a proeza de exprimir a preocupação das autoridades britânicas de Hong-Kong «perante o avanço das tropas comunistas na China», desenvolver o assunto incluindo o que «se pensa em Londres» e «a atitude dos Estados Unidos» e nem por uma vez fazer referência ao que as autoridades portuguesas (locais e em Lisboa) poderiam pensar do mesmo assunto, considerando a pertinência de que a colónia portuguesa de Macau dista uns meros 60 Km de Hong-Kong. É verdade que o desfecho do problema estava muito para além da nossa capacidade de intervenção, mas a atitude de fingir que não era nada connosco afigurava-se completamente ridícula.

16 outubro 2019

A REDACÇÃO DA PAULINHA II

Duas semanas depois da primeira, Paula Teixeira da Cruz torna a atacar com outra redacção. Esta é muito diferente da anterior, perdeu o ambiente bucólico, numa preocupação global e abrangente que me fez pensar então em Paula Teixeira da Cruz como uma espécie de Greta Thunberg em maduro. A Paulinha da queda das folhas das árvores e da chegada das primeiras chuvas desapareceu para dar lugar à já nossa conhecida Paula Trauliteira, com estas iniciativas inteligentes de escrever sobre os resultados eleitorais da mesma maneira que o João Pinto dizia que se deviam fazer os prognósticos - no fim do jogo... E com o enviezamento de sempre, mas isso, porque expectável, será o menos. O que não o é, é que estamos perante uma das mais fortes candidatas ao pior titular da pasta da Justiça dos últimos quarenta anos (as pessoas já se esqueceram do que foi a barracada (anunciada) do citius há apenas cinco anos?) e o Público insiste em promover Paula Teixeira da Cruz como se houvesse uma quota especial para medíocres.

A BIMBY DE HÁ CINQUENTA ANOS

Nem todos somos visionários. Há cinquenta anos o desenhador belga Bob de Moor tinha uma perspectiva muito céptica sobre as máquinas electrónicas concebidas para confeccionarem sozinhas as refeições.

14 outubro 2019

A LIBERTAÇÃO DE ATENAS

14 de Outubro de 1944. Os soldados britânicos sob o comando do general Ronald Scobie entram em  Atenas, que havia sido evacuada apenas dois dias antes pelos alemães. As cenas da libertação que tanto se assemelham neste documentário às das outras capitais europeias escondem que se espera que os libertadores funcionem como uma força de interposição entre dois exércitos irregulares ansiosos por se confrontarem de armas na mão: o ELAS, militarmente mais forte, pró-comunista e o EDES, pró-republicano, que apesar de mais fraco gozava das simpatias britânicas. Estes últimos, falhos de uma leitura perspicaz da situação e de discernir o que era importante do que não o era, insistiam em adicionar o rei Jorge II à questão política, complicando-a. Estas celebrações que assinalavam a libertação de Atenas e as tréguas que se lhe seguiram duraram cerca de um mês e meio. Em 3 de Dezembro um ELAS cada vez mais desconfiado da parcialidade dos britânicos, desencadeava uma insurreição pelo controle de Atenas (Dekemvriana), onde o seu exército se viu obrigado a intervir para a suprimir. Ainda não terminara a Segunda Guerra Mundial, mas houve sítios onde a transição para a Guerra Fria foi abrupta.

13 outubro 2019

O VOO ESPACIAL EM TRIPLICADO DA UNIÃO SOVIÉTICA

13 de Outubro de 1969. Em três dias consecutivos a União Soviética colocou em órbita três naves espaciais: a Soyuz 6 (Shonin - Kubasov) a 11 de Outubro, a Soyuz 7 (Filipchenko - Volkov - Gorbatko) a 12 de Outubro e a Soyuz 8 (Shatalov - Yeliseyev) há precisamente 50 anos. Tratava-se de uma proeza tanto técnica quanto científica: pela primeira vez na história da conquista do espaço três naves tripuladas e sete cosmonautas encontravam-se em órbita simultaneamente! Hoje sabe-se que o programa inicialmente previsto era para que as três naves se acoplassem, constituindo o que poderia passar pelo embrião de uma primeira estação espacial em órbita (ainda que provisória). Mas as cinco manobras de aproximação efectuadas pelas três naves acabaram por não ser bem sucedidas e a propaganda soviética teve que preparar uma explicação alternativa para o sucesso que a missão tripla constituíra. Mesmo não sendo verosímil. Mas recordar o episódio comprova que, ao contrário do que a propaganda americana posterior nos quer fazer crer, mesmo depois da vitória dos americanos na corrida para a Lua (que ocorrera três meses antes), os soviéticos estavam muito longe de deitar a toalha ao chão no que diz respeito à corrida espacial. Como se pode apreciar abaixo, os russos ainda sacavam uns grandes cabeçalhos!

12 outubro 2019

COMO SE FOSSE UM MEGA JOGO DE BATALHA NAVAL


Há quatro meses eram dois petroleiros que eram atacados no Golfo de Omã, depois foi um petroleiro iraniano a ser arrestado pelos britânicos em Gibraltar, os iranianos, em retaliação, apreenderam dois petroleiros britânicos no Golfo Pérsico, há cerca de um mês foram as refinarias sauditas a ser atacadas por rebeldes iemenitas (que, afinal, são capazes de ter sido iranianos). Agora, são novamente os iranianos a queixarem-se de que um dos seus petroleiros foi atacado ao largo da Arábia Saudita (vídeo abaixo). Em tudo isto, que se assemelha a uma gigantesca batalha naval em que os canos dos barcos atingidos não interessam, apenas o conteúdo da carga (petróleo), há apenas um padrão discernível: o de que o preço do crude se mantenha adequadamente elevado devido às preocupações que os incidentes suscitam. Será bruxaria, como acima diz o capitão Haddock?... Talvez não.

OS QUINZE SEGUNDOS DE FAMA NAS REDES SOCIAIS ou «EU SOU "MUITA" CHATO» COMO SÓ O MANUEL JOÃO VIEIRA SABE CANTAR

O século XXI e o aparecimento das redes sociais vieram transformar a celebridade instantânea e os correspondentes quinze minutos de fama que haviam sido antecipados nos anos sessenta por Andy Wahrol. Transformaram-nos nuns mais fugazes quinze segundos de fama, enquanto consumimos o último meme ou lemos o último dito de um dos comentadores on-line mais espirituosos, naquilo que representará, de alguma forma, a evolução tecnológica do antigo circuito dos anónimos criadores das anedotas, que noutros tempos só se podiam propagar pessoalmente. Mas não são só esses, há-os outros, de uma nova espécie, os que pretendem chamar a atenção para si de qualquer forma. Este poste destina-se a dar destaque a uma dessas figuras, Luís Lavoura, o criador de um espicilégio de observações implicativas que ele incansavelmente vai escrevendo em todas as caixas de comentários que se mostrem disponíveis a acolhê-lo.
Uma atitude que o alcandorou (com todo o mérito, reconheça-se) a uma categoria própria nas redes sociais: a do chato mais chato de todos! Um chato como só o Manuel João Vieira (acima) é capaz de cantar.... Nas várias formas de lidar com uma pessoa que é suficientemente perigosa para dever ser classificada a par do armamento NBQ, há quem ignore o que Lavoura escreve e há quem se use dele para o transformar em motivo de troça: há mesmo um blogue que lhe dedica uma rúbrica regular intitulada Lavourada da Semana, um florilégio das suas calinadas mais apuradas. A tudo isso Lavoura responde com uma indiferença desentendida como faz o Tino de Rãs. Aqui no Herdeiro de Aécio a minha atitude difere: proscrevendo-o, ontem deixei-o excepcionalmente publicar aqui um comentário, mas a minha atitude é a mesma da profilaxia do vídeo abaixo contra a praga do percevejo asiático...

11 outubro 2019

A ANEXAÇÃO DE TUVA

11 de Outubro de 1944. A União Soviética anexa a pequena república de Tuva. Foi um pequeno país de que ninguém deu por ele enquanto existiu (1921-1944), por isso também ninguém deu por ele quando desapareceu, nem depois disso. Isto é, excluindo os mais fiéis leitores do blogue Herdeiro de Aécio... Se Tuva era insignificante, o gesto da sua anexação foi-o nitidamente menos, quando é apreciado no contexto daquela que era a actualidade de há 75 anos, confrontemos a primeira página daquele dia do Diário de Lisboa. Na notícia acima, anunciava-se que «se estava a decidir» qual seria «a sorte dos três países bálticos» (Estónia, Letónia e Lituânia) «que haviam conhecido a independência durante vinte anos» (os três foram também anexados pela União Soviética). E, mais abaixo, anunciava-se que «o primeiro-ministro do governo polaco no exílio fora chamado de Londres para ir a Moscovo conferenciar com Churchill e Estaline». (A Polónia iria perder os territórios de Leste para lá da linha Curzon) As políticas fronteiriças da União Soviética anunciavam-se amplamente revisionistas quanto aos seus traçados para o pós-guerra, e a anexação do pequeno Tuva fora apenas o oportuno símbolo dessa disposição.

10 outubro 2019

«THAT IS ONE BIG PILE OF SHIT»

Não me canso de dizer o quanto me sinto privilegiado por poder acompanhar o actual momento político nos Estados Unidos. Parafraseando Churchill (embora num contexto completamente diferente): Nunca, na História das incompetências, um titular tão medíocre ocupou um cargo tão importante em que se comportasse de maneira tão desprezível. (Talvez Nero em Roma...) Os superlativos e as expressões do espanto causados pelas sucessivas atitudes adoptadas pelo ocupante da Casa Branca estão gastos ao fim de três anos. Uma coisa é certa: ao contrário de Nero, Trump foi eleito e foram os americanos que o elegeram; e hão-de ser os americanos a ter que arranjar maneira de o tirar de lá. Entretanto, a situação política local apresenta-se cada vez mais como Jeff Goldblum acima a descreve: uma enorme pilha de merda. Surpreendi-me a pensar, com uma certa sensação de alívio, que, comparado com o que está a acontecer na América, aquela passagem de Pedro Santana Lopes pela chefia do governo em 2004 foi apenas uma cagada (mas, para reflexão do quanto é complicado limpar merda, foi só nestas últimas eleições que se conseguiu limpar de vez o olhinho do cu...).

09 outubro 2019

UMA EVOCAÇÃO AO MAIS FAMOSO DEPUTADO DA EXTREMA ESQUERDA

Em ocasião em que se discute com apreensão a entrada no parlamento português do primeiro deputado da extrema direita, parece vir a propósito fazer uma evocação a Acácio Barreiros da UDP, aquele que foi o mais famoso deputado da extrema esquerda da história do nosso parlamento entre 1976 e 1979. Nem de propósito, a 9 de Outubro de 1979, cumprem-se hoje precisamente quarenta anos, era notícia a sua saída da UDP, como consequência da sua substituição nas listas eleitorais pelo major Mário Tomé. A prazo, a decisão acabou por se revelar um verdadeiro tiro no pé. Ficando por saber se a continuidade de Acácio Barreiros poderia ter travado a decadência do partido, ficou a constatação de que a sua substituição por Mário Tomé no hemiciclo não o conseguiu. Se, em 1979, a UDP ainda estava numa dinâmica ascendente em termos de captação de votos, atraindo os anteriores votantes nas outras formações radicais de esquerda em desaparecimento, em termos de quadros, acompanhando Acácio Barreiros, registava-se uma sangria desatada de abandonos da organização, de nomes que nos serão agora tão surpreendentes e díspares como o ex-ministro Jorge Coelho, o ex-ministro Nuno Crato, o pomposíssimo pensador João (Carlos) Espada ou o radicalíssimo publisher do Observador, José Manuel Fernandes. As consequências pagar-se-iam: dali por quatro anos, nas eleições de Abril de 1983, Acácio Barreiros estava de volta ao hemiciclo, agora eleito nas listas do PS, enquanto Mário Tomé, se via fora dele, por decisão do povo, que é quem mais ordena... Conhecido inicialmente por ser um deputado que votava contra literalmente tudo o que era apresentado à discussão, hoje evoca-se o já falecido Acácio Barreiros com uma certa bonomia. Estas coisas dos extremismos no parlamento parecem mais graves do que as circunstâncias podem vir a revelar.

«SAUDADES» DAS PRESTAÇÕES DESPORTIVAS NOS PAÍSES ONDE VIGORAVA O «SOCIALISMO REAL»

Depois do encerramento dos Campeonatos Mundiais de Atletismo, a IAAF publicou uma tabela classificativa que procura expressar o desempenho das selecções presentes com mais alguma profundidade do que a tradicional tabela de medalhas. A avaliação abrange os oito atletas finalistas, pontuando-se a classificação de cada atleta (8 pontos para o 1º classificado, 7 para o 2º, e assim sucessivamente até 1 ponto para o 8º). Os Estados Unidos venceram por margem folgadíssima: 310 pontos, batendo um não tão surpreendente Quénia com 122 e a Jamaica com 115. Só depois aparece a China com 99 pontos. A Rússia não aparece nesta lista pois está excluída das competições, depois de se ter descoberto um vastíssimo esquema de encobrimento da dopagem dos atletas em 2015, um daqueles escândalos que até nem tem sido muito arremessado à Rússia apesar da progressiva deterioração das suas relações com o Ocidente. Mas, sendo um pouco decorrente disto, não era propriamente isto que me levou a evocar aqui o assunto. Portugal classificou-se num expectável 31º lugar, com 13 pontos, entre 68 países pontuados. Não destoa quando em comparação com países da Europa ocidental da nossa dimensão, como a Suécia (15º - 25 pts.), a Bélgica (22º -20), a Suíça (26º - 16), a Áustria (32º - 12) ou a Grécia (48º - 6). Mas o que é estranho é como estas classificações se apresentam quando em contraste com os antigos países comunistas da Europa de Leste que apareciam potentíssimos nestas competições, emulando a pátria-mãe soviética. Nesta competição Portugal (e quase todos os países acima mencionados) aparece(m) classificado(s) à frente da Hungria (36º - 10), da República Checa (42º - 8), da Roménia (também 42º - 8) ou da Bulgária (63º - 2), tudo países da mesma dimensão que a nossa e cujos atletas apareciam com regularidade nos pódios das competições de atletismo disputadas antes da queda do Muro de Berlim. Dá que pensar sobre quais os recursos que aqueles países empenhavam para que se alcançassem aqueles resultados. Nesse sentido, e isto vem por arrastamento de ideias, 7 de Outubro (data do encerramento dos campeonatos) não foi só um mau dia para o PCP.

08 outubro 2019

OPERAÇÃO «ARROZ DE ATUM»

Foi precisa a idade para me fazer passar a prestar atenção ao silêncio e ao omisso que, numa maioria de vezes, descubro, apesar de não aparecer, ter tanto significado quanto o oposto, o explícito. E, nas largas dezenas de comentários e análises que li nestes dois dias e que se seguiram às eleições deste Domingo, o que eu não encontrei foram referências significativas de despedida a Assunção Cristas, à sua pessoa e à sua atitude, indiciando, só agora, o quanto ela se encontrava politicamente isolada nestes últimos tempos. As notícias sobre o CDS pós eleições chegam mesmos a ser cruéis na forma como a varrem para debaixo do tapete.
E contudo, têm apenas nove meses - o que é uma eternidade para os ritmos em que é servida a vianda mediática - estas imagens de Assunção Cristas no programa da Cristina na SIC, naquilo que ficou conhecido oficiosamente como a Operação Arroz de Atum - “Assunção cozinheira. Assunção mulher. Assunção política. Assunção.” - um expediente mediático que foi suficientemente levado a sério pelos profissionais rivais para que António Costa tivesse contra atacado com a Operação Cataplana de peixe. Afinal, comprovou-se que o gesto não valeu nada e, mais, este silêncio à volta da cozinheira só não é preenchido pelos cantar dos grilos porque já estamos no Outono...

AQUELA QUE PODERIA TER SIDO UMA DAS MAIORES CRISES POLÍTICAS DOS ESTADOS UNIDOS

8 de Outubro de 1944. Vitimado por um ataque cardíaco, morre Wendell Willkie (1892-1944). Willkie fora o candidato republicano às eleições presidenciais norte-americanas de Novembro de 1940, perdera-as para Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), que se reelegera e que continuara a ocupar a Casa Branca, por um inédito terceiro mandato. Contando apenas 52 anos de idade, e sem que se ouvissem rumores da fragilidade da saúde, como acontecia com Roosevelt, a morte deste seu antigo rival, Willkie, apanhou o país político de surpresa. E a fazer esse mesmo país político apanhar uma espécie de calafrio hipotético, no caso de se imaginar a hipótese de que Wendell Willkie houvesse ganho as eleições presidenciais de 1940 a Roosevelt. Caso isso tivesse acontecido, então teria morrido o presidente dos Estados Unidos e numa altura bem inoportuna, enquanto o país estava envolvido numa guerra mundial. Mas não era só. Aquele que estaria imediatamente posicionado para o suceder nesses casos, aquele que teria sido o vice-presidente Charles McNary (1874-1944, abaixo à esquerda), também havia morrido em Fevereiro daquele ano. O presidente interino hipotético nesse caso, teria sido o seguinte da ordem de sucessão, o secretário de Estado que houvesse sido escolhido por Wendell Willkie para fazer parte da sua administração, de acordo com aquilo que ficara estabelecido pela Lei de sucessão presidencial aprovada em 1886. Esse presidente interino ocuparia o cargo por três meses, até ao dia 20 de Janeiro de 1945, quando tomaria posse o vencedor das eleições presidenciais disputadas em Novembro de 1944. Muito provavelmente, esta morte inesperada de Willkie tê-las-ia perturbado significativamente, pois ele seria o candidato natural dos republicanos à reeleição e a essas eleições. Mas, quanto às consequências políticas e ao impacto que teria tido o desaparecimento súbito de um presidente norte-americano em exercício, isso não é preciso especular porque, desconhecido em 8 de Outubro de 1944, seria isso mesmo que viria a acontecer dali por seis meses, em 12 de Abril de 1945, quando Franklin Roosevelt morreu de hemorragia cerebral. A realidade foi só ligeiramente menos complicada do que teria sido esta hipotética sucessão de Willkie de há 75 anos, porque havia um vice-presidente, Harry Truman (1884-1972), e este assumiu de imediato as funções presidenciais.

07 outubro 2019

ELE DEVE HAVER UM CRITÉRIO...

Comparando estas duas notícias, e a colossal diferença na cobertura noticiosa, sobretudo televisiva, que tem estado a ser dada a ambos os protestos, permanece o mistério do critério que leva a dedicar muito mais atenção a um (o de cima) do que a outro. Ao contrário do que é reputado canonicamente, não pode ser o carácter sangrento da repressão: «60 feridos e um manifestante baleado» não se comparam a «mais de 100 mortos e de 6.100 feridos». Nem poderá ser relevante a questão da importância por causa da proximidade geográfica, já que o Iraque é-nos muito mais próximo do que Hong-Kong. Uma explicação maldosa remete para a hegemonia que, mau grado tudo, os americanos continuam a exercer sobre a informação internacional: enquanto os culpados da repressão no primeiro caso são convenientes, o regime de transição de Hong-Kong sob a tutela da China, no segundo caso são inconvenientes, pois o regime iraquiano é apenas a consequência da ocupação dos Estados Unidos daquele país entre 2003 e 2011. Mas, se calhar, a explicação é mesmo maldosa. Ele deve haver um critério para que a repressão em Hong Kong seja noticiosamente tão mais importante do que a de Bagdade.

CENAS DE UM BEBÉ AO COLO PROTAGONIZADAS POR UM POLÍTICO QUE É «LEVADO AO COLO»

Não vou falar dos resultados das eleições de ontem, assunto sobre o qual devem existir umas vastas centenas de opiniões publicadas nas redes sociais. Mas quero assinalar que não gosto de números como este acima, que foi protagonizado ontem, junto da sua secção de voto, por Rui Tavares, com a colaboração diligente de alguns fotógrafos de imprensa, o do Expresso à esquerda, e o do Público à direita. A intenção de Rui Tavares será tão clara quanto legítima: fazer um número de circo para chamar a atenção para a sua pessoa, indo votar com duas crianças, uma das quais com seis meses, pendurada na barriga. É uma daquelas coisas que, se pensarmos bem, é um disparate incómodo, não dá jeito nenhum, a não ser que se queira mostrar o quão pai extremoso se é aos 47 anos. Uma virtude que se perderia entre os concidadãos eleitores que coincidissem em estar a votar na mesma altura na mesma secção de voto, a não ser houvesse fotógrafos por perto para o mostrar ao resto dos portugueses que adorem as novelas de uma paternidade responsável. E com fotógrafos que tenham uma capacidade de discernimento idêntica à daqueles que tiram fotografias para as revistas de fofocas, pois a estética do boneco e o enternecimento da legenda, percebe-se acima, são do mesmo estilo. Se era para que falássemos dele, distinguindo-o de uma plêiade de fotografias de protagonistas políticos fotografados no exercício do seu direito de voto, Rui Tavares consegui-o. Se, no processo, recorreu a um expediente que o torna comparável à famosa Lili Caneças, é que talvez não o ilustre tanto. Pior saem os profissionais dos dois jornais que, mais uma vez, são apanhados, acríticos, a levar (figurativamente) ao colo o político que desta vez levava (literalmente) ao colo o seu bebé. Tudo uma questão de colos, portanto.

AS PRIMEIRAS IMAGENS DA FACE OCULTA DA LUA

7 de Outubro de 1959. Como a Lua gira à volta da Terra de forma quase perfeitamente sincronizada, a superfície da Lua que é observável do nosso planeta corresponde apenas a 59% da sua superfície total. Nunca na História da Humanidade alguém observara o que ficava do lado oculto da Lua. Há 60 anos a sonda soviética Luna 3 transmitiu para a Terra as primeiras fotografias do que existia do outro lado do nosso satélite. As imagens exibidas (acima) podem constituir um desapontamento para os leigos, mesmo depois do tratamento de imagem. Mas a faceta mítica e misteriosa de se estar a observar algo que jamais fora visto por qualquer ser humano terá sido suficientemente poderoso para, treze anos e meio depois, os Pink Floyd terem escolhido o título de «Dark Side of the Moon» para uma das suas obras.