31 março 2007

CAMUFLAGEM OU OS CRUZADORES COM OUTRO NOME

Provavelmente, será de Sun Tzu e do seu livro normalmente conhecido por Arte da Guerra, que surgirão as referências escritas mais antigas (Século VI a.C.) à arte de dissimulação respeitante a assuntos militares. Que, tanto poderão servir para mostrar aos inimigos (ou potenciais inimigos) capacidades que não se possuem, como para lhes esconder outras que se pretendem utilizar beneficiando do efeito de surpresa. Por vezes, adicionam-se a estes outros factores de origem política autónoma que obrigam a que a dissimulação também se faça internamente.

Uma combinação de tudo isso pode actualmente apreciar-se na Marinha de Guerra japonesa que, por razões políticas óbvias se chama, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Força de Auto Defesa Marítima do Japão. Com um efectivo de 46.000 homens, 120 navios e mais de 300 aeronaves (em termos operacionais conta-se, muito provavelmente, entre uma das cinco mais eficazes marinhas de guerra do mundo na actualidade) apetece fazer o comentário, no limiar da ironia, que o Japão está particularmente bem auto defendido.

A ficção da auto defesa militar – a única actividade que lhe foi permitida no pós guerra - tem obrigado os japoneses a tais excessos de dissimulação que chegam a tornar-se engraçados. Sem querer ser fastidiosamente técnico, é fácil compreender como a importância de um navio de guerra depende, entre outras coisas, da sua dimensão (que se designa por capacidade de deslocamento): quanto maior o navio for, aumentam quer a qualidade, quer a quantidade dos equipamentos militares que se podem instalar a bordo, tornando-se, por isso, o navio mais importante do ponto de vista militar.

Normal e simplificadamente, os navios de guerra de superfície são, por isso, classificados de acordo com a sua capacidade de deslocamento. Assim, por exemplo, e numa escala crescente de importância e tamanho, as marinhas possuem, além de outros navios menores, corvetas, fragatas, contratorpedeiros*, cruzadores e, substituindo os enormes couraçados de outrora e reservado apenas às marinhas de guerra mais poderosas, os porta-aviões. A cada uma das categorias mencionadas correspondem valores de orientação sobre as tonelagens de deslocamento.
Excepto no Japão, que continua a construir navios de guerra progressivamente maiores mas a classificá-los deliberadamente em categorias abaixo do deslocamento que efectivamente possuem. Quando normalmente têm um deslocamento que se situa entre as 5 e as 7.000 toneladas, os actuais contratorpedeiros japoneses da classe Kongo (acima) deslocam quase 9.500, quando totalmente equipados, o que os classificariam como cruzadores em quaisquer outras marinhas de guerra do mundo… Melhor exagero que esse, só mesmo o dos programados contratorpedeiros de helicópteros do futuro (abaixo) que, com 20.000 toneladas previstas, terão as dimensões de pequenos porta-aviões…
* Frequentemente usa-se a expressão inglesa equivalente: destroyer.

30 março 2007

E SE ALEXANDRE MAGNO NÃO TIVESSE MORRIDO?

Confesso que não sou um grande entusiasta daqueles exercícios de história virtual, em que ela é reescrita considerando a eventualidade de que um ou mais acontecimentos considerados cruciais nunca tivessem acontecido. Alexandre Magno (acima – 356 a.C. – 323 a.C.), Rei da Macedónia, morreu ainda antes de perfazer 33 anos e, considerada a dimensão do Império que conquistou em vida (abaixo), deixa no ar a especulação da dimensão das suas conquistas no caso de não ter morrido com aquela idade.
Se calhar não estarei a responder directamente aos que levantam aquela questão especulativa, mas convém ter em conta como as conquistas de Alexandre se sobrepõem aos territórios que constituíam o Império Aqueménida (abaixo – podem comparar-se os contornos dos dois impérios) cujo poder militar o rei macedónio efectivamente destruiu em três grandes batalhas: Granico, Isso e Gaugamela. As acções militares posteriores do exército macedónio podem ser assimiladas ao restabelecimento das mesmas relações de supremacia que já vigoravam entre os estados vassalos e o anterior suserano persa, agora substituído.
As campanhas de Alexandre terminaram na Índia, quando os soldados gregos e macedónios do seu exército se recusaram a acompanhá-lo mais além e ele teve de regressar à Pérsia, com a intenção de formar um novo exército, maior, dispondo como recrutas das enormes reservas humanas dos territórios que havia conquistado na Ásia. Para a formação da sua lenda foi a altura ideal para morrer, antes dos imperativos das realidades políticas o fazerem dar muito mais atenção ao coração persa do Império que à periferia grega.
Será perfeita especulação adivinhar qual teria sido o objectivo das próximas campanhas de Alexandre: a península Arábica, a Índia Setentrional ou a Europa Mediterrânica? Mas o exemplo de Gengis Khan (retratado acima - 1162-1227), um conquistador que provavelmente terá superado os feitos de Alexandre, pode servir de indicador quão frágil é, geralmente, a coesão dos vastos impérios (abaixo, o de Gengis Khan à data da sua morte) resultantes da proeza de um grande conquistador.
Como morreu aos 33 anos, só com um herdeiro, o Império de Alexandre desmembrou-se em parcelas dirigidas pelos seus generais. O de Gengis Khan, que morreu com 65 anos e repleto de herdeiros, dividiu-se entre os seus filhos. E provavelmente teria sido esse o mesmo destino do Império de Alexandre caso ele tivesse morrido com a idade de Gengis Khan. É engraçado especular se as dimensões das suas conquistas superariam a do seu grande rival mongol, mas é muito provável que o dia seguinte ao da morte de Alexandre (porque ele teria de morrer, não é verdade?), fosse o do princípio do fim da unidade política do seu Império.

29 março 2007

OS GENERAIS DE HAIG

Afirmar que a Primeira Guerra Mundial (1914-18) foi muito diferente da Segunda (1939-45) será um truísmo ou uma platitude, para usar um daqueles sinónimos de banalidade que, de quando em vez, José Pacheco Pereira gosta de desenterrar e que eu tanto gosto de glosar. Normalmente, a Segunda Guerra é muito mais conhecida, por ter durado mais tempo, por ter sido mais recente, por se ter desenvolvido por uma área geográfica muito maior, por ter envolvido mais contendores e pelo maior grau de destruição material e humana que provocou.

Sobretudo, porque as interpretações estratégicas que transformam as duas grandes conflagrações do Século XX num mesmo conflito, com um armistício intercalar de 21 anos e uns reajustamentos menores de alianças, fazem, a esta distância temporal crescente, cada vez mais sentido. E, à luz dessa interpretação, a importância da Primeira Guerra Mundial (paradoxalmente concebida na altura como a Guerra que iria acabar com todas as guerras…) esvazia-se perante o carácter verdadeiramente decisivo que a Segunda veio a assumir.

E contudo, algo se perdeu nos 25 anos que distam os inícios das duas guerras, porque existe muito mais inocência, generosidade, muito mais criação artística entre os que participaram na Primeira Guerra Mundial do que os da geração seguinte. Para nos cingirmos apenas à literatura, a Segunda Guerra não viu aparecerem grandes livros de denúncia como O Fogo de Henri Barbusse (França – 1916), nostálgicas como A Oeste Nada de Novo de Erich Maria Remarque (Alemanha -1929) ou sarcásticas como Adeus a Isso Tudo de Robert Graves (Grã-Bretanha – 1929).
Mas é dos comandantes militares britânicos dessa Primeira Guerra que este poste pretende tratar. Que, curiosamente, parecem ter sido rejeitados, mesmo pelo seu próprio poder político vencedor: o título de um dos livros recentemente publicados a esse respeito (2006 – veja-se acima) chama-se precisamente os Generais de Haig (Douglas Haig - o comandante chefe dos exércitos do império britânico em França desde 1915, em destaque na capa do livro e na fotografia inicial, com a ordenança preparando-lhe o casaco). Ora, os livros do mesmo tipo sobre a guerra seguinte chamam-se os Generais de Churchill (em baixo), os Generais de Hitler ou os Generais de Estaline
A figura de Douglas Haig pode ser vista, de certa forma, como um fardo de que há que preservar a imagem, dadas as circunstâncias do Reino Unido ter chegado em vantagem ao tal armistício de 21 anos (1918-39). No entanto, é visível, entre os principais pensadores militares britânicos do período entre guerras, que as opiniões sobre ele variaram entre a ausência de grandes comentários (sempre passível de interpretação…) de J.F.C. Fuller, e uma crítica severíssima de B.H. Lidell Hart sobre a forma como Haig conduziu muitas das grandes operações ofensivas durante a Guerra.
De uma forma menos sustentada intelectualmente, mas muito mais arrasadora, a relativamente recente série televisiva cómica Blackadder Goes Forth (1989 – na foto de cima) representa através de um hipotético general Melchett a imbecilidade de um general encerrado na sua mansão, distante dos seus homens e das condições quotidianas da guerra das trincheiras. Numa das cenas, apontando para um mapa estendido em cima de uma mesa no meio da sala, Melchett mostrava a progressão das suas unidades desde o início da ofensiva. Blackadder perguntou-lhe qual era a escala do mapa. 1:1 foi a resposta…

O que se torna extremamente significativo concluir de um livro como Os Generais de Haig é que Douglas Haig era afinal um produto típico da sua classe, membros de uma aristocracia de uma sociedade onde os melhores talentos tendiam a preferir a muito mais prestigiada Royal Navy. Entre o elenco dos comandantes dos exércitos britânicos (Allenby, Byng, Birdwood, Gough, Horne, Monro, Plumer e Rawlinson – em baixo, juntos em 11 de Novembro de 1918, dia do Armistício) predominam os talentos medianos, numa situação de empate e impasse táctico que exigia como resposta, para além da aplicação e método, muita imaginação.

O contraste é grande com os perfis e biografias dos comandantes da geração seguinte (Wavell, Alanbrooke, Montgomery Alexander, Auchinleck, Wilson, Percival ou Slim), os tais Generais de Churchill, que tinham uma preparação técnica e uma formação básica incomparavelmente superiores aos dos seus homólogos da grande guerra anterior. Muitas vezes a nostalgia impede-nos de ver quanto a evolução técnica tem tornado os cargos (neste caso concreto, os de alto comando) progressivamente cada vez mais exigentes.

28 março 2007

A SENSIBILIDADE PARA SE PODER DIZER FERNANDO PESSOA

Transcrição de um comentário de um blogue da autoria de um anónimo, que adivinho pessoa experiente na actividade de comentador frequente de blogues:

A Zazie é uma verdadeira intelectual. É impossível ficar-lhe indiferente. Ela leu Kant, Francis Bacon, David Hume, Richard Rorty e Ludwig Wittegenstein, Stuart Mill, Karl Ppopper, Kuhn, Weber, Durkheim, Georg Simmel, Karl Marx, Talcott Parsons, H.. Garfinkel, Norbert Elias, Jurgen Habermas , Horkheimer, Adorno, Ortega Y Gasset, Unamuno, Edgar Morin, Hannah Arendt, Karl Schmitt, Maquiavel, Rousseau. Digam-me lá: Quantos se poderão gabar do mesmo?

Para melhor situar o leitor, Zazie é um pseudónimo de uma outra comentadora anónima, muito batida num certo estilo de bate-boca frequente nas caixas de comentários de blogues com muita afluência. Percebe-se que o texto seja completamente irónico (mencionam-se ali nomes que eu não suspeito quem sejam...), embora creia que há nele uma parte de ironia intencional – a que enumera os 25 autores hipoteticamente já lidos pela Zazie – e outra nem tanto: é que quando em Portugal se chega ao pedantismo cultural requintado, não se lêem (nem se discutem) livros nem ideias neles contidas, lêem-se os autores, como se toda a obra da vida de um autor se pudesse comprar e absorver assim como uma espécie de pack DVD…
Será talvez isso que retira substância a muitas conversas, quando se substitui o confronto das ideias (próprias ou alheias) pela enumeração desnecessária (e muitas vezes ilícita) de autores de nomeada como argumento último. Lembro-me de um gag de televisão discreto, mas muito eficaz, troçando disso, nos princípios da década de 90 e dos outros tempos de Hermann José. Era Vítor de Sousa que aparecia vestido de intelectual, lacinho e cachimbo ao canto da boca, e solicitava:
- Posso dizer Fernando Pessoa?... – Podia…
- Fernando Pessoa… Pronto, já disse…

OS COURAÇADOS DE CALIDAD…

Tendo uma costela raiana, mesmo daquelas que bordeja a fronteira, desde pequeno que tenho interiorizado que, em produtos alimentares, havia em Espanha produtos naturais que eram verdadeiramente únicos, como aquele pão de trigo branco ou o solomilho, que é uma carne tenra de chorar por mais, que coexistiam com produtos industriais de uma mediocridade que os espanhóis guardavam ciosamente o segredo, como os refrigerantes La Casera (acima) ou os chocolates que tinham um efeito laxante ainda mais potente do que um clister…

Fruto provável do condicionamento industrial destinado a proteger as indústrias nacionais, tudo o que era de origem espanhola – especialmente os brinquedos, que recordo melhor – tendia a quebrar-se, deixar de funcionar ou uma outra qualquer vicissitude a um ritmo característico – e rápido. De tal forma que sempre interiorizei que a associação da palavra qualidade com o adjectivo espanhola, faz tanto sentido como as expressões humor alemão, modéstia francesa, discrição italiana ou pontualidade portuguesa.

Já adulto, descobri que esta falta de vocação para a produção industrial de qualidade era afinal uma vocação antiga em Espanha. E o exemplo que darei mostra a Espanha que conhecemos em todo o seu espavento e esplendor, excelente na imagem geral, mas completamente desatenta aos pormenores, como se se tratasse de uma sevilhana dançando com um lindíssimo vestido vermelho garrido, ornada de jóias, penteada e pintada com esmero, mas tendo-se esquecido de rapar os sovacos ou de os lavar…

Regressemos aos princípios do Século XX e à época em que os couraçados eram um argumento de poder mundial que era levado a sério. Era o Reino Unido a potência que os possuía em maior quantidade mas todas as outras ambicionavam possuí-los, nem que fosse pelo prestígio conferido pela presença de um entre a marinha de guerra de um país em relação aos seus rivais: o Brasil comprou 2, a Argentina também quis 2, para rivalizar com os do Brasil e o Chile acabou por comprar 1, para não ficar atrás da Argentina…
É evidente que a Espanha também quis os seus e, considerando-se muito superior às potências medianas como as latino-americanas do parágrafo anterior, quis logo três e, para mais, construídos em estaleiros espanhóis, em vez de comprados ao Reino Unido, como os outros haviam feito. Aos três navios da classe foram dados os nomes de España, Alfonso XIII e Jaime I (este último é o que está representado na fotografia acima). Quanto aos aspectos técnicos prefiro transcrever a opinião (traduzida) de um livro especializado (Warships*):

Estes três navios são passíveis de nota principalmente porque foram os couraçados mais pequenos e mais vagarosos a serem jamais construídos, apesar de terem provavelmente também a pior protecção em termos de blindagem**. Foram construídos pela SECN nos estaleiros navais de El Ferrol, e uma das maiores dificuldades de construção foram as dimensões das instalações disponíveis… Seguem-se as suas características técnicas: 15.452 toneladas de deslocação, 140 metros de comprimento, 8 peças de 305 mm como armamento principal…

Além da qualidade de construção, a história dos navios também é triste: o primeiro (España) acabou num recife ao largo de Marrocos em 1923… O segundo (Alfonso XIII), que veio a ser rebaptizado com o nome de España com a proclamação da República Espanhola em 1931, ficou do lado nacionalista na Guerra Civil (1936-39), mas afundou-se em 1937, ao embater numa das suas próprias minas… O terceiro (Jaime I), que ficara na posse dos republicanos, teve uma explosão interna acidental em 1937 que o tornou irreparável…
Actualmente (desde 1988) a Espanha possui um pequeno porta-aviões (o Príncipe de Astúrias, com quase 16.000 toneladas de deslocação e 196 metros de comprimento – na fotografia acima – que opera com aviões de descolagem curta ou vertical – AV-8B Harrier – e helicópteros), numa configuração que, ao contrário dos couraçados desta história, parece ter tido sucesso, tanto mais que já serviu de modelo para um porta-aviões tailandês, o Chakri Nareubet.

Julgo que a globalização já muito deve ter feito pelo desaparecimento daquelas verdadeiras aberrações industriais de outrora mas, voltando a um outro exemplo alimentar, e regressando especificamente ao caso dos refrigerantes, não me canso de continuar a achar um verdadeiro mistério como o colectivo das papilas gustativas espanholas mostra preferência pela Fanta Naranja quando em comparação com o Sumol ou pela Fanta Limón quando comparada com o Trinaranjus de limão…
* WARSHIPS From 1860 to the present day, David Miller, Salamander 2002
** Teoricamente, o aumento da blindagem de protecção aumenta a tonelagem de um navio e, em consequência, prejudica-lhe a velocidade. São parâmetros antagónicos, mas neste caso, estranhamente, os navios eram vagarosos e estavam mal protegidos .

27 março 2007

COMO É QUE É MESMO A PERGUNTA?

Confesso-vos que é com um certo orgulho que, tratando-se neste blogue dos assuntos mais variados, descubro entre quem o visita que o faz a partir de pesquisas realizadas no motor de busca Google acerca dos assuntos mais díspares possíveis. Embora nalguns casos (raros) exista um poste que responde cabalmente à pergunta colocada, numa esmagadora maioria das vezes isso não acontece. E, há casos em que, quando descubro isso, fico com pena e torna-se mesmo incentivo para que escreva um poste suplementar sobre esse mesmo assunto. Algumas dessas questões são assim ajudas à inspiração, que agradeço…

Recolhidos o fluxo de dois dias de questões engraçadas, houve quem viesse ao Herdeiro de Aécio procurar um Resumo da reunificação da Itália, assunto sobre o qual nunca escrevi, ou perguntando Que religiões predominam nos países que surgiram na região ocupada pelo império romano do ocidente, assunto sobre o qual acabei por vir a escrever (ver o poste A PEDIDO DE VÁRIAS FAMÍLIAS...). Aliás, este segundo caso é um caso típico de uma prática que me surpreende, a de, em vez de se usar palavras-chave, se desenvolve uma alargada conversa com o Google, possivelmente na esperança inconsciente que o mesmo Google retribua a cortesia na resposta…

Entramos em territórios mais bizarros quando o Herdeiro de Aécio é seleccionado pelo Google como hipótese de resposta satisfatória a quem procura saber notícias de um Curso de noiva da Ásia ou informações sobre Os homens mais feios do mundo… Mas, mesmo aí, ainda é perceptível o propósito da pergunta. O que eu gostaria de compartilhar convosco é o conteúdo de alguns temas pesquisados no Google e direccionados para este blogue para os quais não me sinto em condições de assegurar se lhes saberia responder ou não. Exemplos:

Armas fabricada mundialmente durante a história não vos parece ser um tema desmesuradamente vasto, mesmo excluindo os machados e as lanças com pontas de pedra lascada do armamento da pré-história? E, mantendo-nos no mesmo tema, Armamento antes de Cristo não poderá prestar-se à interpretação que Cristo terá sido um inventor genial que revolucionou as técnicas de construção do mesmo? E qual será a sugestão ao que se possa dizer sobre a associação entre Guerra-fria e os armamentos pelas tribos somalis?

Quanto às culpas alemãs pelo deflagrar dos dois grandes conflitos do Século XX, há quem pergunte Alemanha porque razões da 1 guerra ou Porque os alemões (sic) estiveram nas razões desses conflito, além de prováveis auxílios à localização geográfica O no (sic) do país que está no lugar da antiga Prússia. Quanto às consequências, há quem procure Fotos das mortes da 1ª guerra mundial o que, dado o número de oito milhões, deixa prever que o álbum de fotografias se estenda por algo mais do que um volume…
Depois há questões que me parecem ser de um carácter vago e/ou especulativo Outra religião semelhante ao hinduísmo (semelhante em que sentido?), Como era as boas maneiras na antiguidade idade media e idade moderna? (em que sociedades?) ou ainda Neocolonialismo e se ele não tivesse acontecido como estaríamos no dia de hoje? (a pedir a resposta de um texto de história virtual de Niall Ferguson – imagem acima). Outras, ao contrário, são extremamente precisas no que buscam: A colonização da africa pelos europeus traduzidos em mapas coloridos separando cada país e sua colonização.

Deixei para o fim aquelas questões em que confesso a minha inabilidade para conceber uma resposta satisfatória: não imagino o que seja o Mapa político do continente da China, nem imagino onde se localizarão As águas da Arábia Saudita, não tenho a mínima ideia qual seja a História gesto justiniano, nem sei de qualquer informação que possa contribuir para ajudar quem chegou ao Herdeiro de Aécio perguntando pela Amazónia berço do mundo espanhol. E deixa-me intrigado o que procurava quem introduziu no motor de busca: A sigla, nome, localização da sede de futbol (sic)…

Porém, as minhas questões favoritas vão para a sensibilidade evidente de quem buscava Poemas sobre grupos operacionais de helicóptero e, sobretudo, para a ingenuidade de quem perguntou Quais foram os fotos históricos que fez a linguagem grega se expandir… Mas ao menos, neste último caso, eu poderia prestar o esclarecimento que não há assim uma cobertura fotográfica tão desenvolvida sobre a Grécia Clássica…

26 março 2007

O NOSSO PRESTÍGIO NO MUNDO

Ao ler uma notícia saída no Le Monde, a respeito do Alto Comissariado para os Refugiados e da necessidade da construção de campos de refugiados para os iraquianos que, cada vez mais, abandonam o seu país, fui lê-la muito atentamente, não houvesse nela referências que nos fossem gratas, ao nosso prestígio no mundo... Infelizmente, nada encontrei… Ou os franceses são muito xenófobos e/ou os portugueses foram muito otários…

O REFRACTÁRIO* A QUEM NÃO DEIXAVAM SER SPINOLISTA

Entre as reportagens saídas nos jornais logo na ressaca imediata do 25 de Abril recordo uma, muito curiosa, a respeito de um refractário à tropa, que continuava a viver clandestinamente em casa com a mãe para fugir à incorporação e à guerra colonial. Naquele clima de liberdade eufórica que dominou o final de Abril e a primeira quinzena do Maio de 1974, a reportagem do jornal explicava todos os estratagemas que mãe e filho tinham elaborado para conseguirem camuflar a presença do último em casa.

Mas embora fosse castiço ler as justificações que a senhora prestava à vizinhança sobre a presença de tanta roupa - de homem! - a secar na corda da roupa ou as compras de comida na mercearia (a versão era que o filho estava para França...), o que me marcou, a ponto de deixar recordação, era uma frase proferida pelo clandestino e que até servia de rodapé à sua fotografia que ilustrava a reportagem: - Fascista não queria ser. Spinolista não me deixavam… Recorde-se que ainda se estava numa fase incipiente da Revolução, onde ainda era aceitável reclamar-se spinolista
O que aquela frase continha de engraçado na sua candura quase ingénua, e ao pretender dar um significado político profundo a uma atitude de mera auto preservação, vim a ouvi-la depois, até perder a piada por ser imensas vezes repetida, de inúmeras outras formas muito mais sofisticadas, sempre que se abordava o assunto da evasão à guerra colonial. Admito que não estou em condições de julgar quem escolheu formas evasivas de evitar a guerra colonial. São problemas que se avaliam quando os problemas se põem em concreto.

Mas sinto-me com o maior à vontade para manifestar todo o meu cepticismo àqueles que justificaram depois a sua atitude através da capa de convicções políticas que uma análise cuidadosa do resto dos factos se encarrega normalmente de desmentir. Como aquele desgraçado da reportagem que invocava (improvavelmente) Spínola, ou que invocaria fosse quem desse, desde que o mesmo o fizesse não embarcar e ir combater na Guerra. Melhores na forma, as invocações da esmagadora maioria dos intelectuais oriundos das classes altas (que muitos ainda mantêm mais de 30 anos depois ...) apenas me parecem mais sofisticadas politicamente…

* Quem faltava à convocatória para cumprir o serviço militar. Aqueles que o faziam depois de o começarem a cumprir eram considerados desertores.

25 março 2007

OLD SARUM

Old Sarum é a designação do local onde inicialmente se situava a urbe que mais tarde veio a transformar-se na moderna cidade de Salisbury (115.000 habitantes) na Inglaterra (mapa de cima). Localizado em local relativamente elevado, o que permite controlar à distância as aproximações a partir de cinco vias naturais distintas, crê-se que o local tivesse sido habitado desde a pré-história.

Sabe-se o nome pelo qual o local ficou conhecido durante o período de domínio romano (Sorviodunum) e como continuou a cumprir a sua importante função militar, indício que durante os mais de 350 anos desse período as condições de segurança geral vigentes na Grã-Bretanha nunca se assemelharam às que trouxeram a prosperidade aos países da Europa meridional e da cintura Mediterrânica sob o mesmo domínio.

Mesmo após o fim do domínio romano (princípios do Século V) a importância militar do local continuou a ser reconhecida e durante o período medieval (Século XI) foi ali erigido um Castelo ao mesmo tempo que, como era costume na época, se tornava a sede de uma diocese, e se procedia à construção da respectiva catedral. Apenas os aspectos militares justificavam a localização daquelas infra-estruturas num sitio elevado e agreste.

A melhoria das condições gerais de segurança, despoletado por um conflito entre os dois braços do poder (clero e nobreza) levou à deslocação da residência do bispo, nos inícios do Século XIII, para sítios mais amenos e férteis, nas margens do rio Avon, que corre ali perto. Essa mudança acabou por polarizar a fixação de populações em terrenos mais amenos e ao aparecimento de uma nova povoação, New Sarum, que hoje tem o nome de Salisbury.

A Europa está recheada de episódios semelhantes, onde antigas povoações fortificadas deram origem, por essa época, a novas povoações, localizadas a curta distância, em lugar mais ameno e mais favorável para a agricultura. Para dar apenas um exemplo português, encontramo-lo nas povoações alentejanas de Monsaraz (imagem de baixo) e de Reguengos de Monsaraz. O engraçado é que a fama de Old Sarum começa com a sua decadência.
Por séculos e séculos Old Sarum manteve a importância formal que outrora tivera, nomeadamente porque mantinha a capacidade de ser representada na Câmara dos Comuns por dois representantes. De acordo com os costumes tradicionais ingleses – que até nem eram muito distintos dos praticados nas Cortes portuguesas da mesma época – as cidades faziam-se representar nessas Assembleias pelos seus delegados.

Trata-se de um sistema de representação, embora de uma sofisticação muito embrionária, onde se torna importante que as regras que presidem à sua constituição evoluam com a realidade – nas Cortes portuguesas, por exemplo, tem significado estudar a evolução da importância relativa das cidades em Portugal, verificando a ordem com que os seus representantes se sentavam (mais à frente ou mais para trás) quando participavam nos trabalhos.

Tanto em Portugal como na Inglaterra, era uma prerrogativa real atribuir ou retirar essa capacidade de representação. A evolução política que levou a que, em Inglaterra, a classe social dominante exercesse o seu poder através da Câmara dos Comuns, retirando muitos dos poderes reais, teve a consequência colateral de impedir o monarca de ajustar a composição do Parlamento à evolução demográfica e económica do país.

Depois de cerca de 150 anos sem quaisquer reformas na sua composição – as últimas haviam sido efectuadas no reinado de Carlos II (1660-85) – a Câmara dos Comuns britânica na década de 1820 continha membros que tinham sido para ali eleitos por círculos eleitorais muito bizarros, conhecidos colectivamente pelo epíteto de rotten boroughs*, de que o mais famoso é o de Old Sarum, que dá titulo a este poste.

No inventário feito em 1831 a respeito desses círculos, concluiu-se que em Old Sarum havia três habitações… onde ninguém votava, porque os 11 eleitores registados naquele círculo eram todos não residentes… Como o voto não era secreto, compreende-se a facilidade com que se podia comprar a eleição para um dos dois lugares a que Old Sarum tinha direito no Parlamento britânico. Um dos compradores chamara-se William Pitt, o Velho (em baixo), uma das figuras mais marcantes da política inglesa do Século XVIII…
Talvez tão obscenos, seriam os casos de Gatton (23 casas e 7 eleitores), Bramber (35 casas e 20 eleitores) ou Newtown (14 casas e 23 eleitores). Convêm esclarecer que os direitos de voto na época eram muito restritivos, mas, mesmo assim, estima-se que houvesse entre 200.000 a 400.000 eleitores em todos o Reino Unido. E havia outras restrições quanto a quem podia ser eleito: católicos e judeus estavam excluídos, por exemplo.

Em 1832 foi aprovada uma primeira lei que reformou o sistema eleitoral, abolindo a maioria desses círculos eleitorais escandalosos e alargando a capacidade de voto a novas classes. Essas reformas foram prosseguidas noutras leis posteriores em 1867 (alargamento do eleitorado), 1872 (voto secreto), 1885 (círculos homogéneos) e 1918 (voto feminino).

O actual sistema uninominal britânico foi-se construindo gradualmente e há aspectos em que ele é muito propenso a que possa ser facilmente desrespeitado por quem esteja no poder: na reconfiguração dos círculos eleitorais em benefício do partido governamental, por exemplo** - veja-se abaixo, em verde, o resultado disso no formato anacrónico do 7º círculo eleitoral do estado da Geórgia, nos Estados Unidos...
Este extenso poste sobre Old Sarum serve para concluir em como me custa ouvir a superficialidade da argumentação que se vai ouvindo por aí, defendendo a implementação em Portugal de sistemas eleitorais com base em círculos uninominais. Quem o faz, por um lado parece não conhecer a história e as fragilidades do sistema que preconiza e por outro parece não conhecer capazmente a sociedade do país onde vive…


* Burgos apodrecidos, no sentido de decadentes.
** É muito praticada nos Estados Unidos, e a prática é conhecida por gerrymandering.

24 março 2007

O GENERAL QUE NÃO TINHA JEITO PARA MATEMÁTICA E O CADETE NAVAL QUE SE INTERESSAVA PELA AVIAÇÃO

De entre a relativamente extensa lista de oficiais generais norte-americanos que, durante a fase final da Segunda Guerra Mundial (1944-45), ocupavam os mais altos cargos de comando dos exércitos que lutavam na Europa Ocidental, como Eisenhower, Bradley, Devers, Hodges, Patton, Simpson, Patch e Brereton*, assinale-se a coincidência que metade deles (os assinalados a grosso) pertenciam ao mesmo curso de saída da Academia Militar de West Point, o de 1909.

Mas isso serão daquelas coincidências que o efeito das promoções por antiguidade tornarão corrente em quase todos os exércitos do mundo. O que tornará distinto o exército norte-americano na sua flexibilidade hierárquica é o pormenor de que um dos generais, Courtney Hodges (abaixo), tivesse sido forçado a desistir do curso de West Point por causa da matemática (o mesmo aconteceu com o muito mais famoso George S. Patton, só que este voltou a concorrer para repetir o ano).
A carreira de Hodges veio assim a evoluir de forma diferente, assentando praça em 1906, para se tornar oficial miliciano em 1909, ser mobilizado para França, durante a Primeira Guerra Mundial, onde se distinguiu a ponto de ser convidado a tornar-se instrutor precisamente na Academia de West Point, cujo curso não completara. Contudo, esse facto não se tornou impeditivo da sua progressão na carreira, como se viu: recebeu o comando de um Exército e atingiu o posto de general de quatro estrelas.

Outro pormenor peculiar que vale mencionar para realçar a flexibilidade hierárquica existente nas forças armadas norte-americanas era o caso do comandante do I Exército Aerotransportado Aliado, Lewis H. Brereton (abaixo), que, apesar de comandar a maior formação de pára-quedistas e tropas aerotransportadas que jamais existiu, havia feito a sua formação militar básica… na Academia Naval de Annapolis, onde começara muito cedo a mostrar predilecção pela aviação.
Tanto Hodges como Brereton foram generais discretos, pouco propensos a alimentar a imprensa e o ego durante a guerra (como Patton), ambições políticas depois dela (como Eisenhower) ou acertos de contas pessoais através de autobiografias (como Bradley). Outros títulos alternativos para este poste poderiam ser O Oficial miliciano que chegou a General de Quatro Estrelas e O Marinheiro que comandou as unidades pára-quedistas. Em que forças armadas de quantos países e em que circunstâncias teria isso sido possível?

* Que eram, respectivamente, o Comandante Supremo, os comandantes do 12º e Grupo de Exércitos e os comandantes do I, III, IX e VII Exércitos norte-americanos e do I Exército Aerotransportado Aliado. Na fotografia inicial, na primeira fila e, da esquerda para a direita, aparecem Patton, Bradley, Eisenhower e Hodges.

23 março 2007

1939 E 1941, AS PIRUETAS DIALÉCTICAS OU A DIALÉCTICA DAS PIRUETAS

A fotografia acima é um justo símbolo da vitória russa sobre a Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial. Contudo, até ali chegar, muito se passou e muito do que se passou não foi nada linear. A uma distância de 68 anos e extintas as animosidades da guerra-fria é difícil não analisar com bonomia as vicissitudes por que passaram os dirigentes e militantes comunistas da época, abalroados nas suas coerências pelas necessidades das manobras diplomáticas e estratégicas da União Soviética.
É muito conhecida a manobra diplomática de surpresa que, nos finais do mês de Agosto de 1939, veio a estabelecer um Pacto entre a Alemanha e a União Soviética (acima). Uma boa parte da surpresa foi causada pela animosidade ideológica entre os dois regimes, que até já fora objecto de um confronto anterior sangrento, embora por facções interpostas, durante a Guerra Civil de Espanha. Descartada a ideologia, os dois regimes assentaram na altura numa solução pragmática, mutuamente vantajosa (partilha da Polónia), que os tornava cúmplices.

O que noutros países – como Portugal – deve ter sido um pormenor ideológico que apenas testava a agilidade dos rins para a capacidade argumentativa dos comunistas (vulgo dialéctica marxista), deve ter assumido nos países que já estavam directamente envolvidos no conflito desde o seu início (Alemanha, Polónia, Reino Unido e França) aspectos de dilema com que não é difícil simpatizar, como terá sido o caso do PCF e do seu dirigente máximo, Maurice Thorez (abaixo), naqueles meses do Outono de 1939.
O Partido Comunista Francês, cujos deputados haviam votado favoravelmente o Orçamento de Guerra no Parlamento e cujos dirigentes e militantes haviam aceite a ordem de mobilização geral decretada pelo governo quando da declaração de guerra, acabou por se ver instado por Moscovo a alterar o seu discurso e a denunciar o carácter imperialista da guerra, o que acabou por o isolar politicamente (uma fracção dos seus deputados vieram a abandoná-lo), a vir a ser considerado suspeito e depois ilegalizado (26 de Setembro de 39), culminando com a deserção de Thorez por instruções superiores, que partiu para Moscovo.

Sacolejados assim sem qualquer cerimónia na sua coerência nacional pelas necessidades russas quanto à definição de prioridades das ameaças, os partidos comunistas dos países europeus, tipificados no maior deles, o francês, vão passar por momentos humilhantes, durante estes anos de 1939 a 1941, de que um exemplo evidente é o episódio em que se solicitou às autoridades alemãs de Paris (1940) que o jornal do partido, o L´Humanité, pudesse tornar a ser legalmente publicado, o que foi liminarmente recusado (com a concordância evidente de Vichy).
Mas, mudemo-nos para o continente americano, e saiba-se como, por esses anos, também ali se travava também uma guerra terrível pela formação da opinião pública quanto à posição a adoptar pelos Estados Unidos em relação ao conflito mundial. A coligação que se opunha à participação norte-americana era bem bizarra (acima), com a confluência objectiva dos interesses ideológicos dos isolacionistas nativos (protagonizados pelo popular Charles Lindbergh) com os interesses estratégicos da Alemanha e da Rússia.

Mas vale a pena exemplificar a segunda pirueta dialéctica num episódio engraçado, passado em Nova Iorque, quando, à entrada de um comício dos Fighters For Freedom* (uma organização que fazia lóbi pela participação dos Estados Unidos na guerra ao lado dos aliados), os participantes foram acolhidos à entrada por uma contra manifestação de protesto cujos membros empunhavam cartazes denunciando os intervencionistas como joguetes do imperialismo britânico a soldo dos capitalistas de Wall Street…
À saída já não havia contra manifestação nenhuma. Estava-se a 22 de Junho de 1941 e soubera-se entretanto que a Alemanha invadira a Rússia… O relato que li não esclarece se os contra manifestantes entraram logo directamente no recinto para participarem no comício, ou se ainda passaram pela sede para receberem novas instruções sobre o que fazer…
* Combatentes pela Liberdade

22 março 2007

OS TAXISTAS DA INTERVENÇÃO E ANÁLISE POLÍTICA


Embora já tenha sido muito pior, ainda são famosas as atitudes de condução e comportamento da classe dos motoristas de táxi. Para qualquer condutor normal ainda é grande o temor, pelo inesperado, do que qualquer um deles possa fazer na estrada e das consequências de lhe chamar a atenção para o facto, episódios que normalmente terminam com um chorrilho de impropérios da parte do taxista. São características que levam a sociedade a colocar, instintivamente, os taxistas numa classe separada em relação aos restantes condutores. Por isso, apanhar um táxi pode ser um momento tenso de convívio com um alienígena.

Eu bem sei ter prometido a mim mesmo que ia evitar de futuro imiscuir-me em assuntos de política corrente no blogue. E, de certa maneira, não estou a quebrar a promessa ao escrever este poste porque a essência do assunto a abordar pode ser considerada quase científica, do âmbito da lógica, da gestão e da sociologia. Quando se estabelecem objectivos de gestão e os resultados da actividade fazem com que eles sejam superados, como aconteceu com o anúncio do valor do deficit orçamental de 2006, estamos perante boas notícias. Por vezes os valores podem ser manipulados mas não parece ser o caso.

E o facto é esse, tão simplesmente. Depois haverá o tratamento político a dar-lhe, dentro do razoável, ignorando-o, minimizando-o ou cumprimentando os executores, tentando capitalizar uma imagem de equilíbrio e justiça. Depois, há esta realidade: são os políticos no activo, os que se disfarçam de analistas ponderados e distanciados e os aspirantes à obtenção desse mesmo estatuto que parecem estar, neste caso concreto, para o emprego do senso comum e da honestidade intelectual na análise e comentário sobre o tema como a maioria dos taxistas costumam estar para o civismo e o cumprimento das regras de trânsito…

Muitas elaborações que já li por aí a propósito do valor do deficit orçamental de 2006 parecem-me fazer tanto sentido quanto, por exemplo, os insultos com que o taxista costuma injuriar o desgraçado que, crédulo, julgava que a regra que estabelece a prioridade dos peões nas passadeiras também se aplicava aos táxis… Nestes casos patentemente objectivos, é que se torna evidente como as regras do discurso e análise política, assim como as de trânsito, não se aplicam a qualquer daqueles grupos especiais que, pela sua própria conduta, acabam por se tornar numa espécie de marginais ao resto da sociedade.

21 março 2007

O PAÍS DE QUE OS BONS JOGADORES DE STOP NÃO PODEM PRESCINDIR

Não sei se ainda se joga o Stop, aquele jogo onde, dada uma determinada letra, há que descobrir um número convencionado de artigos que começassem por essa letra. Mas eu joguei-o muitas vezes e, como bom jogador que me prezava de ser, possuía algumas referências em carteira, quando a letra saída era das mais difíceis. E uma dessas referências era Omã, a resposta difícil (e única – o que dava muitos pontos…) para países cujo nome começasse pela letra O.

Omã, até aos princípios da década de 70, era conhecido pela designação de Sultanato de Mascate e Omã – o que dava muito menos jeito para o jogo e era até pretexto para contestações… - o que reflectia de forma mais evidente a composição mista do país, onde sempre se combinaram uma sociedade nómada tribal, liderada por um guia espiritual religioso (o Imã) no interior sul, com uma outra sociedade urbana, de raiz marítima e comercial no litoral norte, próxima do Sultão.

A separar geograficamente aquelas duas comunidades históricas situa-se uma extensa cadeia montanhosa que acompanha, em paralelo, a costa norte do país – conforme se pode ver pelo mapa de Oman que encima este poste – e cujo ponto mais alto atinge os 3.000 metros de altitude. Quis o destino aqui, como em outras partes do mundo, que grande parte das reservas petrolíferas omanitas (17º lugar mundial) se situassem nas regiões do Sul, habitadas pelos nómadas…

Geograficamente pode-se considerar que a maior parte do território – tirando os 3% que compõem a pequena planície costeira a norte – é um pouco indistinto do núcleo central da Península Arábica (onde actualmente se situa a Arábia Saudita). Aliás, ainda hoje, parece haver controvérsia quanto ao traçado das fronteiras com o país vizinho, pois há publicações onde a área de Omã atinge os 310.000 Km2, enquanto outras a avaliam em 212.000 Km2… Ora 98.000 Km2, mesmo de deserto e areia, constitui uma área respeitável*.

Os antepassados das tribos nómadas contam-se, aliás, entre as primeiras aderentes ao Islão, ainda em vida de Maomé (Século VII). Muito antes disso, as cidades costeiras já haviam sido referenciadas por documentos de outras civilizações, dada a sua localização privilegiada, na embocadura do Golfo Pérsico, para os fluxos do comércio marítimo milenar que sempre se desenvolveu entre a Mesopotâmia e a Índia: recorde-se que uma pequena parte do exército de Alexandre Magno regressou da Índia por essa via.

Mas, surpreendentemente, logo no Século VIII, essas mesmas tribos nómadas passaram a divergir doutrinalmente da Umma**, aderindo à doutrina ibadita, à frente da qual passou a ser eleito um Imã. Paradoxalmente, foram as populações costeiras que se mantiveram fiéis à ortodoxia sunita. Nos séculos seguintes as duas regiões foram-se vergando sucessivamente à suserania distante e frequentemente não muito intrusiva das potências árabes, persas ou turcas predominantes na região.

Economicamente e de uma forma progressiva, aos circuitos comerciais no sentido Leste – Oeste (ligando a Índia e a Mesopotâmia ou o Egipto) juntou-se um outro, tão importante, no sentido Norte – Sul, envolvendo Omã e posições costeiras da África oriental, onde hoje se situa a Tanzânia (Zanzibar e Pemba), o Quénia (Mombaça) ou a Somália (Mogadíscio). Na época em que Vasco da Gama chegou à Índia, já esse circuito se tornara o mais importante para Omã e os entrepostos africanos eram dominados por comunidades muçulmanas mestiças.
Com a conquista daquelas posições africanas pelos portugueses, logo nos primórdios do Século XVI (1505), tornou-se lógico que fosse do interesse dos mercadores de Omã aderir ao mesmo espaço económico da tutela portuguesa (que, de outro modo, lhes estaria vedado). Assim, a partir de 1508, os portugueses apoderaram-se de Mascate e Sohar (portos à entrada do Golfo Pérsico), um feito de armas que enobrece os conquistadores mas onde se suspeita de conivência dos locais.

Aliás, pormenor curioso e se as minhas informações estão correctas, ainda há hoje na fortaleza de Mascate um velho canhão português do Século XVII, onde a tradição aconselha as mulheres locais com problemas de fertilidade a se sentar… Sem querer desenvolver o assunto para o extenso capítulo de antropologia que esta tradição com certeza merecerá (mereceu?), por não ser especialista da matéria, o facto em si dá a imagem de uma guarnição portuguesa memorável, mas não propriamente por razões militares…

Aliás, a presença portuguesa só terminou em 1650 e causada de uma revolta das tribos nómadas lideradas pelo seu Imã, que se tornou também no soberano da região litoral. Em coerência, cerca de uns 40 anos depois, também as regiões da África Oriental se vieram a libertar da tutela portuguesa, aderindo ao império comercial que se formou nas orlas do Índico e que se estendia desde Gwadar (cidade do Paquistão actual) até à ilha de Mafia, ao largo da costa da actual Tanzânia.

Vale a pena realçar que a fonte de prosperidade mais importante deste império comercial reconstruído que, a partir do Século XVIII, passou a ser governado por um Sultão, foi o tráfego de escravos entre a África negra e a Península Arábica. A importância relativa das suas regiões variou de tal maneira por causa disso que, entre 1840 e 1856, o Sultão de Omã mudou a sua capital para Zanzibar, tornando Omã um caso único de um estado não africano que teve o seu centro de decisão política em África***.

A parcela africana do império tornou-se independente da asiática em 1861, com dois filhos do Sultão a herdarem os títulos de Sultão de Omã e de Sultão de Zanzibar. Mas, enquanto este último acabou por cair sob a alçada britânica, Omã sempre se manteve, ainda que ficcionalmente, independente. Mas a tutela por detrás do trono era britânica (desde 1890), e muito embora houvesse uma grande autonomia do Imã e das populações nómadas do interior, segundo um Tratado assinado em 1920.
Foi precisamente naquelas regiões que vieram a ser descobertas jazidas de petróleo (em 1964, já depois das descobertas dos países vizinhos), inflamando ainda mais uma guerra civil quase ignorada que se vinha a travar em Omã, entre as forças militares do Sultão – com assessoria britânica e iraniana – e os irregulares nómadas – com apoio dos rebeldes iemenitas e do Egipto de Nasser. Essa guerra terá servido de inspiração ao álbum Oásis em Chamas de Bernard Prince, da autoria de Hermann e Greg (ver em baixo e poste anterior).
Em 1970, muito provavelmente com intervenção britânica, houve um golpe de estado onde o actual Sultão (que tinha então 30 anos) depôs o seu pai, iniciando um novo regime que, embora moderno, é de um despotismo esclarecido à boa maneira dos antigos monarcas europeus do Século XVIII como Frederico II da Prússia, Catarina II da Rússia ou José II da Áustria. O Sultão continua a ser um monarca absoluto e os pelouros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros dependem exclusivamente de si.

As receitas do petróleo têm conseguido comprar um certo nível de paz social, embora houvesse que extinguir militarmente a guerra civil que se travava no interior. A prosperidade tem atraído imigrantes, com predominância de originários do subcontinente indiano (estima-se que eles já sejam ⅓ da população total), mas a sua presença tem influenciado sobretudo as mudanças na zona litoral, a que historicamente foi sempre a mais cosmopolita.

O contraste acentua-se com o interior, onde os resultados das eleições que o Sultão autoriza que se realizem para uma Assembleia Consultiva (Majlis al-choura - as últimas foram em 2003), apenas confirmam o carácter tribal da sociedade (não são autorizados partidos políticos): dos seus 83 membros (2 mulheres), a maioria são eleitos com uma votação esmagadora, de acordo com as recomendações dos chefes. Também aqui, como no Iraque, a democracia não é coisa que se instale de um dia para o outro...

*Como comparação, Portugal tem uma área de 92.000 Km2.
** Palavra que se pode traduzir por comunidade ou nação islâmica, num sentido semelhante em que se emprega a palavra Cristandade para os cristãos.
*** Durante o período colonial aconteceu precisamente o contrário: nas capitais da Europa decidia-se o que acontecia em África.

20 março 2007

A SUPERIORIDADE CHINESA

Já li várias versões sobre a forma como se deve traduzir mais correctamente a expressão com que os chineses designam o seu país. A mais referida é a de Império do Meio, embora a palavra meio não consiga equivaler globalmente ao conceito original, o de localização central, em função do qual todas as restantes organizações políticas se dispõem. Por causa disso, outras versões, como Império no Meio ou País Central também são empregues, embora com bastante menos frequência.

É o próprio processo histórico milenar da evolução da China, agregando progressivamente as regiões onde o trabalho agrícola se ia organizando em função dos ritmos fluviais, de início ao longo do rio Amarelo, depois do Yangtzé e finalmente do rio das Pérolas, que está por detrás dessa concepção de Estado, onde existe um núcleo central civilizado e civilizador à volta do qual se vão agregando escalonadamente as periferias. Veja-se o mapa acima, datado de finais do Século XVIII, onde se reconhece a China, com as regiões mais antigas dominantes no seu centro.

Para a doutrina confucionista, todos os bárbaros das periferias poderiam vir a ser atraídos para o universo cultural chinês, sobretudo através do exemplo. A consciência evidente da superioridade demonstrada pela civilização chinesa levá-los-ia a aderirem a ela sem o recurso às manifestações da força: em suma tratava-se de uma antecipação milenar daquilo que hoje em dia é referido como o emprego do softpower pelos especialistas em estratégia e relações internacionais.

Como já por aqui várias vezes escrevi, o resultado desse poder de atracção é hoje bem visível na forma como se manifestam as características das culturas dos grandes países vizinhos da China como sejam os casos do Japão, do Vietname ou da Coreia. Mas, mau grado os sábios preceitos do confucionismo, em qualquer destes três países é detectável uma animosidade vincada contra a sobranceria chinesa, que até pode se exprimir por um outro vincado complexo de superioridade… no caso japonês.

Embora o exercício do softpower esteja agora a ser extremamente apreciado – sobretudo porque o exercício do hardpower está também muito em baixa, à custa da intervenção no Iraque… – é preciso não sobrestimar os seus resultados. Quando se avaliam os resultados políticos das viagens de cortesia das enormes armadas do Zheng He no Oceano Índico, no Século XV, eles são irrisórios, quando comparados com os resultados obtidos pelos portugueses, com recursos muito mais escassos, menos de um século depois.
A presença dos jesuítas na Corte chinesa nos Séculos XVII e XVIII foi apenas uma introdução, circunscrita no caso ao conhecimento das disciplinas científicas (onde se incluía a cartografia onde, escandalosamente, os jesuítas centravam os seus mapas na Europa…), do que estava para acontecer, com o retrocesso da China até um estatuto colonial no Século XIX e na primeira metade do Século XX. (simbolicamente, em cima, uma gravura de O Lótus Azul, uma aventura de Tintin passada em Xangai, na década de 1930).
Este ressurgimento actual da China, de que se pode datar o início em Outubro de 1949, com a proclamação da República Popular da China por Mao Zedong, irá levar, na perspectiva dos seus dirigentes, o país ao lugar que naturalmente ocupou ao longo da maior parte da História: o do maior e, consequentemente, o mais poderoso país do Mundo! A forma como a China exercerá esse poder está aberta à especulação, mas fica-me a suspeita que não será (como nunca foi) um poder democrático…
Por curiosidade, vale a pena comparar a imagem panorâmica da Praça Tiananmen (mais acima) com a sua imagem tradicional, correspondente a um dos seus lados (o mais distante), com o muro e o portão encimado pela fotografia de Mao. O portão dá para a antiga Cidade Imperial e, como todos os símbolos de poder constituídos por edifícios amuralhados (é o caso do Kremlin em Moscovo, por exemplo), transmite do poder exercido por detrás delas uma imagem majestática, mas não transparente, nem democrática…

Será que o futuro ainda nos deixará saudades da Casa Branca, do Capitólio e das notícias dos conflitos entre ambos*?

* A Casa Branca é a residência oficial do presidente norte-americano e o Capitólio a sede do seu Congresso.

19 março 2007

DE LÍNGUA DE FORA

É razoavelmente conhecida, nem que seja pelo seu exotismo, a saudação tradicional tibetana que consiste em pôr a língua de fora ao cumprimentar alguém. Mas, na verdade, a saudação corrente entre os tibetanos não é essa mas sim a clássica justaposição das mãos – como se vê na fotografia do Dalai Lama acima – gesto que se supõe ser de origem indiana e que, através da difusão do budismo, depois se propagou por grande parte da Ásia.

Pôr a língua de fora não é uma saudação tradicional mas sim um gesto de deferência ou de submissão. Segundo rezam as lendas, o gesto passou a ser exigido pelos mongóis aos tibetanos depois de um dos conquistadores ter morrido por causas que os mongóis atribuíram a encantamentos mágicos dos tibetanos, poderes que, na mitologia mongol, tornavam pretas as línguas dos magos. Para os mongóis, verificar as línguas dos tibetanos passou a ser um procedimento de segurança…
O gesto foi assim incorporado na etiqueta tibetana no contexto acima descrito e, por causa disso, frequentemente empregue com estrangeiros. Passados muitos séculos, supõe-se que o Capitão Haddock, companheiro de Tintin, de visita ao Tibete, além desse, tenha alargado o tipo de cumprimentos corteses da etiqueta tibetana (como se vê acima), embora não tivesse encontrado quaisquer referências a algum estudo sociológico avaliando esse impacto…

GUÉRRILLA POUR DES FANTÔMES

Guérrilla pour un fantôme é um livro de BD protagonizado pour Bernard Prince, da autoria de Hermann & Greg e datado de 1973. A versão portuguesa que disponho é um pouco posterior (Março de 1974) e, provavelmente por isso, por ter sido publicada antes do 25 de Abril, teve o seu título subtilmente modificado para O Regresso do Fantasma, não fosse aquela alusão à guerrilha dar-nos algumas ideias e a comparação transposta para o problema colonial…

Embora seja um grande apreciador do desenho de Hermann, nesta história considero que o destaque vai inteirinho para o argumento da mesma criado por Greg (Michel Regnier). Em síntese, o presidente de uma República latino-americana (Monteguana) é vítima de um atentado que destroi o seu iate de cruzeiro e ao qual escapa por acaso. O navio dos nossos heróis (o Cormoran), acidentalmente por perto, recolhe-o, assim como aos seus dois guarda-costas, os únicos sobreviventes da tragédia.

O atentado foi o pretexto para que houvesse um golpe de estado em Monteguana, desencadeado a pretexto da morte do presidente e anunciada pela comunicação social de Monteguana sem que tivesse havido qualquer pedido de socorro, quer fosse do iate presidencial, quer do Cormoran. Os tripulantes deste último vêm-se assim associados aos esforços do presidente eleito para recuperar o poder, enquanto os golpistas tentam eliminá-los a todos, tornando real a verdade oficial que fora entretanto proclamada…

Concedo que a analogia pode até nem fazer sentido à primeira vista, mas estes últimos esforços de Paulo Portas e amigos junto do seu partido têm estranhas semelhanças com o dilema dos golpistas desta nossa história de ficção, quando fizeram acontecer as coisas pela comunicação social antes delas de facto terem mesmo acontecido. Dadas as circunstâncias que as coisas ainda podem não lhes vir a correr de feição, só lhes restam as medidas últimas, para evitarem passar de uma penada da reputação de ambiciosos à de mentirosos…

Depois daquilo tudo (refiro-me às cenas de Óbidos) só faltou mesmo reaparecer Pedro Santana Lopes* na televisão, porventura ciumento das cenas gagas por que Paulo Portas estava a passar, a querer fazer-se lembrado… Mas para este último – embora do mesmo autor (Greg) – a BD que considero alusiva é completamente diferente: figurativa, mais cómica, sem qualquer vestígio de senso – Achille Talon! E o título deste poste refere-se à guerrilha por fantasmas; fantasmas que desconfio não existissem não fosse o destaque que a nossa comunicação social lhes dá...
* É sempre saudável e cívico relembrar e fazer uma visita à lista de nomes dos membros do Conselho Nacional do PSD que elegeram à albanesa o senhor em causa para primeiro-ministro…

18 março 2007

OS CAIXÕES VOADORES E OS HOMENS DAS ASAS DE OURO

Ao longo da História da Aviação já houve imensos aviões que ganharam a duvidosa reputação de serem classificados pelos pilotos por caixões voadores. A causa dessa alcunha não é difícil de adivinhar, embora houvesse casos em o título se devia às características do próprio aparelho, e noutros, em situação de combate, a causa fosse a obsolescência tecnológica face aos adversários…
No primeiro caso, falho de um julgamento definitivo, no campeonato cerrado sobre o aparelho que mais merecerá aquela distinção, apenas posso assegurar que o avião representado nestas fotografias está muito bem classificado. Trata-se do norte-americano Vought F7U-3 Cutlass, um caça a reacção concebido a partir do final da Segunda Guerra Mundial para operar a partir dos porta-aviões da Marinha.
O desenho arrojado no ar era complementado por uma inclinação acentuada quando pousado que lhe dava um aspecto esquizóide e que escondiam um comportamento em voo extremamente instável. Dos três protótipos originais, que iniciaram os testes em 1948, dois perderam-se logo nas primeiras semanas e o sobrevivente veio a perder-se em 1950, enquanto novos protótipos eram criados, corrigindo os sucessivos erros que eram detectados…
A terceira versão (daí a designação F7U-3) acabou por entrar ao serviço em 1954, mas começou a ser retirada logo três anos depois disso, quando apenas 300 unidades haviam sido construídas. A sua taxa de acidentes rondava uns horrorosos 25%, com a perda de mais de 80% dos aviadores envolvidos. A maioria dos outros aparelhos embarcados tinha índices de segurança em tempo de guerra superiores aos do Cutlass em tempo de paz…
Para quem aprecie BD e aviação é possível que se recorde de um avião bizarro, mas de grandes performances, que saiu da imaginação de Albert Weinberg, autor de Dan Cooper, numa história chamada Os Homens das Asas de Ouro*. O tal avião, como se vê pela capa do livro, tem muitas semelhanças com o F7U-3 e um estilo bastante atraente. Mas nunca voou… a não ser nas páginas daquela história. Há aviões que nunca deviam ter saído da prancheta do desenhador.
* Também saiu, em continuação, no primeiro ano da revista Tintin portuguesa do nº1 ao nº15 (1968).