20 março 2007

A SUPERIORIDADE CHINESA

Já li várias versões sobre a forma como se deve traduzir mais correctamente a expressão com que os chineses designam o seu país. A mais referida é a de Império do Meio, embora a palavra meio não consiga equivaler globalmente ao conceito original, o de localização central, em função do qual todas as restantes organizações políticas se dispõem. Por causa disso, outras versões, como Império no Meio ou País Central também são empregues, embora com bastante menos frequência.

É o próprio processo histórico milenar da evolução da China, agregando progressivamente as regiões onde o trabalho agrícola se ia organizando em função dos ritmos fluviais, de início ao longo do rio Amarelo, depois do Yangtzé e finalmente do rio das Pérolas, que está por detrás dessa concepção de Estado, onde existe um núcleo central civilizado e civilizador à volta do qual se vão agregando escalonadamente as periferias. Veja-se o mapa acima, datado de finais do Século XVIII, onde se reconhece a China, com as regiões mais antigas dominantes no seu centro.

Para a doutrina confucionista, todos os bárbaros das periferias poderiam vir a ser atraídos para o universo cultural chinês, sobretudo através do exemplo. A consciência evidente da superioridade demonstrada pela civilização chinesa levá-los-ia a aderirem a ela sem o recurso às manifestações da força: em suma tratava-se de uma antecipação milenar daquilo que hoje em dia é referido como o emprego do softpower pelos especialistas em estratégia e relações internacionais.

Como já por aqui várias vezes escrevi, o resultado desse poder de atracção é hoje bem visível na forma como se manifestam as características das culturas dos grandes países vizinhos da China como sejam os casos do Japão, do Vietname ou da Coreia. Mas, mau grado os sábios preceitos do confucionismo, em qualquer destes três países é detectável uma animosidade vincada contra a sobranceria chinesa, que até pode se exprimir por um outro vincado complexo de superioridade… no caso japonês.

Embora o exercício do softpower esteja agora a ser extremamente apreciado – sobretudo porque o exercício do hardpower está também muito em baixa, à custa da intervenção no Iraque… – é preciso não sobrestimar os seus resultados. Quando se avaliam os resultados políticos das viagens de cortesia das enormes armadas do Zheng He no Oceano Índico, no Século XV, eles são irrisórios, quando comparados com os resultados obtidos pelos portugueses, com recursos muito mais escassos, menos de um século depois.
A presença dos jesuítas na Corte chinesa nos Séculos XVII e XVIII foi apenas uma introdução, circunscrita no caso ao conhecimento das disciplinas científicas (onde se incluía a cartografia onde, escandalosamente, os jesuítas centravam os seus mapas na Europa…), do que estava para acontecer, com o retrocesso da China até um estatuto colonial no Século XIX e na primeira metade do Século XX. (simbolicamente, em cima, uma gravura de O Lótus Azul, uma aventura de Tintin passada em Xangai, na década de 1930).
Este ressurgimento actual da China, de que se pode datar o início em Outubro de 1949, com a proclamação da República Popular da China por Mao Zedong, irá levar, na perspectiva dos seus dirigentes, o país ao lugar que naturalmente ocupou ao longo da maior parte da História: o do maior e, consequentemente, o mais poderoso país do Mundo! A forma como a China exercerá esse poder está aberta à especulação, mas fica-me a suspeita que não será (como nunca foi) um poder democrático…
Por curiosidade, vale a pena comparar a imagem panorâmica da Praça Tiananmen (mais acima) com a sua imagem tradicional, correspondente a um dos seus lados (o mais distante), com o muro e o portão encimado pela fotografia de Mao. O portão dá para a antiga Cidade Imperial e, como todos os símbolos de poder constituídos por edifícios amuralhados (é o caso do Kremlin em Moscovo, por exemplo), transmite do poder exercido por detrás delas uma imagem majestática, mas não transparente, nem democrática…

Será que o futuro ainda nos deixará saudades da Casa Branca, do Capitólio e das notícias dos conflitos entre ambos*?

* A Casa Branca é a residência oficial do presidente norte-americano e o Capitólio a sede do seu Congresso.

3 comentários:

  1. Será que o futuro ainda nos deixará saudades da Casa Branca, do Capitólio e das notícias dos conflitos entre ambos?

    A questão é que a Europa vai sendo protegida pelos EUA dos nossos inimigos comuns mas com a China a tomar o seu lugar inevitável na cena internacional receio que venha a haver um total desequilíbrio nas relações entre as nações, sem que esta tenha a necessidade que os americanos têm em agradar aos seus aliados.

    E não nos esqueçamos o pânico que os nipónicos têm da outra margem - e há contas ainda não esquecidas...

    Mas há uma solução para isto tudo.

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  2. Sem quere fazer grande proselitismo, isto está em http://reference.bahai.org/en/t/ab/SDC/sdc-2.html

    As to those who maintain that the inauguration of reforms and the setting up of powerful institutions would in reality be at variance with the good pleasure of God and would contravene the laws of the Divine Law-Giver and run counter to basic religious principles and to the ways of the Prophet—let them consider how this could be the case. Would such reforms contravene the religious law because they would be acquired from foreigners and would therefore cause us to be as they are, since “He who imitates a people is one of them”? In the first place these matters relate to the temporal and material apparatus of civilization, the implements of science, the adjuncts of progress in the professions and the arts, and the orderly 26 conduct of government. They have nothing whatever to do with the problems of the spirit and the complex realities of religious doctrine. If it be objected that even where material affairs are concerned foreign importations are inadmissible, such an argument would only establish the ignorance and absurdity of its proponents. Have they forgotten the celebrated hadíth (Holy Tradition): “Seek after knowledge, even unto China”? It is certain that the people of China were, in the sight of God, among the most rejected of men, because they worshiped idols and were unmindful of the omniscient Lord. The Europeans are at least “Peoples of the Book,” and believers in God and specifically referred to in the sacred verse, “Thou shalt certainly find those to be nearest in affection to the believers, who say, ‘We are Christians.’” 1 It is therefore quite permissible and indeed more appropriate to acquire knowledge from Christian countries. How could seeking after knowledge among the heathen be acceptable to God, and seeking it among the People of the Book be repugnant to Him?

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  3. Desculpe, João Moutinho mas fiquei sem compreender a parte final do seu segundo parágrafo quando antecipa que venha a haver um desequilíbrio nas relações entre as nações. Quem é que tem e não tem necessidade de agradar aos seus aliados?

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